Quando assisto a alguma
entrevista da escritora moçambicana Paulina Chiziane, com sua tranquilidade na
expressão, uma doçura na voz e sempre se portando com muita evidência, fica
difícil de imaginar como ela pôde escrever um livro tão repleto de sofrimentos
e situações extremamente subumanas. Pois é, Ventos do Apocalipse traz essa
bagagem da vida do seu povo no sul de Moçambique pós-independência e assim travando
uma guerra civil.
Este livro é o seu segundo
romance, publicado em 1975, apesar de a autora não se considerar uma romancista, é fato que me
parece não querer atribuir a rótulos europeus para sua obra, nem para seu ser e
suas crenças. A sua escrita está mais ligada à tradição oral, a contação de
histórias e em particular, as histórias que as mulheres carregam consigo.
São cíclicos os ventos que
sopram o apocalipse, e assim a autora inicia o livro com contos do passado,
meio que para ambientar a leitura do romance que virá. O romance é dividido em duas partes: A
primeira parte se passa na vila de Mananga, e a narrativa se ambienta na vida
de Sianga e Minosse, um casal, Sianga que já fora um régulo não é mais nada da vida, a única mulher que o aturou foi Minosse.
O cenário é de seca, numa região que depende do clima para
se estabelecer numa espécie de agricultura de subsistência. Para agravar, a
guerra está sempre a soprar sua brisa, desse modo começa-se a aparição de
refugiados de outras aldeias e vilas. A constante busca por sobrevivência vai gerar atritos.
A segunda parte já se dá pela busca de
refúgio dos que sobreviveram dos conflitos em Mananga. E é então que o vento
sobra bem forte, a devastação retratada é algo bem estarrecedor. Minosse
continua nessa jornada, sendo então a principal voz no romance, uma voz
feminina que guardou e viveu toda a desgraça daquele cenário.
A minha sensação é a de que
a história não teve fim, justamente pra supor a ideia inicial de que tudo é cíclico,
ou seja, os europeus que na colonização devastaram a tradição local, em outro
momento vieram para “ajudar” numa guerra civil, seria mesmo só ajuda, assim sem
nenhuma pretensão? As mulheres ancestrais que sofreram no passado (vide um conto inicial do livro), a mesma dor se fez presente na vida infeliz de Minosse, existia ali alguma
projeção de mudança pro futuro? E se a história pode girar em ciclos será que
devemos aprender com as experiências do passado? Foram alguns questionamentos que
fiquei a imaginar pós-leitura. E assim encerro essa breve nota, vou deixar o
link de uma das entrevistas de Paulina Chiziane, e também a nota de outro livro
da mesma autora, As Andorinhas.
Fuca, Insurreição CGPP, 2020. Livro de contos: AS ANDORINHAS
Fuca, Insurreição CGPP, 2020. Livro de contos: AS ANDORINHAS
https://insurreicaocgpp.blogspot.com/2019/01/as-andorinhas-de-pauline-chiziane-breve.html
Entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=1qcSX2t3-6Y
Entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=1qcSX2t3-6Y
"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países. Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."