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sexta-feira, 8 de junho de 2018

Dra. Clenora Hudson-Weems, Nommo: Autonomeação e Autodefinição

Dra. Clenora Hudson-Weems 
Capítulo I
Nommo: Autonomeação e Autodefinição (Uma Revisão de "Autonomeação e Autodefinição: Uma Agenda para a Sobrevivência" em Irmandade, Feminismos e Poder (African World Press, 1998))
As mulheres que se dizem feministas pretas precisam de outra palavra que descreva quais são suas preocupações. O feminismo preto não é uma palavra que descreve a situação das mulheres pretas. A raça branca tem um problema de mulher porque as mulheres eram oprimidas. O povo preto tem um problema de homem e mulher porque os homens pretos são tão oprimidos quanto suas mulheres. (Julia Hare, 15)
A citação acima feita pela notável psicóloga preta, Julia Hare, que infelizmente desconhece a existência do Mulherismo Africana, uma terminologia e paradigma que responde ao seu chamado, faz um profundo comentário sobre a realidade da diferença na política da vida preta e da vida branca, particularmente em termos de como certos ideais têm diferentes significados em relação aos dois grupos. Em outras palavras, a declaração de Hare reflete as nuances da relatividade de uma determinada terminologia e conceito - feminismo - como emitidos por brancos e sua inaplicabilidade para homens e mulheres pretos que estão presos em primeiro lugar pelo fator racista e não pelo fator de gênero tão prevalentemente abordado hoje. Por causa do fator racial crítico para os pretos, outra acadêmica, Audrey Thomas McCluskey, conclui que "as mulheres pretas devem adotar um termo culturalmente específico para descrever sua experiência racializada" como ela é astutamente cônscia disso para as mulheres pretas, quer elas busquem ou não essa questão a ponto de se nomearem independentemente, "o debate sobre nomes reflete questões mais profundas do direito à auto validação e reivindicar suas próprias tradições intelectuais" (McCluskey 2). Assim, a necessidade crucial de autonomeação e autodefinição, um fenômeno de interconexão, torna-se definitiva, pois precisamos entender que, quando você dá nome a uma coisa particular, você simultaneamente lhe dá significado. Nommo, então, um termo africano que o teórico cultural Molefi Asante chama de "o poder gerador e produtivo da palavra falada", significa a denominação apropriada de algo que por sua vez lhe dá essência (Asante 17). Particularizando o conceito, Nommo, no poder da palavra. . . ativa todas as forças de seu estado congelado de uma maneira que estabelece a concretude da experiência. . . sejam alegres ou tristes, trabalho ou diversão, prazer ou dor, de uma maneira que preserve a humanidade [de alguém] "(Harrison xx).
Certamente, Nommo, um conceito poderoso e empoderador na cosmologia africana, evoca a existência material. Como o povo africano há muito tem sido negado a autoridade de não apenas nomear a si mesmo, mas, além disso, de se autodefinir, como inferido pela narradora de Amada da ganhadora do prêmio Nobel, Toni Morrison - "As definições pertenciam aos definidores, não aos definidos". Agora, é da maior importância que tomemos controle sobre esses fatores determinantes de nossas vidas, se esperamos evitar a degradação, o isolamento e a aniquilação em um mundo de ganância, violência e pandemônio.
Desde meados dos anos oitenta, tenho me envolvido seriamente no processo de nomear e definir adequadamente as mulheres africanas. Este processo tem sido efetuado identificando e refinando um paradigma centrado em África para todas as mulheres de ascendência africana. Ao observar o papel tradicional, o caráter e a atividade desse grupo, cuja afinidade reside em sua ancestralidade africana comum, cheguei à conclusão de que o Mulherismo Africana como construção teórica era mais um refinamento de ideais do que uma criação de ideais. Meu papel como teórica era observar as mulheres africanas histórica e culturalmente, documentar nossa realidade e depois refinar um paradigma relativo a quem somos, o que fazemos e o que acreditamos como povo. Embora esse processo pareça ser um curso natural de ação, a sociedade, ao contrário, não seguiu esse caminho. E mais, ignorou a verdadeira existência operacional desse longo fenômeno existente e optou por nomear e definir mulheres africanas fora de seu contexto cultural e histórico por meio da sobreposição de um construto estrangeiro - eurocentrismo/feminismo. Em essência, a cultura dominante manteve a posição de identificar quem somos e como nos encaixamos no esquema das coisas, sem nenhuma consideração por nossa autêntica realidade. Em vez de respeitar nossas vidas como representantes da auto autenticação, a cultura dominante se impõe sobre o povo africano. Para acabar com este legado de dominação europeia, os africanos terão de reivindicar ativamente a sua identidade, começando pela autonomeação e autodefinição. Como afirma Bob Bender, professor de inglês e estudos sobre mulheres (University of Missouri-Columbia), a nomeação é importante, e um dos problemas em ser chamado por algum outro grupo é que você não é quem você quer ser. Até que você tenha o direito de dar um nome a si mesmo e ao que você está fazendo, você não tem poder algum. O Mulherismo Africana é uma excelente ideia (Bender 7).
Uma agenda autêntica para as mulheres africanas, portanto, deve ser projetada com uma perspectiva endêmica, moldada pela nossa própria realidade cultural passada e presente, moldada por nosso próprio conjunto de prioridades estabelecidas. Em outras palavras, as mulheres africanas devem criar nossos "próprios critérios para avaliar [nossas] realidades, tanto no pensamento quanto na ação" (Hudson-Weems, Africana Womanism, 50).
Para começar, o conceito de Mulherismo Africana ao contrário do feminismo/feminismo preto, é um conceito centrado na família, mais do que centrado na mulher, que se preocupa primeiramente com o empoderamento racial em vez do empoderamento feminino. Certamente, o empoderamento feminino centrado como uma prioridade para as mulheres pretas não poderia fazer sentido em uma comunidade onde as próprias vidas não apenas do setor feminino, mas de todo o seu povo - homens, mulheres e crianças - estão em risco e ameaçadas diariamente pela dominação racista branca. Livrar a sociedade primeiro do racismo, que permeia a existência total da vida preta, torna-se então o primeiro passo para a sobrevivência humana. Um artigo de jornal em acompanhamento, encabeçando "Beyond Bra-Burning" (Além da queima de sutiã), da Primeira Conferência Internacional sobre Mulheres Africanas e da Diáspora Africana, realizada na Universidade da Nigéria, Nsukka (julho de 1992) destacou o impacto do Mulherismo Africana na conferência. Foi afirmado que as Mulheristas [Africana] não acreditam em queima de sutiãs. Elas acreditam na feminilidade, na família e na sociedade. Sua luta é elevar esses atributos, não repudiá-los. . . O homem e a mulher africana sempre foram parceiros complementares e, para que haja um empoderamento econômico e uma sobrevivência africana, os dois precisam trabalhar juntos, como sempre fizeram"(Agoawike, 1).
Evidentemente, a noção de priorizar raça, classe e gênero dentro da estrutura da situação tríplice das mulheres africanas é o fator diferenciador definidor entre mulheres de ascendência africana e aquelas da cultura dominante, cuja principal questão para elas é o empoderamento feminino. Mesmo antes da conferência nigeriana, eu estava na missão de insistir na crucialidade da nomeação e definição apropriada das mulheres africanas e sua luta como uma atividade coletiva em curso no mundo preto, em um esforço para combater os problemas que ameaçam a vida para a existência de um coletivo Africana. E a chave para essa questão seminal é que, quando se compra uma terminologia específica, também se compra sua agenda, o que no caso das mulheres africanas desconsidera a conexão inextricável de sua identidade com o destino de seu povo. Como Hudson-Weems proclama em uma entrevista para um jornal caribenho, "Nós (da Diáspora Africana) não estamos menosprezando as questões de gênero - estamos lidando com questões da vida real que não excluem gênero mas lidam [primeiro] com a fortificação e empoderamento do nosso povo "(Fuentez, 3).
Pode ser apropriado comentar aqui os primórdios venenosos do feminismo. A verdadeira história do feminismo, suas origens e suas participantes, revela um pano de fundo racista bastante descarado. O Feminismo e o Movimento de Sufrágio da Mulher tiveram seu início com um grupo de mulheres brancas liberais, que estavam preocupadas em abolir a escravidão e conceder direitos iguais para todas as pessoas, independentemente de raça, classe e sexo. No entanto, quando a Décima Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos foi ratificada em 1870, concedendo direitos de voto aos homens africanos, embora negando privilégio para as mulheres, as mulheres brancas em particular, as atitudes daquelas mulheres brancas em relação aos pretos mudaram. Desapontadas, tendo assumido que a sua benevolência para assegurar a plena cidadania do povo africano acabaria por beneficiá-los, a sua resposta foi uma reação racista tanto à Emenda quanto aos Africanos. Assim, um movimento organizado entre as mulheres brancas da década de 1880 mudou o pêndulo de uma postura liberal para uma radicalmente conservadora.
A Associação Americana Nacional para o Sufrágio das Mulheres (NAWSA em inglês) foi fundada em 1890 por mulheres brancas do norte; no entanto, "as mulheres do sul também foram vigorosamente cortejadas por esse grupo" (Giddings, 81), que demonstrou o crescente chauvinismo racial do final do século XIX. Partindo da posição original do sufrágio feminino de Susan B. Anthony, a organização reuniu a Associação Nacional para o Sufrágio da Mulher e a Associação Americana de Sufrágio da Mulher, protestando que o voto das mulheres brancas de classe média deve ajudar seus pares masculinos a preservar as virtudes da República da ameaça dos homens pretos, não qualificados e biologicamente inferiores que, com o poder de voto, poderiam adquirir poder político dentro do sistema americano. Carrie Chapman Catt, uma líder conservadora e sufragista conservadora e outras mulheres em seu campo insistiram em fortes valores anglo-saxões e na supremacia branca. Elas queriam se unir com homens brancos para garantir o voto para brancos puros, excluindo os pretos e imigrantes brancos. Em Peter Carrol e David Noble, The Free and The Unfree, Catt é citada:
Há apenas uma maneira de evitar o perigo. Cortar o voto das favelas e dar para as mulheres [brancas]. . .[Os homens brancos devem perceber] a utilidade do sufrágio feminino como um contrapeso ao voto estrangeiro, e como um meio de preservar legalmente a supremacia branca no sul "(citado em The Free and the Unfree, 296).
Adotando uma firme crença na inerente inferioridade preta, essas mulheres acreditavam que os pretos não deveriam ter o direito de votar antes delas, o que não aconteceu até a Décima Nona Emenda de 1920. Assim, embora seja compreensível como as mulheres brancas se sentiam em relação à sua exclusão da agenda dos direitos de voto, a sua hostilidade racista em relação aos africanos era injustificável e, portanto, não pode ser negligenciada.
Em maio de 1995, tive a oportunidade de observar a consequência da inclusão de nossas prioridades como mulheres africanas sob as da cultura dominante. A Suprema Corte estava decidindo sobre a questão dos planos de Ação Afirmativa e a questão levantada era como as feministas (brancas) responderiam aos crescentes ataques à Ação Afirmativa, já que elas, como mulheres, haviam sido o maior grupo beneficiado deste programa, incluindo os pretos, que eram os beneficiários originalmente pretendidos. Colocando essa questão em uma perspectiva histórica, eu supus que, como elas eram, de fato, membros da cultura dominante, sua segurança seria protegida. Previsivelmente, em junho de 1995, a Suprema Corte retornou a sentença de que os pedidos de Ação Afirmativa que eram racialmente determinados eram inconstitucionais; aqueles determinados pela igualdade de gênero eram constitucionais. Portanto, para as mulheres de ascendência africana, que é uma categoria racialmente definida, a prioridade de gênero, ao invés de raça, é inaplicável neste caso, uma vez que as mulheres africanas ainda seriam sobrecarregadas com o jugo do fator racial: "Mesmo que ela supere a batalha do sexismo através de uma luta coletiva de todas as mulheres, ela ainda ficará com a batalha do racismo enfrentando tanto na família quanto a si mesma" (Africana Womanism, 59). Em outras palavras, quando a feminista branca tiver realizado todas as suas necessidades e demandas, tornando-a um lugar apropriado no ambiente de trabalho, a mulher preta ainda será preta e na parte inferior. Assim, a mulher preta, que entregou sua questão número um de igualdade racial a uma prioridade específica de gênero, se encontrará de volta à experiência vulnerável da degradação negra.
Dito tudo, a revelação gritante é que o povo Africana, particularmente as mulheres Africana neste discurso, deve decidir por nós mesmos quem somos e qual é a nossa agenda autêntica. Devemos necessariamente nos engajar na identificação de nossas necessidades individuais como um povo Africana, começando com autonomeação e autodefinição, a fim de que possamos entender melhor o que será necessário para nós trazermos a total paridade humana para nossa realização. Com certeza, este é o primeiro passo para trazer a verdadeira harmonia e a sobrevivência real para todos os pretos, brancos, vermelhos e amarelos; homens, mulheres e crianças.

Referências

Agoawike, Angela. "Beyon 'Bra-Burning': [Africana] Womanism as Alternative for the Africana Women." Nigeria Daily Times, July27, 1992.

Asante, Molefi Kete. The Afrocentric Idea. Philadelphia: Temple University Press.

Bender, Bob. "Reassessing Roles." Mizzou Weekly (Columbia, MO). October 27, 1993.

Carroll, Peter N. and David W. Nobel. The Free and the Unfree: A New History of the United
States. New York: Penguin Books, 1977.

Fuentez, Tania. "Africana Womanism: Ties to the Destiny of a People." Daily News (St. Thomas, Virgin Islands), June 2, 1994.

Hare, Julia. "Feminism in Black and White." Quoted in Mary-Christine Phillip. Black Issues in Higher Education, March 11, 1993, pp. 12-17.

Harrison, Paul Carter. The Drama of Nommo. New York: Grove Press, 1972.

Hudson-Weems, Clenora. Africana Womanism: Reclaiming Ourselves. Third revised edition, second printing. Michigan: Bedford Publishers, 1995.

McCluskey, Audrey Thomas. "Am I Not a Woman and a Sister?: Reflections on the Role of Black Women's Studies in the Academy." Feminist Teacher, Vol. 8, n. 3, 1994, 105-111.

Morrison, Toni. Beloved. New York: Alfred A. Knopf, 1987.

Disponível em <http://web.missouri.edu/~hudsonweemsc/ > acesso 08/06/2018


No livro Africana womanist literary theory tem um capitulo com esse titulo do texto. 




quinta-feira, 7 de junho de 2018

Brenda Verner: O Poder e a Glória do Mulherismo Africana

O Poder e a Glória do Mulherismo Africana

12 de Junho de 1994 | Por Brenda Verner, presidente da Verner Communication e presidente da Organização Nacional de Estudos da Mulher Africana, em Chicago.

Nos últimos 25 anos, as arquitetas feministas tiveram liberdade para apresentar, praticamente incontestada, a perspectiva feminista. A mídia americana apresentou questões feministas como se elas fizessem fronteira com um novo ideólogo religioso. No entanto, apesar de sua campanha de um quarto de século e da cooperação do instrumento mais poderoso do planeta, a esmagadora maioria das mulheres americanas (algumas pesquisas estimam entre 75% e 80%) ainda rejeita o rótulo feminista. As mulheres americanas parecem assinalar a diferença entre questões legítimas de mulheres em geral e a agenda política feminista.

Desde o início, a resposta das mulheres afro-americanas ao feminismo tem sido o mulherismo cultural. Não se pode negar a presença de mulheres pretas que entraram em contato com feministas brancas nas áreas acadêmica, política, artística e profissional e, posteriormente, aderiram ao conceito e promoveram a ideologia* feminista; no entanto, a esmagadora maioria das mulheres pretas das bases** rejeitou a identidade das feministas e continua a fazê-lo.

O Mulherismo reflete a mentalidade cultural das mulheres africanas, um mecanismo de pensamento que vem de séculos de luta pela dignidade e autorrealização, a maneira como vemos o mundo de dentro da cultura africana e os princípios sobre os quais baseamos nossas decisões. Chamei esse mecanismo de pensamento Mulherismo Africana: Africana porque pertencemos à diáspora mundial do povo africano e mulherismo, porque as mulheres africanas são membros de famílias, comunidades e culturas que incluem homens, mulheres e crianças.

Mulherismo Africana em essência diz: Nós amamos os homens. Nós gostamos de ser mulheres. Nós amamos crianças. Nós gostamos de ser mães. Nós valorizamos a vida. Nós temos fé em Deus e na Bíblia. Queremos famílias e relacionamentos harmoniosos. Nós não estamos em guerra com nossos homens buscando dinheiro, poder e influência através do confronto. Nossa história é única. Somos as herdeiras da história das mulheres afro-americanas e, como tal, não nos redefiniremos nem a história para encontrar uma imagem politicamente correta de um movimento de cultura popular, que exige o direito de falar e redefinir a moral e os costumes de toda raça, grupos culturais e étnicos. Tampouco permitiremos que a história seja "defraudada" para legitimar a "agenda política global" dos outros. Nós rejeitamos a condição de vítima. De fato, somos vitoriosas, Irmãs no comando de nosso próprio destino. Nós somos defensoras da cultura Africana: A nossa principal obrigação é o progresso do nosso modo de vida cultural através da estabilidade da família e do compromisso com a comunidade.

A prática do mulherismo cultural não se limita às mulheres africanas. Italianas, japonesas, hispânicas, indianas, árabes, mulheres judias, etc., todas utilizam essa abordagem para a tomada de decisões e sabem o valor de manter a autonomia cultural indígena. O rito de passar conhecimento de geração em geração livre de manipulação, coerção ou intimidação externa assegura a integridade tradicional que promove um clima de segurança cultural. As culturas tradicionais não devem ser obrigadas a se curvarem às redefinições impostas a elas por entidades elitistas que obtêm sua autoridade por meio do impulso da "campanha publicitária da mídia" bem organizada.

A comunidade de experiências raciais, costumes culturais e laços de amizades femininas transformaram mulheres afro-americanas em um dos grupos de mulheres mais unidas da família humana mundial. As mulheres pretas realmente vivem o credo da "irmandade". Onde nos referimos uma a outra como "irmã", "amigas" ou "irmãzinha", não é apenas um uso casual da linguagem. Amizades íntimas e redes de "amigas" [girlfriends] são parte integrante da compreensão do processo de socialização entre mulheres africanas. Aprender a conviver com as amigas é uma parte importante do estabelecimento de um lugar na família, na escola e na comunidade. O subproduto mais notável da busca das mulheres pretas pela autorrealização é a nossa lealdade implacável às tradições especiais que cercam a vida familiar. É essa lealdade feroz e a determinação de manter a autoridade independente, autóctone e definitiva, que leva as mulheres pretas a resistir à influência externa, particularmente aquelas que entram em conflito com a base moral e espiritual tradicional da vida afro-americana. A mentalidade coletiva encoraja as mulheres a buscarem a força pessoal através de um relacionamento com Deus.

Mulherismo Africana representa a rica herança do povo africano-americano - os ancestrais das mulheres que sacrificaram imensamente para o nascimento desta nação. Sua lealdade e identidade cultural podem ser comparadas a um poderoso carvalho (árvore), "plantado junto aos rios de água, que produz o seu fruto na sua estação", cujas raízes são profundas, cuja brecha é ampla, capaz de resistir às mudanças das estações - ela não será movida.


* A autora usa a palavra Ideólogo do inglês “Ideologue” - um idealista impraticável: teórico/ um defensor muitas vezes cegamente partidário ou aderente de uma ideologia particular

** Rank-And-File - De baixa patente no uso de exercito / os trabalhadores comuns de uma empresa ou os membros comuns de uma organização, e não os líderes.


O Feminismo Falha com as Mulheres Pretas

De Gus Bode, 3 de Fevereiro de 1994

As tribulações e necessidades das mulheres afro-americanas são únicas e não foram abordadas pelo movimento feminista, disse Brenda J. Verner, uma famosa Mulherista Africana. 

Verner falou no Student Center na noite de quarta-feira para um grupo de 75 pessoas. Sua palestra, Mulherismo Africana: Por que o Feminismo Não Conseguiu Atrair Mulheres Pretas, fez parte das comemorações do Mês da História Preta.

Não estou aqui para promover uma guerra e não estou aqui como apologista, disse Verner. 

Eu estou aqui como uma defensora da minha cultura.

Verner trabalhou dentro do movimento de mulheres por 20 anos, mas saiu há três anos por causa do conflito racial dentro de uma organização nacional de mulheres.

Embora o movimento feminista contenha algumas questões legítimas que muitas mulheres afro-americanas apoiam, questões como pagamento igual para trabalho igual, acessível assistência à criança e intervenção na crise de estupro, também inclui questões que vão contra as crenças fundamentais defendidas pela maioria das afro-americanas, Verner disse.

Em vez de lutar pela igualdade econômica, o movimento feminista se tornou uma ferramenta para promover a retórica antimasculina e anticristã, o lesbianismo e o aborto, disse ela.

Mais e mais, nós as ouvimos falando por mulheres pretas; Dizendo ao mundo que mulheres pretas pobres precisam de abortos, porque mulheres brancas de classe alta têm acesso, disse ela.

Ao enfocar essa questão, as feministas promovem a imagem da pobre e ignorante mãe afro-americana, disse Verner.

Os abortos não nos darão mais poder, dinheiro sim, disse ela.

Em vez de buscar financiamento para abortos, ela disse que as pessoas que realmente quiserem ajudar deveriam apoiar as empresas pertencentes a mulheres afro-americanas e lutar para garantir que as mulheres recebam o treinamento necessário para se prepararem para altos cargos executivos, disse ela.

Algumas mulheres afro-americanas aceitaram o feminismo como a voz oficial das mulheres americanas, disse Verner.

As feministas seduziram com sucesso algumas jovens universitárias por terem representantes africanas simbólicas falando sobre assuntos não controversos, disse ela.

Denise Kerr, uma veterana em história de Evanston, disse que nunca foi atraída por esses indivíduos e concorda com as crenças de Verner.

Ela abordou questões que não são comumente conhecidas e foram negligenciadas dentro do movimento feminista, disse Kerr.

Kerr disse concordar com a declaração de Verner de que as opiniões das mulheres afro-americanas foram suprimidas dentro do movimento feminista.




sábado, 26 de maio de 2018

Malcolm X: A Revolução Preta (junho de 1963)


Malcolm X: A Revolução Preta (junho de 1963)

Dr. Powell, convidados ilustres, irmãos e irmãs, amigos e até nossos inimigos. Como um seguidor e ministro do Honorável Elijah Muhammad, que é o Mensageiro de Allah para o chamado Negro Americano, estou muito feliz em aceitar o convite do Dr. Powell para estar aqui esta noite na Igreja Batista Abissínia para expressar ou pelo menos tentar representar os pontos de vista do Honorável Elijah Muhammad sobre este tema bem oportuno, A Revolução Preta.

Primeiro, no entanto, há algumas perguntas para fazer a vocês. Uma vez que as massas pretas aqui na América estão agora em revolta aberta contra o sistema americano de segregação, essas mesmas massas pretas irão se voltar para a integração ou se voltarão para a completa separação?

Estas são apenas algumas perguntas rápidas que eu acho que irão provocar alguns pensamentos em suas mentes e em minha mente. Como os chamados Negros que se dizem líderes iluminados esperam que a pobre ovelha preta se integre numa sociedade de lobos brancos sedentos por sangue, lobos brancos que já sugam nosso sangue há mais de quatrocentos anos aqui na América? Ou será que essas ovelhas pretas também se revoltarão contra o "falso pastor", o líder tio Tom Negro escolhido a dedo, e buscarão a completa separação para que possamos escapar do covil dos lobos em vez de sermos integrados aos lobos no covil dos lobos? E já que estamos na igreja e a maioria de nós professa crer em Deus, há outra pergunta: quando o “bom pastor” chegar, ele integrará suas ovelhas perdidas com lobos brancos? De acordo com a Bíblia, quando Deus vier, ele não deixará suas ovelhas se integrarem às cabras. E se suas ovelhas não podem ser seguramente integradas com as cabras, elas certamente não estarão seguramente integradas aos lobos.

O honorável Elijah Muhammad nos ensina que nenhum povo na terra se encaixa mais no quadro simbólico da Bíblia sobre o Carneiro Perdido do que os vinte milhões dos chamados Negros americanos e nunca houve na história um lobo mais cruel e sedento de sangue do que o homem branco americano. Ele nos ensina que por quatrocentos anos a América não passou de lobos para os vinte milhões dos chamados Negros, vinte milhões de cidadãos de segunda classe, e esta revolução preta que está se desenvolvendo contra o lobo branco hoje, está se desenvolvendo porque o honorável Elijah Muhammad, um pastor enviado por Deus, abriu os olhos de nosso povo. E as massas pretas agora podem ver que todos nós estivemos aqui nesta casinha de cachorro (doghouse) branca há muito tempo. As massas pretas não querem segregação nem queremos integração. O que nós queremos é uma separação completa. Em suma, não queremos ser integrados ao homem branco, queremos ser separados do homem branco. E agora o nosso líder religioso e professor, o honorável Elijah Muhammad, nos ensina que esta é a única solução inteligente e duradoura para o presente problema racial. Para entender completamente por que os seguidores muçulmanos do Honorável Elijah Muhammad rejeitam as hipócritas promessas de integração, primeiro deve ser entendido por todos que somos um grupo religioso e, como um grupo religioso, não podemos de forma alguma ser equiparados ou comparados aos grupos de direitos civis não religiosos.

Somos muçulmanos porque acreditamos em Deus. Somos muçulmanos porque praticamos a religião do Islã. O honorável Elijah Muhammad nos ensina que existe apenas um Deus, o criador e sustentador de todo o universo, o Todo-Poderoso e Ser Supremo Todo-Poderoso. O grande Deus cujo nome próprio é Allah. O honorável Elijah Muhammad também nos ensina que o Islã é uma palavra árabe que significa “completa submissão à vontade de Allah, ou obediência ao Deus da verdade, Deus da paz, o Deus da justiça, o Deus cujo nome próprio é Allah.” E ele nos ensina que a palavra Muçulmano é usada para descrever alguém que se submete a Deus, alguém que obedece a Deus. Em outras palavras, um muçulmano é aquele que se esforça para viver uma vida de retidão. Você pode perguntar o que a religião do Islã tem a ver com a atitude de mudança do chamado negro americano em relação a si mesmo, ao homem branco, à segregação, à integração e à separação, e que parte essa religião do Islã desempenhará na atual revolução preta que está varrendo o continente americano hoje? O honorável Elijah Muhammad nos ensina que o Islã é a religião da verdade nua, a verdade despida, a verdade que não é fantasiada, e ele diz que a verdade é a única coisa que realmente libertará nosso povo.

A verdade abrirá nossos olhos e nos permitirá ver o lobo branco como ele realmente é. A verdade nos sustentará em nossos próprios pés. A verdade nos fará caminhar por nós mesmos, em vez de nos apoiar em outros que não são bons para o nosso povo. A verdade não só nos mostra quem é o nosso verdadeiro inimigo, mas a verdade também nos dá a força e habilidade para nos separarmos desse inimigo. Somente um cego vai entrar no abraço aberto de seu inimigo, e somente um povo cego, um povo que é cego para a verdade sobre seus inimigos, procurará abraçar ou se integrar com aquele inimigo. Ora, o próprio Jesus profetizou: Conhecerás a verdade e ela te libertará.

Amados irmãos e irmãs, Jesus nunca disse que Abraham Lincoln nos libertaria. Ele nunca disse que o Congresso nos libertaria. Ele nunca disse que o Senado ou a Suprema Corte ou John Kennedy nos libertariam. Jesus, dois mil anos atrás, olhou para a roda do tempo e viu a sua e a minha situação hoje e ele sabia que a alta corte, a Suprema Corte, as decisões de dessegregação apenas nos acalmariam a um sono mais profundo, e as enganosas promessas dos políticos hipócritas sobre a legislação dos direitos civis seria projetada apenas para promover você e a mim da antiga escravidão a escravidão moderna. Mas Jesus profetizou que quando Elijah (Elias) viesse no espírito e poder da verdade, ele disse que Elijah lhe ensinaria a verdade. Elijah te guiaria com a verdade te protegeria com a verdade e te libertaria de fato. E irmãos e irmãs, o Elijah, aquele que Jesus disse que viria, veio e está na América hoje na pessoa do honorável Elijah Muhammad.

Este Elijah, aquele que eles disseram que viria e que veio, ensina aqueles que são muçulmanos que os senhores (brancos) de escravos sempre conheceram a verdade e sempre souberam que somente a verdade nos libertaria. Portanto, este mesmo homem branco americano manteve a verdade escondida do nosso povo. Ele nos manteve na escuridão da ignorância. Ele nos tornou espiritualmente cegos, privando-nos da luz da verdade. Durante os quatrocentos anos que passamos confinados às trevas da ignorância aqui nesta terra de escravidão, nossos escravocratas americanos nos deram uma overdose de sua própria religião cristã controlada por brancos, mas mantiveram todas as outras religiões ocultas de nós, especialmente a religião do Islã. E por essa razão, o Deus Todo Poderoso Allah, o Deus de nossos antepassados, elevou o honorável Elijah Muhammad do meio de nossos oprimidos aqui na América. E esse mesmo Deus enviou o honorável Elijah Muhammad para espalhar a verdade nua e crua aos vinte milhões dos chamados Negros americanos, e a verdade por si só fará com que você e eu fiquemos livres.

O honorável Elijah Muhammad nos ensina que existe apenas um Deus cujo nome próprio é Allah, e uma religião, a religião do Islã, e que este Deus não descansará até que ele tenha usado sua religião para estabelecer um mundo - universal, uma Irmandade mundial. Mas para estabelecer seu mundo justo, Deus deve primeiro derrubar esse mundo branco perverso. A revolução preta contra as injustiças do mundo branco faz parte do plano divino de Deus. Deus deve destruir o mundo da escravidão e do mal a fim de estabelecer um mundo baseado na liberdade, justiça e igualdade. Os seguidores do honorável Elijah Muhammad acreditam religiosamente que estamos vivendo no fim deste mundo perverso, o mundo do colonialismo, o mundo da escravidão, o fim do mundo ocidental, o mundo branco ou o mundo cristão, ou o fim do mundo ocidental perverso do cristianismo e do homem branco.

O honorável Elijah Muhammad nos ensina que as histórias simbólicas em todas as escrituras religiosas pintam uma imagem profética de hoje. Ele diz que a Casa Egípcia de Escravidão era apenas uma imagem profética da América. A poderosa Babilônia era apenas uma imagem profética da América. As perversas cidades de Sodoma e Gomorra pintaram apenas uma imagem profética da América. Ninguém aqui nesta igreja pode negar que a América é o governo mais poderoso da Terra hoje, o mais poderoso, o mais rico e o mais perverso. E ninguém nesta igreja hoje ousa negar que a riqueza e o poder da América se originaram de 310 anos de trabalho escravo contribuído pelo chamado Negro americano.

O honorável Elijah Muhammad nos ensina que esses mesmos chamados Negros americanos são pessoas há muito perdidas de Deus que são simbolicamente descritas na Bíblia como a ovelha perdida ou a tribo perdida de Israel. Nós, que somos muçulmanos, acreditamos em Deus, acreditamos em suas escrituras, acreditamos em profecias. Em nenhum lugar nas escrituras Deus alguma vez integrou o seu povo escravizado com seus senhores de escravos. Deus sempre separa o seu povo oprimido do seu opressor e depois destrói o opressor. Deus nunca se desviou de seu padrão divino no passado e o honorável Elijah Muhammad diz que Deus não desviará desse padrão divino hoje. Assim como Deus destruiu os escravizadores no passado, Deus vai destruir este perverso escravagista branco do nosso povo aqui na América.

Deus quer que nos separemos desta raça branca perversa aqui na América porque esta Casa Americana de Escravidão é a número um na lista de Deus para destruição divina hoje. Repito: Esta Casa Americana de Escravidão é a número um na lista de Deus para a destruição divina hoje. Ele nos adverte a lembrar de que Noé nunca ensinou integração, Noé ensinou a separação; Moisés nunca ensinou integração, Moisés ensinou a separação. O inocente deve sempre ter a chance de se separar do culpado antes que o culpado seja executado. Ninguém é mais inocente do que o pobre negro cego americano, que foi desviado por líderes negros cegos, e ninguém na terra é mais culpado do que o homem branco de olhos azuis que usou seu controle e influência sobre o líder negro para liderar o resto do nosso povo perdido.

Amados irmãos e irmãs aqui, uma bela igreja, a Igreja Batista Abissínia no Harlem, por causa dos males feitos pelos Estados Unidos contra os chamados negros, como o Egito e a Babilônia antes dela, a própria América agora está diante do tribunal de justiça. A América está agora enfrentando seu dia de julgamento, e ela não pode escapar porque o próprio Deus é o juiz. Se a América não pode reparar os crimes que cometeu contra os vinte milhões dos chamados Negros, se ela não pode desfazer os males que ela brutal e impiedosamente acumulou sobre o nosso povo nestes últimos quatrocentos anos, o honorável Elijah Muhammad diz que a América assinou sua própria desgraça. E vocês seriam tolos em aceitar suas ofertas enganosas de integração a essa data tardia em sua sociedade condenada?

A América pode se salvar? A América pode reparar? E se sim, como ela pode reparar esses crimes? Em minha conclusão devo salientar que o honorável Elijah Muhammad diz que um teatro dessegregado, um balcão de almoço dessegregado não resolverá nosso problema. Melhores trabalhos não resolverão nossos problemas. Uma xícara de café integrada não é suficiente para quatrocentos anos de trabalho escravo. Um emprego melhor na fábrica do homem branco, um emprego melhor nos negócios do homem branco ou um emprego melhor na indústria ou economia do homem branco é, na melhor das hipóteses, apenas uma solução temporária. Ele diz que a única solução duradoura e permanente é a separação completa em alguma terra que podemos chamar de nossa. Portanto, o honorável Elijah Muhammad diz que este problema pode ser resolvido e resolvido para sempre apenas enviando nosso povo de volta para nossa terra natal ou de volta ao nosso povo, mas que este governo deve fornecer o transporte e tudo mais que precisamos para começar de novo em nosso próprio país. Este governo deve nos dar tudo o que precisamos na forma de maquinário, material e finanças, o suficiente para durar vinte a vinte e cinco anos até que possamos nos tornar um povo independente e uma nação independente em nossa própria terra. Ele diz que, se o governo americano tem medo de nos mandar de volta para nosso próprio país e para nosso próprio povo, então a América deveria separar algum território aqui no hemisfério ocidental, onde as duas raças podem viver separadas umas das outras, já que certamente não nos damos bem quando estamos juntos.

O honorável Elijah Muhammad diz que o tamanho do território pode ser julgado de acordo com a nossa população. Se um sétimo da população deste país é preta, dê-nos um sétimo do território, uma sétima parte do município. E isso não é pedir demais porque já trabalhamos para o homem por quatrocentos anos.

Ele diz que não deve ser no deserto, mas onde há muita chuva e muita riqueza mineral. Queremos ter terras férteis e produtivas nas quais possamos cultivar e fornecer alimentos, roupas e abrigo para nosso próprio povo. Ele diz que esse governo deveria nos fornecer naquele território as máquinas e outras ferramentas necessárias para cavar a terra. Dê-nos tudo o que precisamos por vinte a vinte e cinco anos até que possamos produzir e suprir nossas próprias necessidades.

E, na minha conclusão, repito: não queremos fazer parte da integração com essa raça maligna de demônios. Mas ele também diz que não devemos partir da América de mãos vazias. Depois de quatrocentos anos de trabalho escravo, temos algum pagamento atrasado. Uma conta que nos é devida e deve ser coletada. Se o governo da América realmente se arrepende de seus pecados contra o nosso povo e indeniza dando-nos nossa verdadeira parcela da terra e da riqueza, então a América pode se salvar. Mas se a América espera por Deus para intervir e forçá-la a fazer um acordo justo, Deus vai tirar todo o continente do homem branco. E a Bíblia diz que Deus pode, então, dar o reino a quem lhe agrada.

Obrigado!



segunda-feira, 21 de maio de 2018

Fannie Lou Hamer - Depoimento perante o Comitê de Credenciais, 1964


Fannie Lou Hamer* - Depoimento perante o Comitê de Credenciais, na Convenção Nacional Democrata 1964



22 de agosto de 1964

Sr. Presidente, e ao Comitê de Credenciais, meu nome é Sra. Fannie Lou Hamer, e moro no 626 East Lafayette Street, Ruleville, Mississipi, Condado de Sunflower, a casa do senador James O. Eastland e do senador Stennis.

Foi no dia 31 de agosto de 1962 que dezoito de nós viajamos vinte e seis milhas até o tribunal do condado de Indianola para tentar nos registrar para nos tornarmos cidadãos de primeira classe. Fomos recebidos em Indianola por policiais, patrulheiros da estrada, e eles só permitiram que dois de nós fizéssemos o teste de alfabetização/instrução na época. Depois que fizemos o teste e começamos a voltar para Ruleville, fomos detidos pela Polícia da Cidade e pelos Patrulheiros Estaduais e levados de volta para Indianola, onde o motorista do ônibus foi acusado naquele dia de dirigir um ônibus na cor errada.

Depois que pagamos a multa entre nós, seguimos para Ruleville, e o reverendo Jeff Sunny me transportou seis quilômetros na área rural, onde trabalhei como cronometrista e meeira por dezoito anos. Eu fui recebida lá por meus filhos, que me disseram que o dono da fazenda estava zangado porque eu tinha tentado me registrar.

Depois que me contaram, meu marido chegou e disse que o dono da fazenda estava bravo (raising Cain) porque eu tentara me registrar. E antes que ele parasse de falar, o dono da fazenda veio e disse: "Fannie Lou, Pap** lhe contou o que eu disse?"

E eu disse: "Sim, senhor".

Ele disse: "Bem, eu quero dizer que, se você não descer e retirar o seu registro, você terá que sair. Então, se você descer e retirar, você ainda pode ter que partir porque não estamos prontos para isso no Mississípi".

E eu me dirigi a ele e disse: "Eu não tentei me registrar para você. Eu tentei me registrar por mim."

Eu tive que sair naquela mesma noite.

Em 10 de setembro de 1962, dezesseis balas foram disparadas contra a casa do Sr. e Sra. Robert Tucker por mim. Naquela mesma noite duas garotas foram baleadas em Ruleville, Mississippi. Além disso, a casa do Sr. Joe McDonald foi baleada dentro.

E em 9 de junho de 1963, eu havia participado de uma oficina de registro de eleitores; estava voltando para o Mississípi. Dez de nós estávamos viajando pelo ônibus de Trailway Continental. Quando chegamos a Winona, Mississípi, que é o condado de Montgomery, quatro pessoas saíram para usar o banheiro, e duas das pessoas - para usar o restaurante - duas pessoas queriam usar o banheiro. As quatro pessoas que tinham entrado para usar o restaurante foram ordenadas a sair. Durante esse tempo eu estava no ônibus. Mas quando olhei pela janela e vi que elas tinham saído correndo, desci do ônibus para ver o que havia acontecido. E uma das senhoras disse: "Foi um policial rodoviário estadual e um chefe da polícia nos ordenou a sair."

Eu voltei pro ônibus e uma das pessoas que tinha usado o banheiro voltou pro ônibus também.

Assim que eu estava sentada no ônibus, vi quando eles começaram a pegar as cinco pessoas no carro de um policial rodoviário. Saí do ônibus para ver o que estava acontecendo e alguém gritou do carro em que os cinco trabalhadores estavam e disse: "Pegue aquele ali". E quando fui entrar no carro, o homem me disse que eu estava presa, ele me chutou.

Fui levada para a cadeia do condado e colocada na sala de reservas. Eles deixaram algumas pessoas na sala de reservas e começaram a nos colocar nas celas. Fui colocada em uma cela com uma jovem chamada Miss Ivesta Simpson. Depois que fui colocada na cela, comecei a ouvir sons de chutes e gritos. Eu podia ouvir o som de chutes e gritos horríveis. E eu podia ouvir alguém dizer: "Você pode dizer 'sim, senhor', 'nigger'? Você pode dizer 'sim, senhor'?"

E eles diziam outros nomes horríveis.

Ela dizia: "Sim, eu posso dizer 'sim, senhor'".

"Então, bem, diga."

Ela disse: "Eu não te conheço bem o suficiente".

Eles a espancaram, não sei quanto tempo. E depois de um tempo ela começou a orar e pediu a Deus que tivesse piedade daquelas pessoas.

E não demorou muito para que três homens brancos viessem à minha cela. Um desses homens era um policial rodoviário estadual e ele me perguntou de onde eu era. E eu disse a ele Ruleville.

Ele disse: "Vamos checar isso". E eles deixaram minha cela e não demorou muito para que eles voltassem. Ele disse: "Você é de Ruleville, tudo bem", e ele usou uma palavra de maldição. E ele disse: "Nós vamos fazer você desejar que estivesse morta".

Fui levada dessa cela para outra cela onde tinham dois prisioneiros negros. O patrulheiro estadual da estrada ordenou que o primeiro negro pegasse o porrete (blackjack). O primeiro prisioneiro negro me ordenou, por ordem do patrulheiro estadual, que eu deitasse o rosto em uma cama de beliche. E eu deitei meu rosto, o primeiro negro começou a me bater.

E fui espancada pelo primeiro negro até ele ficar exausto. Eu estava segurando minhas mãos atrás de mim naquele momento do meu lado esquerdo, porque sofri de pólio quando tinha seis anos de idade.

Depois que o primeiro negro bateu até que ele estivesse exausto, o patrulheiro estadual de estrada ordenou que o segundo negro pegasse o porrete.

O segundo negro começou a bater e comecei a agitar com os pés, e o patrulheiro estadual de estrada ordenou que o primeiro negro que tinha batido se sentasse nos pés - para impedir que eu agitasse com meus pés. Comecei a gritar e um homem branco se levantou e começou a me bater na minha cabeça e disse para me calar.

Um homem branco - meu vestido tinha subido - ele se aproximou e puxou meu vestido - eu puxei meu vestido para baixo e ele subiu meu vestido de volta.

Eu estava na prisão quando Medgar Evers foi assassinado.

Tudo isso por conta do desejo de nos registrar, de nos tornarmos cidadãos de primeira classe. E se o Partido Democrático da Liberdade não for estabelecido agora, eu questiono a América. Esta é a América, a terra dos livres e a casa dos bravos, onde temos que dormir com nossos telefones fora do gancho porque nossas vidas são ameaçadas diariamente, porque queremos viver como seres humanos decentes na América?

Obrigada!

fonte do depoimento: 




*Fannie Lou Hammer (1917 -1977), uma das lideranças do movimento por direitos civis, liderou a delegação do Partido Democrático da Liberdade do Mississípi à convenção do Partido Democrata de 64 exigindo ser reconhecida - o presidente Johnson convocou uma coletiva de imprensa "urgente" para que não houvesse cobertura televisiva de sua declaração. Mas a importância desse discurso fixou como denuncia na luta pelos direitos civis, mesmo com a tentativa de boicote de sua fala. Neste discurso ela também traçou um pouco da mudança de vida que ela teve a partir da campanha do SNCC de registrar o voto afro-americano.

**Perry "Pap" Hamer - marido dela desde 1944












quarta-feira, 15 de março de 2017

INSURREIÇÃO

Esta postagem conta com trechos de dois livros, um de Clóvis Moura e outro de Décio Freitas, tratando das Insurreições de Escravizados e suas penas no Código Criminal do Império no Brasil.

Insurreição. 
Em consequência das sucessivas revoltas de cativos, o governo criou e inseriu, no Código Criminal do Império, a figura jurídica da "insurreição", para abranger delitos praticados especificamente por escravos. Com isso, estabelecia-se uma diferença jurídica entre delitos praticados por escravos e aqueles perpetrados por homem livres. As revoltas desses últimos "contra a segurança interna do Império e pública tranquilidade" denominavam-se conspiração e rebelião. Abaixo são transcritos os principais artigos:

Capitulo IV - Insurreição
Art. 113. Julgar-se-à cometido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força. Penas aos cabeças, de morte no grau máximo, de galés perpetuas no médio e por quinze anos no mínimo; aos mais, açoites. 
Ao criminosos autores: máximo - morte: médio - galés perpetuas; minimo - QUINZE anos de galés.
Ao criminosos por tentativa: máximo - galés perpetuas; médio - galés por vinte anos; mínimo - galés por dez anos.
Aos criminosos por cumplicidade de tentativa: máximo - vinte anos de galés; médio - treze anos e quatro meses, idem; minimo - seis anos e oito meses, idem.

Art. 114. Se os cabeças da insurreição forem pessoas livres, incorrerão nas mesmas penas impostas no artigo antecedente aos cabeças, quando são escravos.

Art. 115. Ajudar, excitar, aconselhar escravos a insurgir-se, fornecendo -lhes armas munições ou outros meios para o mesmo fim. Penas: de prisão com trabalho por vinte anos no grau máximo, por doze no médio e por oito no minimo. 
Aos criminosos: máximo - vinte anos de prisão com trabalho; médio - doze anos, idem; minimo - oito anos, idem.
Se não houver casa de correção: máximo - 23 anos e quatro meses de prisão simples; médio - Catorze anos, idem; minimo - nove anos e quatros meses, idem.
Aos criminosos por tentativa: máximo - treze anos e quatro meses de prisão com trabalho; médio - oito anos, idem; minimo - cinco anos e quatro meses, idem.
Se não houver casa de correção: máximo - 15 anos, seis meses e vinte dias de prisão simples; médio - nove anos e quatro meses, idem; minimo - seis e quatro meses, idem.

Como vemos, para as tentativas de mudança social e politica idealizadas pelos brancos livres a figura jurídica era uma, para os negros escravos era outra, com penas muito mais severas.

Moura, Clovis
Dicionário da Escravidão Negra no Brasil - Clovis Moura; editora da Universidade de São Paulo, 2013




O Código Criminal do império, promulgado pouco depois, em dezembro de 1830, preocupou-se em reprimir duramente as insurreição escravas. O preceito colonial que punia essas insurreições com a pena de morte foi mantido, ao mesmo tempo que o abolia quando a insurreição fosse de pessoas livres. A discriminação ilustra dramaticamente o conteúdo de classe da independência. Os senhores de escravos se reservaram o direito à insurreição, sem o risco de sofrerem a condenação de morte. No entanto, não teriam misericórdia quando os insurretos fossem os seus escravos. A discriminação se manifestava até mesmo na denominação dada ao crime. Quando se tratasse de pessoal livres, chamava-se "conspiração", "rebeldia" ou "sedição". Tratando-se de escravos, recebia o nome de "insurreição". Ambos os delitos, contudo, figuravam no mesmo capítulo, o dos "crimes contra a segurança interna do império e pública tranquilidade".

O Código julgava cometido o crime de insurreição "reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força". Aos cabeças aplicava-se a pena de morte ou galés. Consistiam estas em andarem os réus com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, e a trabalharem em obras públicas. Os demais escravos que houvessem participado do movimento, seriam punidos com açoites, à razão de cinquenta por dia. A simples tentativa seria punida com galés perpétuas. A pessoa livre não estava sujeita à pena de morte se pegasse em armas contra o governo, mas não se livraria dela se, de qualquer modo, participasse de uma revolta escrava. A pessoa livre se sujeitaria, ainda, a trabalhos forçados por vinte anos, se ajudasse ou aconselhasse escravos a se insurgirem, fornecendo-lhes armas, munições ou outros meios para o fim...


A Revolução dos Malês - Décio Freitas pag.66 e 67


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Documentário Orí - (Beatriz Nascimento)

A história dos movimentos negros no Brasil entre 1977 e 1988 é contada no documentário Ôrí, lançado pela cineasta e socióloga Raquel Gerber. Tendo como fio condutor a vida da historiadora e ativista, Beatriz Nascimento, o filme traça um panorama social, político e cultural do país, em busca de uma identidade que contemple também as populações negras, e mostrando a importância dos quilombos na formação da nacionalidade.

Ôrí significa cabeça, um termo de origem Iorubá, povo da África Ocidental, que, por extensão, também designa a consciência negra na sua relação com o tempo, a história e a memória.

Com fotografia de Hermano Penna, Pedro Farkas, Jorge Bodanzky, entre outros, música de Naná Vasconcelos e arranjos de Teese Gohl.




segunda-feira, 18 de julho de 2016

Todo dia, toda hora: é racismo

Numa conjuntura que nega a existência das várias formas que o racismo se manifesta é extremamente necessário apontar que infelizmente um povo vem sendo perseguido e exterminado; O POVO PRETO.

Por Fuca

Certa vez numa reunião duma grande empresa no Brasil, um gerente negro afirmou não haver racismo na empresa onde ele trabalhava, mesmo levando em consideração que ele era o único negro naquela sala com vinte pessoas que dirigiam e gerenciavam vários setores do topo do organograma da empresa. Para enfatizar sua posição, argumentou ter estudado e trabalhado muito para chegar onde chegou e que ocorre muito a questão do vitimismo quando se trata de racismo. Em contrapartida ele não desconsiderou que o racismo vigora, mas não lá, pois ninguém o xingou de macaco ou tacou banana nele, nem mesmo nunca o chamaram de negro fedido...

Todo dia temos situações como esta em vários locais. Em diversas instituições a representatividade do povo preto é irrisória evidenciando não apenas uma questão de preconceito ou discriminação, mas de racismo! Se preconceito é ter uma opinião e um conceito desfavorável a uma raça e discriminação é tratar de forma desfavorável uma raça, o racismo engloba os dois numa relação de poder*.

Então, além do povo preto ter acesso negado de forma peculiar (que não se enxerga fácil como nega) com um grande impacto (é nítida a negação), o que esse preto isolado disser vai equivaler a palavra ou a visão de todo um povo. Essa é uma das faces do racismo institucional! Diante disso, dentre outras coisas, percebe-se aí a importância de ser uma preta e um preto conscientes.

Não existe racismo apenas quando se xinga um preto ou uma preta. Mas a própria situação de haver apenas um preto no cargo de poder dessa empresa no Brasil. A situação de não poder falar das questões que seu povo vem sofrendo. A situação de não poder falar de um povo preto vitorioso, pois não teve nem acesso a linda história de seus ancestrais negros antes da escravidão e colonização europeia. A situação de não poder falar em protagonismo e muitas vezes ouvir o termo minoria que não faz sentido algum. A situação de não dispor de recursos psicológicos, culturais e epistemológicos necessários para sua emancipação quanto ser humano preto, diásporo Africano.

“Conceito de Racismo Institucional**
Racismo institucional pode ser definido como o fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa de sua cor. O termo foi utilizado de forma pioneira, em 1967, pelos ativistas Stokely Carmichael e Charles Hamilton, integrantes do grupo Panteras Negras, para especificar como se manifesta o racismo nas estruturas de organização da sociedade e nas instituições (Geledés, 2013, P.11). Foi empregado também, a partir de 1993, por instituições de combate ao racismo na Inglaterra, em particular na Comissão para Igualdade Racial – Comission for Racial Equality (CRE) – do Reino Unido (Sampaio, 2003). Manifesta-se por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios atuantes no cotidiano de trabalho das organizações, resultantes do preconceito ou de estereótipos racistas (Ipea, 2007). O racismo institucional não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação, mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada, do ponto de vista racial, na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população (Silva et al. 2009) ”

No que tange a segurança pública o racismo anti negro age dessa forma sistêmica no Brasil. Em outras partes do mundo não deve ser muito diferente, independentemente se o povo preto seja maioria ou minoria. O cenário no país tropical do ‘(mito) democracia racial’*** é de total massacre. As maneiras as quais as vidas pretas são ceifadas é de total desumanização, da forma mais cruel dentro das possibilidades... não é uma analogia dos acontecimentos brutais da escravatura, até porque como C.L.R. James citou, “nenhum lugar na terra concentrou tanta miséria quanto o porão de um navio negreiro”. Mas as estruturas da escravidão permanecem a todo vapor, cheias de ódio.

Se a vida é um bem maior humano, então a vida deve ser a primeira pauta a se lutar, e se as vidas pretas que estão sendo aniquiladas tem que se lutar pelas vidas pretas primeiro. Primeiro Raça! Primeiro a Vida, para ainda assim sobreviver!

Numa conjuntura que nega a existência das várias formas que o racismo se manifesta é extremamente necessário apontar que infelizmente um povo vem sendo perseguido e exterminado; O POVO PRETO.

Será que a maldita farda estatal da polícia jamais cessará fogo contra o povo preto? Vejam bem, não é uma questão que teria que morrer mais brancos, entenda... Não dá pra aceitar o extermínio do nosso povo preto! Infelizmente essa é a regra, o combate deve ir em direção aos valores arraigados nessa regra, e a força da exceção não deverá ser mais forte do que a regra!

Como acabar com essas instituições que perseguem os negros? O que está em jogo é: a quem essas instituições servem? Pra quem é interessante a morte dos pretos? Quem detém todo esse poder é a Supremacia branca****.

É não enxergar isso e ver a escalada de violência subir mais e mais. Alguém lucra com isso? Sim, os privilegiados supremacistas brancos. Apenas os pretos são/serão atingidos? Não, mas a negação da existência do racismo não cabe nessa realidade, ou queriam que a letalidade da polícia fosse 100% de negros? Não basta de 70% a 80%?

Como aceitar que continuem surgindo movimentos intitulados pelos últimos dizeres da vida dos nossos mortos?

Os dados podem parecer frios, mas é o modo de se visualizar essa realidade que “oito em cada dez usuários regulares de crack são negros. Oito em cada dez não chegaram a ensino médio”.***** Desses, 40% vivem em situação de rua, 49% tem passagem pelo sistema prisional. O Brasil encarcera mais de 700 mil pessoas! O genocídio perpetrado pela supremacia branca é devastador!

É mais que necessário que visemos o direito de formar uma nação preta autônoma, pois o genocídio vai para além da morte física, atinge a natureza do ser, a cultura, a religião, a família, a existência, a alma e a nossa realidade!    
    


*Racismo: Relação de poder que inferioriza características físicas (fenótipo) e culturais de uma raça, “um sistema de pensamento, fala e ação operado por pessoas que se classificam como brancas, e que usam o engano, a violência, e/ou a ameaça de violência, para subjugar, usar e/ou abusar de pessoas classificadas como ‘não-brancas’ em condições que promovem a prática da falsidade, da injustiça e do erro, em uma ou mais áreas de atividade, com o objetivo último de manter, expandir e/ou aperfeiçoar a prática da supremacia branca (racismo).” (Neely Fuller Jr) ver artigo Primeiro Raça.link


** Extraído do artigo “Segurança Pública e Racismo Institucional” (Almir de Oliveira Júnior/ Verônica Couto de Araújo Lima)


*** ...o Brasil sempre se apresentou internacionalmente com a imagem de país modelo da harmonia racial, constituindo-se no exemplo de país em desenvolvimento e de perfeita convivência racial, conforme consta nos relatórios apresentados à ONU sobre a Convenção Internacional de Eliminação de Todas As Formas de Discriminação Racial.
“Tenho a honra de informa-los que desde então não há discriminação racial no Brasil (...) na legislação que especificamente lida com a discriminação racial. Nenhuma apresentação detalhada é determinada, porque o contexto histórico e cultural dos brasileiros é tal que esse tipo de preconceito é completamente estrangeiro a ele.” (CERD, 1970)
“A integração racial no Brasil, que é resultado dos quatros séculos de nosso desenvolvimento nacional, proporciona para o mundo contemporâneo uma experiência em harmoniosa vivência racial. Isso é infelizmente incomum em outros locais. Essa integração não originou de leis que estipulam que somos um, mas de um processo natural espontaneamente alcançado.” (CERD, 1971)
“Pareceria supérfluo aqui repetir o fato que no Brasil tolerância racial e miscigenação precedem qualquer estatuto legal que poderia ter tentado proibir ou suprimir a discriminação racial. É questão de registro que, embora a integração étnica tenha existido durante séculos no Brasil, a primeira lei para lidar especificamente com o assunto entrou em efeito em 1951. Essa é a razão pela qual o código penal não ataca a discriminação racial diretamente.” (CERD, 1974)
“Como país que consolidou sua identidade nacional em cima de um período longo de experiência étnica, marcado pela integração harmoniosa e congruência cultural de grupos raciais diferentes, o Brasil condena todos os atos de discriminação, dando seu apoio sem hesitar a todas as iniciativas empreendidas para combater o apartheid, especialmente para as resoluções pertinentes das Nações Unidas, da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança” (CERD, 1980)

(O Movimento Negro e o Estado:1983-1987 – Ivair Augusto Alves dos Santos)


**** ...Em sua forma mais óbvia, a supremacia banca se expressa como um processo físico de pura violência, muitas vezes extremamente brutal. A escravização, pelos europeus, de milhões de africanos durante várias centenas de anos, o extermínio dos povos indígenas na América, assim como a matança e o aprisionamento de milhões de africanos durante o período de colonização, são apenas exemplos de uma lista aparentemente interminável de atos de terror perpetrados por supremacistas brancos em todo o planeta. A supremacia branca também pode ser um processo social e econômico pelo qual milhões perdem a soberania, muitas vezes em sua própria terra, sendo seus “recursos” (por exemplo, terra e trabalho) apropriados pelos europeus em função dos interesses destes. Mas a supremacia branca também pode ser um processo mental, mediante a ocupação do espaço psicológico e intelectual dos que devem ser submetidos, levando ao que Wade Nobles denominou, de forma certeira, “encarceramento mental”. A tomada do espaço mental africano ocorre por meio do disfarce de ideias, teorias e conceitos europeus como universais, normais ou naturais. Todos são “étnicos”, menos os europeus. Mas essa aceitação não questionada da Europa como normativa é altamente problemática para os africanos. Com efeito, a Europa forjou grande parte de sua identidade moderna à custa dos africanos, particularmente por meio da construção da imagem do europeu como o mais civilizado e do africano como seu espelho negativo, isto é, como primitivo, supersticioso, incivilizado, aistórico e assim por diante.

(A Afrocentricidade Como Um Novo Paradigma – Ama Mazama)


***** Oito em cada dez usuários regulares de crack são negros. Oito em cada dez não chegaram ao ensino médio. Essas proporções são bem maiores do que as encontradas no conjunto da população brasileira. Além disso, elas referem-se a características temporalmente anteriores ao uso de crack. Somavam-se a esses, outros indicadores de vulnerabilidade social, como viver em situação de rua (40%) e ter passagem pelo sistema prisional (49%). As mulheres usuárias regulares de crack têm o mesmo padrão de vulnerabilidade social, com o agravante que 47% relataram histórico de violência sexual (comparando a 7,5% entre homens). Outra pesquisa já havia indicado que a mortalidade de usuários de crack é 7 vezes superior à população geral, sendo os homicídios a causa de morte em 60% dos casos.
A relação entre exclusão social e uso do crack emergiu como um tema a ser aprofundado a partir da pesquisa de metodologia epidemiológica da FIOCRUZ.