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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

(Livro) Chancellor Williams: O Renascimento da Civilização Africana (pdf)

Baixar em pdf: https://drive.google.com/file/d/1FkBk1qJM0UBXYFY7-RY9vGkBMWoJb99W/view

O RENASCIMENTO DA CIVILIZAÇÃO AFRICANA
Chancellor Williams

Este livro [edição de 1961] é uma afirmação da Educação e uma defesa da Democracia Cooperativa como forma de vida para a nova África. Contém também um relatório sobre estudos sociais e as dimensões filosóficas e espirituais da vida africana e suas perspectivas para o futuro. Assim como em seu livro mais proeminente, A Destruição da Civilização Preta, Chancellor Williams fornece estratégias e táticas perspicazes para organizações, ativistas e acadêmicos sérios que trabalham na agenda do Renascimento Africano.

A ideia de unidade Pan-Africana, a união de um bilhão de pessoas africanas no mundo, não é apenas fantasia. Essa demanda surge em um momento em que a própria sobrevivência cultural e econômica do povo africano está em jogo. O impulso para tornar a unidade cultural, a continuidade histórica e a cooperação econômica do mundo africano uma realidade é a mensagem que o Chancellor Williams apresenta neste livro.

Chancellor Williams (1898-1992) foi escritor, professor universitário, historiador e o autor de "A Destruição da Civilização Preta: Grandes Questões de uma Raça, entre 4500 a.C. e 2000"."




terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Guia de Estudos Pretos Para Uma Educação Positiva -Baba Zak A. Kondo (pdf)

https://drive.google.com/file/d/1ynF46TSSlVqdDbRIFzfzp46313Q-JvWX/view?usp=sharing

Baba Zak A. Kondo - Guia de Estudos Pretos para uma Educação Positiva - (pdf aqui)

"Este ensaio argumenta que os estudantes pretos devem lutar para libertar as massas de nosso povo neste país no âmbito econômico, político, espiritual, cultural e social. Para fazer isso, no entanto, eles devem primeiro libertar suas mentes. Este ensaio ajuda nossos estudantes a libertar suas mentes. Além disso, identifica e define as responsabilidades e deveres dos estudantes pretos de hoje."



Este ensaio visa combater a deseducação dos estudantes pretos. A deseducação é definida neste texto como mulheres e homens pretos sendo ensinados a se odiar e/ou a se ver como brancos. Essas criaturas ou ‘Negroes’ são anormais, antinaturais, autodestrutivos e prejudiciais aos pretos em todo o mundo. Os ‘Negroes’ negam aos pretos o direito inalienável de serem únicos, bonitos, independentes e orgulhosos de nossa herança cultural.

Como estudante de ensino superior por vários anos, vi mais ‘Negroes’ do que gostaria de me lembrar. Meus encontros com esses ‘Negroes’ me levaram a trabalhar diligentemente para diminuir seu número neste país. Para fazer isso sistematicamente, devemos começar a educar nossos estudantes em casa enquanto eles são crianças e suas mentes ainda estão vivas e férteis. Além disso, devemos estabelecer escolas pretas independentes como a Ujamaa Shule, em Banneker City (Washington, D.C) e ter um papel ativo na tomada de decisões no sistema de escolas públicas neste país.

Para educar adequadamente nossos filhos, devemos ensiná-los sobre nossas raízes e culturas Afrikanas. Devemos ensiná-los a se amar, a se valorizar e a acreditar em si mesmos. Devemos incutir valores positivos em favor dos Afrikanos que enfatizem sinceridade, confiança, virtude, justiça, orgulho, coletividade, autodeterminação e condição de povo. Esses valores devem ser incorporados à educação de nossos filhos. Pais, educadores, líderes, acadêmicos, políticos, organizadores, pensadores sérios e empresários pretos devem cuidar para que essa incorporação seja realizada e concluída com sucesso.

Mas o que fazemos nesse ínterim com os estudantes pretos do ensino médio, da faculdade e de pós-graduação neste país? Devemos dar-lhes orientação adequada e encorajá-los a se tornarem irmãos e irmãs positivos e sérios. Somente irmãos e irmãs positivos e sérios podem fazer uma mudança qualitativa na vida dos pretos nos EUA e no exterior.

Este ensaio argumenta que os estudantes pretos devem lutar para libertar as massas de nosso povo neste país no âmbito econômico, político, espiritual, cultural e social. Para fazer isso, no entanto, eles devem primeiro libertar suas mentes. Este ensaio ajuda nossos estudantes a libertar suas mentes. Além disso, identifica e define as responsabilidades e deveres dos estudantes pretos de hoje.

A maioria dos brancos e seus satélites ‘Negroes’ acharão este ensaio desnecessário na melhor das hipóteses, e antibranco na pior. Nenhuma das constatações será precisa. A mentalidade doentia e a ação nojenta do preto “educado” neste país mais do que provam a necessidade de um ensaio dessa natureza. Chamar este ensaio de antibranco desvia completamente sua mensagem. Este ensaio é pró-preto, não antibranco. Os estudantes são encorajados a amar e a servir ao povo preto, não a odiar e prejudicar os brancos. Espero que vocês, estudantes pretos, aceitem este esforço com o espírito positivo e fraterno como o que se oferece.

Z.A.K.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

AGYEI AKOTO - Nacionalismo Afrikano: Teoria e Prática de uma Educação Afrikano-Centrada (pdf)

NACIONALISMO AFRIKANO: 

TEORIA E PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO AFRIKANO-CENTRADA

KWAME AGYEI AKOTO

O livro traduzido está disponível no link abaixo (arquivo pdf).

https://drive.google.com/file/d/1VcrgZxnAxkO5JT7hYgonFHud5iDZZGMo/view?usp=sharing

Por Fuca, Insurreição Cgpp.

arquivo pdf (aqui)





Apresentação da edição de 1992, por MARIMBA ANI 

As formulações conceituais de Agyei Akoto têm o benefício de seus mais de 20 anos de experiência como Pan-Afrikanista Nacionalista. Como resultado, finalmente temos uma declaração evidente do paradigma Nacionalista Afrikano. Neste trabalho, ele delineia evidentemente o processo e a estratégia de Construção da Nação [Nacionalismo Afrikano] e sua relação inextricável com a educação Afrikano-centrada. 

Numa altura em que o nosso diálogo é determinado pelas definições da academia europeia e pelos meios de comunicação controlados pelos europeus, a perspectiva de Akoto é revigorante e autenticamente enfocada no Povo Afrikano. 

É evidente que ele não está se dirigindo aos não-Afrikanos, nem é prejudicado pela dependência de concepções eurocêntricas. Ele escreve com autoridade e compromisso com o povo Afrikano, livre da ambivalência ideológica que tem atormentado os Afrikanos na diáspora e no continente por muitas décadas. 

Dra. MARIMBA ANI (Dona Richards) 
Autora de Let the Circle Be Unbroken
Professora no departamento de Estudos Pretos e Porto-riquenhos 
Hunter College (Faculdade Hunter)


Trecho do conteúdo.

(...) Alguns anos atrás, nas últimas semanas de setembro de 1989, o professor John H. Clarke transmitiu uma mensagem à Sociedade Ankobia, de Washington, D.C., dizendo que independentemente do que possamos empreender, “se não se trata da construção da nação [Afrikana], então não se trata de nada.” É uma declaração que pode ser tomada literalmente. 

A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é a aplicação consciente e focada dos recursos, energias e conhecimentos coletivos de nosso povo na tarefa de libertação, e de desenvolver o espaço físico e psíquico que identificarmos como nosso. Envolve o desenvolvimento de comportamentos, valores, linguagens, instituições e estruturas físicas que elucidem nossa história e cultura, que possam projetar e concretizar o presente e assegurar a futura identidade e independência da nação. 

A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é a projeção deliberada, intensamente dirigida, focada, e enérgica da cultura nacional e da identidade coletiva. A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é ocasionada pela geração e liberação de enormes quantidades de energia, não muito diferente de uma gravidez e um novo nascimento, ou de uma tempestade de primavera e o novo cultivo que se segue. 

Com qualquer uma das analogias, é fundamental que os termos e condições que ocasionam o surgimento dessa nova realidade sejam claros e inequívocos. Essas condições, termos e linguagem descritiva devem ser definidos pelos criadores dessa nova realidade. Essa nova realidade, para nós, é uma consciência nacional e cultural renovada. 

O surgimento desta nova consciência, esta realidade renovada e Afrikano-centrada, marca o renascimento da personalidade Afrikana e a revitalização da nacionalidade Afrikana. Isso é a construção da nação (Nacionalismo Afrikano). (...)



quarta-feira, 1 de julho de 2020

NNAMDI AZIKIWE, “ZIK”: DISCURSO NA CONFERÊNCIA DE PAZ BRITÂNICA, (1949)

BAIXAR LIVRO EM PDF, 

O líder da independência nigeriana Nnamdi Azikiwe compareceu na Sessão Plenária da Conferência de Paz Britânica realizada em Londres, em 23 de outubro de 1949. Ele usou essa ocasião para falar sobre a Nigéria e a África. Ele também aproveitou a oportunidade para lembrar aos defensores da paz que tentar impedir a guerra entre as potências ocidentais e o bloco soviético deveria ser apenas metade da agenda deles. Se quisessem criar um mundo permanentemente pacífico, Zik argumentou, eles também deveriam apoiar as lutas pela independência que estavam sendo travadas na África.

 

Dê uma olhada no mapa da África, e notará que seu contorno apresenta uma forma que lembra um osso de presunto. Para algumas pessoas, este osso de presunto foi projetado pelo destino da talha do imperialismo europeu; para outras, é um ponto de interrogação, que pergunta se a Europa cumprirá seus ofícios éticos de paz e harmonia. No entanto, o paradoxo da África é que sua riqueza e seus recursos estão entre as causas principais das guerras. Desde a Conferência de Berlim, o continente africano foi dividido e dominado por exércitos de ocupação sob o disfarce de administradores e guardiões políticos, representados pelos seguintes países europeus: Grã-Bretanha, França, Bélgica, Portugal, Espanha, Itália e também a União da África do Sul.

Quando as potências dos Aliados tocaram o sino para a Primeira Guerra Mundial, a África desempenhou um papel de liderança não apenas como fornecedora de homens, materiais e dinheiro, mas como um teatro de guerra em que o colonialismo alemão nos Camarões, na África Oriental, e no sudoeste da África, foi destruído. Mais uma vez, quando as Nações Aliadas venceram a Segunda Guerra Mundial, o continente africano foi usado por estrategistas militares para destruir os objetivos fascistas da Alemanha, Itália e da cidade de Vichy na França.

É muito significativo que, nas duas últimas guerras mundiais, os povos africanos tenham sido persuadidos a participar da destruição de seus companheiros seres humanos, alegando que o Kaiserismo e o Hitlerismo deveriam ser aniquilados para que o mundo fosse protegido pela democracia- uma teoria política que parece ser propriedade exclusiva dos bons povos da Europa e da América, cujos governantes parecem achar a guerra uma missão e um empreendimento lucrativos.

Agora, os povos da África estão sendo informados de que é necessário, no interesse da paz e da preservação do cristianismo, que eles estejam prontos para lutar contra a União Soviética, pois os bandidos de guerra visam a dominação mundial. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Marechal de Campo Lord Montgomery tem visitado vários países da África, inclusive o meu país, a Nigéria, que abriga urânio-233. Estradas militares estão sendo construídas sob o pretexto do desenvolvimento econômico. Técnicos americanos estão inundando a África e os preparativos febris sendo feitos para a Terceira Guerra Mundial. Certos fatores exigiram a posição que minha organização, o Conselho Nacional da Nigéria e dos Camarões, tomou em relação à próxima guerra. Na Nigéria e nos Camarões, enfrentamos a inevitável realidade de que o sangue dos nossos filhos foi derramado em duas guerras mundiais em vão. Lembramos que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi solicitado ao Sr. Winston Churchill que confirmasse que as disposições da Carta do Atlântico se aplicavam à Nigéria, como foi afirmado pelo seu vice, o sr. C. R. Attlee, a resposta do primeiro-ministro da Guerra, redigida em linguagem diplomática e entregue de maneira tranquilizadora, contradiz a interpretação do presidente Roosevelt no sentido de que a Carta do Atlântico se aplicava ao mundo inteiro.

Hoje, na Nigéria, milhares de ex-militares estão desempregados, eles estão desiludidos e frustrados, alguns deles foram até mutilados por toda a vida, porque foram enganados a participar de uma guerra que não era deles. Apesar de seus esforços na guerra, foi negada a liberdade política, segurança econômica e emancipação social ao povo da Nigéria e dos Camarões.  Nossa identidade nacional foi sufocada para servir aos propósitos egoístas do domínio estrangeiro. Enfrentamos a negação de direitos humanos elementares. Somos sentenciados à servidão política e incumbidos a uma servidão econômica. Somente aqueles que aceitam a escravidão como destino continuariam a viver sob condições tão humilhantes sem reivindicar seu direito à vida e à busca da liberdade, e unir forças com os movimentos progressistas pela paz.

Se me permitem ser franco, devo dizer que não é suficiente nos reunirmos aqui e adotar manifestos pela paz. Devemos indagar nossos corações e estar preparados para aceitar algumas verdades. Alguém disse, com razão, que "a paz é indivisível". Metade do mundo não poderá desfrutar da paz, se a outra metade vive no meio da guerra. Você pode evitar a guerra entre os dois grandes blocos, no entanto será uma vitória vazia, desde que qualquer parte do mundo permaneça como um território colonial. É bem evidente que o imperialismo é uma fonte perene de guerra.

A atual política colonial do governo britânico pode ser um indicador confiável das perspectivas para o futuro. Não estou errado quando digo, sem equívocos, que essa política foi formulada de acordo com a lógica do imperialismo, apoiada por uma falsa crença da incapacidade dos povos colonizados em desenvolverem iniciativas próprias. Até certo ponto, essa política foi justificada no passado, por razões históricas, mas dificilmente pode resistir às provas de análises e críticas imparciais de hoje.

A política colonial britânica, que é essencialmente autocrática, concedeu constituições de povos dependentes. Apesar das obrigações do tratado, a Grã-Bretanha governou os protetorados e mandatos britânicos como se fossem colônias da Coroa Britânica. A ideia e as implicações da administração foram mal aplicadas ou desprezadas, de modo que a terminologia não faz sentido para os povos coloniais. A negação de direitos humanos elementares, como a liberdade de expressão e de imprensa, e a liberdade de associação e assembleia, é frequente.

Socialmente, o bicho-papão da segregação e da discriminação racial torna extremamente difícil para o colonizado desenvolver sua personalidade por completo. A educação é limitada aos privilegiados, os hospitais não estão disponíveis para a maioria das pessoas. Os serviços públicos estão faltando em muitos aspectos, não há suprimentos suficientes de água, estradas pavimentadas, serviços postais e sistemas de comunicação na maioria das comunidades da Nigéria. As prisões são medievais, o código penal é opressivo e a liberdade religiosa é raríssima.

Economicamente, os povos coloniais foram levados a apreciar que as possessões coloniais constituem “propriedades não desenvolvidas” especialmente reservadas como legado para exploração do poder colonial que controla, seja por meio de uma política de portas fechadas ou de um sistema de tarifa preferencial, ou como um depósito de lixo para os desempregados do "estado protetor". Essa política afetou negativamente os povos coloniais. Existe, nos territórios coloniais, um regime de monopólio que afeta a economia do país. O sistema de tributação é arbitrário e desigual. O serviço público não é tão eficiente quanto deveria ser, devido principalmente ao favoritismo, nepotismo e racismo. O programa agrícola é arcaico, pois não é feito nenhum esforço para introduzir e popularizar técnicas agrícolas modernas e máquinas que otimizam o trabalho. A política de mineração é definitivamente despótica, pois, embora o controle estatal possa ser desejável em um estado democrático, o governador de um território colonial “pode, a seu critério absoluto”, conceder, cancelar, modificar ou renovar qualquer direito de exploração ou mineração. O trabalho é explorado em abundância.

E apesar do catálogo de deficiências indicado acima, a política colonial do governo britânico parece ser dedicada ao evangelho de acordo com "o homem no local" (ou autoridade real) cuja palavra é lei e cuja má administração muitas vezes o autoriza a ser condecorado como um Cavaleiro da Grande Cruz ou Dama da Grande Cruz (G.C.M.G em inglês), ou um título de nobreza como recompensa.

Estou convencido de que, como potência colonial, as ações da Grã-Bretanha são elevadas, apesar de sua influência moral não ser tão salutar quanto seria possível, devido à sua adesão às ideias antiquadas do imperialismo e da Herrenvolk (suposta raça superior nazista). No entanto, é obrigatório que a Grã-Bretanha se examine mais criticamente e esteja disposta a se ajustar às condições mutáveis do pensamento colonial contemporâneo e da sociedade internacional. É altamente desejável para a Grã-Bretanha que cultive a boa vontade e a lealdade dos povos coloniais e, assim, obtém a aprovação do mundo exterior.

Não podemos ficar satisfeitos com a "discussão" de nossos próprios assuntos, como previsto na Constituição de Richards. Não estamos dispostos a continuar a política reacionária de fazer a nossa câmara legislativa uma sociedade debatendo para a diversão dos administradores coloniais britânicos.  Ressentimo-nos da ideia de nossos funcionários públicos remunerados serem de uma burocracia sem limites, capaz de criar, interpretar e administrar nossas leis, sem nosso conhecimento e consentimento, e sem sermos efetivamente representados nessa câmara por vereadores ou legisladores de nossa própria escolha.

Exigimos o direito de assumir a responsabilidade pelo governo do nosso país. Exigimos o direito de liberdade para cometer erros ou acertos através de nossas próprias experiências.

Em virtude de uma série de cerca de quatrocentos tratados negociados entre Sua Majestade, a Rainha Vitória, e os Reis de vários territórios que hoje são conhecidos como Nigéria, a Grã-Bretanha assumiu um protetorado em todo o nosso país, exceto no município de Lagos. A existência desses tratados é um reconhecimento de que o protetorado assim estabelecido não é território britânico e que seus habitantes não são súditos britânicos. Isso é consistente com o direito constitucional inglês. Após quase cem anos de ligação britânica, certos fatores exigiram o reexame de nossas relações para que o vínculo de comunhão entre os dois países fosse fortalecido ou desintegrado. Pertencemos à escola de pensamento que prefere o curso do fortalecimento, e sentimos que o futuro das relações anglo-nigerianas não precisa ser objeto de conflito. Pelo contrário, deve ser uma questão de ajuste da organização política e administrativa. Atualmente, nós, considerados os elementos articulados em nosso país, temos o sentido de fazer um gesto amigável para fortalecer o vínculo de comunhão com a Grã-Bretanha. O autogoverno é o nosso objetivo na vida. A única maneira de os britânicos na Nigéria provarem sua sinceridade é implementando o oficio de títulos de posse. Admito que algum esforço esteja sendo feito, mas afirmo que pode ser aumentado.

Nunca sugeri, e não sugiro, a saída por atacado dos britânicos na Nigéria, mas sustento que, como as relações anglo-nigerianas se fundamentam em obrigações de tratado baseadas na amizade e no comércio, não há razão para que o condomínio anglo-nigeriano não seja o núcleo de uma grande Federação de Estados no futuro imediato, para nos permitir tomar nosso lugar de direito na Comunidade Britânica. Se os britânicos nos querem bem, devem confiar em nós e nos permitir participar ativamente da administração de nossos negócios.

A cada seis pessoas no continente africano, uma é nigeriana. Adicione as Ilhas Britânicas à Bélgica, Holanda, Portugal e ao Estado Livre Irlandês, e então você terá uma ideia da região da Nigéria. Há ouro na Nigéria. Carvão, linhito, estanho, columbita, tantalita, chumbo, diatomita, tório (urânio 233) e tungstênio são abundantes na Nigéria. Há abundância de óleo de palma. Borracha, cacau, amendoim, gergelim preto, algodão, óleo de palma e sementes de palma têm em grande quantidade. Madeira de diferentes tipos é encontrada em muitas áreas deste país. No entanto, apesar desses recursos naturais que indicam riqueza potencial, a grande maioria dos nigerianos vive na escassez.

Consideramos em nossa opinião que fatores do capitalismo e do imperialismo impediram o crescimento normal da Nigéria na comunidade das nações. Estamos confiantes de que somente pela cristalização da democracia em todos os aspectos de nossa vida e pensamento nacional - políticos, econômicos e sociais - podemos nos desenvolver juntos com as outras nações progressistas do mundo que amam a paz. Estamos determinados que a Nigéria agora evolua para uma comunidade totalmente democrática e socialista, a fim de permitir que nossas várias nacionalidades e comunidades possuam e controlem os meios essenciais de produção e distribuição, e assim promover mais efetivamente a liberdade política, segurança econômica, igualdade social, tolerância religiosa e o bem-estar comunitário.

Por essas razões, definimos o imperialismo como o domínio imposto de uma nação por outra nação. Consideramos isso uma antítese da democracia, cuja realização nossos filhos derramaram seu sangue em duas guerras mundiais. Portanto, somos obrigados a denunciar o imperialismo como um crime contra a humanidade, porque destrói a dignidade humana e é uma causa constante de guerras. Por fim, fazemos as seguintes declarações:

1) Que não teremos mais medo de falsos alarmes emitidos pelos imperialistas e sua imprensa venal em relação a qualquer ideologia que seja basicamente socialista em seu conceito.

2) Que não nos arriscaremos em entrar em guerras contra outras nações para sermos enganados.

3) Que não seremos mais arrastados para agir como bucha de canhão na força militar de hipócritas que oscilam diante de nosso povo com slogans enganosos, a fim de envolver a humanidade em carnificina e destruição.

4) Que consideramos o imperialismo como nosso principal inimigo mortal, contra o qual deve estar todas as várias nacionalidades e comunidades de nosso país.

5) Que afirmamos que temos o direito de ser consultados e de obter nosso consentimento antes de entrarmos em outra guerra mundial.

6) Que, em caso de outra guerra mundial, nos reservamos o direito de adotar uma atitude independente, e uma linha de ação que aceleraria nossa libertação nacional, unindo todas as pessoas cuja atitude em relação à nossa luta nacional pela liberdade justifique tal aliança.

7) Que na próxima guerra mundial, nos posicionaremos de acordo com quem, por palavras e ações, satisfaça nossas aspirações nacionais imediatas.”

Fonte: Wilfred Cartey e Martin Kilson, The African Reader: Independent Africa (Nova York: Vintage Book, 1970).


 


segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Um Grão de Trigo - Ngugi wa Thiong'o - breve nota

"Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. - João 12,24
(versículo sublinhado em preto na Bíblia de Kihika)"

Kihika, um grande combatente nas lutas pela Independência do Quênia nos fins dos anos 50. Nome proeminente no caminho da conquista da Uhuhu sofreu uma emboscada e foi assassinado. Mas quem teria sido o traidor? O autor perpassa de forma literária o difícil processo de libertação anticolonial, são vários personagens alocados a maioria em aldeias ou em posição de guerra na floresta, e os brancos comandando em suas grandes casas. Eis que chega então o dia tão esperado da comemoração e consolidação da Uhuru com todas as suas expectativas, medos, traições, surpresas e honrarias. Vale a pena mergulhar nesse cenário queniano através desses escritos de Ngugo wa Thiong'o publicado originalmente em 1967.

"Ngugi wa Thiong'o nasceu em Limuru, Quênia, em 1938. É romancista, ensaista, dramaturgo e um dos principais escritores e estudiosos africanos em atividade. Seu primeiro romance, Weep Not, Child, foi publicado em 1964, enquanto estudava na Inglaterra. Em 1977, ele escreveu uma peça teatral que contrariou o governo do Quênia e acabou preso por mais de um ano pelo regime ditatorial.
Um grão de trigo (1967) é o seu terceiro romance. As obras posteriores incluem Petals of Blood (1977), Wizard of the Crow (2006) e uma trilogia de memórias. Vive atualmente nos Estados Unidos, onde é membro da American Academy of Arts and Letters e professor da Unidade da Califórnia, em Irvine."



Fuca CGPP

sábado, 19 de janeiro de 2019

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota 


Com uma narrativa literária de luta, ler o livro “As Andorinhas” vem como se estivesse ouvindo as histórias e ensinamentos de uma mais velha numa conversa frente a frente. Contendo três contos que abordam cada qual a sua maneira a caça ou a liberdade das andorinhas. No primeiro conto, ”Quem Manda Aqui?”, um imperador gordo, arrogante e ditador resolve querer silenciar as andorinhas e acaba desguarnecido e sofre a invasão dos brancos. No segundo, “Maundlane, O Criador”, trata de uma grande história e vários ensinamentos ao relatar a trajetória de um exímio guerrilheiro. E por fim, conta-se a história de “Mutola” utilizando o causo da águia e da galinha. Assim essa excelente escritora nos aproxima das vivências de libertação Moçambicana, e é evidente a valorização da importância feminina em suas narrativas, por vezes, a mulher é a grande sábia, é a que detém o controle familiar, e útero é sempre bom adjetivo. Um livro fino, de 125 páginas, então não há desculpas para não lê-lo, e fica a indicação! Pra se mergulhar cada vez mais na literatura africana!



Fuca - 2019


Infos no livro: 

“A escritora Chope, filha de um alfaiate e de uma camponesa dona de casa, usa o seu poder de contadora de histórias para partilhar o percurso de três personalidades, desafiando o leitor com um debate sobre o passado e o presente de Moçambique.”

"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países.
Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."


sábado, 1 de dezembro de 2018

Insubmissas Lágrimas de Mulheres – Conceição Evaristo - breve nota


Breve nota: Insubmissas Lágrimas de Mulheres – Conceição Evaristo

Contendo 13 contos que são retratados a partir de depoimentos de diversas mulheres, digo a partir, pois foi o ponto de partida para uma criação literária belíssima. Essa conexão de realidade e invenção, e adicionado a condição de mulher negra da narradora, que a principio é a própria Conceição Evaristo, se denomina o conceito de escrevivência.

A edição que li foi a comemorativa aos 70 anos da autora, pela editora Malê. Os contos são regados de representatividade e por vezes de sororidade, evidenciando a intenção da autora em focar nas realidades das mulheres, que ao debater gênero, cada qual na sua maneira e experiência, assume por fim uma postura Insubmissa. A maioria vem com relatos bem pesados que, por vezes, podem causar incomodo a quem lê, ora vem o sentimento de revolta ora uma lágrima se derrama de forma explicita.

Todos os contos partem do encontro da autora com as mulheres protagonistas das histórias, e em todo o livro é presenciada a opressão masculina, são raras as exceções que isso não ocorre, a exemplo de Regina Anastácia que se realizou num relacionamento inter-racional, mas muitas tiveram que resistir as mais variadas brutalidades que nenhum ser humano gostaria de passar, ainda mais somente pela condição de ser quem você é.

Conceição Evaristo (Maria conceição Evaristo de Brito) nasceu em Belo Horizonte, em 29 de novembro de 1946. Em 1990 publicou pela primeira vez nos Cadernos Negros e, desde então, conciliando maternidade, vida docente, estudos teóricos e produção literária, titulou-se Mestre em Literatura Brasileira (PUC-Rio) e Doutora em Literatura Comparada (Universidade Federal Fluminense), além de lançar quatro obras individuais, uma delas, Olhos d’água.




Fuca, Insurreição CGPP

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

As Ideias de Gramsci para pensar no hoje– Breve nota

As Ideias de Gramsci de James Joll– Breve nota 

Esta nota/texto tem como objetivo traçar minimamente um paralelo entre o livro "As Ideias de Gramsci" e o momento atual, no qual se tem um crescimento mais explicito de ideais fascistas, embora se saiba que o fascismo nunca esteve morto, no máximo adormecido. Sendo assim, algumas ideias e parte da trajetória de Antonio Gramsci podem trazer algumas reflexões acerca do caminho a ser percorrido, além de entender melhor a atualidade e o que pode acontecer no futuro. (Em meio a escuridão do Bolsonaro eleito presidente) 

Que momento é esse, afinal? Basicamente, a tão falada cultura do ódio tem sido alastrada, principalmente pelas redes sociais da internet. Uma síndrome do medo põe em pauta medidas desastrosas e superficiais no que tange à segurança pública, orientada por mídias policialescas e do crescente militarismo e autoritarismo como saída plausível. O crescimento “silencioso” das doutrinas religiosas neo pentecostais que trabalharam na questão de adaptar seus ideais na linguagem do povo. O momento de polarização política exacerbada, como se fosse uma continuação da guerra fria, no Brasil o antipetismo se iguala ao anticomunismo. A descrença na política e nos políticos. Acrescenta-se um barulho de uma parcela da juventude atraída pelo liberalismo econômico e o conservadorismo nos costumes. Com tudo isso, a intenção declarada de eliminar (por diversas formas) quem discorde dessas ideias, de atacar as ditas minorias e silenciá-las está presente, novidade? 

Gramsci viveu 46 anos, de 1891 a 1937. Nisso, foi estudante por 10 anos se tornando um jornalista político, por 5 anos viveu como liderança do Partido Comunista da Itália no mesmo tempo do aumento organizacional do movimento fascista de Mussolini, que ao consolidar o regime fascista, prendeu Gramsci por 10 anos entre cadeias e clinicas. Gramsci morreu devido à debilidade de sua saúde, condição agravada na prisão. 

O livro sobre "As Ideias de Gramsci" escrito por James Joll, professor de história das universidades de Oxford e Londres, é dividido em 9 capítulos separados em 2 partes. A primeira parte traz a origem, seus primeiros movimentos como estudante, nos conselhos de fábricas, no partido comunista e o percurso de suas ideias como militante e jornalista até sua prisão. A segunda parte abarca o florescimento e a cristalização de suas contribuições intelectuais - definições, conceitos, ideias - para o pensamento marxista do século XX. Perpassa, então, por todo o desenvolvimento e critica acerca do materialismo histórico e a dialética. Mas o objetivo deste texto é se deter de apenas alguns pontos. 

O primeiro ponto a se falar vem da característica de sua vida, onde pensamento e ação foram inseparáveis. Portanto, o agir individual não se dissocia do social, assim como as aspirações devem ser criadas e cristalizadas através da ação e do pensamento entre sociedade e ser humano, e vice-versa. Outro ponto é na verdade a distinção que Gramsci faz entre movimentos orgânicos e movimentos conjunturais, ou seja, de tendência a projeções de longo prazo na sociedade e de movimentos ocasionais/imediatos, respectivamente. Por fim, um ponto que remete as formas de dominação. O conceito de hegemonia de Gramsci sintetiza isso na lógica da luta de classes, onde uma classe política consegue persuadir as demais classes sociais a aceitar seus valores culturais, morais e políticos. Se essa classe dominante é bem sucedida nessas questões, menos força precisará usar para manter o domínio. Atrelado a isso vem a ideia de “bloco histórico” no qual as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, as estruturas e superestruturas formam o bloco histórico. 

As grandes transformações ou ditas revoluções são preparadas pela critica e pela criação de uma nova atmosfera cultural que é precedida de forma ampla pela educação. Não é a toa que ainda no contexto brasileiro a educação pode ser a via mais viável de alicerce critico para as futuras gerações e algo ainda palpável nesta sociedade. Com essa preparação educacional para a revolução, implicaria numa profunda mudança de consciência das massas, que então passaria de meros receptores de medidas governamentais para tomar parte ativa dessas medidas. Simplificando toda essa ideia, a partir do primeiro ponto apresentado, culmina que o ato de pensar, a intelectualidade, as rodas de conversa e de formação, não devem estar distantes das praticas inerentes ao cotidiano do povo. Em outras palavras, as relações e reações entre teoria e prática, entre forças materiais e ideologia devem estar inteiradas e conectadas entre si visando convergir estrutura (relações sociais de produção) e superestrutura (ideias, costumes, comportamentos morais), dispensando todo o mecanicismo nestas relações. Assim, através desse pensamento se sustenta uma grande dica que vai fornecer uma solução para o problema de como os movimentos sociais devem atuar num sistema político e econômico não favorável, ou pelo contexto de Gramsci, sistema não comunista. Ainda como estratégia deve-se pretender “atrair e conservar o apoio das massas, deve propor-lhes um programa político que objetive obter benefícios concretos imediatos para seus adeptos paralelamente à perspectiva eventual de uma nova sociedade, e deve mostrar-se capaz de vincular as atividades cotidianas do ‘partido’ com a esperança de vitória revolucionária final” (p.10) 

Desta maneira, fica mais evidente a distinção entre movimento orgânico e movimento conjuntural. Uma luta não deve ser estruturada somente através das causas/ pautas bombas, ou melhor, no constante e unicamente apagamento de incêndios por partes das organizações, que de certa forma, esse tipo de ação é necessária, mas que não deixa legado de continuidade ou de uma organização concreta. Por ora, um movimento apenas conjuntural pode confundir ainda mais o povo, sem realmente aproximar a um cenário revolucionário ou de uma atmosfera cultural transformadora. 

Da confusão vem o desespero e a descrença, onde se perder num emaranhado de problemas é regra, desviando portanto do projeto de construção de uma vida social mais igualitária, e se esquecendo de atacar todo e qualquer tipo de disparidade na distribuição dos meios de produção, dos meios de comunicação, das terras, da distribuição rendas ou de tudo que permeia a sociabilidade em si. 

Se uma classe social para vencer precisa, muitas vezes, já ter estabelecido sua liderança intelectual e moral mesmo antes de chegar ao poder, então é fato que o papel dos intelectuais e pensadores é crucial nesse processo de reforma de consciência. Mas "o erro dos intelectuais consiste em acreditar possível conhecer sem compreender e especialmente sem sentimento e paixão (...) que o intelectual pode ser um intelectual (...) se for diferente e distante do povo-nação, sem sentir as paixões elementares do povo, sem compreendê-las, explicá-las e justificá-las numa determinada situação histórica, vinculando-se dialeticamente às leis da História, a uma concepção superior de mundo (...) A história e a politica não podem ser feitas sem paixão, sem esse elo emocional entre os intelectuais e o povo nação(...)" 
"(...) Se a relação entre os intelectuais e o povo-nação, entre dirigentes e dirigidos, é o resultado de uma participação orgânica na qual sentimentos e paixão se tornam em compreensão, logo em conhecimento (...) Somente então ocorre uma troca de elementos individuais entre lideres e liderados, governantes e governados, isto é, a concretização de uma vida em comum que por si mesma é uma força social, somente então está criado o "bloco histórico"." (P.78) 

Para concluir essa nota, se faz necessário enfatizar que a relação de hegemonia é praticamente uma relação pedagógica porque a hegemonia é uma "doutrina que explica parcialmente como determinado sistema social e econômico se sustenta e mantém sua base de apoio. Como somente ocorreu com alguns marxistas, Gramsci compreendeu que o domínio de uma classe sobre outra não depende apenas do poder econômico ou da força física, mas principalmente de persuadir a classe dominada e compartilhar dos valores sociais, culturais e morais da dominante.”.


Fuca, Insurreição CGPP

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Carta a Minha Filha, Maya Angelou - breve nota

Apesar de muito ter ouvido falar sobre Maya Angelou, nunca havia pegado um livro dela pra ler de fato, a não ser trechos e alguns de seus versos e citações.

O livro escolhido, ou o que eu tinha disponível para ler foi 'Carta a Minha Filha'. Livro curto e de leitura rápida, porém muito lindo de se ler, a imaginar ela contando suas lições, erros e acertos, aprendizados e decepções, acerca de variados assuntos da vida. Sendo direcionado para todas as mulheres.

Logo de inicio ela se apresentou como representando todas as mulheres sem distinção alguma, de certa forma, nesse ponto, fiquei ressabiado na leitura, pois já estava em busca de algo combativo na perspectiva racial. Mas até nisso nosso povo ensina humanidade, e fui compreender a sensibilidade dessa carta biográfica um pouco depois no decorrer da leitura, daí me coloquei no meu lugar. (Muita calma nessa hora rs).

São 128 páginas separadas por 28 capítulos, pelo menos 3 deles nomeados em homenagem à outras valiosas mulheres pretas: sra. Fannie Lou Hamer, sra. Celia Cruz e sra. Coretta Scott King. Além de nos falar sobre sua avó e sua mãe.

Maya Angelou também citou alguns encontros com pessoas importantes de nossa história. E foi bem sucedida ao abordar a violência que sofreu, e já em outro instante poder descrever uma vivência que nos remete à gargalhadas. Mas que na sequência poderia vir uma legitima defesa na postura ou adiante, belos versos.

Enfim, esse não foi seu primeiro best-seller, que em breve quero encontrá-lo pra ler (a autobiografia  “I know why the caged bird sings” – “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, em português). Então, tem-se muito mais pra se ler da nossa gloriosa e premiada poeta, escritora, atriz e ativista, que fez sua passagem em maio de 2014, nos EUA, aos 86 anos de idade. 

Fuca CGPP

sábado, 18 de agosto de 2018

Voltar Para Casa, Toni Morrison - breve nota


'Voltar Para Casa' da magnifica escritora premiada Toni Morrison, é um livro que trata da jornada de dois irmãos pretos que visam se reencontrar no lar de origem. Ele é o Frank e ela, Ycidra (ou simplesmente Ci). A história do romance se desenrola na década dos anos 1950, num cenário racista no sul dos EUA.

Enquanto Ci luta pela sobrevivência sem a presença do seu irmão numa sociedade racista e machista, Frank está voltando da guerra da Coréia (1950-53), e carrega consigo alguns sérios traumas das batalhas que teve de enfrentar.

Contando com 17 capítulos, cada capítulo intercalado entre narrativa na primeira e terceira pessoa. Cada trecho vai desvendando alguns mistérios aos poucos, as vezes em forma de estrondo. O cenário perpassa lembranças de infância, composição familiar ou até mesmo a não composição. Retrata a precarização de trabalho, de subsistência, de afeto. Também o abandono, a miséria, mas, sobretudo o amor, evidenciado na figura dos irmãos Money, que como Frank mesmo disse, Money só no sobrenome.

O que temos também é uma analogia com essas lembranças de infância e o desfecho do livro, que nos aponta para uma perspectiva de liberdade, personificada em Ci, que mesmo diante das várias rasteiras da vida, buscou a autossuficiência e permaneceu firme.

“Olhe pra você. Você é livre. Nada nem ninguém é obrigado a te salvar, só você mesma. Plante a sua própria terra. Você é moça e mulher e as duas coisas têm sérias limitações, mas você é uma pessoa também. Não deixe a Lenore ou um namoradinho qualquer e com toda certeza nenhum médico do mal resolver quem você é. Isso é escravidão. Em algum lugar aí dentro de você está essa pessoa livre de que eu estou falando. Encontre-a e deixe que ela faça algum bem neste mundo.”



Fuca CGPP

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Dra. J. Nozipo Maraire em Zenzele - Breve nota


Nascida no ano de 1964 em Mangula, Zimbabue (na época ainda Rodésia). J. Nozipo Maraire fez o ensino primário em seu país de origem, mas depois foi estudar no exterior. Nos primeiros anos da luta pela independência, sua família se mudou para fora do país e retornou no auge da guerra nos anos 1970. Muitos de seus familiares estavam diretamente envolvidos pela libertação das garras dos brancos, tanto os internos quanto os externos (rodesianos e britânicos).

Maraire viveu na Jamaica, Canada e nos Estados Unidos. Graduou-se em Biologia pela Universidade de Havard, fez Medicina pela Universidade de Columbia e se especializou em neurocirurgia em Yale.  Focada em levar algo de retorno para África, tem projetos de construir um hospital em Harare e trabalha no desenvolvimento de aplicativos de incentivo a jovens neurocirurgiões, além de prestar seus serviços de Médica. Coadunando com seus escritos, ou melhor dizendo, com seu grande livro "Zenzele: Uma carta para minha filha", que em 1996 ganhou prêmio de destaque.

O livro, um romance biográfico, rememora vivências, tradições e vários aspectos da comunidade familiar africana. A autora idealiza, protesta, e dispara a voz de uma jovem mulher africana que não pretende se desvencilhar das origens de nosso povo e se posiciona firmemente anticolonialismo. Com momentos de amor, de sonhos, de liberdade, de cultura, assim como de ódio e de racismo, os capítulos fluem numa leveza indescritível. Por fim, ficam alguns trechos que separei.
(Fuca -2018)




(...) Toda a geração que viveu o período da independência partilhou a visão comum de uma vida melhor. Infelizmente, muitos de nós traduziram isso como uma definição material de sucesso. Desenvolvemos todos os sintomas da Síndrome Pós-Colonial, endêmica a África: aquisição, imitação, e pobreza de imaginação. Simplesmente nos apressamos em garantir para nós o que os colonialistas haviam possuído. Compramos as casas deles, frequentamos as escolas deles, praticamos os esportes deles e cortejamos a companhia deles. Negamos nossa própria cultura, contribuímos para manter a distância, em alguma aldeia esquecida, nossas primitivas origens. E assim nos acreditamos finalmente sofisticados, integrados à corrente dominante da cultura cosmopolita.  (p.33)

(...) 
– Mamãe, o que você acha que significa ser uma mulher africana?

- É ser forte, Zenzele. É estar em paz consigo mesma. Você deve ouvir sempre uma voz interior e não permitir que outros a sufoquem. É medir palavras; equilibrar cuidadosamente suas tarefas com seus dons; de certa forma é ser desprendida, servir a outros, sem deixar de conhecer e defender incansavelmente seus direitos. Lembre-se de que foi uma mulher africana, Mbuya Nehanda, que desencadeou a luta zimbabuana pela independência, quando combateu a Companhia Britânica da África do Sul, na década de 1890. Pense em Cleópatra e Nefertiti. Veja as mulheres da África do Sul. As estudantes de Soweto, as combatentes de Maputo, as mjibas, jovens combatentes do Zimbábue. Mulheres fortes e heroicas, que descobriram o equilíbrio entre causa, cultura e vida pessoal. Ser uma mulher africana é o que você fizer de tudo isso, Zenzele. Mas nunca esqueça que, para a maioria, também significa pular da cama antes dos outros, aquecer a cozinha, trabalhar no campo sob um calor abrasador, andar vários quilômetros por caminhos poeirentos, carregando água na cabeça, madeira nos braços e um bebê nas costas.  (p.59) 


*uma fala do pai de Zenzele

(...) – Nunca vou esquecer aquela época, anos atrás, quando eu era dirigente da União dos Estudantes Africanos, organismo ativo, dedicado e eclético que representava praticamente todos os países, do Lesoto ao Mali. Estávamos no apogeu da Consciência Negra e do poderoso Movimento da Negritude de Senghor. Nenhuma das mulheres se atreveria a trançar o cabelo com apliques louros ou a usar lentes de contato azuis, como agora fazem aqui, num esforço para passarem por brancas. Como se a palidez fosse uma espécie de passaporte para a terra prometida da assimilação. Não, certamente não. Na época, preto era bonito. Dashiki e afro eram emblemas do afrochique. Escutávamos James Brown e Aretha Franklin, líamos Fanon, Nkrumah, Davis, Baldwin, Angelou, e ostentávamos distintivos de negros nas jaquetas jeans desbotadas. Nossos irmãos e irmãs americanos davam aos filhos os nomes de Omaju, Kumati, e se reuniam em jantares improvisados com o que havia em casa. Mantinham a cabeça erguida e falavam de poder negro. Tínhamos unidade, tínhamos visão. Agora, tudo o que lemos ou vemos é sobre integração, assimilação e mobilidade social. Aquela época foi outra coisa. (p.94)


Mjiba
Por este termo coloquial, o povo da aldeia designava as jovens revolucionárias. Eram mulheres de uma nova geração, que usavam calças como homens e sabiam fazer pontaria com igual firmeza. Mulheres que matavam. Fortes e saudáveis, corriam pelos matos, brandindo fuzis AK-47 e metralhadoras. Mulheres que se esgueiravam para a aldeia nas parcas horas de descanso e rodeavam a fogueira junto com os companheiros homens, armas pousadas ao lado, atraindo-nos com canções revolucionárias. Às costas não carregavam bebês de nariz escorrendo, mas a esperança de uma geração diferente, sob a forma de montes de munição, mapas, códigos e suprimentos para abastecer a batalha que nos iria finalmente levar à independência. Para a imagem tradicional que fazíamos das mulheres, pareciam tão estranhas quanto esquimós. Eram um produto da luta armada. Moldavam também sua própria identidade. Eram temidas e admiradas, pois, dizia-se, em combate podiam ser mais aguerridas do que todos. As tropas rodesianas chamavam-nas de bobcats, porque as mulheres chonas eram ferozes como leoas acossadas. (p.197)


Fuca CGPP

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

A Mulher de Pés Descalços - Scholastique Mukasonga - Breve nota

Escrever para não enlouquecer, escrever para rememorar, escrever para homenagear, reverenciar e não ser esquecida na história. Foi assim que Scholastique Mukasonga criou sua obra, um romance autobiográfico, ao descrever a trajetória de sua brilhante guerreira Mãe, Stefania, e de toda sua família. O cenário é repleto de invasões, saques, violência entre duas etnias de Ruanda, Hutus (maioria) e Tútsis ao qual sua família pertence. Ela perpassa, em seu livro, o que seria as condições e as preparações de um pre-genocídio ainda na década de 1960. Genocídio que eclodiu de fato nos anos 1990, que teve mais 800 mil mortos e Mukasonga não pode enterrar Stefania, assim como perdeu 37 pessoas de sua família.

Realmente, é muito difícil imaginar o que ela sente em não poder ter tido a oportunidade de estar com seus familiares e especialmente sua mãe, a quem Mukasonga deve toda sua existência, pois conforme o próprio livro, ninguém mais que Stefania se dedicou e protegeu a autora em meio ao caos, e além de tudo a aconselhou partir para o exílio e ir estudar fora. Caso contrário Mukasonga não nos contaria essa história.

No livro, Stefania representa a tradição africana, ela cultuava acima tudo os costumes ancestrais que  foram detalhados pela autora com algumas palavras em linguagem própria, tradicional e original. O pai de Mukasonga contrasta, de certa forma, essa luta cultural, sendo mais adepto a abertura de aquirir alguns costumes dos brancos. Percebe-se, também, na sutileza, algumas críticas da escritora perante ambos costumes.

Os desdobramentos dos conflitos étnicos em África, e nesse embate de Tútsis e Hutus em Ruanda, em linhas gerais, ainda é reflexo direto da colonização e invasão dos europeus (bélgica, alemanha, etc). Esse foi um dos modos de operar dos brancos, dividir para conquistar e dominar. Quais são as diferenças entre tútsis e hutus senão aquelas que foram enfatizadas pelos brancos: de superioridade de um em detrimento de outro?

O livro vem como uma voz feminina preta comovente e avassaladora, e demonstra a força e vigor da Mulher Africana e todo seu amor, afeto e humanismo.


Fuca - 2018





Sinopse: http://editoranos.com.br/nosso-catalogo/a-mulher-de-pes-descalcos/
O romance “A mulher de pés descalços” trata de maneira pungente dos conflitos enfrentados pelas mulheres na Ruanda das lutas fratricidas entre as etnias Tutsi e Hutu, que culminaram com o ominoso genocídio praticado pelos hutus em 1994. Naquele momento, Scholastique Mukasonga, que é da etnia tutsi, já estava radicada na França, e viu à distância sua família ser dizimada. Escritora e ativista da diáspora negra, ela toma para si o chamamento para dar voz à dor e à perda, principalmente de sua mãe Stefania, cuja memória é homenageada em “A mulher de pés descalços”.
Dados Técnicos
ISBN: 978-85-69020-18-9
Edição: Primeira
Páginas: 160
Formato: 12,5 × 18 cm
Encadernação: Brochura
Preço: 35,00

sábado, 24 de setembro de 2016

A RODA BANTU - Henrique Cunha Jr

(Conto extraído do Livro: Tear Africano – Henrique Cunha Jr)

A Roda Bantu

Na idade da magia e dos imortais, os sábios de todo o mundo foram convidados para um grande encontro.
Na África, entre os povos Bantu, fez-se uma reunião e decidiu-se enviar quatro mulheres sábias do Ndongo como representantes. O Ndongo era um pequeno reino na região de Angola, de muita importância pelo seu espírito de independência e liberdade.
Quando as mulheres sábias do Ndongo chegaram à grande reunião mundial, foram primeiro apreciadas pela beleza e depois pelo falar sábio, cheio de metáforas e grandes ensinamentos.
Além disso, essas sábias vieram acompanhadas de uma grande comitiva, com poetas, músicos, instrumentistas e cantores de grande qualidade artística.
A admiração que causou a delegação do Ndongo gerou muito ciúme e despeito em diversas delegações.
Essas quatro mulheres tinham um nome comum: Ginga. Bom, pelo menos foi isso que estrangeiros entenderam. Mas não era bem assim. Cada nome diferia do outro pelo acento na entonação. As pronúncias eram: Ginga, Giinga, Gingaa, Giingaa. Nomes completamente diferentes, não havia o que confundir. Porém, para os estrangeiros, os quatro nomes pareciam iguais, ficava tudo como se fosse uma coisa só.
Ah, e as sábias africanas do Ndongo trouxeram uma roda que parecia perfeita e encantada, sobre a qual se deslocava o veículo que as transportava. Puxado por tigres domesticados, o carro parecia um veículo da imaginação, leve, rápido e elegante. Fazia parte do charme delas quando desfilavam pela cidade onde se realizava a reunião.
Os sábios de vários lugares passaram a examinar com muita admiração os detalhes daquela roda.
- Que coisa magnífica!
- Como será que foi feita?
Alguém disse:
- De ferro, recoberta de ouro, e depois foram feitos os encaixes de diamantes.
Logo o despeito falou:
- Mas os africanos não precisam de roda, portanto não deve ter sido feita na África.
E prosseguiu, dizendo que os africanos eram navegantes e pessoas do deserto que viajavam em camelos. E daí deduziu, de forma apressada, que a roda magnífica não deveria ser africana.
A Ginga mais velha explicou que a África é enorme, que tem terras diversas com terrenos e climas diversos e que existiam várias paisagens e que...  Mas parou de falar, foi interrompida pelo despeito, e viu que com a desinformação é muito difícil conversar, e muito mais difícil convencer.
E seguindo o despeito, falou a arrogância. Esta fala sempre grosso, com ar de competência e profundidade e superioridade. Fala com absoluto conhecimento, e foi logo dizendo:
- A roda é linda, mas não é perfeito, vejam, tem um defeito de fabricação.
- Ahannnn! – fez um imenso eco de admiração.
E o coro logo repetiu:
- A roda tem defeito! A roda tem defeito!
Parecia um detalhe ao qual o mestre ferreiro não dera muita importância, pois não prejudicava a elegância da carruagem, muito menos a forma perfeita da circunferência da roda.
- Mas tem defeito! – Assim puristas, despeitados e invejosos se manifestaram. E só falavam do defeito. Passaram a se especializar na descrição do defeito da roda do Ndongo. Passaram a generalizar a suposição de que seriam defeituosas todas as rodas africanas. Faltavam outros metais nobres nas ligas africanas, era o que se pensava.
Esses foram os fatos, e nada mais se comentou na reunião dos sábios em relação aos africanos que não fosse o defeito da sua roda.
Passou o tempo, mas certo dia um dos sábios resolveu perguntar à mais nova das Gingas se ela sabia por que a roda africana tinha aquele defeito.
- Defeito não – disse ela. É um detalhe da arte da metalurgia Bantu que mostra sua maestria.
Em verdade, a roda Bantu era formada de dezesseis setores, todos diferentes. Só que faltava conhecimento metalúrgico aos observadores, e eles só viram a diferença em um dos setores, e a isto chamaram “defeito da roda Bantu”.


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Conto: Bate-boca deselegante - Henrique Cunha Jr

Bate-boca deselegante

Todos viram e não interviram. Ficaram paralisados, perplexos, sem nenhum reflexo e quando saíram do pasmo, os fatos já eram fatos.

- Vamos para a delegacia que vou dar queixa. Esta neguinha me paga.

A diretora, ainda numa atitude de pedir calma, tenta intervir e conciliar. Aliás, melhor inteirar-se do acontecido. Ao ouvir os gritos, tinha jogado os papéis ao vento e ido de encontro ao alarido. Na fila dos espantados, alguém diz:

- É a professora Marli, a loira.

No reflexo do movimento dá de encontro com ela e seus xingos. Quase tropeça nos resmungos. Toda molhada, totalmente despenteada, tem os braços amarrados, os cotovelos ensanguentados. Nem ouve as perguntas a diretora. De nada adianta aclamar. Ela não atende ao clamar que vamos conversar. Está possessa e possessa continua. Entra no carro e manda tocar para a delegacia de polícia.

Os alunos todos na algazarra, os professores todos pelos corredores correndo a corrente do testemunho dos fatos. Trata-se de repor o curso da normalidade, retornar às aulas, dizer as crianças que nada de anormal tinha ocorrido, que fora apenas uma crise nervosa de uma das colegas, melhor dizendo, das duas.

Comentário em voz baixa, em entremeios de segredo.

- Mas que baixaria, a que ponto a nossa escola chegou... Professor se estapeando pelos corredores e saindo para delegacia de polícia.

A mais velha das docentes acha aquilo indecente, olha em censura silenciosa, diz como única palavra que felizmente está próxima de sua aposentadoria e que as pessoas no seu tempo, ou melhor dizendo, as professoras, se davam respeito. Completa, indo embora: - Onde já se viu?

- O que aconteceu?

- Nada – resposta cínica de uma das testemunhas oculares do sucedido e ainda não explicado.

Bom, todos viram e agora nínguem tinha visto nada.

No entanto, já virando jocosa fofoca alguém narra:

- Em miúdos, a professora Feliz da Conceição.

- Logo ela, que é tão educada – retruca a ouvinte.

- Pois bem, ela mesma, agarrou a professora Marli, derrubou-a e arrastou-a pelos corredores até o banheiro e lá dentro, lá dentro... – Toma fôlego agravando que sobe as escadas em direção à diretoria.

Quem ficou para trás não era elo de informação da notícia.

- Não consegui ouvir direito o que ocorreu lá dentro, mas devia ser coisa séria, pois os tons foram de profundo espanto, imensa censura.

Num entredentes quase sorrindo, de compreensível pequena satisfação, a faxineira prepara-se para dar todo o serviço:

- A professora Feliz da Conceição arrastou a professora Marli para o banheiro, e...

- Arrastou pelos corredores e ninguém fez nada?

- Foi tudo tão rápido e muito inesperado – diz uma das testemunhas, a mais nervosa de todas.

- Mas o que deu na Feliz da Conceição para tanta violência, tanta discordância? Ela que sempre foi tão cordata?

- Por que a professora Marli estava tão molhada? O que aconteceu?

Aí, a servente ri. Não aguenta e ri mais, rápido engole o riso pela desaprovação dos olhares. Assim, no entanto, depois de tomar coragem e fôlego, volta ao ponto onde estava antes de ser interrompida.

Olhos ficaram maiores que a testa. Espanto.

- Mas foi assim

Da pausa ao suspiro profundo a diretora expressa sem uma palavra sua preocupação.

- Dona Marli chamou a Dona Conceição de nega fedida. Dona Conceição arrastou-a até o banheiro, pôs a cabeça dela na privada e deu descarga, oras! Foi isto!

A história termina aí. Ou começa. Os comentários têm as tonalidades de pretos e brancos. Um diz que a professora Feliz da Conceição, depois que entrou para o movimento negro, ficou tão racista... Poucas vozes censuram a agressão nas palavras da professora Marli. Só uma voz menciona o racismo, e logo é silenciada.

- Mas precisava tanta agressão? – sacode uma cabeça interrogando a voz dissidente.

Ninguém se lembra que, na eleição passada para a coordenação, a professora Marli reuniu as professoras brancas, e as supostamente brancas, para dizer que elas não deixariam uma negra exibida mandar nelas.

Ninguém disse nada, mas nós adoramos a feliz concessão da Feliz da Conceição.


(Conto extraído do Livro Tear Africano – Henrique Cunha Jr)


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Artigo: Black Power Back To Pan-Africanism - Stokely em português


Do Poder Preto ao Pan-Africanismo

O Pan-africanismo é baseado na crença de que a África é uma unidade; as fronteiras artificiais são o resultado da conferência de Berlim, onde as potências europeias dividiram o continente e os despojos entre si. O Pan-africanismo é baseado na crença de que todos os povos africanos são um, onde quer que estejamos, somos um, Dr. Nkrumah diz, "pertencemos à nação Africana". A dispersão foi o resultado do imperialismo europeu e do racismo. Pan-africanismo é fundamentado no socialismo que tem suas raízes no comunitarismo. Qualquer ideologia buscando solucionar os problemas do povo africano deve encontrar as suas raízes no Pan-Africanismo.

Os problemas devem ser colocados corretamente. Todos os componentes devem ser colocados juntos e vistos como um todo. As condições históricas devem ser vistas na perspectiva correta. O Pan-africanismo estuda a história da África e de seu povo. A história africana raramente é registrada como a história dos africanos, normalmente é relatada como um desdobramento da história europeia. Consequentemente, quando estudamos a nossa história o ponto de partida tem sido geralmente a "descoberta" da África pelo Europeu. Assim, nossos irmãos e irmãs no Hemisfério Ocidental começam a nossa história com a escravidão, e no continente começamos com o colonialismo, e esses dois fatos não estão unidos. Esta análise incorreta traz soluções incorretas. Africanos no Hemisfério Ocidental visualizam parte do problema (a escravidão) como uma entidade, no continente outra parte (colonialismo) é visto como uma entidade independente. O problema é agravado no continente pelo fato de cada país estar isolado como uma entidade separada, argelinos veem os seus problemas como a situação dos argelinos, quenianos como os quenianos, os sul-africanos como sul-africanos, etc., etc. este pensamento paroquial deve cessar. Nosso ponto de partida da história deve preceder o período do colonialismo e da escravidão, ele deve preceder a invasão árabe e europeia. Isso não quer dizer que nós queremos parar no passado de glória da civilização Africana, que contribuiu imensamente para a civilização mundial; mas, a fim de traçar o futuro, devemos compreender claramente o passado. Mais importante, esta interpretação nos permite visualizar os efeitos que esses eventos tiveram em nós. Assim, somos lembrados em Consciencism*(conscientização) que a nossa história deve ser vista como um todo, como "a história da nossa sociedade."

Os Africanos de hoje, independentemente da localização geográfica, têm um inimigo em comum e enfrentam os mesmos problemas. Nós somos vítimas do imperialismo, do racismo, e nós somos um povo sem terra. Que somos vítimas do imperialismo é um fato. Que somos vítimas de racismo é bem evidente; o epítome desta forma brutal de opressão encontra sua expressão política organizada na África do Sul, as colônias portuguesas, e claro, os Estados Unidos da América. Não devemos esquecer a América do Sul, o Brasil, em particular, onde uma proporção considerável da população são africanos que sofrem discriminação racial. Sobre a questão da falta de terras ao africano é dividida em dois grupos. Um grupo foi retirado da sua terra (a escravidão), o segundo grupo teve a terra tirada deles (colonialismo). Esses fatos todos apontam para a necessidade de um esforço em conjunto para resolver os nossos problemas em comuns, isto é o Pan-Africanismo.

O conceito de Pan-Africanismo não é novo. Encontra-se sua expressão em revoltas na África durante a escravidão, e atingiu o seu nível de organização no início do século XX. De lá para cá, alguns aspectos do Pan-africanismo foram encontrados em cada movimento que buscava libertar os africanos. Se interpretarmos a nossa história corretamente, vamos notar que estes movimentos, aparentemente não relacionados, foram consciente ou inconscientemente movendo-se em um esforço combinado no sentido de Pan-Africanismo. O movimento teve seus pontos altos e baixos, mas nunca foi dissipado. Todos os gigantes intelectuais do mundo Africano foram batizados pelo Pan-africanismo. Embora o Pan-africanismo tem sua origem entre os africanos da diáspora, a Mãe África é a essência, indispensável. (sine qua non). Africanos de ambos os lados do Atlântico contribuíram imensamente para a ideologia, mas apenas na África é que vamos ver a sua consecução. Dr. WE Burghardt Du Bois, o Sr. Henry Sylvester-Willians, o advogado Joseph Casely-Hayford, o advogado Ladipo Solanke, o Sr. George Padmore, o Honorável Marcus Garvey, Patrice Lumumba, Malcolm X, Ben Belta, presidente Ahmed Sékou Touré e o presidente Kwame Nkrumah são alguns dos gigantes. Todos esses grandes homens viram e ainda veem a unidade dos africanos como o pré-requisito indiscutível para a libertação completa. Eles foram e são Pan-africanistas em pensamento, palavra e ação. Eles são todos africanos. Eles viram e sentiram a opressão de seu povo e se comprometeram em suas vidas para acabar com esse sofrimento. Seus sonhos eram e são para restaurar a dignidade à mãe África e seus filhos. Eles são vítimas de racismo; é natural que devem ser antirracistas. Eles também são anti-imperialistas, eles alegam que o capitalismo é um sistema estrangeiro na África e todos os vestígios devem ser destruídos.

Infelizmente, neste ensaio, não podemos discutir a história e o desenvolvimento do Pan-africanismo. Essa tarefa foi realizada pelo Sr. Vincent Bakpetu Thompson em seu excelente livro Africa and Unity: The Evolution of Pan-africanismo. Em certos períodos de nossa história o Pan-africanismo enfrentou o que pareciam ser obstáculos intransponíveis. No primeiro congresso Pan-Africano, praticamente toda a África estava colonizada. Assim o Pan-africanismo permaneceu no nível de teorias e protestos. Hoje, mesmo com a independência nominal no nosso continente, o pan-africanismo encontra terreno fértil. Quando Casely-Hayford estava chamando a seus irmãos do outro lado do Atlântico, a Gana era a "Costa do Ouro" e dominada pela Grã-Bretanha. Quando Kwame Nkrumah, estendeu as mãos a seus irmãos, Gana era independente e Nkrumah seu líder.

Quando Marcus Garvey disse que a menos que a África fosse livre, os africanos de todo o mundo não estariam livres, ele foi respondido por uma contrarrevolucionária do presidente rei da Libéria que não queria relação com seus irmãos. Mas Malcolm X dirigiu-se à Organização de Unidade Africana. Marcus Garvey nunca pôs os pés na África, e o irmão Malcolm foi tratado como um resplendido príncipe Africano. Os africanos da diáspora foram se movendo em um ritmo rápido em direção ao Pan-africanismo, mas poucas pessoas têm analisado esse movimento corretamente. Irmão Malcolm disse que nós necessitamos do Nacionalismo Negro. Mas o Nacionalismo Negro é Nacionalismo Africano. Porque o Povo Preto é o Africano e o Africano é o Povo Preto. Assim Nacionalismo Preto do irmão Malcolm é realmente um Nacionalismo Africano. Nacionalismo Africano encontra a sua maior aspiração no Pan-africanismo. Assim também Black Power realmente significa Poder Africano. A base do Poder Africano é sua pátria-mãe África. A fim de alcançar o poder Africano, Mãe África deve ser forte. Para ser forte ela deve estar unificada. O Pan-africanismo moderno, que encontra a sua mais alta expressão política no Nkrumahism, tem como seu princípio básico "a libertação total e unidade da África sob um governo socialista africano." Assim que esse objetivo for alcançado, os africanos de todo o mundo não só serão respeitados, mas terão o Poder Preto para exigir o respeito. Este deve ser o nosso principal objetivo e deve ser implacavelmente angariado, não importa o quão sacrificado seja. É um pré-requisito para a paz mundial.

Há um procedimento usual dos defensores do Pan-africanismo para assegurar aos africanos da diáspora que o pan-africanismo não significa retorno à África. Recuso-me a fazê-lo. No passado, eu fui vítima deste alimento crônico de complexo de inferioridade. Somos africanos, a África é a nossa casa. Mesmo que a pessoa não possa voltar para casa isso é o seu máximo desejo. África é o continente mais rico e mais bonito do mundo. O nosso continente está mergulhado na exploração e opressão, tanto externa quanto interna; os opressores internos recebem seus sangues de inimigos externos de africanos. O sofrimento da África está além da descrição, aqueles que sofrem de complexo de inferioridade crônica observa o continente superficialmente e conclui que a África está destinada à condenação eterna. Pan-africanistas sabem melhor. Mãe África é nossa, nós temos orgulho dela e para sua reconstrução gloriosa nos comprometemos nossas vidas.

A questão agora, qual é a melhor forma de alcançar o nosso objetivo. A fim de lançar um programa claro, devemos ter bases sólidas. Temos que ter países com líderes como o presidente Nkrumah e Presidente Touré dispostos a renunciar à sua soberania para uma comunidade Africana maior. Para os nossos propósitos, podemos dividir os estados da África em três grupos: (a) Os Estados progressistas, (b) Os Estados neocolonialistas e (c) colônias de povoamento europeu. Neste momento, temos que consolidar nosso poder. Portanto, devemos apoiar os povos e governos dos demais poucos estados progressivos. Esses líderes, cujo único excedente é a escassez, que estão lutando contra todas as adversidades para erguer os seus estados podem ser divididos em dois grupos: os estados que vieram diretamente do colonialismo para o neocolonialismo e estados que passaram pelo palco de uma verdadeira independência política.

Devemos concentrarmos nestes últimos estados, onde os líderes tiveram uma oportunidade para educar as massas, lançando assim as bases para o socialismo real. Depois de golpes de Estado e assassinatos, esses estados foram devolvidos ao neocolonialismo com ajuda de traidores africanos. Esses estados em um futuro muito próximo vão chegar no momento dialético em que, dadas as condições objetivas corretas, duas filosofias diametralmente opostas irão colidir. Destes estados, Gana é o mais importante por causa do trabalho de Osagyefo, que desenvolveu Gana para o centro da atividade Pan-Africana no mundo. Ao derrubar Dr. Nkrumah os inimigos e traidores do povo africano procuraram destruir o Pan-africanismo. Mas teve o efeito inverso, o pan-africanismo tem agora a unidade de propósito.

O Pan-africanismo se cristalizou em torno da queda trágica de Gana para o neocolonialismo, e pan-africanistas do mundo lançaram sua sorte com as massas que sofrem em Gana. Entre eles estão esses líderes africanos e pessoas como o grande Ahmed Sékou Touré e os nossos irmãos e irmãs de Guiné. As linhas de batalha estão desenhadas. Estamos com as massas contra os traidores africanos que servem como fantoches. Nas colônias de colonos europeus que contaminam o nosso continente e os povos, temos de nos preparar para a luta prolongada e uma luta até a morte. Nenhuma quantidade de conversa agrada a consciência ou até mesmo apelos a organizações mundiais vão resolver esse problema. A única solução é a de conduzir esses desreguladores da nossa sociedade para o mar. Podemos esperar e devemos aceitar o fato de que as potências europeias vão lutar com os colonos; afinal eles são como unha e carne e lutam pelos mesmos interesses. Nossos irmãos e irmãs nessas colônias são incapazes de alcançar a vitória a sós, porque eles estão lutando (contra) NATO.** Mesmo que pudessem alcançar a vitória por si só devemos ajudá-los, porque cada polegada quadrada de África pertence a todos nós. Ver as colônias de povoamento como entidades separadas é perder o barco. A fim de eliminar a contaminação do nosso continente, devemos unir todos os nossos recursos disponíveis. Visto por este prisma, os estados neocolonialistas são cruciais. Esses estados devem balancear o pêndulo. Uma vez liberada a partir dos tentáculos do imperialismo, e unidos com os estados progressivos, eles vão produzir uma base revolucionária mais forte para lançar nossos ataques contra os inimigos da Mãe África e seus povos.

O Africano nos últimos quinhentos anos não conheceu paz nem justiça, sua riqueza e seu trabalho construíram a Europa Ocidental e a América. Quando estas forças forem aproveitadas para nosso benefício, a reconstrução da Mãe África será digna de seu passado glorioso. O revés em Gana não é motivo para desespero. Pan-africanistas sabem que as dificuldades não são novas para a luta africana. Não temos medo do derramamento de sangue inevitável, para além dele, vemos a vitória no ar.

*by Dr. Nkrumah
** North Atlantic Treat Organization (United States and Western European military establishment).