Dra. Clenora Hudson-Weems
Capítulo I
Nommo: Autonomeação e Autodefinição
(Uma Revisão de "Autonomeação e Autodefinição: Uma Agenda para a
Sobrevivência" em Irmandade, Feminismos e Poder (African World Press,
1998))
As mulheres que se dizem feministas pretas precisam de outra palavra que descreva quais são suas preocupações. O feminismo preto não é uma palavra que descreve a situação das mulheres pretas. A raça branca tem um problema de mulher porque as mulheres eram oprimidas. O povo preto tem um problema de homem e mulher porque os homens pretos são tão oprimidos quanto suas mulheres. (Julia Hare, 15)
A citação acima feita pela notável
psicóloga preta, Julia Hare, que infelizmente desconhece a existência do
Mulherismo Africana, uma terminologia e paradigma que responde ao seu chamado,
faz um profundo comentário sobre a realidade da diferença na política da vida
preta e da vida branca, particularmente em termos de como certos ideais têm
diferentes significados em relação aos dois grupos. Em outras palavras, a
declaração de Hare reflete as nuances da relatividade de uma determinada
terminologia e conceito - feminismo - como emitidos por brancos e sua
inaplicabilidade para homens e mulheres pretos que estão presos em
primeiro lugar pelo fator racista e não pelo fator de gênero tão
prevalentemente abordado hoje. Por causa do fator racial crítico para os
pretos, outra acadêmica, Audrey Thomas McCluskey, conclui que "as mulheres
pretas devem adotar um termo culturalmente específico para descrever sua
experiência racializada" como ela é astutamente cônscia disso para as
mulheres pretas, quer elas busquem ou não essa questão a ponto de se nomearem
independentemente, "o debate sobre nomes reflete questões mais profundas
do direito à auto validação e reivindicar suas próprias tradições
intelectuais" (McCluskey 2). Assim, a necessidade crucial de
autonomeação e autodefinição, um fenômeno de interconexão, torna-se definitiva,
pois precisamos entender que, quando você dá nome a uma coisa particular, você
simultaneamente lhe dá significado. Nommo, então, um termo africano que o
teórico cultural Molefi Asante chama de "o poder gerador e produtivo da
palavra falada", significa a denominação apropriada de algo que por sua vez
lhe dá essência (Asante 17). Particularizando o conceito, Nommo, no poder
da palavra. . . ativa todas as forças de seu estado congelado de uma maneira
que estabelece a concretude da experiência. . . sejam alegres ou tristes,
trabalho ou diversão, prazer ou dor, de uma maneira que preserve a humanidade
[de alguém] "(Harrison xx).
Certamente, Nommo, um conceito
poderoso e empoderador na cosmologia africana, evoca a existência
material. Como o povo africano há muito tem sido negado a autoridade de
não apenas nomear a si mesmo, mas, além disso, de se autodefinir, como inferido
pela narradora de Amada da ganhadora do prêmio Nobel, Toni Morrison - "As
definições pertenciam aos definidores, não aos definidos". Agora, é da
maior importância que tomemos controle sobre esses fatores determinantes de
nossas vidas, se esperamos evitar a degradação, o isolamento e a aniquilação em
um mundo de ganância, violência e pandemônio.
Desde meados dos anos oitenta, tenho me
envolvido seriamente no processo de nomear e definir adequadamente as mulheres
africanas. Este processo tem sido efetuado identificando e refinando um
paradigma centrado em África para todas as mulheres de ascendência
africana. Ao observar o papel tradicional, o caráter e a atividade desse
grupo, cuja afinidade reside em sua ancestralidade africana comum, cheguei à
conclusão de que o Mulherismo Africana como construção teórica era mais um
refinamento de ideais do que uma criação de ideais. Meu papel como teórica
era observar as mulheres africanas histórica e culturalmente, documentar nossa
realidade e depois refinar um paradigma relativo a quem somos, o que fazemos e
o que acreditamos como povo. Embora esse processo pareça ser um curso
natural de ação, a sociedade, ao contrário, não seguiu esse caminho. E
mais, ignorou a verdadeira existência operacional desse longo fenômeno
existente e optou por nomear e definir mulheres africanas fora de seu contexto
cultural e histórico por meio da sobreposição de um construto estrangeiro -
eurocentrismo/feminismo. Em essência, a cultura dominante manteve a
posição de identificar quem somos e como nos encaixamos no esquema das coisas,
sem nenhuma consideração por nossa autêntica realidade. Em vez de
respeitar nossas vidas como representantes da auto autenticação, a cultura
dominante se impõe sobre o povo africano. Para acabar com este legado de
dominação europeia, os africanos terão de reivindicar ativamente a sua
identidade, começando pela autonomeação e autodefinição. Como afirma Bob
Bender, professor de inglês e estudos sobre mulheres (University of
Missouri-Columbia), a nomeação é importante, e um dos problemas em ser chamado
por algum outro grupo é que você não é quem você quer ser. Até que você
tenha o direito de dar um nome a si mesmo e ao que você está fazendo, você não
tem poder algum. O Mulherismo Africana é uma excelente ideia (Bender 7).
Uma agenda autêntica para as mulheres
africanas, portanto, deve ser projetada com uma perspectiva endêmica, moldada
pela nossa própria realidade cultural passada e presente, moldada por nosso
próprio conjunto de prioridades estabelecidas. Em outras palavras, as
mulheres africanas devem criar nossos "próprios critérios para avaliar
[nossas] realidades, tanto no pensamento quanto na ação" (Hudson-Weems,
Africana Womanism, 50).
Para começar, o conceito de Mulherismo
Africana ao contrário do feminismo/feminismo preto, é um conceito centrado na
família, mais do que centrado na mulher, que se preocupa primeiramente com o
empoderamento racial em vez do empoderamento feminino. Certamente, o
empoderamento feminino centrado como uma prioridade para as mulheres
pretas não poderia fazer sentido em uma comunidade onde as próprias vidas não
apenas do setor feminino, mas de todo o seu povo - homens, mulheres e crianças
- estão em risco e ameaçadas diariamente pela dominação racista
branca. Livrar a sociedade primeiro do racismo, que permeia a existência
total da vida preta, torna-se então o primeiro passo para a sobrevivência
humana. Um artigo de jornal em acompanhamento, encabeçando "Beyond
Bra-Burning" (Além da queima de sutiã), da Primeira Conferência
Internacional sobre Mulheres Africanas e da Diáspora Africana, realizada na
Universidade da Nigéria, Nsukka (julho de 1992) destacou o impacto do
Mulherismo Africana na conferência. Foi afirmado que as Mulheristas [Africana]
não acreditam em queima de sutiãs. Elas acreditam na feminilidade, na
família e na sociedade. Sua luta é elevar esses atributos, não repudiá-los. . .
O homem e a mulher africana sempre foram parceiros complementares e, para que haja
um empoderamento econômico e uma sobrevivência africana, os dois precisam
trabalhar juntos, como sempre fizeram"(Agoawike, 1).
Evidentemente, a noção de priorizar
raça, classe e gênero dentro da estrutura da situação tríplice das mulheres
africanas é o fator diferenciador definidor entre mulheres de ascendência
africana e aquelas da cultura dominante, cuja principal questão para elas é o
empoderamento feminino. Mesmo antes da conferência nigeriana, eu estava na
missão de insistir na crucialidade da nomeação e definição apropriada das
mulheres africanas e sua luta como uma atividade coletiva em curso no mundo
preto, em um esforço para combater os problemas que ameaçam a vida para a
existência de um coletivo Africana. E a chave para essa questão seminal é que,
quando se compra uma terminologia específica, também se compra sua agenda, o
que no caso das mulheres africanas desconsidera a conexão inextricável de sua
identidade com o destino de seu povo. Como Hudson-Weems proclama em uma
entrevista para um jornal caribenho, "Nós (da Diáspora Africana) não
estamos menosprezando as questões de gênero - estamos lidando
com questões da vida real que não excluem gênero mas lidam [primeiro] com a fortificação e empoderamento do nosso povo "(Fuentez, 3).
Pode ser apropriado comentar aqui os
primórdios venenosos do feminismo. A verdadeira história do feminismo, suas
origens e suas participantes, revela um pano de fundo racista bastante
descarado. O Feminismo e o Movimento de Sufrágio da Mulher tiveram seu
início com um grupo de mulheres brancas liberais, que estavam preocupadas em
abolir a escravidão e conceder direitos iguais para todas as pessoas,
independentemente de raça, classe e sexo. No entanto, quando a Décima
Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos foi ratificada em 1870,
concedendo direitos de voto aos homens africanos, embora negando privilégio
para as mulheres, as mulheres brancas em particular, as atitudes daquelas
mulheres brancas em relação aos pretos mudaram. Desapontadas, tendo
assumido que a sua benevolência para assegurar a plena cidadania do povo
africano acabaria por beneficiá-los, a sua resposta foi uma reação racista
tanto à Emenda quanto aos Africanos. Assim, um movimento organizado entre
as mulheres brancas da década de 1880 mudou o pêndulo de uma postura liberal
para uma radicalmente conservadora.
A Associação Americana Nacional para o Sufrágio das Mulheres (NAWSA em inglês) foi fundada em 1890 por mulheres
brancas do norte; no entanto, "as mulheres do sul também foram
vigorosamente cortejadas por esse grupo" (Giddings, 81), que demonstrou o
crescente chauvinismo racial do final do século XIX. Partindo da posição
original do sufrágio feminino de Susan B. Anthony, a organização reuniu a
Associação Nacional para o Sufrágio da Mulher e a Associação Americana de Sufrágio
da Mulher, protestando que o voto das mulheres brancas de classe média
deve ajudar seus pares masculinos a preservar as virtudes da República da
ameaça dos homens pretos, não qualificados e biologicamente inferiores que, com
o poder de voto, poderiam adquirir poder político dentro do sistema
americano. Carrie Chapman Catt, uma líder conservadora e sufragista
conservadora e outras mulheres em seu campo insistiram em fortes valores
anglo-saxões e na supremacia branca. Elas queriam se unir com homens brancos
para garantir o voto para brancos puros, excluindo os pretos e imigrantes
brancos. Em Peter Carrol
e David Noble, The Free and The Unfree, Catt é citada:
Há apenas uma maneira de evitar o
perigo. Cortar o voto das favelas e dar para as mulheres [brancas]. . .[Os
homens brancos devem perceber] a utilidade do sufrágio feminino como um
contrapeso ao voto estrangeiro, e como um meio de preservar legalmente a
supremacia branca no sul "(citado em The Free and the Unfree, 296).
Adotando uma firme crença na inerente
inferioridade preta, essas mulheres acreditavam que os pretos não deveriam ter
o direito de votar antes delas, o que não aconteceu até a Décima Nona Emenda de
1920. Assim, embora seja compreensível como as mulheres brancas se sentiam
em relação à sua exclusão da agenda dos direitos de voto, a sua hostilidade
racista em relação aos africanos era injustificável e, portanto, não pode ser
negligenciada.
Em maio de 1995, tive a oportunidade de
observar a consequência da inclusão de nossas prioridades como mulheres
africanas sob as da cultura dominante. A Suprema Corte estava decidindo
sobre a questão dos planos de Ação Afirmativa e a questão levantada era como as
feministas (brancas) responderiam aos crescentes ataques à Ação Afirmativa, já
que elas, como mulheres, haviam sido o maior grupo beneficiado deste programa,
incluindo os pretos, que eram os beneficiários originalmente
pretendidos. Colocando essa questão em uma perspectiva histórica, eu supus
que, como elas eram, de fato, membros da cultura dominante, sua segurança seria
protegida. Previsivelmente, em junho de 1995, a Suprema Corte retornou a
sentença de que os pedidos de Ação Afirmativa que eram racialmente determinados
eram inconstitucionais; aqueles determinados pela igualdade de gênero eram constitucionais. Portanto,
para as mulheres de ascendência africana, que é uma categoria racialmente
definida, a prioridade de gênero, ao invés de raça, é inaplicável neste caso,
uma vez que as mulheres africanas ainda seriam sobrecarregadas com o jugo do fator
racial: "Mesmo que ela supere a batalha do sexismo através de uma
luta coletiva de todas as mulheres, ela ainda ficará com a batalha do racismo
enfrentando tanto na família quanto a si mesma" (Africana Womanism,
59). Em outras palavras, quando a feminista branca tiver realizado todas
as suas necessidades e demandas, tornando-a um lugar apropriado no ambiente de
trabalho, a mulher preta ainda será preta e na parte inferior. Assim, a
mulher preta, que entregou sua questão número um de igualdade racial a uma
prioridade específica de gênero, se encontrará de volta à experiência
vulnerável da degradação negra.
Dito tudo, a revelação gritante é que o
povo Africana, particularmente as mulheres Africana neste discurso, deve
decidir por nós mesmos quem somos e qual é a nossa agenda
autêntica. Devemos necessariamente nos engajar na identificação de nossas
necessidades individuais como um povo Africana, começando com autonomeação e
autodefinição, a fim de que possamos entender melhor o que será necessário para
nós trazermos a total paridade humana para nossa realização. Com certeza,
este é o primeiro passo para trazer a verdadeira harmonia e a sobrevivência
real para todos os pretos, brancos, vermelhos e amarelos; homens, mulheres e
crianças.
Referências
Agoawike, Angela. "Beyon
'Bra-Burning': [Africana] Womanism as Alternative for the Africana Women."
Nigeria Daily Times, July27, 1992.
Asante, Molefi Kete. The Afrocentric Idea.
Philadelphia: Temple University Press.
Bender, Bob. "Reassessing
Roles." Mizzou Weekly (Columbia, MO). October 27, 1993.
Carroll, Peter N. and David W. Nobel. The
Free and the Unfree: A New History of the United
States. New York: Penguin Books, 1977.
Fuentez, Tania. "Africana Womanism:
Ties to the Destiny of a People." Daily News (St. Thomas, Virgin Islands),
June 2, 1994.
Hare, Julia. "Feminism in Black and
White." Quoted in Mary-Christine Phillip. Black Issues in Higher
Education, March 11, 1993, pp. 12-17.
Harrison, Paul Carter. The Drama of Nommo.
New York: Grove Press, 1972.
Hudson-Weems, Clenora. Africana Womanism:
Reclaiming Ourselves. Third revised edition, second printing. Michigan: Bedford
Publishers, 1995.
McCluskey, Audrey Thomas. "Am I Not a
Woman and a Sister?: Reflections on the Role of Black Women's Studies in the
Academy." Feminist Teacher, Vol. 8, n. 3, 1994, 105-111.
Morrison, Toni. Beloved. New York: Alfred
A. Knopf, 1987.
Disponível em
<http://web.missouri.edu/~hudsonweemsc/ > acesso 08/06/2018
No
livro Africana womanist literary theory tem um capitulo com esse titulo do
texto.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigada pela tradução!
ResponderExcluirPor nada, irmã! :)
ExcluirEsclarecedor!! Agradecida!
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