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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Ngugi wa Thiong'o: Sobre Colonização, Linguagem e Memória. (+vídeo)

Em todas as relações entre dominantes e dominados num sistema colonial, cheguei à conclusão de que os dominantes sempre impuseram sua linguagem aos dominados. Eu ficava me perguntando o porquê.

 Isso me forçou a analisar todo o projeto colonial. E para mim, eu vi o colonialismo realmente como um processo de alienação. Como nos personagens do meu romance "Weep not, Child" (Não chore, criança), a terra foi tomada. Não apenas a terra, mas também a força de trabalho dos colonizados também é usurpada.

São recursos cruciais, terra e mão-de-obra dos colonizados. Isso me pertenceria, pois teríamos controle sobre. Agora não tenho controle sobre isso, o outro é quem controla. ok?

É alienação, mas de uma maneira que me faz olhar para mim e para meus recursos e ver minha terra e os produtos do meu corpo sendo controlados por outra pessoa. Mas não só isso. A própria linguagem,  qual o papel da linguagem?

A linguagem foi muito crucial na evolução econômica, política e psicológica de qualquer comunidade. A linguagem medeia os processos econômicos, políticos e psicológicos de qualquer comunidade. Sem linguagem não teríamos também a divisão do trabalho, que é a base da comunidade humana.

Por esta razão, os idiomas são muito importantes. Mas não apenas o idioma em si, a linguagem também é portadora de memória. Sem memória não podemos mediar nosso relacionamento com a natureza nem nossa relação um com o outro. Não podemos muito menos mediar nossa relação com nossos próprios corpos e nossas próprias mentes.

Portanto, enquanto houver um poder colonial, é necessário impor sua linguagem aos colonizados. Porque de certa forma, se você impõe um idioma sobre as pessoas, você está aplicando e consolidando todos os aspectos econômicos, políticos e sócio psicológicos dessa comunidade. Muito importante...

E o mais crucial, você também controla a memória dessa comunidade. A linguagem de fato faz parte de um vasto sistema de nomeações. Se você nomeia, você domina.

Nomeando você identifica, nomear é possível somente porque é nomeando que você identifica. E se você identifica, isola os diferentes elementos do ambiente.

Vocês se lembram, quem já conhece, o romance do Robinson Crusoé. Robinson Crusoé está naufragado em uma ilha e descobriu alguém chamado “Sexta-Feira”. E supõe-se no relacionamento deles que “Sexta-Feira” não tem linguagem.

Aí chega um momento em que Robinson Crusoe está ensinando uma linguagem a Sexta-Feira. Então a primeira coisa é a nomeação, ele diz: “seu nome é Sexta-Feira.” Note que ele não pergunta pra Sexta-Feira, “Qual é o seu nome?” Ele disse, “seu nome é Sexta-Feira. Eu te nomeio. E meu nome é Mestre.” Presumivelmente, sempre que alguém perguntar a Sexta-Feira, “Quem é aquele homem?” “Oh, ele é o Mestre.”

Veja, é Crusoé quem nomeia Sexta-Feira e também nomeia a si mesmo, e assim já estabelece uma subordinação na relação deles. Quem era Sexta-Feira? O que acontecerá então...

Sexta-Feira enterra suas memórias plantando a memória de Crusoé, no corpo que agora se chama “Sexta-Feira”. Mas possivelmente Sexta-Feira tinha um nome antes. No corpo de Sexta-Feira é plantada memória de Crusoé. E Crusoé é um inglês, o que está no corpo de Sexta-Feira agora é a memória Inglesa.

Então, seu corpo a partir de então carrega essa memória. Sempre que você o vê, será Sexta-Feira. Você não se direciona à pessoa que estava lá antes. Não importa o que ele era chamado. Ele agora é Sexta-Feira, nomeado por Crusoé.

Recentemente, em 2003, fui convidado pela Fundação Biko para dar uma palestra. Eu fui, Biko nasceu em Eastern Cape, uma área que produziu Mandela, Mbeki. Muitos dos intelectuais mais importantes da África do Sul e com um impacto muito grande no resto do continente.

Na cidade, todos os campos, onde a maioria deles nasceu. Viajando lá, primeiro vejo um lugar chamado “Queenstown”. Então, outro chamado “Kingstown” na mesma área. Depois eu vou para “Williams Town” ou algo assim. Eu vim para uma cidade chamada Berlin, Frankfurt? Os nomes das ruas eram os mesmos

Fico procurando em volta para ver algum outro nome que venha falar sobre qualquer um desses gigantes do pensamento africano oriundos daquela área. Nada!

A memória do lugar, a memória do que era, a memória do que teria sido produzido ali, essa memória é enterrada por outra. Presumivelmente, aquele lugar tinha nome antes e também produziu esse nome. Esse nome significava a memória desse lugar, agora enterrada pela memória europeia.

- Trecho de sua fala na Universidade de Oregon, em 2005. Vídeo completo: Planting African Memory: The Role of a Scholar




por Fuca Insurreição CGPP. 2020.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Kenneth Kaunda: Entrevista com o Presidente da Zâmbia (1973)

À medida que a tensão aumenta no sul da África, o primeiro-ministro da Zâmbia, Kenneth Kaunda, conversa com o Novo Internacionalista sobre o bloqueio da Rodésia; a crise racial no continente; e os principais problemas enfrentados pela própria Zâmbia.

Entrevista por David Martin.

 Discurso parte da seleção trazida por Fuca, Insurreição CGPP: 

Palavras de Independência da África II: Nkrumah, Olympio, Keita e Kaunda. (Pdf aqui) ou no link: https://drive.google.com/file/d/1It8Mjb-riPZAuG7gDUOzu15QJ23GJ_Oz/view?usp=sharing 


David Martin: Smith, da Rodésia, impôs um bloqueio econômico à Zâmbia. Que efeitos isso terá na economia do seu país?

Kaunda: Bem, vou começar dizendo ao contrário, pois, em minha opinião, se o Sr. Smith soubesse o que isso significaria para a economia, ele não o faria. Para nós, nossa política tem sido muito clara: diversificar nossas fontes de importações e exportações distanciando dos rebeldes do sul racialista para a África independente no norte. Desse modo, estamos tratando esse bloqueio como uma oportunidade de ouro. Fomos colocados em uma posição em que estamos mostrando que somos mais fortes do que jamais imaginamos. Portanto, embora tenhamos que fazer alguns esforços, pouco dano será causado à nossa economia, desde que, obviamente, todos possamos trabalhar duro.

D.M.: O Sr. Smith decidiu isentar o cobre do bloqueio. Você respondeu recusando-se a aceitar esta concessão. Esta foi uma decisão política inevitável ou você estava ciente do fato de que existiam alternativas?

Kaunda: Para começar, sabíamos que o Sr. Smith estava fazendo o jogo político, além de um jogo econômico. Político no sentido de que ele queria mostrar ao governo britânico que não iria mexer com a economia, pois isso traria mais a ira do governo britânico. E segundo, ele estava jogando um jogo econômico no que diz respeito a seus próprios seguidores na Rodésia: porque eles sabem tão bem quanto nós que não podem operar ferrovias da Rodésia sem o nosso cobre; e pedir-nos para subsidiar sua ferrovia e ao mesmo tempo recusar-se a transportar nossas importações é pedir muito a qualquer ser humano. Nós pensamos sobre isso e decidimos que não jogaríamos o jogo dele e, inevitavelmente, jogamos do nosso jeito. Eu acho que é um desastre econômico para a Rodésia.

D.M.: É bastante claro que a Rodésia sofrerá mais a longo prazo do que a Zâmbia. Mas corta suas rotas comerciais do sul. Das cerca de 1.000.000 toneladas de importações, cerca de 700.000 toneladas vieram de sua fronteira sul com a Rodésia. Você acha que existem rotas comerciais alternativas viáveis no momento? Em caso afirmativo, quais são elas?

Kaunda: Não tenho dúvidas de que encontraremos alternativas adequadas e já estivemos em contato com vários países africanos irmãos - Malawi, Tanzânia, Quênia e Zaire. Todos eles responderam favoravelmente e agora é uma questão de elaborar os detalhes. Os ministros visitarão todos esses países para alinhar os detalhes. Então, apesar de tudo, estou muito satisfeito que, embora possamos ter dificuldades iniciais, estamos em uma posição muito forte. Serão encontradas rotas alternativas e eu gostaria de me concentrar nas rotas que terão alguma permanência e não naquelas apenas emergenciais.

D.M.: A ferrovia da Tanzânia na Zâmbia deve chegar a Kapiri Mposhi até março de 1974. Dado esse fato e sua decisão de boicotar a Rodésia no que diz respeito às exportações de cobre, estou correto ao supor que você decidiu, de uma vez por todas, interromper as comunicações da Zâmbia com o sul?

Kaunda: Eles teriam que trabalhar muito para que voltássemos. No momento, não sei o que eles podem fazer para nos levar de volta para lá. Como você sabe, o comércio com a África do Sul aumentou após a UDI [Declaração Unilateral de Independência da Rodésia- (Rodésia do Sul)]. Tínhamos que encontrar fontes alternativas e, como membros leais das Nações Unidas (ONU), tivemos que forçar apesar das dificuldades. Mas, é claro, isso significava que tínhamos que aumentar o comércio com a África do Sul enquanto deslocássemos da Rodésia. Isso significa um problema agora para nós, porque teremos que trabalhar muito para encontrar fontes alternativas à África do Sul, mas, devido ao trabalho duro e à cooperação de nossos amigos, poderemos encontrar essas fontes alternativas. Permita-me acrescentar que prefiro descobrir o que nossos amigos podem produzir, dentro de seus próprios países, antes de começarmos a obter fontes alternativas.

D.M.: Eu realmente quis dizer, em vez de romper o comércio, que pode levar mais tempo, romper totalmente com as rotas através do sul da África. Se necessário, os bens sul-africanos poderiam ser trazidos através de Dar es Salaam, Lobito e Nacala.

Kaunda: Penso que em termos de comércio sul-africano virá por via aérea, ou possivelmente pela baía do Lobito, em Angola, ou Nacala, em Moçambique, se os portugueses continuarem restringindo. Mas em termos de ferrovias da Rodésia, espero que seja a última vez que as utilizemos.

D.M.: Os tanzanianos deixariam você levar mercadorias da África do Sul através de Dar es Salaam se você precisasse, mas você não pediria que fizessem isso?

Kaunda: Eu preferiria não. Eu não gostaria de constrangê-los. Eu procuro acreditar que o comércio atual que temos com a África do Sul é de natureza temporária. Eu gostaria de encontrar outras fontes alternativas. A situação do sul da África está se tornando cada vez mais explosiva e seria estupidez da nossa parte confiar nas fontes comerciais desses países.

D.M.: O Sr. Smith disse que queria uma garantia sua de que você não apoiaria mais os movimentos de libertação do Zimbábue. Qual a sua resposta para isso?

Kaunda: Nós, na Zâmbia, sempre dissemos que, se o Sr. Smith quer nossa cooperação que vá ao povo da Rodésia como um todo com base no voto e, se ele for eleito, então ficaremos felizes em recebê-lo aqui na Zâmbia, porque para nós sua cor é imaterial. Contudo, o sistema que ele está usando lá que está errado e nunca podemos nos encontrar cooperando com esse tipo de sistema. Nós não podemos. É uma questão de princípio profundamente enraizado.

Eu coloquei de outra maneira. Já disse, se encontrássemos uma pequena minoria negra oprimindo a maioria branca em qualquer lugar do mundo, apoiaríamos a maioria branca contra a minoria negra. Portanto, o Sr. Smith me pediu para me livrar dos representantes dos combatentes da liberdade que têm escritórios em Lusaka… onde mais eles encontrarão a oportunidade de falar e informar o resto do mundo sobre a opressão que ocorre na Rodésia? É tudo o que estamos fazendo e se ele pensa que pode nos intimidar para parar de apoiar o que é espiritualmente, moralmente, politicamente e economicamente justificável. Ele está falando com a pessoa errada. Não podemos parar.

D.M.: Algumas pessoas acreditam que tudo o que o Sr. Smith conseguiu foi empurrá-lo para uma decisão que você poderia ter tomado há algum tempo atrás ou teria tomado em um futuro muito próximo. Você acha que isso é verdade?

Kaunda: Eu diria que ele nos deu uma oportunidade de ouro, uma verdadeira oportunidade de ouro, porque é embaraçoso para nós ter que lidar com o senhor Smith. Não há dúvida sobre isso. Temos que usar o coque de seu país. Infelizmente, temos a hidrelétrica (Kariba Power), um projeto conjunto que herdamos dos dias federais. Existe, é fato, e não há nada que possamos fazer sobre isso. Mas em todas as áreas em que podemos nos permitir, não queremos ter nada a ver com o regime de Smith. Eles estão em rebelião contra a coroa britânica. Eles estão em rebelião contra a humanidade e tudo o que é sensato e com princípios. Não gostamos de lidar com eles e foi nossa posição geográfica que nos fez lidar com eles no passado. Mas eles tomaram uma decisão para nós, por isso demos sorte. Chegou um pouco antes do que teríamos feito, mas é muito bem-vindo.

D.M.: Observando as lojas aqui em Lusaka, notei uma quantidade incrível de artigos de luxo - o tipo de coisa que você não encontraria na Tanzânia. Você acha que um efeito desse bloqueio será que a Zâmbia será muito mais inflexível no futuro em relação às importações?

Kaunda: Sempre acreditei que tivemos aqui o que gosto de chamar de começo falso. Baseamos nossas necessidades como nação nas necessidades de uma pequena população de expatriados. É certo que eles estavam no controle aqui. A coisa toda tinha sido feita de tal maneira que, quando assumimos o controle, adquirimos esses gostos e valores estrangeiros. Temos insistido constantemente nesse ponto, mas não foi fácil mudar os gostos de nosso povo. Existe o perigo aqui de que isso possa se tornar uma característica permanente de nossas vidas. Isso não seria muito compatível com o humanismo e o humanismo lida com o homem e é o homem sem distinção. E, portanto, estamos nos enganando se pensarmos literalmente que imitando hábitos e gostos de expatriados estamos sendo civilizados. É uma maneira muito estúpida de ver as coisas e receio que o que você encontrou em nossas lojas aqui seja o peso que um pequeno grupo bem organizado pode ter sobre o povo. Para mim, começa a cheirar a desastre.

D.M.: Surgindo do bloqueio da Rodésia, você acredita que há algo que o governo britânico poderia ou deveria fazer?

Kaunda: Eu sempre disse que a coisa certa para o governo britânico quando a UDI [Declaração Unilateral de Independência da Rodésia] foi declarada era mover tropas e isso teria evitado derramamento de sangue. Receio ter sido mal compreendido - as pessoas pensavam que eu estava com sede de sangue e queria ver derramamento de sangue na Rodésia. Na verdade, eu disse que é melhor um governo legítimo assumir o controle e usar uma pequena camarilha de rebeldes, pois estabelece sua autoridade e desenvolve a Rodésia em direção a uma sociedade não racial, em vez de permitir que se desenvolva uma situação em que os africanos rodesianos se tornem tão irritados que começarão a se comportar igual os Mau Mau.

Receio que possamos estar testemunhando agora o início de um confronto racial no sul da África, não apenas na Rodésia. Se o governo britânico tivesse tomado medidas para conter essa rebelião, poderíamos ter contido esse pequeno grupo de pessoas - violentas. Mas o que acho que agora estamos testemunhando aqui é o começo de um holocausto racial. Não sei o que o governo britânico pode fazer agora, mas espero o que disse tantas vezes - se eles não responderem ao chamado de suas responsabilidades, eles receberão grande parte da culpa, porque, na minha opinião, estamos realmente caminhando para um desastre no sul da África.

Se você me fizer essa pergunta em termos do que eles podem fazer no que diz respeito à Zâmbia eu lhe direi que quaisquer dificuldades econômicas que soframos aqui podem ser colocadas diretamente sobre os ombros do governo britânico e eles têm o dever de responder. Quando estivermos prontos, espero que apresentemos detalhes de nossos custos e o governo britânico deve arcar com esse custo para a economia da Zâmbia.

D.M.: O primeiro-ministro da Suécia, Palme, examinou o Zambeze no ano passado e observou que era uma barreira da decência humana. Ao mesmo tempo, considerou-se que a Zâmbia precisava de rotas ao sul, isso inibia os movimentos de libertação, por exemplo, a FRELIMO, e a possibilidade de explodir a linha ferroviária de Biera. Ao mesmo tempo, teme-se que o Zambeze seja a linha de frente de uma possível guerra racial. Você acha que esse bloqueio e seu desligamento aproximaram ainda mais esse potencial confronto?

Kaunda: Não há dúvida de que a situação é explosiva. Tem sido construída ao longo de um período e se explodirá ou não, depende inteiramente dos caprichos dos colonos de Angola, Moçambique, Rodésia, Namíbia e África do Sul. Nós não somos agressivos. Não queremos destruir nada. Não queríamos construir exércitos aqui que invadissem esses países. Nossas pequenas forças de segurança são para defender a Zâmbia. Não pretendemos mudar nossa política. Mas se alguém vir nos atacar aqui, então posso garantir que muitas pessoas estão prontas para sacrificar suas vidas em defesa do que é o desejo de toda pessoa - liberdade, paz e justiça. A explosão ou não da situação depende, portanto, do que os colonos farão. Não tomaremos medidas agressivas. São eles que estão agindo de forma agressiva contra nós.

D.M.: Uma das coisas que gostaria que você descrevesse é a base da política externa da Zâmbia - as diretrizes pelas quais você opera.

Kaunda: É baseado nos mesmos princípios nos quais baseamos nossas políticas domésticas. Nossa política externa é baseada na apreciação de que a pessoa de Deus é importante, sem distinção de sexo, status, credo, religião, cor ou raça. O ser humano é importante. Kaunda deve aceitar enquanto ser humano que as coisas que ele deseja para si também são desejadas por outras pessoas para elas mesmas.

Elas querem amor pela pessoa humana - eu quero ser amado e, portanto, tenho certeza de que outras pessoas querem ser amadas - elas querem paz, liberdade e justiça.

Tenho certeza de que outras pessoas querem as mesmas coisas e, portanto, gostamos de dizer que, na medida do possível, humanamente devemos fazer com outras nações e pessoas o que gostaríamos que elas fizessem conosco. Você pode ver de onde tudo isso vem - não é um ensinamento novo. É algo da Bíblia, dos ensinamentos de Jesus Cristo. Isso é simples, mas difícil. Você percebe o porquê, quando algo acontece, nossa primeira pergunta não é quem já fez isso, mas se isso é certo, é honesto, é justo. Se a resposta for não, não importa quem tenha feito isso, nós o condenaremos, assim como a ação tomada. Desde que nos tornamos independentes, e mesmo antes, condenamos a presença americana no sudeste da Ásia. Condenamos todas essas medidas tomadas pelos americanos contra pessoas inocentes. Acho que os americanos acreditavam que éramos quase patologicamente contra eles até os russos invadirem a Tchecoslováquia. Nós éramos uma das poucas nações pequenas que disseram, e insistiram até agora, que essa era a invasão em um país independente. Os russos não tinham o direito de estar lá e dissemos isso sem medo. Esta é a base da nossa política externa: se não podemos ter amigos permanentes - muito bem. Mas não queremos ter inimigos permanentes. O que queremos é ajudar a construir pontes entre nações, continentes e pessoas. Acreditamos que essa é a tarefa de qualquer nação, grande ou pequena.

D.M.: Eu acho que é justo dizer que existe uma tendência na África de projetar os aspectos mais evidentes da política externa para países fora do continente. Por exemplo, durante a recente decisão racial de expulsar asiáticos de Uganda, apenas você e o Presidente Nyerere se manifestaram contra. Hoje, muitas pessoas estão sendo assassinadas em Uganda. No Burundi, pelo menos 50.000 pessoas foram abatidas no ano passado e, novamente, ninguém falou. Você não acha que, para sua própria credibilidade, a África deve começar a se manifestar e agir com mais firmeza nas coisas que acontecem dentro de sua própria área?

Kaunda: Temos alguns problemas em questões como essa. A primeira é a falta de fontes oficiais de informação. Em geral, as pessoas que nos fornecem informações sobre questões desse tipo são pessoas cujos motivos suspeitamos e, portanto, quando não temos representantes próprios, como em Burundi ou Uganda, temos poucas informações acuradas. No caso do Burundi, não tínhamos informações. Tudo o que sabíamos era que havia uma revolta. Em Uganda, condenamos a abordagem racial porque pudemos ver claramente o que estava acontecendo. Mas quando ouvimos dizer que o Chefe de Justiça em Uganda foi tirado de seu posto, fomos informados de que alguns soldados rebeldes o levaram. É claro que ninguém pode acreditar nisso, mas há confusão sobre o que está acontecendo. Torna muito difícil encontrar uma base sólida sobre a qual fazer julgamentos. Mas onde temos algo claro, não hesitaremos em dizer o que pensamos.

D.M.: Seu documento 'Humanismo na Zâmbia' é aceito como orientação política na Zâmbia da mesma maneira que a 'Declaração de Arusha' na Tanzânia. Você poderia explicar as razões pelas quais escreveu o documento, incluindo o momento e os pontos principais?

Kaunda: Primeiro de tudo o tempo. Tivemos que introduzi-lo em 1967 por várias razões. Penso que o mais importante é que, se tivéssemos produzido esse tipo de humanismo antes da Independência, a Independência da Zâmbia talvez não tivesse visto a luz do dia. Ainda hoje as pessoas confundem humanismo com comunismo. O que teria acontecido se tivéssemos introduzido isso antes da Independência? Portanto, o momento foi em 1967, como em muitas outras coisas, foi um fator importante. Nós o apresentamos depois que tivemos tempo de atuar e as pessoas sabiam quem nós éramos. Não se esqueça também de que, quando nos tornamos independentes, instituições importantes como o exército, a polícia, a força aérea, a igreja, os negócios e a indústria, a agricultura, eram todas controladas por expatriados.

O ponto central da filosofia é o humano em tudo o que fazemos. Não queremos colocar nada acima do humano. Acreditamos que quando você pensa em termos de ideologia sem um humano, não há ideologia. Não há riqueza sem o humano. Então a pessoa é o fator chave em tudo o que fazemos. Em toda a criação de Deus, acreditamos que o ser humano é central. A partir daí, todo tipo de política é elaborado. Se são políticas econômicas, não queremos a exploração do homem pelo homem. Estamos caminhando para uma situação em que todas as formas de exploração do homem pelo homem são removidas. É uma longa jornada, mas começamos. Políticas externas, políticas sociais e outras são ditadas a partir desse ponto. Estamos começando com educação gratuita, serviços de saúde gratuitos. Ainda não significa que todos tenham a chance de ir à escola, mas se tivéssemos adiado mais a decisão, teríamos nos metido em mais problemas. Essa questão de classe teria surgido. Todas as nossas políticas vêm da importância do homem na sociedade.

D.M.: Por que o humanismo em oposição ao socialismo?

Kaunda: Bem, isso tem a ver com algumas das coisas que ocorreram na história. Acreditamos que o humanismo é mais abrangente que o socialismo. O socialismo, na minha opinião, é principalmente uma maneira de organizar sua economia e sociedade como um todo. Você quer principalmente colocar os meios de distribuição e produção nas mãos do povo. Mas não transmite o mesmo significado que o humanismo. Às vezes vemos países socialistas que colocam a ideologia acima do homem. Acreditamos que isso está errado e o conceito deve ser trazido à tona - esse conceito da importância do homem. A única maneira de fazê-lo foi nomeando nossa filosofia como humanismo. O socialismo parece ser mais limitado na compreensão e apreciação da importância do homem.

D.M.: A mais recente das medidas contínuas desde 1967 é uma ética de liderança impedindo os líderes de fazer certas coisas. Por que se tornou necessário neste momento? É porque os líderes estão se favorecendo?

Kaunda: Deveríamos ter feito isso em 1970. Criamos um comitê sobre a questão do código de liderança. Mas por causa das divisões no partido, no governo e na Assembleia Nacional, bem como no país como um todo, tive que adiar isso. Agora acredito que é a hora certa, porque a liderança do partido está mais unida após a saída de certos elementos do partido. Agora é um partido muito mais feliz, mais forte e mais unido. Todas as qualidades que se gostaria de ver na liderança agora estão surgindo novamente como estavam na Independência. Não há dúvida de que alguém sentiu líderes se favorecendo cada vez mais. Não é simplesmente culpa deles. Essas pessoas haviam desistido de tudo o que tinham na vida antes da independência. Enquanto alguns estavam trabalhando para o governo colonial, essas pessoas estavam ocupadas lutando pela independência. Elas tiveram problemas porque não apenas foram obrigadas a cuidar de suas famílias e famílias extensas, mas também de seus amigos. Isso significava que a própria segurança delas era uma preocupação para elas.

D.M.: Acredito que a ética impedirá que os líderes sejam donos de empresas, fazendas acima de 25 acres e casas para alugar.

Quando entrará em vigor?

Kaunda: Dentro de cinco anos, ninguém poderá ter casas para alugar no país. Estou trabalhando em um documento que abordará toda a questão e o código entrará em vigor muito antes de cinco anos se esgotarem.

D.M.: Terá uma qualificação para a eleição parlamentar ainda este ano que você já cumpriu o código?

Kaunda: Sim, será um fator muito importante para determinar quem se tornará um deputado.

D.M.: Você tem um problema que é sentido em outros lugares no continente de um grupo de elite dos centros urbanos e universidades que se colocam acima do homem comum?

Kaunda: Essa é uma das coisas que me deixa muito triste. A ideia de que um homem que ontem foi oprimido não pode ter a coragem moral e espiritual de enfrentar a tentação. Isso me confunde e às vezes me entristece. Devo admitir, isso me irrita. Essa abordagem elitista da vida é um câncer que deve ser combatido. Receio que aqui na Zâmbia algumas pessoas nem sequer acomodam seus próprios pais em seus próprios lares porque não os consideram como material humano adequado para se viver. Outros gostariam de ter escolas, hospitais etc separados para eles e para seus filhos. Eles acham que são uma classe separada. Isso é um pecado - para essas pessoas oprimidas se voltarem contra seus semelhantes, quererem estabelecer outro regime opressivo. Vamos lutar e o código de liderança é uma maneira.

D.M.: Na maioria dos países africanos, a chamada elite buscou manter seus altos salários e seus diferenciais, aumentando em vez de diminuir a diferença entre os camponeses. Entre 50% e 75% da renda monetizada termina nos bolsos da elite. Aqui na Zâmbia, os salários dos trabalhadores das minas aumentaram 50%, de 1964 a 1968, enquanto, ao mesmo tempo, a capacidade de ganho do camponês rural aumentou apenas 4%. Que medidas você está tomando para deter essa tendência?

Kaunda: Essa é uma pergunta muito difícil (e, a propósito, os trabalhadores das minas estão negociando por mais este ano). Não há dúvida de que muito foi feito nas áreas rurais. Mas as 'duas nações em uma' são um problema real. Nós devemos atuar por vários ângulos. O primeiro é a educação política. O que humanismo significa para um trabalhador? Um verdadeiro humanista não ficará feliz em ver que em sua sociedade existem classes superiores e inferiores. Um verdadeiro humanista não deve permitir que esse desenvolvimento continue indefinidamente. Ele deve, individual e coletivamente, fazer algo para superar essa lacuna entre as áreas rurais e urbanas. Essa é uma maneira. A segunda maneira, é claro, é ser severo - não severo, mas tomando as medidas necessárias. Um passo foi em 1969, quando impus um congelamento salarial aos trabalhadores. Mas também impus um congelamento nos preços. Para que não fosse um caminho de mão única. Isso existiu por um ano antes de subir. Receio que o que existe entre as nações ricas e as pobres também exista entre as áreas ricas e pobres na Zâmbia. Por isso eu disse que somos duas nações em uma. Devemos esperar até que a política seja assentada nos próximos dois anos sobre esse assunto. Estamos muito preocupados com esse problema e temos economistas trabalhando para que, quando chegar a hora de tomar uma decisão, a decisão certa seja tomada.

D.M.: A política tanzaniana de 'ujaama' parece ser a mais lógica a surgir na década desde a independência, enfatizando o reagrupamento de pessoas para que os serviços possam ser canalizados para eles e seus esforços na economia. A Zâmbia tem alguma política semelhante?

Kaunda: Nós temos. Chamamos de reagrupamento de vilarejos. É mais ou menos a mesma abordagem. Mas queremos também manter a base das aldeias e não destruir seus valores e tradição através dessa mudança. Fazemos isso desde 1965. Algumas experiências foram bem-sucedidas e outras não. Agora temos uma política bastante clara sobre onde estamos indo.

D.M.: Todos os países africanos da Independência herdaram um sistema educacional que levava pouco em conta o fato de que mais de 90% das crianças que ingressavam nas escolas primárias estavam destinadas a retornar à terra. O objetivo do sistema era um diploma universitário. Que mudanças você fez na estrutura educacional que herdou e que chances você acha que ainda são necessárias?

Kaunda: Herdamos um sistema voltado para trabalhos de colarinho branco e o resultado tem sido aterrorizante. Trabalhar com as mãos é algo que foi menosprezado. Agora estamos enfatizando a importância do trabalho manual. Isso se baseia na primeira produção agrícola e, em segundo lugar, na produção industrial. Estamos enfatizando a necessidade de quase todas as escolas primárias terem algum tipo de atividade agrícola. Eles estão produzindo vegetais, milho, algodão ou cuidando de porcos ou gado. Tudo isso foi feito para dar o tipo certo de orientação para os pequenos em nossas escolas. E enfatizamos o treinamento em educação técnica.

D.M.: Foi um dos grandes problemas que outros países encontraram com relação à atitude dos pais. Eles também estão sendo educados politicamente?

Kaunda: Temos um departamento de orientação nacional. Isso está sob o vice-presidente e ele tem nas áreas urbanas funcionários que não fazem nada além de educação política. As atitudes estão mudando, mas levará muito tempo.

D.M.: O cobre fornece cerca de 90% de seus ganhos com exportação. Os preços estão caindo. É possível algum tipo de organização como a OPEP para os produtores de petróleo?

Kaunda: Temos o CIPEC, mas receio que não tenhamos conseguido muito. Mas estamos sob considerável influência estrangeira, pois quem veio a desenvolver as indústrias de cobre inicialmente não fomos nós. Mas nossa posição está se fortalecendo.

D.M.: Obviamente, o cobre tem sido muito importante para você no desenvolvimento do país e tem muito mais dinheiro do que a maioria dos outros líderes africanos da independência. Mas igualmente tem sido uma maldição criar uma má distribuição de riqueza na sociedade com muita acumulação de riqueza ao redor das minas e possível negligência da atividade rural?

Kaunda: Não há dúvida: o cobre nos deu um começo desigual - um começo falso. É um começo falso que a maioria das pessoas não se beneficie do emprego. Dá também uma falsa sensação de segurança; você precisa apenas olhar as cidades para ver que pouco se pensa nas áreas rurais. Mas a liderança não os esqueceu e o cobre nos permitiu construir boas estradas para eles. Essas estradas são importantes e agora estamos construindo estradas distritais para conectar essas áreas. Assim, embora em certo sentido se possa dizer que o cobre tenha sido uma maldição por nos dar uma falsa sensação de segurança e riqueza, também nos deu uma boa base para construir a infraestrutura de que precisamos no país - além de escolas, hospitais, clínicas etc. A maioria dos distritos da área rural agora tem uma escola secundária e um hospital. Assim, enquanto, por um lado, o cobre tem sido uma maldição, por outro, tem sido uma bênção.

 

D.M.: Acredito que, nos anos sessenta, você foi citado em várias ocasiões como dizendo que não faria da Zâmbia um Estado de Partido Único, a menos que fosse a vontade do povo através das urnas. Agora, durante a última parte de 1972, você decidiu fazê-lo em um momento em que as divisões étnicas e políticas apareciam publicamente mais marcadas do que antes. Por que você mudou neste momento e por que proibiu outros partidos políticos?

Kaunda: Acho que segui minhas declarações anteriores à risca, porque essa foi a vontade do povo. Eles fizeram isso através das urnas. Você pode dizer que outros partidos tinham alguma influência. Mas se você olhar para toda a estrutura de votação de 1964 a 1972, quando tivemos eleições anteriores, você verá quanto apoio o UNIP teve como partido. Você pode ver as eleições parlamentares, presidenciais e municipais; tudo isso apoia o ponto de vista que estou mencionando. Eu estava atendendo à demanda que as pessoas expressaram através das urnas. Tivemos que legislar mais cedo ou mais tarde, interpretando o que as pessoas haviam dito através das urnas e colocando isso em lei. Esses números estão lá e você não pode argumentar contra eles. E não se pode dizer que fabricamos os números, pois a comissão eleitoral está sob o Chefe de Justiça e, como você sabe, temos independência do judiciário.

Quanto à proibição de partidos políticos e à detenção de alguns líderes - é preciso voltar a 1964. Desde o início, crescemos com dois partidos (UNIP e ANC). Antes da independência havia muito atrito; muita violência entre as duas partes. Isso foi muito sério. Terminamos a luta pela independência, mas o atrito permaneceu. Você pode olhar para os registros do Supremo Tribunal e ver esses casos de assassinato político. Eu não fiz nada até cerca de três ou quatro anos atrás, quando houve um surto de violência, e quando surgiu um terceiro partido liderado pelo Sr. Mundea. Ele havia sido expulso do governo após irregularidades no Ministério do Comércio e Indústria, onde era Ministro. Ele e outro ministro foram expulsos e então formaram outro partido. Tornou-se muito violento e acabou matando alguns dos apoiadores da UNIP no Cinturão de Cobre. A vida humana estava em perigo, por isso bani o partido. Eu detive os líderes e por algum tempo houve paz. Eu os soltei depois de seis meses. Chegou então o momento em que o Congresso Nacional Africano (ANC) iniciou uma violenta campanha em Livingstone, nossa capital turística. Seis membros do UNIP foram mortos... eles estavam usando facões (pangas), cortando o pescoço das pessoas. Eu bani o ANC só em Livingstone e houve paz. Então, em um distrito a oeste de Lusaka, eu estava em uma excursão oficial e membros do ANC cortaram árvores nas estradas para servir como barricadas. Eles queimaram lojas de alimentos pertencentes a apoiadores da UNIP e outras coisas. Eu os avisei que, se isso continuasse, eu proibiria o partido naquela área e como não pararam, então eu os bani. Como resultado, a paz foi restaurada nessa área. Todas essas foram lições que eu estava aprendendo.

Eu aliviei a proibição e os problemas começaram novamente. Eleição após eleição. E houve um apoio crescente ao UNIP. O ex-vice-presidente, Kapwepwe, deixou-nos em agosto de 1971 e dei a ele e seus colegas seis meses para nos dizer o que eles fariam pelo país. Eu pensei que talvez tivéssemos errado, então deixei que eles nos dissessem onde erramos. No momento em que tomei medidas contra eles, eles não fizeram nada disso. Não há registros que eles possam mostrar ou divulgar um panfleto para mostrar o que eles fariam pelo país que era diferente do que estávamos dizendo. Então a violência voltou a aumentar no Cinturão de Cobre. Nosso pessoal do partido me chamou lá. Em um sábado, eles disseram que se você não proibir essas pessoas, alguns de nós serão mortos. No domingo, uma das pessoas do nosso partido foi espancada até ficar inconsciente. Várias casas de líderes partidários e nossos escritórios foram incendiados com gasolina. Então detive os líderes da UPP e novamente houve paz no país. Recentemente, eu os soltei novamente e na semana passada houve bombardeios de gasolina novamente no Cinturão de Cobre. Agora, o que devo aprender com isso?

Até o líder mais democrático se encontraria em uma situação impossível quando as pessoas deliberadamente usam métodos violentos para alcançar seus objetivos.

Agora não é só isso. Neste momento, nossas forças de segurança, após explosões de minas em nossa fronteira no último final de semana que mataram três de nosso povo, prenderam cinco homens que admitiram ter sido organizados pelo ANC para ajudar os homens de Smith na Zâmbia. É traição, é traição. É o tipo de política que vamos adotar na África - ajudando os homens de Smith? Primeiro, eles disparam contra uma ilha e assusta nosso povo lá. Então eles cruzam e, juntamente com essas pessoas, colocam minas na Zâmbia e matam pessoas. Acontece que a primeira vítima dessas minas era sobrinho de uma das pessoas que ajudaram a colocá-las. Foi assim que conseguimos segui-los. Chipangu, ex-prefeito de Livingstone da UNIP, foi demitido por motivos disciplinares. Ele se juntou ao ANC. E depois há um magistrado e um funcionário do banco. Todos eles têm lidado com sul-africanos e rodesianos. Não posso dizer mais nada.

Nós já os pegamos. Onze deles haviam recrutado homens na Zâmbia para serem treinados na Namíbia pelos sul-africanos em operações militares. Tudo isso está vindo à luz. Espero que haja casos judiciais. E devo sugerir aqui que espero encontrar uma maneira de fazer justiça de tal maneira que essas pessoas sejam vistas pelo que são; companheiros traidores que são capazes de vender seu próprio país aos nossos inimigos. Onze deles estão sob custódia. Também detive mais oito pessoas, que estavam se organizando em Mungu. Então, quando coisas assim estão acontecendo - e não é adivinhação - essas pessoas estavam recrutando zambianos para serem treinados por nossos inimigos para vir e minar nossa autoridade, para destruir zambianos. Não podemos permitir isso. Nós temos uma responsabilidade.

Essas pessoas falharam em produzir políticas alternativas para este país. A alternativa para eles é ir e ser treinados pelos portugueses, rodesianos e sul-africanos, para matar seus semelhantes. Kapwepwe é encontrado com dois rifles que ele não pode explicar, um semiautomático. Essas outras três pessoas que mencionei são encontradas com revólveres. Hoje (16 de janeiro), revistamos certas áreas aqui em Lusaka e um rodesiano africano foi encontrado com um rifle .176, um revólver e várias centenas de cartuchos de munição.

Essas coisas são um ponteiro. Por que essas pessoas estão andando com armas? Que oposição eles estão fornecendo? Na minha opinião, eles não têm o direito de reivindicar a liderança neste país. Aqui não lhes darei a oportunidade de destruir vidas inocentes da Zâmbia. Então aqui está você - minas rodesianas em solo da Zâmbia, revólveres, rifles, todas essas coisas. Há evidências. Eles terão que explicar nos tribunais. Mas como é que um homem que era vice-presidente da Zâmbia, ou Nkumbula que era ministro, se afundam tanto assim? Antes eles negavam, mas agora foram pegos em flagrante com armas. O que eles têm a dizer sobre isso? Este não é o tipo de oposição que podemos tolerar na Zâmbia. Existe liberdade de expressão, de reunião e de associação. O judiciário e a igreja são independentes. Eles devem ser um espelho para nos dizer quando erramos. Aceitamos críticas, mas não oposição – esse tipo de oposição na África é destruição.

Fonte:https://newint.org/features/1973/03/01/interview-president-kaunda

 

 



quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Abdias Nascimento sobre Marcus Garvey em 05/06/1997 - Pronunciamento no senado.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (PDT-RJ. pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, SRªS E SRS. senadores, Sob a proteção de Olorum, inicio este pronunciamento.

 

Acontecimento mais relevante da história deste milênio, a invasão do Continente Africano por europeus a partir do século XVI, com a escravização e migração forçada de milhões de seus filhos e a transformação dos restantes em súditos coloniais, alterou para sempre a face do planeta. Pode-se afirmar, sem medo de exagero, que o transplante de enormes contingentes de africanos para o outro lado do Atlântico não apenas moldou a face das sociedades americanas, mas constituiu o principal motor de processos fundamentais, como a Revolução Industrial e a ascensão do capitalismo, responsáveis pela configuração do mundo, tal como hoje o conhecemos. Dentre as consequências negativas desse fato histórico encontram-se os principais vetores da instabilidade de que padece não apenas a África mesma, mas igualmente boa parte das Américas, sem esquecer a própria Europa. Questões como o racismo e a xenofobia, que têm nos descendentes de africanos no Novo e no Velho Mundo seus alvos preferenciais, encontram-se nas raízes de problemas como a violência urbana, as crianças de rua, a favelização das metrópoles. Ao mesmo tempo, as sequelas do colonialismo se espelham com clareza no empobrecimento e nas sangrentas lutas fratricidas que nos acostumamos a associar a determinadas regiões da África, frutos da atomização e do artificialismo que presidiram à imposição das atuais fronteiras dos países africanos pelos centros político-militares europeus de força.

Com todo o sofrimento e toda a dor que constituíram parte integrante desse processo cruel, a história da resistência africana na própria África e nas Américas é também uma saga repleta de heroísmo, bravura, determinação e criatividade. Qualidades que possibilitaram que um povo dominado pelo poder das armas, reforçado por toda espécie de ideologia mistificadora, conseguisse impor boa parte de sua cultura, de seus valores, de sua arte, de sua religião aos seus dominadores, a despeito da suposta superioridade por estes autoproclamada. Tudo isso não aconteceu de graça, mas em resultado de uma luta tão multifacetada quanto as próprias estratégias de dominação elaboradas pelos escravizadores europeus e seus descendentes. Uma luta a um tempo nos planos material e ideológico, envolvendo não somente as armas convencionais de cada época e lugar em que tem sido travada, mas igualmente a palavra e o pensamento, tendo por meta a derradeira conquista das consciências e mentes de europeus, africanos e seus descendentes. Objetivo último dessa luta: a supremacia final, para uns, ou a plena liberdade, para outros.

Uma das noções mais antigas entre os povos africanos escravizados nas Américas é a de que sua liberdade não se resgataria com simples apelos emotivos ao coração do dominador. Mais do que isso, a percepção de que uma África unida, livre da hegemonia europeia, constituiria uma fonte de força e apoio aos negros em todo o mundo. Essa visão, raiz mais profunda daquilo que viria a ser conhecido como pan-africanismo, encontra-se presente, mesmo que de forma incipiente, no ideário dos principais movimentos de luta organizada contra a escravidão nas Américas. Estava presente em Palmares, que congregava africanos de todas as origens, assim como seus descendentes, em busca da mesma liberdade por que lutaram os maroons do Caribe, os revoltosos da Centro-América e os revolucionários libertadores do Haiti.

O pan-africanismo é a teoria e a prática da unidade essencial do mundo africano. Não há nenhuma conotação racista nessa unidade, que se baseia não em critérios superficiais, como a cor da pele, mas na comunidade dos fatos históricos, na comunidade da herança cultural e na identidade de destino em face do capitalismo, do imperialismo e do colonialismo. O pan-africanismo reivindica a unidade do Continente Africano e a aliança concreta e progressista com a diáspora unida, que incorpora populações asiáticas, como os dravídicos da Índia e os aborígenes australianos, saídos do Continente Africano há dezenas de milhares de anos. E também a nova diáspora negra na Europa, constituída, fundamentalmente nos últimos 30 anos, pela migração procedente da África e do Caribe.

O primeiro registro histórico de uma reivindicação de caráter tipicamente pan-africano data de meados do século XVIII, na forma de uma petição em que escravos da colônia inglesa que um dia se transformaria nos Estados Unidos da América pleiteavam a volta à África depois de libertados. A mesma ideia presidiu à fundação em 1787, por um grupo de afro-americanos, da cidade de Freetown - que mais tarde viria a ser a capital da Serra Leoa -, revertendo um projeto originalmente racista e paternalista que só ganhou força quando ressuscitado e recuperado por africanos e descendentes oriundos do Caribe e da América do Norte.

O século XIX assistiu ao crescimento e consolidação do ideal pan-africano, impulsionado, nos Estados Unidos, por nomes como Prince Hall, John Russworm, o Bispo McNeil Turner e o grande ativista Edward Blyden. O mesmo ideal que, sob diferentes formulações, propelia ao mesmo tempo os movimentos anticoloniais africanos. Na África do Sul, por exemplo, desde a sua criação, no início deste século, o Congresso Nacional Africano, que décadas mais tarde concretizaria o sonho aparentemente utópico de um governo de maioria negra, incorporou integralmente ao seu programa o ideal pan-africano. Como se percebe no profético discurso do nacionalista sul-africano Isaka Seme, proferido em 1905 na Columbia University:

O gigante está acordando! Dos quatro cantos da terra os filhos da  África marcham em direção à porta dourada do futuro, carregando o registro de proezas de valor realizadas.

Dentre os inúmeros intelectuais e ativistas dedicados à causa pan-africana nestes últimos dois séculos, um nome se destaca: o de Marcus Garvey, responsável pela fundação do principal movimento internacional negro em toda a história - a UNIA (Universal Negro Improvement Association, Associação Universal para o Avanço Negro), organização que chegou a ter 35 mil militantes inscritos nos Estados Unidos, 52 filiais em Cuba, oito em Honduras, oito na África do Sul, 47 no Panamá e 25 na Costa Rica -, onde tive a oportunidade de visitar o casarão histórico em que funcionou seu quartel-general para a região, ainda preservado na Província de Limón. Além de sucursais no Brasil, Equador, Nigéria, Porto Rico, Austrália, Nicarágua, México, Barbados, Serra Leoa, Inglaterra e Venezuela. 

Marcus Garvey nasceu em St. Ann's Bay, na Jamaica, a 17 de agosto de 1887. Filho de um pedreiro do mesmo nome, descendente dos aguerridos maroons, que desafiaram - por vezes com sucesso - a ordem colonial britânica na Jamaica e em todo o Caribe, cedo demonstrou uma aguda inteligência e uma inquietação em face de problemas sociais e raciais que iria acompanhá-lo até a morte. Já aos 16 anos, como aprendiz de gráfico, seu primeiro emprego, o jovem Garvey iniciava sua atuação como ativista político, participando de uma greve de sua categoria. Pouco depois, publicou seu primeiro jornal, The Watchman (O Vigilante), em que expunha suas ideias e preocupações sobre temas vinculados a raça e classe.

Essas preocupações o levariam em frequentes viagens ao exterior, nas quais a visão dos descendentes de africanos ocupando em toda parte a base da pirâmide social acabaria consolidando suas posições ideológicas e forjando os elementos essenciais de sua plataforma anti-racista, antiimperialista e anticolonialista. Assim foi no Panamá, porto de destino de milhares de jamaicanos atraídos pelos empregos oferecidos com a construção do Canal, mas discriminados em favor dos operários brancos. Também no Equador, na Nicarágua, em Honduras, na Colômbia e na Venezuela, onde os negros, empregados na mineração ou nas plantações de tabaco, pareciam incapazes de melhorar as humilhantes condições em que viviam. 

Em 1912, Marcus Garvey, aos 25 de idade, chega a Londres, onde vai trabalhar, estudar e desenvolver-se na percepção de novas dimensões da luta negra. A capital do Império Britânico, ainda nos picos de seu poderio, era o ponto focal da efervescente atividade intelectual e política que marcou o período imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial. Um ano antes, em 1911, a cidade abrigara um Congresso Mundial sobre Raça, organizado sob os auspícios do Movimento Inglês de Cultura Ética - o mesmo Congresso em que o representante brasileiro declarou candidamente estar o Brasil resolvendo seu problema racial por meio da miscigenação, que acabaria com os negros dentro de um século. À miscigenação, acrescente-se, devemos somar as péssimas condições de vida que ajudariam a liquidar o povo afrodescendente neste país. A literatura, as atitudes e os debates relativos a esse Congresso ainda eram motivo de acesas polêmicas quando Marcus Garvey chegou a Londres. Igualmente importante era a nova literatura anticolonial produzida na África Ocidental.

As ideias do jovem Garvey sobre a redenção africana ganharam contornos definitivos quando se associou ao intelectual nacionalista Duse Mohammed Ali, um egípcio de ascendência sudanesa que publicava o jornal mensal The African Times and Orient Review. O período londrino completou a educação política de Marcus Garvey. Ele estava pronto para a sua tarefa. Em 1914, retornou à Jamaica e fundou uma organização, que denominou Associação Universal para o Avanço Negro e Liga das Comunidades Africanas. Dois anos depois, encorajado pelo líder afro-americano Booker T. Washington, desembarca em Nova York. No Harlem, toma contato com as especificidades da questão racial nos Estados Unidos. Os negros do Sul fugiam para o Norte, deixando atrás de si o sistema aparteísta do Jim Crow, os linchamentos, a falta de direitos políticos, a servidão e a miséria. No Norte, ganhavam melhores salários nas fábricas, que agora tinham de alimentar a máquina de guerra, mas eram obrigados a viver em casas caindo aos pedaços, em bairros miseráveis, e seus filhos frequentavam escolas precárias, tanto nas instalações quanto no ensino. Os poucos que ousavam usar estratagemas para comprar residências em bairros de brancos viviam apavorados pela possibilidade de bombas racistas explodirem em suas casas ou de suas famílias serem ameaçadas na rua.

Não existia nessa época uma organização verdadeiramente negra em Nova York. As que havia eram multirraciais, dirigidas por brancos e mestiços de pele clara. Garvey começou sua pregação discursando nas esquinas do Harlem. Logo precisou ocupar espaços maiores, na medida em que crescia o público interessado em sua mensagem positiva, que falava de uma ação internacional em favor do negro. Essa reação estimulou Garvey a instalar nos Estados Unidos a sua UNIA, que se distinguia das demais organizações por ser exclusivamente negra e defender um programa ousado e radical. Categorizando a luta negra como de direitos humanos, e não somente de direitos civis, o que implicitamente estabeleceria seu caráter internacional, já em 1920 Marcus Garvey articulava a distinção fundamental assinalada por Malcolm X nos anos 60, contribuindo para elevar a luta negra a um patamar superior ao do integracionismo liberal.

Garvey compreendeu três necessidades básicas do negro em todo o mundo: a de dignidade e auto-respeito como povo unido; a de uma África independente e unida como base de força central; e a de instituições autônomas para impulsionar a vida das comunidades negras. Além disso, como nenhum outro, antes ou depois dele, Marcus Garvey percebeu a importância das comunidades negras das Américas Central e do Sul para a luta pan-africanista internacional, inspirada no lema "A África para os africanos, na própria pátria e no exterior".

Em 1920, no auge do prestígio de Garvey, a UNIA organizou a I Convenção dos Povos Africanos do Mundo, com a presença de 25 mil representantes e delegados de todos os continentes. O produto mais importante dessa Convenção foi a Declaração de Direitos dos Povos Negros do Mundo, que condenava o colonialismo, afirmava o "direito inerente do negro de governar a África", instituía o vermelho, o preto e o verde como as cores simbólicas do pan-africanismo, e exigia o fim dos linchamentos e da discriminação racial nos países da diáspora africana, bem como o ensino da História Africana nas escolas públicas.

A independência econômica era outro fator enfatizado no programa da UNIA. Garvey exortava seus seguidores a "comprar de negros", a preferir negociantes de sua própria raça. Atendendo o apelo de Booker T. Washington à auto-suficiência, a UNIA iniciou diversos projetos na área empresarial, incluindo a Corporação de Fábricas Negras, destinada a ajudar empresários da comunidade. O que é mais importante, Garvey fundou a Black Star Steamship Line, para funcionar como laço comercial e espiritual entre os negros de todos os lugares que seus navios alcançassem. Para surpresa de seus críticos, entre 1919 e 1925 Garvey juntou dinheiro suficiente para adquirir quatro navios e estabelecer ligações comerciais com o Caribe.

Embora os navios da Black Star Line transportassem tanto carga quanto passageiros, o objetivo não era um retorno físico de todos os negros à África, que ele sabia ser impossível, mas antes um retorno de caráter simbólico e espiritual. Garvey acreditava, contudo, ser dever dos descendentes de africanos contribuir, com seu trabalho, conhecimento e tecnologia, para o fortalecimento do Continente-Mãe, tendo em vista uma futura derrubada de fronteiras e a criação de uma nação unificada. Nesse sentido, chegou a estabelecer negociações com o Governo da Libéria. 

Se granjearam uma legião de seguidores, as ideias de Garvey também o fizeram colecionar desafetos, entre brancos e negros, à direita e à esquerda do espectro político. Creio não ser preciso enfatizar o perigo que ele representava para o establishment, com suas ideias de autonomia, dignidade e auto-respeito. Problemas com a administração da Black Star Line acabaram fornecendo o pretexto para que o FBI o prendesse, em 1923, sob falsas acusações, o que causou uma gigantesca passeata de protesto, que reuniu 150 mil pessoas, de várias nacionalidades, nas ruas do Harlem. Deportado para a Jamaica em 1927, Garvey foi recebido pelo povo de Kingston, a capital, como um verdadeiro chefe de estado - mas como uma ameaça pela elite, branca e negra. Essa oposição, materializada sob a forma de dificuldades jurídicas, não o impediu de se eleger, na capital, para um cargo correspondente ao de vereador, nem de publicar um novo jornal, The New Jamaican (O Novo Jamaicano).

Em 1935, ano em que a Itália de Mussolini invade a Etiópia, então a única nação independente da África, provocando um acirramento das discussões sobre colonialismo e racismo, Garvey retorna à Inglaterra, onde passará seus últimos anos. Seu propósito era cobrar diretamente do Império Britânico a redenção do Continente Africano. Os ingleses não se preocuparam muito. O Império vivia seu último período de esplendor, dominação e arrogância. Não estava, assim, inclinado a dar ouvidos a esse súdito da Coroa que agia como um cidadão, exigindo os direitos básicos da cidadania. Era também a época da Grande Depressão, cujas consequências se abatiam com maior impacto sobre os descendentes de africanos. Garvey viveu seus últimos anos na pobreza, embora sem perder o orgulho de maroon que o projetara mundialmente nas décadas precedentes. Em janeiro de 1940, um ataque de paralisia o pôs de cama, e alguns jornais publicaram que ele havia morrido na miséria. Cartas e telegramas choveram sobre seu escritório. A secretária evitava que essa correspondência chegasse a suas mãos, mas ele acabou tendo acesso a ela. As manchetes falando de sua morte causaram-lhe um choque do qual não se recuperou, vindo a falecer no dia 10 de junho de 1940. Hoje, decorridos 57 anos de sua morte, sua mensagem ao mundo continua válida:

Ó África, acorda

A aurora está chegando

Não mais és maldita

Ó bondosa Terra-Mãe 

De longe teus filhos e filhas

Se dirigem de volta a ti

Sobre as águas ressoam seus gritos

De que a África será livre.

A filosofia de Garvey não é perfeita, nem fornece uma base adequada para a moderna teoria e prática da luta africana. Em consequência, é fácil e legítimo levantar críticas construtivas às suas ideias e ao seu movimento. Mas não se pode negar o legado que ele deixou como fundamento essencial à organização política do negro. Seu espírito continua vivo, apesar dos incansáveis esforços de seus adversários em destruí-lo. Em seu livro The Black Jacobins (Os jacobinos negros), o intelectual antilhano C.L.R. James - que em vida foi meu amigo e apoiou as reivindicações do Movimento Negro brasileiro ao VI Congresso Pan-Africano, realizado em 1974 na Tanzânia - observa que dois caribenhos, "usando a tinta da Negritude, inscreveram seus nomes de maneira indelével na história de nosso tempo". James está se referindo a Aimé Césaire e Marcus Garvey. Para ele, Garvey está na vanguarda do grupo de negros radicais do século XX cujas ideias e programas ainda reverberam nos movimentos de libertação de nossos dias. Isso se deve, em grande medida, ao trabalho incansável daquela que por décadas o acompanhou na luta e que, depois de sua morte, dedicou a existência à preservação de sua memória e à divulgação de suas ideias. Estou falando de sua viúva, Amy Jacques Garvey, por quem tive a honra de ser recebido em minha passagem pela Jamaica, em 1973. 

O garveísmo inspirou muitos líderes africanos, como o ganês Kwame Nkrumah, apóstolo do pan-africanismo, bem como a jovem liderança que, nos anos 60, faria avançar a um ponto sem precedentes a luta dos afro-americanos. Sua preocupação com a auto-imagem dos negros, com o valor do ensino da História Africana, com a unidade dos povos da África e da diáspora, mas sobretudo sua disposição de homem simples e prático, capaz de traduzir para as massas negras despossuídas a mensagem do pan-africanismo, e de tomar medidas práticas para concretizá-la - tudo isso fez de Marcus Garvey um homem que merece a admiração e o respeito, não apenas dos africanos e seus descendentes, mas de todos aqueles comprometidos de coração com a mudança efetiva das relações sociais e raciais.

Axé, Marcus Garvey!

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/206794