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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Apresentação da Coleção Pensamento Preto Volume 5 – por Fuca

Apresentação do Livro Coleção Pensamento Preto 5 – 2021 [Fuca]

Coleção Pensamento Preto vol. 5

Vendas pelo Instagram da Editora Filhos da África

https://www.instagram.com/editorafilhosdaafrica/

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Já transcorremos um quinto do século 21, e a indagação contínua e sempre pertinente é a de: qual a direção que o povo preto está tomando?

Essa pergunta podemos fazê-la no âmbito doméstico de diáspora africana em que nos encontramos, como globalmente e sobretudo de olho no continente-mãe, África. A despeito de qualquer tipo de avanço individual ou de uma certa classe minúscula de uma burguesia negra, na ótica de povo como um todo, como nos encontramos no cenário mundial?

Dentre tantas questões que pairam em nosso dia a dia, escolher uma em um cenário de crise global, - de trabalho, de terra, de soberania alimentar, de habitação, de perspectiva em geral, e para agravar, sob uma pandemia mundial,- é uma tribulação em si. Que o sistema capitalista vigente vive em crise não deve ser novidade, pois, de fato, o baluarte do capitalismo se dá justamente pela manutenção das desigualdades sociais; o capitalismo se promove através de um desenvolvimento geográfico desigual 1 [e combinado,] independentemente de sua reinvenção nos processos de acumulação do capital ao longo dos tempos. Tal sistema em si já é um monstro e tanto, sobretudo para o nosso povo, pois o capitalismo é filho da Europa, e sua gênese remete às brutalidades do sequestro, do tráfico transatlântico e do comércio de africanos escravizados por 400 anos.

E não parou por aí, os europeus ainda impuseram a colonização do continente africano, configurando, principalmente, um embate civilizatório entre a Europa e os “Outros”. Se eles detinham motivações econômicas, eles também estavam imbuídos de uma pretensa supremacia branca. Em sua empreitada, o lema ‘nenhuma piedade’ era o que prevalecia, até devido a isso nenhum tipo de luta do nosso povo deve fazer apelo moral aos brancos, pois tudo isso não foi (e nem é) um problema para eles. Ao lidarem e promoverem a barbárie, apenas era necessário justificarem suas ações, e a manipulação estava pronta: levar o progresso e a civilização aos “selvagens” e “atrasados” – os “outros”.

Os estudos mais detalhados e clássicos acerca desse período de terror contra o povo preto, se encontram neste livro. Ademais, através da bibliografia da Coleção Pensamento Preto: Epistemologias do Renascimento Africano, em seus cinco volumes, é apresentado a evolução histórica da supremacia branca e suas invasões/conquistas por meio da destruição e interrupção do processo histórico-social preto-africano. Esse é um dos pontos que é possível compreender ao imergirmos nas diversas possibilidades de diálogos, que serão elencados aqui (parte deles) mais para frente.

Sobrevivemos a tudo isso, - “o maior milagre de todos os tempos!” -  tivemos muitos lutadores e lutadoras do nosso povo preto que ao longo dos séculos nunca apanharam calados, nunca aceitaram a subjugação dos nossos e por isso estamos aqui lutando hoje. Em deferência aos nossos irmãos e irmãs que preservaram nossa cultura através da religião africana, através das artes africanas, através dos clubes recreativos, associações e organizações comunitárias, ou de outra forma, através dos nossos quilombos físicos e ideológicos; 2 e dos pretos que se lançaram para contar, registrar e espalhar a nossa história sob o viés preto e de nossa luta pela vida. Motivados sobretudo pelo amor que mantiveram pela humanidade preta.

Agora, o que está implícito na questão inicial é justamente que precisamos fazer algo a mais como luta, outro tipo de projeto com mais propósito, que acaba desencadeando em outras perguntas: como podemos de alguma forma unir as várias frentes pretas na direção de uma construção genuinamente preta? A construção da nação preta. Como bem disse o irmão Robert Sobukwe, “Nunca poderemos fazer o suficiente pela África, nem poderemos amá-la o suficiente. Quanto mais fazemos por ela, mais queremos fazer.” Ou seja, é pelo amor aos pretos que devemos nos direcionar pela autodeterminação preta. Uma busca, um projeto, um destino declarado pelo Renascimento Africano. 3

Para pensar numa direção preta precisamos estar cientes dos nossos interesses enquanto povo e dos interesses dos outros em relação a nós. Quando falamos de interesse (ou mesmo agência) já recai uma grande dificuldade, pois para isso é preciso pensarmos e nos enxergarmos enquanto um povo em potencial principalmente pela cor da pele/fenótipo africano. Se não mais nos vemos enquanto povo é devido ao histórico mais recente de escravidão e colonização, e não tem como subestimar os esforços dos brancos nesse empreendimento sujo e nefasto – ou como caracteriza o Dr. Du Bois, “a mancha mais desprezível na história humana moderna”.

Portanto, ao nos livrarmos das brutalidades dos açoites, ainda carecemos da libertação da mente, então, em suma, uma das faces da relevância das epistemologias do renascimento africano é a descolonização mental, e nesse quesito a coleção pensamento preto fornece subsídios fundamentais de forma coesa e estabelecendo diálogos na dialética africana como um dos métodos, e promovendo uma ligação de continuidade de pensamentos, propostas, paradigmas, ações, etc.  Que não só visa resgatar os conhecimentos que não deveriam chegar até os pretos, mas que pretende não confundir o povo preto, e sim propor a leitura e análise crítica para o prosseguimento de nossos objetivos revolucionários enquanto povo preto, esforços que são conectados através da Revolução Preta Mundial 4 rumo ao Renascimento Africano.

Esses são conceitos fundamentais que evidenciam a direção de luta, que mostram a importância de ideologias, filosofias, pesquisas e teorias das ciências humanas e sociais que visem abarcar a particularidade preta e minar as confusões atiradas em toneladas pelos supremacistas brancos. O Dr. John Henrik Clarke neste volume vai nos dizer que: “Os povos Africanos de todo o mundo precisam de uma definição de história que possa ser operacional em diferentes lugares, em diferentes momentos e operacional em todos os lugares onde vivem os africanos. Por sermos as pessoas mais dispersas da face da Terra, nossa definição operacional de história deve ter um alcance universal, aplicável às pessoas em geral e especificamente ao povo Africano.” Essa definição deve estar calcada no próprio continente africano. Os pretos diaspóricos devem e necessitam lutar em seus respectivos territórios [inimigos], porém a base de luta é a África, da África fomos sequestrados; a África é nossa base civilizatória, ser africano é um privilégio e onde quer que desembarcássemos através da migração forçada, nossa luta foi constante pela liberdade, nossa resistência cultural foi imensa, não à toa um extenso aparato de destruição física e cultural foi desenvolvido pelos brancos para cometer o maior crime contra um grupo de seres humanos, o holocausto dos pretos, 5 sem misericórdia. O único continente que é a casa dos pretos é o africano, a vida em diáspora, muitas vezes, fará com que ocorra um distanciamento dos pretos em relação a sua casa, consubstanciado pelas campanhas das mídias em massa e da educação racista.

Por isso, como o irmão Malcolm X adverte certeiramente neste livro, “qualquer tipo de organização baseada aqui não pode ser uma organização eficaz. Qualquer coisa que você tenha a seu favor, se a base estiver aqui, não será eficaz. Sua e minha base devem estar em casa, e esta não é a nossa casa.” Veja bem, nosso irmão trouxe a perspectiva de um preto em diáspora nos EUA, e a despeito de particularidades existentes entre os Estados-nações em que os pretos se encontram, “a mancha mais desprezível na história humana moderna”, o colonialismo, o imperialismo, o neocolonialismo, o capitalismo, a destruição promovida pela supremacia branca é comum a todos os pretos no globo, infelizmente esse genocídio contínuo é ainda um fio condutor para a internacionalização da luta preta moderna. Obviamente, vem de tempos imemoriais os laços básicos de Unidade Cultural Africana, mesmo em um continente extenso, rico e diverso em cultura, línguas, grupos étnicos, etc.

E sobre essa Unidade Cultural da África Negra, a Dra. Lélia Gonzales, através de uma entrevista bem acurada e livre ao mesmo tempo, vai explicar a importância do trabalho e das pesquisas de Cheikh Anta Diop nesse campo; a Dra. Ifi Amadiume segue na mesma linha de tema, porém enfatizando o aspecto fulcral do matriarcado africano para a teoria da Unidade Cultural Africana. Por falar em matriarcado africano neste livro, nos remetemos também ao belo texto da irmã Ayana Omy, “O nascimento de uma comunidade.”

Dá para notar a diferença entre nosso interesse como povo preto-africano com o de qualquer outro povo? E a menos que estivermos estabelecido nossa bases de Nacionalismo Preto/Pan-Africanismo não há o que falar em lutar pelo interesses de outros povos, outras ideologias, filosofias, teorias e organizações. Os nossos desafios já são imensos, pois precisamos organizar a renascença africana numa perspectiva de longo prazo, e além da organização teremos o tensionamento das forças inimigas com todo o aparato que eles já demonstraram ser capazes de desferir por poder. Nossa ancestral, jornalista, organizadora e ativista Amy Jacques Garvey vai nos alertar aqui que: [os] “Homens no poder não clamam por orações ou apelos à consciência. Eles só respeitam a FORÇA igual à sua ou superior.”

Mais uma vez, em outras palavras, os interesses dos pretos sérios na luta devem ser pelo Poder, pela Terra, se valendo da Força oriunda de um Pan-Africanismo, no âmbito militar, econômico, cultural, industrial, cientifico, espiritual e político. O Dr. Clarke conclui: “A terra é a base da nação. Não há como construir uma nação independente e forte quando a maior parte da terra está sendo controlada por estrangeiros que também determinam o status econômico da nação. Os Africanos precisam estudar seriamente seus conquistadores e seus respectivos temperamentos. Nem os europeus, nem os árabes, vieram à África para dividir o poder com nenhum Africano. Ambos vieram como convidados, mas permaneceram como conquistadores.”

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Na disciplina geográfica este volume vai contribuir através dos textos de Malcolm X, Du Bois, Queen Mother Moore [ressaltando a importância da terra], Stokely Carmichael, e é muito interessante o papel que o espaço geográfico tomou através desses estudos, analises e falas. A geografia sendo ela mesma a síntese de várias outras disciplinas assume seu lugar não só na vertente meramente descritiva, mas com uma perspectiva ativa e crítica. No próprio Dr. Du Bois a abordagem do espaço está incrustada numa análise sociológica. Em suma, é evidenciada a importância da África não só pelo o que o continente produziu e desenvolveu por si mesmo, mas como também o que outros povos e impérios produziram em cima da África, ou baseado no continente africano.  Decerto, essa ideia contrapõe a visão determinista e racista de que nada nunca havia sido produzido na África, que nunca houvera civilização africana até a invasão europeia. A riqueza de detalhes do estudo do Dr. Du Bois faz dele um texto ainda mais indispensável.

Na disciplina antropológica temos contribuições precisas, com quebra de paradigmas e a própria problematização da antropologia como ciência. A Dra. Iva E. Carruthers ao evidenciar que o sistema de gestão da educação branca [séculos XIX e XX] comandado pelos liberais abolicionistas brancos ou pelos conservadores que apregoavam a perpetuação da escravidão nos EUA, concluiu que ambas as vertentes estavam ancoradas na pretensa supremacia branca, só diferiam na forma de alcançá-la – ou com uma atitude de segregação declarada ou de um paternalismo moderador. Com isso, em seu texto de 1977, ela apontou também para a necessidade crucial de estudar o comportamento dos brancos, uma espécie de antropologia reversa, já que a antropologia tem como objetivo estudar os “outros.” A Dra. Ifi Amadiume vai propor que seja abolida essa disciplina de antropologia, ao invés disso deveria se consolidar uma disciplina da história social africana. Mas, neste livro, foi a Dra. Marimba Ani quem contribuiu com um estudo avassalador sobre a concepção branca de sua autoimagem e da imagem dos “Outros.” Nesse estudo, publicado em 1994, a Dra. Marimba Ani vai desvelar que a essência cultural do Ocidente é de destruição, uma completa desarmonia com o mundo. Sendo assim, seu ethos e seu pensamento, seu comportamento e sua imagem, estarão relacionados consistentemente uns com os outros, ou seja, agem em compatibilidade para forjar um constructo ideológico particular e concernente da cultura europeia (brancos). Em linhas gerais, a autoimagem europeia necessita da inferiorização da imagem dos “outros,” no intuito de consolidar a supremacia branca. A irmã diz: “Nenhuma etnologia da cultura europeia pode, com honestidade, ignorar o significado da cor na mente dos europeus.” E não será agora que poderá ser ignorado. Portanto, nesse sentido, a antropologia e o cristianismo, por exemplo, seriam o sustentáculo da supremacia branca.

Na área da educação teremos a entrevista da saudosa ativista africana-americana Queen Mother Moore - reforçando a oralidade africana como metodologia de estudo – trazendo aspectos da busca pela educação na américa racista e segregada numa base vivida e empírica, fortalecendo a compreensão do estudo trazido pela Iva Carruthers e vice-versa. Abarcando a Guerra Civil americana, o período de reconstrução, restauração, Jim Crow, a luta pelos direitos civis, etc. Ainda, para esse período, o estudo do Professor Mestre Fábio Mandigo traz para o contexto dos pretos no Brasil a disposição de um quadro de análise em três paradigmas pretos em conflito, de três movimentos africano-americanos na condução de Booker T. Washington, Du Bois e Marcus Garvey.

A educação em qualquer lugar está a serviço das instituições de um determinado Estado-nação, agora se tal nação detém um passado escravista e colonialista sem que se tenha tido nenhum tipo de revolução preta, inferimos que esse sistema educacional é racista. Portanto, uma educação no Brasil e tão racista quanto nos EUA, mesmo que resguardada as devidas particularidades.

Robert Sobubwe em seu discurso no Colégio Fort Hare enfatizou diretamente o sentido da educação africana: “Você já viu o que a educação significa para nós: a identificação de nós mesmos com as massas. Educação para nós significa serviço à África. Em qualquer ramo de aprendizagem que você esteja, você está lá para a África. Você tem uma missão; todos nós temos uma missão. Temos uma nação para construir.” Em acréscimo, uma citação do Dr. Clarke diz: “O papel da educação é treinar o aluno para ser um manuseador responsável do poder”.

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Desse modo, para que um povo de passado colonial tenha um destino apropriado com seus interesses (agência), as epistemologias pretas devem estar a serviço da descolonização mental, - uma das etapas iniciais. O ancestral Malcolm X sabendo dessa problemática questionou os motivos de a conquista da liberdade para o povo preto sempre ter sido mais difícil. Como povo, carecemos da libertação da mente, isso influi nos programas e métodos em que lutamos, quase nunca de longo prazo e nem cristalizados em uma ideologia própria. Em seu discurso, o irmão Malcolm continua: “temos ainda de aprender as táticas, estratégias ou métodos adequados para trazer a liberdade à existência... Portanto, o que gostaríamos de fazer nas noites de domingo é entrar em nosso problema e apenas analisar e analisar e analisar; e questionar coisas que vocês não entendem, para que possamos, pelo menos, tentar obter uma visão mais nítida do que vamos enfrentar.”

O ex-presidente da Guiné, Sékou Touré, em um trecho de sua dialética da cultura, complementa essa lógica, para ele o povo africano precisa se “comprometer a reconquistar sua própria personalidade, negando os valores culturais que o despersonalizaram, descolonizando sua própria mente, seus costumes e suas atitudes, desmontando os sistemas filosóficos que justificam as dominações...” E continua, [a] “...luta pela liquidação dos vários complexos do homem colonizado, não se dissocia da fase seguinte – a da reconquista dos valores perdidos, dos bens negados e perdidos, atributos de um homem sensível que pensa e age de forma digna e ciente de suas potencialidades.”

Para Sékou Touré a cultura se vale como arma de libertação, e a define como sendo: “...todas as obras materiais e imateriais de arte e ciência, mais conhecimento, boas maneiras, educação, um modo de pensamento, comportamento e atitudes acumuladas pelo povo tanto através como em virtude de sua luta pela liberdade da posse e do domínio da natureza; ... Assim, a cultura é revelada como uma criação exclusiva do povo e uma fonte de criação, como um instrumento de libertação socioeconômica e de dominação.” Uma abordagem dialética da cultura é um texto muito importante no sentido de não abordar a cultura por um culturalismo esvaziado, ou seja, em negação do materialismo histórico e dialético.6

Sékou Touré vai discorrer, em suma, sobre a relação da busca material e que para se fazer tal busca é necessário um conjunto de ideias. Ou seja, mesmo obtendo a primazia do bem-estar material para então se obter o desenvolvimento intelectual, este último se faz necessário na busca das necessidades físicas. “O curso da história e a sucessão do desenvolvimento da cultura Africana refletiram de perto o curso do desenvolvimento das forças produtivas.” Sendo que, as emoções e mesmo os reflexos em um dado momento histórico são fundamentalmente postos em movimento pela razão, a fim de alcançar objetivos bem definidos.

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Irmãs e irmãos, procurei apresentar alguns tópicos dentre tantos existentes, espero que possamos perceber como está implícito um modo africano de lidar com os campos científicos, ou seja, a busca de pesquisas e análises interconectadas e interdisciplinares, 7 não como caixinhas extremamente fragmentadas. Por fim, o foco da questão inicial pode mais uma vez ser visto em mais essa citação do Dr. Clarke: “No novo interesse no Pan-Africanismo que está ganhando força em todo o mundo Africano, a intenção dos Africanos não é apenas mudar sua definição na história do mundo, mas também mudar sua direção. A esperança deles é que o Pan-Africanismo se espalhe para além de sua estreita base intelectual para se tornar a motivação para uma União Mundial Africana. Isso começará quando reconhecermos que não somos ‘de cor’, ‘negros’ ou ‘pretos’. Somos um povo Africano onde quer que estejamos na face da terra.”

Desejo-lhes boa leitura! Um forte Abraço! Axé!

Notas:

1. Sobre esse conceito, ver David Harvey, “Crise na economia espacial do capitalismo: a dialética do imperialismo”, em Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013 (pp. 599-641, edição e-book), conceito adaptado a partir do ‘desenvolvimento desigual e combinado’ de Leon Trotsky... mas vale e deve lembrar que os nossos próprios pensadores pretos vão desenvolver aqui mesmo nesse livro as relações de enriquecimento da Europa e seus satélites sobre a pilhagem e subdesenvolvimento do continente africano e dos povos indígenas, através do roubo da força de trabalho, dos bens naturais/minerais e da terra desses povos. Contudo, falar sobre o desenvolvimento geográfico desigual é se opor ao dito determinismo geográfico, em outras palavras, ao invés do determinismo se existe condições que foram determinadas, ainda que existam as diferenças (de espaço, humanas e sociais) as desigualdades foram e são produzidas por um dado sistema. Ver também Walter Rodney, Como a Europa subdesenvolveu a África. Lisboa: Seara Nova, 1975.

2. Como aponta nossa ancestral, quilombola e intelectual Beatriz Nascimento: “No final do século XIX, o quilombo recebe o significado de instrumento ideológico contra as formas de opressão. Sua mística alimentar o sonho de liberdade de milhares de africanos e seus descendentes escravizados (p. 289) ... A retórica do quilombo, a análise deste como sistema alternativo, serviu de símbolo principal para a trajetória deste movimento. Chamamos isso de correção da nacionalidade: a ausência de cidadania plena e de canais reivindicatórios eficazes, a fragilidade de uma consciência brasileira de povo, todos esses fatores implicaram numa rejeição do que era então considerado nacional e dirigiu esse movimento para a identificação da historicidade heroica do passado.” (p.291). Ver Beatriz Nascimento – Quilombola e Intelectual: Possibilidade nos dias da destruição. Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018.

3. Em O Pan-Africanismo: apontamentos e reflexões, de Abiogun látúnjí Odùduwà, é revelado que, “O conceito de renascença africana ou renascimento africano foi proposto e elaborado por Cheikh Anta Diop em uma série de ensaios produzidos a partir de 1946 e, posteriormente, organizados em uma obra única com o título Towards the African Renaissance: Essays in Culture and Development, 1946-1960. Londres: Espólio Cheikh Anta Diop; Karnak House; 1996... O renascimento africano, para Cheikh Anta Diop, seria uma série de ações políticas, culturais, intelectuais, econômicas e militares que tinham como objetivo o fortalecimento das pessoas pretas e do continente africano, assim como a construção dos Estados Unidos da África, nas estruturas do pan-africanismo” (Editora Filhos da África, 2019, pág. 11). Ver também Cheikh Anta Diop, “Quando podemos falar de um renascimento africano?”, em Coleção Pensamento Preto: Epistemologias do renascimento africano, volume IV. Diáspora africana: Editora Filhos da África, 2020 (pp. 128-138).

4. Ver: ODÙDUWÀ, Abisogun Olatunji. Às Irmãs: Mulheres africanas na revolução preta mundial. Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2019. "Como revolução preta mundial entendemos todas as movimentações realizadas por seres humanos pretos, de ambos os gêneros e de todas as orientações sexuais, em suas buscas por dignidade humana, liberdade, direito à educação, resgate e manutenção da cultura, organização social, luta política e armada, vivência plena, defesa de suas terras, etc., nos últimos cinco séculos. (pp. 27-28)”

5. JONES, Del. The Black Holocaust: Global Genocide. Philadelphia: Hikeka Press, 1992. Livro contundente, combativo e importante na busca e na forma de lidar e revelar os aspectos do Holocausto dos Pretos. Imbuído do Pan-Afrikanismo, o correspondente de guerra não dá margem pra supremacia branca. Escravidão e colonização representam o genocídio; Leopold, Stanley, Rhodes, Kaiser – Genocidas; Aparato militar do imperialismo, suposta Guerra às Drogas e outras armas de destruição em massa – Genocídio Global de pretos. Agora, veja o que aponta Du bois em “África- seu lugar na história moderna,” e perceba se não foi um holocausto: “Provavelmente cada escravo importado representou em média cinco cadáveres na África ou em alto-mar; o comércio de escravos americano, portanto, significou a eliminação de pelo menos 60 milhões de pretos de sua pátria. O comércio de escravos maometano significava a expatriação ou migração forçada na África de quase tantos. Seria até conservador, então, dizer que o comércio de escravos custou à África Preta 100.000.000 de almas. E ainda assim as pessoas perguntam hoje a causa da estagnação da cultura africana desde 1600!”

6. Para complemento sobre o método. Ver: ODÙDUWÀ, Abisogun Olatunji. “Dialética da Revolução Africana” em O Levante dos nossos filhos: uma contribuição à revolução pan-africana. Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2020. (pág. 346-443) Após refutar que o método dialético seja produto do ocidente, Abisogun postula que: “A dialética que vamos apresentar aqui consiste no enfrentamento entre brancos e pretos, representado pela supremacia branca e seu projeto civilizatório de um lado (na condição de tese) e a resistência africana, por meio do pan-africanismo e construção do renascimento africano, de outro (na condição de antítese); gerando com essa movimentação conflituosa uma síntese, a ser interpretada e definida apenas no porvir (pág. 359).”

7. Para ‘Notas de uma pedagogia e de um currículo africano-centrado’, com seu domínio holístico através de um inventário temático africano-centrado: I. Espiritualidade e o Psicoafetivo; II. Cultural e Ideológico; III. Sociopolítico e Econômico; Ver Kwame Agyei Akoto. Nationbuilding: Theory and Practice in Afrikan Centered Education. Pan Afrikan World Institute, 1992. Agyei Akoto traz sua experiência de 20 anos na NationHouse, uma organização baseada na comunidade e Afrikano-centrada, fundada no início dos anos setenta com raízes no movimento estudantil ativista do final dos anos sessenta na Universidade Howard. A organização opera uma escola independente, um consultório médico, um acampamento de verão Afrikano-centrado, um programa para jovens depois da escola, e organizou uma cooperativa de desenvolvimento de terras.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

(Livro) Chancellor Williams: O Renascimento da Civilização Africana (pdf)

Baixar em pdf: https://drive.google.com/file/d/1FkBk1qJM0UBXYFY7-RY9vGkBMWoJb99W/view

O RENASCIMENTO DA CIVILIZAÇÃO AFRICANA
Chancellor Williams

Este livro [edição de 1961] é uma afirmação da Educação e uma defesa da Democracia Cooperativa como forma de vida para a nova África. Contém também um relatório sobre estudos sociais e as dimensões filosóficas e espirituais da vida africana e suas perspectivas para o futuro. Assim como em seu livro mais proeminente, A Destruição da Civilização Preta, Chancellor Williams fornece estratégias e táticas perspicazes para organizações, ativistas e acadêmicos sérios que trabalham na agenda do Renascimento Africano.

A ideia de unidade Pan-Africana, a união de um bilhão de pessoas africanas no mundo, não é apenas fantasia. Essa demanda surge em um momento em que a própria sobrevivência cultural e econômica do povo africano está em jogo. O impulso para tornar a unidade cultural, a continuidade histórica e a cooperação econômica do mundo africano uma realidade é a mensagem que o Chancellor Williams apresenta neste livro.

Chancellor Williams (1898-1992) foi escritor, professor universitário, historiador e o autor de "A Destruição da Civilização Preta: Grandes Questões de uma Raça, entre 4500 a.C. e 2000"."




terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Guia de Estudos Pretos Para Uma Educação Positiva -Baba Zak A. Kondo (pdf)

https://drive.google.com/file/d/1ynF46TSSlVqdDbRIFzfzp46313Q-JvWX/view?usp=sharing

Baba Zak A. Kondo - Guia de Estudos Pretos para uma Educação Positiva - (pdf aqui)

"Este ensaio argumenta que os estudantes pretos devem lutar para libertar as massas de nosso povo neste país no âmbito econômico, político, espiritual, cultural e social. Para fazer isso, no entanto, eles devem primeiro libertar suas mentes. Este ensaio ajuda nossos estudantes a libertar suas mentes. Além disso, identifica e define as responsabilidades e deveres dos estudantes pretos de hoje."



Este ensaio visa combater a deseducação dos estudantes pretos. A deseducação é definida neste texto como mulheres e homens pretos sendo ensinados a se odiar e/ou a se ver como brancos. Essas criaturas ou ‘Negroes’ são anormais, antinaturais, autodestrutivos e prejudiciais aos pretos em todo o mundo. Os ‘Negroes’ negam aos pretos o direito inalienável de serem únicos, bonitos, independentes e orgulhosos de nossa herança cultural.

Como estudante de ensino superior por vários anos, vi mais ‘Negroes’ do que gostaria de me lembrar. Meus encontros com esses ‘Negroes’ me levaram a trabalhar diligentemente para diminuir seu número neste país. Para fazer isso sistematicamente, devemos começar a educar nossos estudantes em casa enquanto eles são crianças e suas mentes ainda estão vivas e férteis. Além disso, devemos estabelecer escolas pretas independentes como a Ujamaa Shule, em Banneker City (Washington, D.C) e ter um papel ativo na tomada de decisões no sistema de escolas públicas neste país.

Para educar adequadamente nossos filhos, devemos ensiná-los sobre nossas raízes e culturas Afrikanas. Devemos ensiná-los a se amar, a se valorizar e a acreditar em si mesmos. Devemos incutir valores positivos em favor dos Afrikanos que enfatizem sinceridade, confiança, virtude, justiça, orgulho, coletividade, autodeterminação e condição de povo. Esses valores devem ser incorporados à educação de nossos filhos. Pais, educadores, líderes, acadêmicos, políticos, organizadores, pensadores sérios e empresários pretos devem cuidar para que essa incorporação seja realizada e concluída com sucesso.

Mas o que fazemos nesse ínterim com os estudantes pretos do ensino médio, da faculdade e de pós-graduação neste país? Devemos dar-lhes orientação adequada e encorajá-los a se tornarem irmãos e irmãs positivos e sérios. Somente irmãos e irmãs positivos e sérios podem fazer uma mudança qualitativa na vida dos pretos nos EUA e no exterior.

Este ensaio argumenta que os estudantes pretos devem lutar para libertar as massas de nosso povo neste país no âmbito econômico, político, espiritual, cultural e social. Para fazer isso, no entanto, eles devem primeiro libertar suas mentes. Este ensaio ajuda nossos estudantes a libertar suas mentes. Além disso, identifica e define as responsabilidades e deveres dos estudantes pretos de hoje.

A maioria dos brancos e seus satélites ‘Negroes’ acharão este ensaio desnecessário na melhor das hipóteses, e antibranco na pior. Nenhuma das constatações será precisa. A mentalidade doentia e a ação nojenta do preto “educado” neste país mais do que provam a necessidade de um ensaio dessa natureza. Chamar este ensaio de antibranco desvia completamente sua mensagem. Este ensaio é pró-preto, não antibranco. Os estudantes são encorajados a amar e a servir ao povo preto, não a odiar e prejudicar os brancos. Espero que vocês, estudantes pretos, aceitem este esforço com o espírito positivo e fraterno como o que se oferece.

Z.A.K.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

AGYEI AKOTO - Nacionalismo Afrikano: Teoria e Prática de uma Educação Afrikano-Centrada (pdf)

NACIONALISMO AFRIKANO: 

TEORIA E PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO AFRIKANO-CENTRADA

KWAME AGYEI AKOTO

O livro traduzido está disponível no link abaixo (arquivo pdf).

https://drive.google.com/file/d/1VcrgZxnAxkO5JT7hYgonFHud5iDZZGMo/view?usp=sharing

Por Fuca, Insurreição Cgpp.

arquivo pdf (aqui)





Apresentação da edição de 1992, por MARIMBA ANI 

As formulações conceituais de Agyei Akoto têm o benefício de seus mais de 20 anos de experiência como Pan-Afrikanista Nacionalista. Como resultado, finalmente temos uma declaração evidente do paradigma Nacionalista Afrikano. Neste trabalho, ele delineia evidentemente o processo e a estratégia de Construção da Nação [Nacionalismo Afrikano] e sua relação inextricável com a educação Afrikano-centrada. 

Numa altura em que o nosso diálogo é determinado pelas definições da academia europeia e pelos meios de comunicação controlados pelos europeus, a perspectiva de Akoto é revigorante e autenticamente enfocada no Povo Afrikano. 

É evidente que ele não está se dirigindo aos não-Afrikanos, nem é prejudicado pela dependência de concepções eurocêntricas. Ele escreve com autoridade e compromisso com o povo Afrikano, livre da ambivalência ideológica que tem atormentado os Afrikanos na diáspora e no continente por muitas décadas. 

Dra. MARIMBA ANI (Dona Richards) 
Autora de Let the Circle Be Unbroken
Professora no departamento de Estudos Pretos e Porto-riquenhos 
Hunter College (Faculdade Hunter)


Trecho do conteúdo.

(...) Alguns anos atrás, nas últimas semanas de setembro de 1989, o professor John H. Clarke transmitiu uma mensagem à Sociedade Ankobia, de Washington, D.C., dizendo que independentemente do que possamos empreender, “se não se trata da construção da nação [Afrikana], então não se trata de nada.” É uma declaração que pode ser tomada literalmente. 

A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é a aplicação consciente e focada dos recursos, energias e conhecimentos coletivos de nosso povo na tarefa de libertação, e de desenvolver o espaço físico e psíquico que identificarmos como nosso. Envolve o desenvolvimento de comportamentos, valores, linguagens, instituições e estruturas físicas que elucidem nossa história e cultura, que possam projetar e concretizar o presente e assegurar a futura identidade e independência da nação. 

A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é a projeção deliberada, intensamente dirigida, focada, e enérgica da cultura nacional e da identidade coletiva. A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é ocasionada pela geração e liberação de enormes quantidades de energia, não muito diferente de uma gravidez e um novo nascimento, ou de uma tempestade de primavera e o novo cultivo que se segue. 

Com qualquer uma das analogias, é fundamental que os termos e condições que ocasionam o surgimento dessa nova realidade sejam claros e inequívocos. Essas condições, termos e linguagem descritiva devem ser definidos pelos criadores dessa nova realidade. Essa nova realidade, para nós, é uma consciência nacional e cultural renovada. 

O surgimento desta nova consciência, esta realidade renovada e Afrikano-centrada, marca o renascimento da personalidade Afrikana e a revitalização da nacionalidade Afrikana. Isso é a construção da nação (Nacionalismo Afrikano). (...)



quarta-feira, 1 de julho de 2020

NNAMDI AZIKIWE, “ZIK”: DISCURSO NA CONFERÊNCIA DE PAZ BRITÂNICA, (1949)

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O líder da independência nigeriana Nnamdi Azikiwe compareceu na Sessão Plenária da Conferência de Paz Britânica realizada em Londres, em 23 de outubro de 1949. Ele usou essa ocasião para falar sobre a Nigéria e a África. Ele também aproveitou a oportunidade para lembrar aos defensores da paz que tentar impedir a guerra entre as potências ocidentais e o bloco soviético deveria ser apenas metade da agenda deles. Se quisessem criar um mundo permanentemente pacífico, Zik argumentou, eles também deveriam apoiar as lutas pela independência que estavam sendo travadas na África.

 

Dê uma olhada no mapa da África, e notará que seu contorno apresenta uma forma que lembra um osso de presunto. Para algumas pessoas, este osso de presunto foi projetado pelo destino da talha do imperialismo europeu; para outras, é um ponto de interrogação, que pergunta se a Europa cumprirá seus ofícios éticos de paz e harmonia. No entanto, o paradoxo da África é que sua riqueza e seus recursos estão entre as causas principais das guerras. Desde a Conferência de Berlim, o continente africano foi dividido e dominado por exércitos de ocupação sob o disfarce de administradores e guardiões políticos, representados pelos seguintes países europeus: Grã-Bretanha, França, Bélgica, Portugal, Espanha, Itália e também a União da África do Sul.

Quando as potências dos Aliados tocaram o sino para a Primeira Guerra Mundial, a África desempenhou um papel de liderança não apenas como fornecedora de homens, materiais e dinheiro, mas como um teatro de guerra em que o colonialismo alemão nos Camarões, na África Oriental, e no sudoeste da África, foi destruído. Mais uma vez, quando as Nações Aliadas venceram a Segunda Guerra Mundial, o continente africano foi usado por estrategistas militares para destruir os objetivos fascistas da Alemanha, Itália e da cidade de Vichy na França.

É muito significativo que, nas duas últimas guerras mundiais, os povos africanos tenham sido persuadidos a participar da destruição de seus companheiros seres humanos, alegando que o Kaiserismo e o Hitlerismo deveriam ser aniquilados para que o mundo fosse protegido pela democracia- uma teoria política que parece ser propriedade exclusiva dos bons povos da Europa e da América, cujos governantes parecem achar a guerra uma missão e um empreendimento lucrativos.

Agora, os povos da África estão sendo informados de que é necessário, no interesse da paz e da preservação do cristianismo, que eles estejam prontos para lutar contra a União Soviética, pois os bandidos de guerra visam a dominação mundial. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Marechal de Campo Lord Montgomery tem visitado vários países da África, inclusive o meu país, a Nigéria, que abriga urânio-233. Estradas militares estão sendo construídas sob o pretexto do desenvolvimento econômico. Técnicos americanos estão inundando a África e os preparativos febris sendo feitos para a Terceira Guerra Mundial. Certos fatores exigiram a posição que minha organização, o Conselho Nacional da Nigéria e dos Camarões, tomou em relação à próxima guerra. Na Nigéria e nos Camarões, enfrentamos a inevitável realidade de que o sangue dos nossos filhos foi derramado em duas guerras mundiais em vão. Lembramos que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi solicitado ao Sr. Winston Churchill que confirmasse que as disposições da Carta do Atlântico se aplicavam à Nigéria, como foi afirmado pelo seu vice, o sr. C. R. Attlee, a resposta do primeiro-ministro da Guerra, redigida em linguagem diplomática e entregue de maneira tranquilizadora, contradiz a interpretação do presidente Roosevelt no sentido de que a Carta do Atlântico se aplicava ao mundo inteiro.

Hoje, na Nigéria, milhares de ex-militares estão desempregados, eles estão desiludidos e frustrados, alguns deles foram até mutilados por toda a vida, porque foram enganados a participar de uma guerra que não era deles. Apesar de seus esforços na guerra, foi negada a liberdade política, segurança econômica e emancipação social ao povo da Nigéria e dos Camarões.  Nossa identidade nacional foi sufocada para servir aos propósitos egoístas do domínio estrangeiro. Enfrentamos a negação de direitos humanos elementares. Somos sentenciados à servidão política e incumbidos a uma servidão econômica. Somente aqueles que aceitam a escravidão como destino continuariam a viver sob condições tão humilhantes sem reivindicar seu direito à vida e à busca da liberdade, e unir forças com os movimentos progressistas pela paz.

Se me permitem ser franco, devo dizer que não é suficiente nos reunirmos aqui e adotar manifestos pela paz. Devemos indagar nossos corações e estar preparados para aceitar algumas verdades. Alguém disse, com razão, que "a paz é indivisível". Metade do mundo não poderá desfrutar da paz, se a outra metade vive no meio da guerra. Você pode evitar a guerra entre os dois grandes blocos, no entanto será uma vitória vazia, desde que qualquer parte do mundo permaneça como um território colonial. É bem evidente que o imperialismo é uma fonte perene de guerra.

A atual política colonial do governo britânico pode ser um indicador confiável das perspectivas para o futuro. Não estou errado quando digo, sem equívocos, que essa política foi formulada de acordo com a lógica do imperialismo, apoiada por uma falsa crença da incapacidade dos povos colonizados em desenvolverem iniciativas próprias. Até certo ponto, essa política foi justificada no passado, por razões históricas, mas dificilmente pode resistir às provas de análises e críticas imparciais de hoje.

A política colonial britânica, que é essencialmente autocrática, concedeu constituições de povos dependentes. Apesar das obrigações do tratado, a Grã-Bretanha governou os protetorados e mandatos britânicos como se fossem colônias da Coroa Britânica. A ideia e as implicações da administração foram mal aplicadas ou desprezadas, de modo que a terminologia não faz sentido para os povos coloniais. A negação de direitos humanos elementares, como a liberdade de expressão e de imprensa, e a liberdade de associação e assembleia, é frequente.

Socialmente, o bicho-papão da segregação e da discriminação racial torna extremamente difícil para o colonizado desenvolver sua personalidade por completo. A educação é limitada aos privilegiados, os hospitais não estão disponíveis para a maioria das pessoas. Os serviços públicos estão faltando em muitos aspectos, não há suprimentos suficientes de água, estradas pavimentadas, serviços postais e sistemas de comunicação na maioria das comunidades da Nigéria. As prisões são medievais, o código penal é opressivo e a liberdade religiosa é raríssima.

Economicamente, os povos coloniais foram levados a apreciar que as possessões coloniais constituem “propriedades não desenvolvidas” especialmente reservadas como legado para exploração do poder colonial que controla, seja por meio de uma política de portas fechadas ou de um sistema de tarifa preferencial, ou como um depósito de lixo para os desempregados do "estado protetor". Essa política afetou negativamente os povos coloniais. Existe, nos territórios coloniais, um regime de monopólio que afeta a economia do país. O sistema de tributação é arbitrário e desigual. O serviço público não é tão eficiente quanto deveria ser, devido principalmente ao favoritismo, nepotismo e racismo. O programa agrícola é arcaico, pois não é feito nenhum esforço para introduzir e popularizar técnicas agrícolas modernas e máquinas que otimizam o trabalho. A política de mineração é definitivamente despótica, pois, embora o controle estatal possa ser desejável em um estado democrático, o governador de um território colonial “pode, a seu critério absoluto”, conceder, cancelar, modificar ou renovar qualquer direito de exploração ou mineração. O trabalho é explorado em abundância.

E apesar do catálogo de deficiências indicado acima, a política colonial do governo britânico parece ser dedicada ao evangelho de acordo com "o homem no local" (ou autoridade real) cuja palavra é lei e cuja má administração muitas vezes o autoriza a ser condecorado como um Cavaleiro da Grande Cruz ou Dama da Grande Cruz (G.C.M.G em inglês), ou um título de nobreza como recompensa.

Estou convencido de que, como potência colonial, as ações da Grã-Bretanha são elevadas, apesar de sua influência moral não ser tão salutar quanto seria possível, devido à sua adesão às ideias antiquadas do imperialismo e da Herrenvolk (suposta raça superior nazista). No entanto, é obrigatório que a Grã-Bretanha se examine mais criticamente e esteja disposta a se ajustar às condições mutáveis do pensamento colonial contemporâneo e da sociedade internacional. É altamente desejável para a Grã-Bretanha que cultive a boa vontade e a lealdade dos povos coloniais e, assim, obtém a aprovação do mundo exterior.

Não podemos ficar satisfeitos com a "discussão" de nossos próprios assuntos, como previsto na Constituição de Richards. Não estamos dispostos a continuar a política reacionária de fazer a nossa câmara legislativa uma sociedade debatendo para a diversão dos administradores coloniais britânicos.  Ressentimo-nos da ideia de nossos funcionários públicos remunerados serem de uma burocracia sem limites, capaz de criar, interpretar e administrar nossas leis, sem nosso conhecimento e consentimento, e sem sermos efetivamente representados nessa câmara por vereadores ou legisladores de nossa própria escolha.

Exigimos o direito de assumir a responsabilidade pelo governo do nosso país. Exigimos o direito de liberdade para cometer erros ou acertos através de nossas próprias experiências.

Em virtude de uma série de cerca de quatrocentos tratados negociados entre Sua Majestade, a Rainha Vitória, e os Reis de vários territórios que hoje são conhecidos como Nigéria, a Grã-Bretanha assumiu um protetorado em todo o nosso país, exceto no município de Lagos. A existência desses tratados é um reconhecimento de que o protetorado assim estabelecido não é território britânico e que seus habitantes não são súditos britânicos. Isso é consistente com o direito constitucional inglês. Após quase cem anos de ligação britânica, certos fatores exigiram o reexame de nossas relações para que o vínculo de comunhão entre os dois países fosse fortalecido ou desintegrado. Pertencemos à escola de pensamento que prefere o curso do fortalecimento, e sentimos que o futuro das relações anglo-nigerianas não precisa ser objeto de conflito. Pelo contrário, deve ser uma questão de ajuste da organização política e administrativa. Atualmente, nós, considerados os elementos articulados em nosso país, temos o sentido de fazer um gesto amigável para fortalecer o vínculo de comunhão com a Grã-Bretanha. O autogoverno é o nosso objetivo na vida. A única maneira de os britânicos na Nigéria provarem sua sinceridade é implementando o oficio de títulos de posse. Admito que algum esforço esteja sendo feito, mas afirmo que pode ser aumentado.

Nunca sugeri, e não sugiro, a saída por atacado dos britânicos na Nigéria, mas sustento que, como as relações anglo-nigerianas se fundamentam em obrigações de tratado baseadas na amizade e no comércio, não há razão para que o condomínio anglo-nigeriano não seja o núcleo de uma grande Federação de Estados no futuro imediato, para nos permitir tomar nosso lugar de direito na Comunidade Britânica. Se os britânicos nos querem bem, devem confiar em nós e nos permitir participar ativamente da administração de nossos negócios.

A cada seis pessoas no continente africano, uma é nigeriana. Adicione as Ilhas Britânicas à Bélgica, Holanda, Portugal e ao Estado Livre Irlandês, e então você terá uma ideia da região da Nigéria. Há ouro na Nigéria. Carvão, linhito, estanho, columbita, tantalita, chumbo, diatomita, tório (urânio 233) e tungstênio são abundantes na Nigéria. Há abundância de óleo de palma. Borracha, cacau, amendoim, gergelim preto, algodão, óleo de palma e sementes de palma têm em grande quantidade. Madeira de diferentes tipos é encontrada em muitas áreas deste país. No entanto, apesar desses recursos naturais que indicam riqueza potencial, a grande maioria dos nigerianos vive na escassez.

Consideramos em nossa opinião que fatores do capitalismo e do imperialismo impediram o crescimento normal da Nigéria na comunidade das nações. Estamos confiantes de que somente pela cristalização da democracia em todos os aspectos de nossa vida e pensamento nacional - políticos, econômicos e sociais - podemos nos desenvolver juntos com as outras nações progressistas do mundo que amam a paz. Estamos determinados que a Nigéria agora evolua para uma comunidade totalmente democrática e socialista, a fim de permitir que nossas várias nacionalidades e comunidades possuam e controlem os meios essenciais de produção e distribuição, e assim promover mais efetivamente a liberdade política, segurança econômica, igualdade social, tolerância religiosa e o bem-estar comunitário.

Por essas razões, definimos o imperialismo como o domínio imposto de uma nação por outra nação. Consideramos isso uma antítese da democracia, cuja realização nossos filhos derramaram seu sangue em duas guerras mundiais. Portanto, somos obrigados a denunciar o imperialismo como um crime contra a humanidade, porque destrói a dignidade humana e é uma causa constante de guerras. Por fim, fazemos as seguintes declarações:

1) Que não teremos mais medo de falsos alarmes emitidos pelos imperialistas e sua imprensa venal em relação a qualquer ideologia que seja basicamente socialista em seu conceito.

2) Que não nos arriscaremos em entrar em guerras contra outras nações para sermos enganados.

3) Que não seremos mais arrastados para agir como bucha de canhão na força militar de hipócritas que oscilam diante de nosso povo com slogans enganosos, a fim de envolver a humanidade em carnificina e destruição.

4) Que consideramos o imperialismo como nosso principal inimigo mortal, contra o qual deve estar todas as várias nacionalidades e comunidades de nosso país.

5) Que afirmamos que temos o direito de ser consultados e de obter nosso consentimento antes de entrarmos em outra guerra mundial.

6) Que, em caso de outra guerra mundial, nos reservamos o direito de adotar uma atitude independente, e uma linha de ação que aceleraria nossa libertação nacional, unindo todas as pessoas cuja atitude em relação à nossa luta nacional pela liberdade justifique tal aliança.

7) Que na próxima guerra mundial, nos posicionaremos de acordo com quem, por palavras e ações, satisfaça nossas aspirações nacionais imediatas.”

Fonte: Wilfred Cartey e Martin Kilson, The African Reader: Independent Africa (Nova York: Vintage Book, 1970).


 


segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Um Grão de Trigo - Ngugi wa Thiong'o - breve nota

"Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. - João 12,24
(versículo sublinhado em preto na Bíblia de Kihika)"

Kihika, um grande combatente nas lutas pela Independência do Quênia nos fins dos anos 50. Nome proeminente no caminho da conquista da Uhuhu sofreu uma emboscada e foi assassinado. Mas quem teria sido o traidor? O autor perpassa de forma literária o difícil processo de libertação anticolonial, são vários personagens alocados a maioria em aldeias ou em posição de guerra na floresta, e os brancos comandando em suas grandes casas. Eis que chega então o dia tão esperado da comemoração e consolidação da Uhuru com todas as suas expectativas, medos, traições, surpresas e honrarias. Vale a pena mergulhar nesse cenário queniano através desses escritos de Ngugo wa Thiong'o publicado originalmente em 1967.

"Ngugi wa Thiong'o nasceu em Limuru, Quênia, em 1938. É romancista, ensaista, dramaturgo e um dos principais escritores e estudiosos africanos em atividade. Seu primeiro romance, Weep Not, Child, foi publicado em 1964, enquanto estudava na Inglaterra. Em 1977, ele escreveu uma peça teatral que contrariou o governo do Quênia e acabou preso por mais de um ano pelo regime ditatorial.
Um grão de trigo (1967) é o seu terceiro romance. As obras posteriores incluem Petals of Blood (1977), Wizard of the Crow (2006) e uma trilogia de memórias. Vive atualmente nos Estados Unidos, onde é membro da American Academy of Arts and Letters e professor da Unidade da Califórnia, em Irvine."



Fuca CGPP

sábado, 19 de janeiro de 2019

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota 


Com uma narrativa literária de luta, ler o livro “As Andorinhas” vem como se estivesse ouvindo as histórias e ensinamentos de uma mais velha numa conversa frente a frente. Contendo três contos que abordam cada qual a sua maneira a caça ou a liberdade das andorinhas. No primeiro conto, ”Quem Manda Aqui?”, um imperador gordo, arrogante e ditador resolve querer silenciar as andorinhas e acaba desguarnecido e sofre a invasão dos brancos. No segundo, “Maundlane, O Criador”, trata de uma grande história e vários ensinamentos ao relatar a trajetória de um exímio guerrilheiro. E por fim, conta-se a história de “Mutola” utilizando o causo da águia e da galinha. Assim essa excelente escritora nos aproxima das vivências de libertação Moçambicana, e é evidente a valorização da importância feminina em suas narrativas, por vezes, a mulher é a grande sábia, é a que detém o controle familiar, e útero é sempre bom adjetivo. Um livro fino, de 125 páginas, então não há desculpas para não lê-lo, e fica a indicação! Pra se mergulhar cada vez mais na literatura africana!



Fuca - 2019


Infos no livro: 

“A escritora Chope, filha de um alfaiate e de uma camponesa dona de casa, usa o seu poder de contadora de histórias para partilhar o percurso de três personalidades, desafiando o leitor com um debate sobre o passado e o presente de Moçambique.”

"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países.
Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."


sábado, 1 de dezembro de 2018

Insubmissas Lágrimas de Mulheres – Conceição Evaristo - breve nota


Breve nota: Insubmissas Lágrimas de Mulheres – Conceição Evaristo

Contendo 13 contos que são retratados a partir de depoimentos de diversas mulheres, digo a partir, pois foi o ponto de partida para uma criação literária belíssima. Essa conexão de realidade e invenção, e adicionado a condição de mulher negra da narradora, que a principio é a própria Conceição Evaristo, se denomina o conceito de escrevivência.

A edição que li foi a comemorativa aos 70 anos da autora, pela editora Malê. Os contos são regados de representatividade e por vezes de sororidade, evidenciando a intenção da autora em focar nas realidades das mulheres, que ao debater gênero, cada qual na sua maneira e experiência, assume por fim uma postura Insubmissa. A maioria vem com relatos bem pesados que, por vezes, podem causar incomodo a quem lê, ora vem o sentimento de revolta ora uma lágrima se derrama de forma explicita.

Todos os contos partem do encontro da autora com as mulheres protagonistas das histórias, e em todo o livro é presenciada a opressão masculina, são raras as exceções que isso não ocorre, a exemplo de Regina Anastácia que se realizou num relacionamento inter-racional, mas muitas tiveram que resistir as mais variadas brutalidades que nenhum ser humano gostaria de passar, ainda mais somente pela condição de ser quem você é.

Conceição Evaristo (Maria conceição Evaristo de Brito) nasceu em Belo Horizonte, em 29 de novembro de 1946. Em 1990 publicou pela primeira vez nos Cadernos Negros e, desde então, conciliando maternidade, vida docente, estudos teóricos e produção literária, titulou-se Mestre em Literatura Brasileira (PUC-Rio) e Doutora em Literatura Comparada (Universidade Federal Fluminense), além de lançar quatro obras individuais, uma delas, Olhos d’água.




Fuca, Insurreição CGPP

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

As Ideias de Gramsci para pensar no hoje– Breve nota

As Ideias de Gramsci de James Joll– Breve nota 

Esta nota/texto tem como objetivo traçar minimamente um paralelo entre o livro "As Ideias de Gramsci" e o momento atual, no qual se tem um crescimento mais explicito de ideais fascistas, embora se saiba que o fascismo nunca esteve morto, no máximo adormecido. Sendo assim, algumas ideias e parte da trajetória de Antonio Gramsci podem trazer algumas reflexões acerca do caminho a ser percorrido, além de entender melhor a atualidade e o que pode acontecer no futuro. (Em meio a escuridão do Bolsonaro eleito presidente) 

Que momento é esse, afinal? Basicamente, a tão falada cultura do ódio tem sido alastrada, principalmente pelas redes sociais da internet. Uma síndrome do medo põe em pauta medidas desastrosas e superficiais no que tange à segurança pública, orientada por mídias policialescas e do crescente militarismo e autoritarismo como saída plausível. O crescimento “silencioso” das doutrinas religiosas neo pentecostais que trabalharam na questão de adaptar seus ideais na linguagem do povo. O momento de polarização política exacerbada, como se fosse uma continuação da guerra fria, no Brasil o antipetismo se iguala ao anticomunismo. A descrença na política e nos políticos. Acrescenta-se um barulho de uma parcela da juventude atraída pelo liberalismo econômico e o conservadorismo nos costumes. Com tudo isso, a intenção declarada de eliminar (por diversas formas) quem discorde dessas ideias, de atacar as ditas minorias e silenciá-las está presente, novidade? 

Gramsci viveu 46 anos, de 1891 a 1937. Nisso, foi estudante por 10 anos se tornando um jornalista político, por 5 anos viveu como liderança do Partido Comunista da Itália no mesmo tempo do aumento organizacional do movimento fascista de Mussolini, que ao consolidar o regime fascista, prendeu Gramsci por 10 anos entre cadeias e clinicas. Gramsci morreu devido à debilidade de sua saúde, condição agravada na prisão. 

O livro sobre "As Ideias de Gramsci" escrito por James Joll, professor de história das universidades de Oxford e Londres, é dividido em 9 capítulos separados em 2 partes. A primeira parte traz a origem, seus primeiros movimentos como estudante, nos conselhos de fábricas, no partido comunista e o percurso de suas ideias como militante e jornalista até sua prisão. A segunda parte abarca o florescimento e a cristalização de suas contribuições intelectuais - definições, conceitos, ideias - para o pensamento marxista do século XX. Perpassa, então, por todo o desenvolvimento e critica acerca do materialismo histórico e a dialética. Mas o objetivo deste texto é se deter de apenas alguns pontos. 

O primeiro ponto a se falar vem da característica de sua vida, onde pensamento e ação foram inseparáveis. Portanto, o agir individual não se dissocia do social, assim como as aspirações devem ser criadas e cristalizadas através da ação e do pensamento entre sociedade e ser humano, e vice-versa. Outro ponto é na verdade a distinção que Gramsci faz entre movimentos orgânicos e movimentos conjunturais, ou seja, de tendência a projeções de longo prazo na sociedade e de movimentos ocasionais/imediatos, respectivamente. Por fim, um ponto que remete as formas de dominação. O conceito de hegemonia de Gramsci sintetiza isso na lógica da luta de classes, onde uma classe política consegue persuadir as demais classes sociais a aceitar seus valores culturais, morais e políticos. Se essa classe dominante é bem sucedida nessas questões, menos força precisará usar para manter o domínio. Atrelado a isso vem a ideia de “bloco histórico” no qual as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, as estruturas e superestruturas formam o bloco histórico. 

As grandes transformações ou ditas revoluções são preparadas pela critica e pela criação de uma nova atmosfera cultural que é precedida de forma ampla pela educação. Não é a toa que ainda no contexto brasileiro a educação pode ser a via mais viável de alicerce critico para as futuras gerações e algo ainda palpável nesta sociedade. Com essa preparação educacional para a revolução, implicaria numa profunda mudança de consciência das massas, que então passaria de meros receptores de medidas governamentais para tomar parte ativa dessas medidas. Simplificando toda essa ideia, a partir do primeiro ponto apresentado, culmina que o ato de pensar, a intelectualidade, as rodas de conversa e de formação, não devem estar distantes das praticas inerentes ao cotidiano do povo. Em outras palavras, as relações e reações entre teoria e prática, entre forças materiais e ideologia devem estar inteiradas e conectadas entre si visando convergir estrutura (relações sociais de produção) e superestrutura (ideias, costumes, comportamentos morais), dispensando todo o mecanicismo nestas relações. Assim, através desse pensamento se sustenta uma grande dica que vai fornecer uma solução para o problema de como os movimentos sociais devem atuar num sistema político e econômico não favorável, ou pelo contexto de Gramsci, sistema não comunista. Ainda como estratégia deve-se pretender “atrair e conservar o apoio das massas, deve propor-lhes um programa político que objetive obter benefícios concretos imediatos para seus adeptos paralelamente à perspectiva eventual de uma nova sociedade, e deve mostrar-se capaz de vincular as atividades cotidianas do ‘partido’ com a esperança de vitória revolucionária final” (p.10) 

Desta maneira, fica mais evidente a distinção entre movimento orgânico e movimento conjuntural. Uma luta não deve ser estruturada somente através das causas/ pautas bombas, ou melhor, no constante e unicamente apagamento de incêndios por partes das organizações, que de certa forma, esse tipo de ação é necessária, mas que não deixa legado de continuidade ou de uma organização concreta. Por ora, um movimento apenas conjuntural pode confundir ainda mais o povo, sem realmente aproximar a um cenário revolucionário ou de uma atmosfera cultural transformadora. 

Da confusão vem o desespero e a descrença, onde se perder num emaranhado de problemas é regra, desviando portanto do projeto de construção de uma vida social mais igualitária, e se esquecendo de atacar todo e qualquer tipo de disparidade na distribuição dos meios de produção, dos meios de comunicação, das terras, da distribuição rendas ou de tudo que permeia a sociabilidade em si. 

Se uma classe social para vencer precisa, muitas vezes, já ter estabelecido sua liderança intelectual e moral mesmo antes de chegar ao poder, então é fato que o papel dos intelectuais e pensadores é crucial nesse processo de reforma de consciência. Mas "o erro dos intelectuais consiste em acreditar possível conhecer sem compreender e especialmente sem sentimento e paixão (...) que o intelectual pode ser um intelectual (...) se for diferente e distante do povo-nação, sem sentir as paixões elementares do povo, sem compreendê-las, explicá-las e justificá-las numa determinada situação histórica, vinculando-se dialeticamente às leis da História, a uma concepção superior de mundo (...) A história e a politica não podem ser feitas sem paixão, sem esse elo emocional entre os intelectuais e o povo nação(...)" 
"(...) Se a relação entre os intelectuais e o povo-nação, entre dirigentes e dirigidos, é o resultado de uma participação orgânica na qual sentimentos e paixão se tornam em compreensão, logo em conhecimento (...) Somente então ocorre uma troca de elementos individuais entre lideres e liderados, governantes e governados, isto é, a concretização de uma vida em comum que por si mesma é uma força social, somente então está criado o "bloco histórico"." (P.78) 

Para concluir essa nota, se faz necessário enfatizar que a relação de hegemonia é praticamente uma relação pedagógica porque a hegemonia é uma "doutrina que explica parcialmente como determinado sistema social e econômico se sustenta e mantém sua base de apoio. Como somente ocorreu com alguns marxistas, Gramsci compreendeu que o domínio de uma classe sobre outra não depende apenas do poder econômico ou da força física, mas principalmente de persuadir a classe dominada e compartilhar dos valores sociais, culturais e morais da dominante.”.


Fuca, Insurreição CGPP

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Carta a Minha Filha, Maya Angelou - breve nota

Apesar de muito ter ouvido falar sobre Maya Angelou, nunca havia pegado um livro dela pra ler de fato, a não ser trechos e alguns de seus versos e citações.

O livro escolhido, ou o que eu tinha disponível para ler foi 'Carta a Minha Filha'. Livro curto e de leitura rápida, porém muito lindo de se ler, a imaginar ela contando suas lições, erros e acertos, aprendizados e decepções, acerca de variados assuntos da vida. Sendo direcionado para todas as mulheres.

Logo de inicio ela se apresentou como representando todas as mulheres sem distinção alguma, de certa forma, nesse ponto, fiquei ressabiado na leitura, pois já estava em busca de algo combativo na perspectiva racial. Mas até nisso nosso povo ensina humanidade, e fui compreender a sensibilidade dessa carta biográfica um pouco depois no decorrer da leitura, daí me coloquei no meu lugar. (Muita calma nessa hora rs).

São 128 páginas separadas por 28 capítulos, pelo menos 3 deles nomeados em homenagem à outras valiosas mulheres pretas: sra. Fannie Lou Hamer, sra. Celia Cruz e sra. Coretta Scott King. Além de nos falar sobre sua avó e sua mãe.

Maya Angelou também citou alguns encontros com pessoas importantes de nossa história. E foi bem sucedida ao abordar a violência que sofreu, e já em outro instante poder descrever uma vivência que nos remete à gargalhadas. Mas que na sequência poderia vir uma legitima defesa na postura ou adiante, belos versos.

Enfim, esse não foi seu primeiro best-seller, que em breve quero encontrá-lo pra ler (a autobiografia  “I know why the caged bird sings” – “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, em português). Então, tem-se muito mais pra se ler da nossa gloriosa e premiada poeta, escritora, atriz e ativista, que fez sua passagem em maio de 2014, nos EUA, aos 86 anos de idade. 

Fuca CGPP