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O líder da independência nigeriana Nnamdi Azikiwe
compareceu na Sessão Plenária da Conferência de Paz Britânica realizada em
Londres, em 23 de outubro de 1949. Ele usou essa ocasião para falar sobre a
Nigéria e a África. Ele também aproveitou a oportunidade para lembrar aos
defensores da paz que tentar impedir a guerra entre as potências ocidentais e o
bloco soviético deveria ser apenas metade da agenda deles. Se quisessem criar
um mundo permanentemente pacífico, Zik argumentou, eles também deveriam apoiar
as lutas pela independência que estavam sendo travadas na África.
Dê
uma olhada no mapa da África, e notará que seu contorno apresenta uma forma que
lembra um osso de presunto. Para algumas pessoas, este osso de presunto foi
projetado pelo destino da talha do imperialismo europeu; para outras, é um
ponto de interrogação, que pergunta se a Europa cumprirá seus ofícios éticos de
paz e harmonia. No entanto, o paradoxo da África é que sua riqueza e seus
recursos estão entre as causas principais das guerras. Desde a Conferência de
Berlim, o continente africano foi dividido e dominado por exércitos de ocupação
sob o disfarce de administradores e guardiões políticos, representados pelos
seguintes países europeus: Grã-Bretanha, França, Bélgica, Portugal, Espanha,
Itália e também a União da África do Sul.
Quando
as potências dos Aliados tocaram o sino para a Primeira Guerra Mundial, a
África desempenhou um papel de liderança não apenas como fornecedora de homens,
materiais e dinheiro, mas como um teatro
de guerra em que o colonialismo alemão nos Camarões, na África Oriental, e
no sudoeste da África, foi destruído. Mais uma vez, quando as Nações Aliadas
venceram a Segunda Guerra Mundial, o continente africano foi usado por
estrategistas militares para destruir os objetivos fascistas da Alemanha,
Itália e da cidade de Vichy na França.
É
muito significativo que, nas duas últimas guerras mundiais, os povos africanos
tenham sido persuadidos a participar da destruição de seus companheiros seres
humanos, alegando que o Kaiserismo e o Hitlerismo deveriam ser aniquilados para
que o mundo fosse protegido pela democracia- uma teoria política que parece ser
propriedade exclusiva dos bons povos da Europa e da América, cujos governantes
parecem achar a guerra uma missão e um empreendimento lucrativos.
Agora,
os povos da África estão sendo informados de que é necessário, no interesse da
paz e da preservação do cristianismo, que eles estejam prontos para lutar
contra a União Soviética, pois os bandidos de guerra visam a dominação mundial.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Marechal de Campo Lord Montgomery
tem visitado vários países da África, inclusive o meu país, a Nigéria, que
abriga urânio-233. Estradas militares estão sendo construídas sob o pretexto do
desenvolvimento econômico. Técnicos americanos estão inundando a África e os
preparativos febris sendo feitos para a Terceira Guerra Mundial. Certos fatores
exigiram a posição que minha organização, o Conselho Nacional da Nigéria e dos
Camarões, tomou em relação à próxima guerra. Na Nigéria e nos Camarões,
enfrentamos a inevitável realidade de que o sangue dos nossos filhos foi
derramado em duas guerras mundiais em vão. Lembramos que, durante a Segunda
Guerra Mundial, foi solicitado ao Sr. Winston Churchill que confirmasse que as
disposições da Carta do Atlântico se aplicavam à Nigéria, como foi afirmado
pelo seu vice, o sr. C. R. Attlee, a resposta do primeiro-ministro da Guerra,
redigida em linguagem diplomática e entregue de maneira tranquilizadora,
contradiz a interpretação do presidente Roosevelt no sentido de que a Carta do
Atlântico se aplicava ao mundo inteiro.
Hoje,
na Nigéria, milhares de ex-militares estão desempregados, eles estão
desiludidos e frustrados, alguns deles foram até mutilados por toda a vida,
porque foram enganados a participar de uma guerra que não era deles. Apesar de seus
esforços na guerra, foi negada a liberdade política, segurança econômica e
emancipação social ao povo da Nigéria e dos Camarões. Nossa identidade nacional foi sufocada para
servir aos propósitos egoístas do domínio estrangeiro. Enfrentamos a negação de
direitos humanos elementares. Somos sentenciados à servidão política e
incumbidos a uma servidão econômica. Somente aqueles que aceitam a escravidão
como destino continuariam a viver sob condições tão humilhantes sem reivindicar
seu direito à vida e à busca da liberdade, e unir forças com os movimentos
progressistas pela paz.
Se
me permitem ser franco, devo dizer que não é suficiente nos reunirmos aqui e
adotar manifestos pela paz. Devemos indagar nossos corações e estar preparados
para aceitar algumas verdades. Alguém disse, com razão, que "a paz é
indivisível". Metade do mundo não poderá desfrutar da paz, se a outra
metade vive no meio da guerra. Você pode evitar a guerra entre os dois grandes
blocos, no entanto será uma vitória vazia, desde que qualquer parte do mundo
permaneça como um território colonial. É bem evidente que o imperialismo é uma
fonte perene de guerra.
A
atual política colonial do governo britânico pode ser um indicador confiável
das perspectivas para o futuro. Não estou errado quando digo, sem equívocos,
que essa política foi formulada de acordo com a lógica do imperialismo, apoiada
por uma falsa crença da incapacidade dos povos colonizados em desenvolverem
iniciativas próprias. Até certo ponto, essa política foi justificada no passado,
por razões históricas, mas dificilmente pode resistir às provas de análises e
críticas imparciais de hoje.
A
política colonial britânica, que é essencialmente autocrática, concedeu
constituições de povos dependentes. Apesar das obrigações do tratado, a Grã-Bretanha
governou os protetorados e mandatos britânicos como se fossem colônias da Coroa
Britânica. A ideia e as implicações da administração foram mal aplicadas ou
desprezadas, de modo que a terminologia não faz sentido para os povos
coloniais. A negação de direitos humanos elementares, como a liberdade de
expressão e de imprensa, e a liberdade de associação e assembleia, é frequente.
Socialmente,
o bicho-papão da segregação e da discriminação racial torna extremamente
difícil para o colonizado desenvolver sua personalidade por completo. A
educação é limitada aos privilegiados, os hospitais não estão disponíveis para
a maioria das pessoas. Os serviços públicos estão faltando em muitos aspectos,
não há suprimentos suficientes de água, estradas pavimentadas, serviços postais
e sistemas de comunicação na maioria das comunidades da Nigéria. As prisões são
medievais, o código penal é opressivo e a liberdade religiosa é raríssima.
Economicamente,
os povos coloniais foram levados a apreciar que as possessões coloniais
constituem “propriedades não desenvolvidas” especialmente reservadas como
legado para exploração do poder colonial que controla, seja por meio de uma
política de portas fechadas ou de um sistema de tarifa preferencial, ou como um
depósito de lixo para os desempregados do "estado protetor". Essa
política afetou negativamente os povos coloniais. Existe, nos territórios
coloniais, um regime de monopólio que afeta a economia do país. O sistema de
tributação é arbitrário e desigual. O serviço público não é tão eficiente
quanto deveria ser, devido principalmente ao favoritismo, nepotismo e racismo.
O programa agrícola é arcaico, pois não é feito nenhum esforço para introduzir
e popularizar técnicas agrícolas modernas e máquinas que otimizam o trabalho. A
política de mineração é definitivamente despótica, pois, embora o controle
estatal possa ser desejável em um estado democrático, o governador de um
território colonial “pode, a seu critério absoluto”, conceder, cancelar,
modificar ou renovar qualquer direito de exploração ou mineração. O trabalho é
explorado em abundância.
E
apesar do catálogo de deficiências indicado acima, a política colonial do
governo britânico parece ser dedicada ao evangelho de acordo com "o homem
no local" (ou autoridade real) cuja palavra é lei e cuja má administração
muitas vezes o autoriza a ser condecorado como um Cavaleiro da Grande Cruz ou
Dama da Grande Cruz (G.C.M.G em inglês), ou um título de nobreza como
recompensa.
Estou
convencido de que, como potência colonial, as ações da Grã-Bretanha são
elevadas, apesar de sua influência moral não ser tão salutar quanto seria
possível, devido à sua adesão às ideias antiquadas do imperialismo e da
Herrenvolk (suposta raça superior nazista). No entanto, é obrigatório que a
Grã-Bretanha se examine mais criticamente e esteja disposta a se ajustar às
condições mutáveis do pensamento colonial contemporâneo e da sociedade
internacional. É altamente desejável para a Grã-Bretanha que cultive a boa
vontade e a lealdade dos povos coloniais e, assim, obtém a aprovação do mundo
exterior.
Não
podemos ficar satisfeitos com a "discussão" de nossos próprios
assuntos, como previsto na Constituição de Richards. Não estamos dispostos a
continuar a política reacionária de fazer a nossa câmara legislativa uma sociedade
debatendo para a diversão dos administradores coloniais britânicos. Ressentimo-nos da ideia de nossos
funcionários públicos remunerados serem de uma burocracia sem limites, capaz de
criar, interpretar e administrar nossas leis, sem nosso conhecimento e
consentimento, e sem sermos efetivamente representados nessa câmara por
vereadores ou legisladores de nossa própria escolha.
Exigimos
o direito de assumir a responsabilidade pelo governo do nosso país. Exigimos o
direito de liberdade para cometer erros ou acertos através de nossas próprias
experiências.
Em
virtude de uma série de cerca de quatrocentos tratados negociados entre Sua
Majestade, a Rainha Vitória, e os Reis de vários territórios que hoje são
conhecidos como Nigéria, a Grã-Bretanha assumiu um protetorado em todo o nosso
país, exceto no município de Lagos. A existência desses tratados é um
reconhecimento de que o protetorado assim estabelecido não é território
britânico e que seus habitantes não são súditos britânicos. Isso é consistente
com o direito constitucional inglês. Após quase cem anos de ligação britânica,
certos fatores exigiram o reexame de nossas relações para que o vínculo de
comunhão entre os dois países fosse fortalecido ou desintegrado. Pertencemos à
escola de pensamento que prefere o curso do fortalecimento, e sentimos que o
futuro das relações anglo-nigerianas não precisa ser objeto de conflito. Pelo
contrário, deve ser uma questão de ajuste da organização política e
administrativa. Atualmente, nós, considerados os elementos articulados em nosso
país, temos o sentido de fazer um gesto amigável para fortalecer o vínculo de
comunhão com a Grã-Bretanha. O autogoverno é o nosso objetivo na vida. A única
maneira de os britânicos na Nigéria provarem sua sinceridade é implementando o
oficio de títulos de posse. Admito que algum esforço esteja sendo feito, mas
afirmo que pode ser aumentado.
Nunca
sugeri, e não sugiro, a saída por atacado dos britânicos na Nigéria, mas
sustento que, como as relações anglo-nigerianas se fundamentam em obrigações de
tratado baseadas na amizade e no comércio, não há razão para que o condomínio
anglo-nigeriano não seja o núcleo de uma grande Federação de Estados no futuro
imediato, para nos permitir tomar nosso lugar de direito na Comunidade Britânica.
Se os britânicos nos querem bem, devem confiar em nós e nos permitir participar
ativamente da administração de nossos negócios.
A
cada seis pessoas no continente africano, uma é nigeriana. Adicione as Ilhas
Britânicas à Bélgica, Holanda, Portugal e ao Estado Livre Irlandês, e então
você terá uma ideia da região da Nigéria. Há ouro na Nigéria. Carvão, linhito,
estanho, columbita, tantalita, chumbo, diatomita, tório (urânio 233) e
tungstênio são abundantes na Nigéria. Há abundância de óleo de palma. Borracha,
cacau, amendoim, gergelim preto, algodão, óleo de palma e sementes de palma têm
em grande quantidade. Madeira de diferentes tipos é encontrada em muitas áreas
deste país. No entanto, apesar desses recursos naturais que indicam riqueza
potencial, a grande maioria dos nigerianos vive na escassez.
Consideramos
em nossa opinião que fatores do capitalismo e do imperialismo impediram o
crescimento normal da Nigéria na comunidade das nações. Estamos confiantes de
que somente pela cristalização da democracia em todos os aspectos de nossa vida
e pensamento nacional - políticos, econômicos e sociais - podemos nos
desenvolver juntos com as outras nações progressistas do mundo que amam a paz.
Estamos determinados que a Nigéria agora evolua para uma comunidade totalmente
democrática e socialista, a fim de permitir que nossas várias nacionalidades e
comunidades possuam e controlem os meios essenciais de produção e distribuição,
e assim promover mais efetivamente a liberdade política, segurança econômica,
igualdade social, tolerância religiosa e o bem-estar comunitário.
Por
essas razões, definimos o imperialismo como o domínio imposto de uma nação por
outra nação. Consideramos isso uma antítese da democracia, cuja realização
nossos filhos derramaram seu sangue em duas guerras mundiais. Portanto, somos
obrigados a denunciar o imperialismo como um crime contra a humanidade, porque
destrói a dignidade humana e é uma causa constante de guerras. Por fim, fazemos
as seguintes declarações:
1)
Que não teremos mais medo de falsos alarmes emitidos pelos imperialistas e sua
imprensa venal em relação a qualquer ideologia que seja basicamente socialista
em seu conceito.
2)
Que não nos arriscaremos em entrar em guerras contra outras nações para sermos
enganados.
3)
Que não seremos mais arrastados para agir como bucha de canhão na força militar
de hipócritas que oscilam diante de nosso povo com slogans enganosos, a fim de
envolver a humanidade em carnificina e destruição.
4)
Que consideramos o imperialismo como nosso principal inimigo mortal, contra o
qual deve estar todas as várias nacionalidades e comunidades de nosso país.
5)
Que afirmamos que temos o direito de ser consultados e de obter nosso
consentimento antes de entrarmos em outra guerra mundial.
6)
Que, em caso de outra guerra mundial, nos reservamos o direito de adotar uma
atitude independente, e uma linha de ação que aceleraria nossa libertação
nacional, unindo todas as pessoas cuja atitude em relação à nossa luta nacional
pela liberdade justifique tal aliança.
7)
Que na próxima guerra mundial, nos posicionaremos de acordo com quem, por
palavras e ações, satisfaça nossas aspirações nacionais imediatas.”
Fonte: Wilfred Cartey e Martin Kilson, The African Reader: Independent
Africa (Nova York: Vintage Book, 1970).