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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Migrar e Estar Ausente: O Abismo das Almas Vendidas e o Pessimismo de Luigi Damiani

Migrar e Estar Ausente: O Abismo das Almas Vendidas e o Pessimismo de Luigi Damiani

“Migrar temporariamente é mais do ir e vir – é viver, em espaços geográficos diferentes, temporalidades dilaceradas pelas contradições sociais. Ser migrante temporário é viver tais contradições como duplicidade; é ser duas pessoas ao mesmo tempo, cada uma constituída por especificas relações sociais, historicamente definidas; é viver como presente e sonhar como ausente. E ser e não ser ao mesmo tempo; sair quando está chegando, voltar quando está indo. E necessitar quando está saciado. E estar em dois lugares ao mesmo tempo, e não estar em nenhum. E, até mesmo, partir sempre e não chegar nunca.” (MARTINS:1986, p.45)

Ao cair na cilada de tentar definir as migrações, José Martins de Souza, em “O Voo das Andorinhas”, aborda o conceito de ausência que pode se fazer tranquilamente um paralelo com os artigos da revista travessia, Literatura i/e Migração de 1999, que já na sua apresentação, feita por Carlos Eduardo Schmidt Capela, demonstra a dificuldade de definir imigrantes e emigrantes, além de perpassar pela sensação de ausência do migrante, que traz consigo características de nacionalidade.

Apesar de Martins em seu texto não focar especificamente nas migrações estrangeiras, seu conceito de ausência cabe a esse tipo de migração que está sendo desenvolvida nos artigos da revista, pois, sobretudo, o assunto tratado não deixa de ser migrações temporárias, já que o tempo em questão é considerar-se ausente, ausência que é medida pela não ocorrência da dessocialização do local de partida e da ressocialização no lugar chegada, o migrante se vê num sentimento de estar “fora de casa”, “fora de seu lugar”. Essa situação não pode ser entendida como um processo de progresso civilizatório, todavia, como um processo violento de expulsão das pessoas de seus lugares de origem através da acumulação primitiva e da imposição da mobilidade do trabalho. Em tempos atuais, a crise que gera migração é global e ocorre simultaneamente em diversos espaços, pois os trabalhadores não conseguem mais vender sua força de trabalho.

Mesmo quando se fala de uma “migração permanente”, ainda pode se ter incutido o imaginário de ausência, contudo a posição de migrante permanente não foi o caso de um grupo de migrantes, em sua maioria italianos, que tinham compromisso com uma ação cultural libertária junto a classe trabalhadora do Brasil nos finais do século XIX e início do século XX. Sendo assim, acabaram expulsos e quando não, desencantados com os obstáculos tidos no Brasil que assegurava apenas uma exploração crescente dos imigrantes italianos e condições insalubres de trabalho nas mãos dos fazendeiros e industriais em São Paulo. Umas das figuras mais emblemáticas foi Luigi Damiani, de acordo com o artigo de Antônio Artoni Prado em “Sobre as imagens da revolução no teatro de Luigi Damiani”, publicado na revista travessia, edição de número 35. Em um trecho sobre Damiani é apontado que o seu “(...)inconformismo e a luta contra a dura realidade do Brasil, mais do que o desengano, trouxe-lhe a prisão e em seguida o banimento. Os depoimentos que escreveu entre 1920-21 para o jornal Volonta, de Ancona – depois portanto de sua expulsão, que se deu em 1919 – servem como exemplo oportuno do grau de veemência com que repudiou as condições desfavoráveis ao avanço da emancipação social no Brasil.” Damiani em seus escritos apresentava uma posição de ruptura com a ordem estabelecida e assim sua obra passou a aguçar um certo pessimismo intelectual diante das possibilidades de emancipação da classe trabalhadora no Brasil, que não sinalizava uma quebra da ordem vigente. Sobre os ideais anarquistas, confessou frustrado, que nem mesmo em sonho poderia ser atingido, pois, “comer e ter direitos mínimos, se isso fosse possível, seria aqui uma façanha notável.”

Por vezes para muitos, ancorados em premissas do senso comum, o ato de migrar poderia estar atrelado a algo inerente do ser humano, na sua condição ontológica, e não parte de uma crise ou mesmo imposição feita com maior veemência a partir da consolidação da sociedade moderna, onde se torna obrigatória a mobilização geral em busca de trabalho. Cabe, portanto, abarcar alguns aspectos das migrações tendo como referência a crise do sistema global da economia de mercado.

Tal crise é estrutural no mundo contemporâneo que gera desemprego em massa e pobreza, e exige-se, então, de quem queira oferecer sua força de trabalho ao mercado, a constante mobilidade do trabalho em um cenário que já não aponta saída de trabalho para todos. Em suma, além do trabalhador moderno ser obrigado, numa espécie de coerção silenciosa, a se submeter ás relações econômicas de mercadoria, não se tem garantia de que os trabalhadores possam de fato exercer tal liberdade de vender sua força de trabalho.   

Os países do chamado Terceiro Mundo em geral passam por um processo de crescimento da urbanização mas contando com uma constante desindustrialização, os países centrais aparecem assim como a grande saída, o oásis para os trabalhadores, que tem como maior anseio, dentro dessas condições, encontrar um lugar que possa comprar sua força de trabalho.

“Eu quero trabalhar o dia inteiro, nem que seja pra ganhar um tostão

Eu já não posso mais e voltar atrás eu não quero não”

(Poeira do Norte, Gordurinha)

O ponto de partida dessa imposição do trabalho pode ser estabelecido com o advento da sociedade moderna e em sua transição do feudalismo para o capitalismo assentado nos valores sociais e culturais do Iluminismo e da Revolução Burguesa. Tais aspectos caracterizam a base para uma primeira humilhação da classe trabalhadora que teve sua humanidade transformada em material de mercadoria, que fora coisificada para gerar valorização. Se levarmos em conta que toda mercadoria se aufere no trabalho abstrato despendido em sua produção, considerando como simples gasto de energia humana, física e intelectual, e que o trabalhador se encontra alienado do controle e do produto do trabalho, são as coisas, então, que usam os trabalhadores através dos meios de produção para agregar acumulo e aumentar o valor. O desdobramento dessa engrenagem posta de maneira simplificada aqui, pode ser caracterizada como uma humilhação primária.

Dentro desses parâmetros, os fluxos migratórios contemporâneos e a maioria das lutas travadas pelos trabalhadores, seja em movimentos sociais ou políticos, são pautados tendo como base os princípios que fundaram a própria humilhação primária, ou seja, se almeja a consolidação de uma mínima dignidade humana para escapar de uma humilhação secundária que empurra o trabalhador despossuído para as margens da sociedade e da vida humana.

O cenário é caótico, a competitividade é esmagadora, a luz no fim do túnel praticamente não existe, o que resta é ter a esperança de manter a condição mínima de sobrevivência e nisso vale tudo pelo capital. Então migrar para os grandes centros, (que na verdade são minoria no mundo), que provocaram a pauperização da maioria, é uma saída plausível nesse contexto. Mas mais do que nunca, (e a tendência é aumentar o abismo para os despossuídos), é necessário romper com esses parâmetros da sociedade moderna ocidental para pensar e construir um novo mundo. Tal embate não se tem como evitar apenas adiá-lo e assim assistir o capitalismo se reinventar de período em período mantendo sua hegemonia no mundo.   

O capitalismo se reinventou através do neoliberalismo desde pelo menos os anos 1970, e o que fazia parte de uma agenda implícita de desmonte de direitos e políticas públicas timidamente conquistadas, já após a queda da União Soviética marcando o fim da Guerra Fria, se mostra tanto uma agenda implícita como explicita, se tornando assim uma armadilha para os trabalhadores organizados em diversos movimentos, no sentido de pretender almejar simplesmente a sobrevivência e a dignidade humana sem qualquer compromisso com uma agenda de ruptura perante o sistema capitalista imposto. Se busca a máxima de igualdade, alicerçada nos direitos do homem, da propriedade privada, do individualismo, afim de fazer valer os valores da revolução burguesa.

Tal armadilha chega ao ponto de instituições que explicitamente favorecem o aumento da pobreza e da miséria, principalmente nos países do chamado Terceiro Mundo, se intitularem como altruístas e se postarem como solução de desenvolvimento e de redução das desigualdades. A exemplo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que através de seus empréstimos a juros elevados, para que os países do terceiro mundo fiquem endividados, intervém nas estruturas políticas desses países visando nitidamente implantar uma reestruturação neoliberal, tendo como orientação uma reforma fiscal, a abertura de mercado, políticas de privatizações, dentre outras medidas. O neoliberalismo está no mundo inteiro e a maioria das forças progressivas em todo o mundo se encontra a mercê dessas ações ao clamar simplesmente por democracia, mas uma democracia burguesa, vazia de qualquer controle popular e de transformação social, pois é exatamente essa democracia que serve como intervenção do Imperialismo Capitalista de hegemonia norte-americana, que atualmente não financia as ditaduras, no entanto, se apresenta como promotores da democracia.    

 Assim, mesmo o caráter de denúncia dos maus tratos e de péssimas condições de trabalho, tidos também nas obras de Luigi Damiani, já passam a ser minimizados pela busca de qualquer espaço para exercer a liberdade de venda da força de trabalho da classe trabalhadora, além de em síntese nem serem mais a solução para a diminuição dos fluxos migratórios. Mesmo num mercado regulado, já não se pode mais apostar num sistema do mundo do trabalho assalariado, pois tal forma já se mostrou como causa das fugas em massa de quem necessita vender sua força de trabalho. E, assim, o pessimismo ainda cabe, de certa forma, pois se tem um distanciamento enorme com os ideais de ruptura da ordem estabelecida e para que se vise a construção de um novo mundo.

Referências:

HEIDEMANN, D. “Os migrantes e a crise da sociedade do trabalho: humilhação secundária, resistência e emancipação”. In: Migrações: discriminações se alternativas. São Paulo: Paulinas/SPM, 2004.

KURZ, R. “Barbárie, migração e guerras de ordenamento mundial”. In: Serviço Pastoral do Migrantes, Travessias na Desordem Global. Porto Alegre: Paulinas, 2005.

MARTINS, J.de S. ”O voo das andorinhas”. In: Não há terra para plantar neste verão. Petrópolis: Vozes, 1986.

ANTONIO ARNONI PRADO, Sobre as imagens da revolução no teatro de Luigi Damiani. In: TRAVESSIA-revista de literatura- n.39 -UFSC -FIorianopolis-jul-dez.l999; pp J9.55

por Carlos R. Rocha (Fuca), Insurreição CGPP

2018



sábado, 5 de janeiro de 2019

Planeta Favela, Mike Davis – Breve nota


Planeta Favela, Mike Davis – Breve nota

  Planeta Favela é um livro que evidencia a degradação humana nos espaços favelizados que operam como lugares de reprodução da pobreza. A denúncia é contundente e visa abarcar os fatos mais concretos do que se prender em conceitos, quebra de paradigmas ou até mesmo desenvolver hipóteses, conceitos ou teorias que possam reverter o quadro desastroso da favelização mundial. A ênfase, na verdade, se atem nos países do Terceiro Mundo que sofrem toda carga que se precisa ter para alimentar a ideologia liberal dos países capitalistas desenvolvidos.

  O conteúdo é tão critico que se torna difícil enxergar luz no fim do túnel para quem vive em favelas, por outro lado, é disso que provem o êxito e a riqueza para instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, que devido a divida externa impõem os Planos de Ajuste Econômico (PAE) aos países que não conseguem pagar os empréstimos, pois os juros são altos e assim essas instituições passam a controlar politicamente esses territórios.

  Dentro dos desastres provocados pela globalização neoliberal para os pobres do Terceiro Mundo, o autor expõe vários tópicos degradantes que vão desde guerras, desemprego, precarização de trabalho, segregação, racismo, superurbanizações seguidas de expulsões, enchentes, deslizamentos de casas, incêndios criminosos em favelas, lixo, poluição atmosférica, contaminações, caos no transito de transportes, crise sanitária, escassez de recursos naturais, etc.

  Para alocar devidamente no tempo, tudo isso é datado basicamente desde pelo menos o final do século XX. Interessante que entre as décadas de 1960 e 1980, os países do terceiro mundo chegaram a crescer e nesse período ainda não se tinha a orientação das políticas neoliberais do FMI. Vale frisar que em países de passado colonial a estrutura desigual já existia, seja em explorações de bens naturais e de mão de obra barata, na segregação espacial ou na pobreza, mas a globalização e as políticas neoliberais trataram de acelerar e intensificar a escala da pobreza urbana nos países subdesenvolvidos.

  No capitulo um, O Climatério Urbano, Mike Davis traz diversas analises baseadas em estudos e dados que tratam acerca da urbanização dos países e cidades do Terceiro Mundo. Chega-se na primeira constatação: a explosão da urbanização. Outra situação é que a alta da urbanização em diversas cidades da África, America do Sul e Ásia, ocorreu num cenário de desindustrialização, então esse crescimento populacional não significava desenvolvimento, mas sim a manutenção da pobreza. O autor já nos aponta neste primeiro capitulo que o sistema econômico neoliberal do FMI e do Banco Mundial são os causadores direto desse cenário.

  Se essa urbanização desgovernada faz parte da manutenção da pobreza, a favelização e todo tipo de ocupação e moradia informal se torna tendência nesses territórios. Outro fator é a questão do advento do crescimento de cidades nos campos, em alguns casos já não há o êxodo rural, mas a urbanidade atinge os modos de vida do campo, fato praticamente inevitável devido o período da globalização.

  A Generalização das Favelas, segundo capitulo, vai abordar os espaços periféricos já que em algumas cidades a urbanização significa favelização, pois abrange mais da metade do território, e de urbanização irregular. Retrata a questão das ocupações (no livro apresenta a palavra invasão), em quais condições elas ocorrem, e como são organizadas, destruídas e montadas novamente. Evidencia brevemente que a saída em ocupar terrenos marginalizados pelos despossuídos, nem sempre é a medida mais barata, levando em consideração a peleja das lutas que serão necessárias travarem pela sobrevivência, mas que ao longo do tempo esse “valor” pode ser recuperado a partir de uma estruturação crescente nesses espaços. Dentro desse subtópico existe a questão da “privatização das invasões”, onde antes de ocupar é necessário pagar para políticos poderosos (as vezes através de votos), loteadores (pessoas de poder local), latifundista ou grande fazendeiro, comuna rural, etc. Culminando no subtópico seguinte que é a invisibilidade do locatário na favela que alcançou uma modesta base inferior na estratificação dessa classe pobre, e devido a falta de organização fica a mercê dos alugueis. O autor aponta que esse é um meio de exploração de pobre sobre um mais pobre.

  O terceiro capitulo desvela A Traição do Estado, que inicia com a citação de Alan Gilbert e Peter Ward, “Embora o capitalismo irrestrito tenha uma face em geral inaceitável, o Estado corrupto que age em favor dos ricos é ainda pior. Em tais circunstâncias, pouco há a ganhar com a simples tentativa de melhorar o sistema.” Então se mostra nessa parte do livro as formas que o Estado atuou de maneira excludente, negligente e foi omisso em buscar reverter as condições de favelização e proliferação da pobreza, que, por conseguinte aparece As Ilusões de Auto Ajuda, onde agora o próprio Banco Mundial investe em desenvolvimento urbano e assim coopta algumas ONG’s que focam em ações de curto prazo com pequenas proporções distanciando a sociedade civil organizada e os pobres de uma consciência de classes e de uma busca plena por seus direitos.

  Aqui o autor critica a aliança do arquiteto John Turner com o presidente do Banco Mundial na qual o saldo foi de que os benefícios dos projetos oriundos desse “casamento” acabaram nas mãos da classe média, os mais pobres ficaram fora do projeto novamente. E vai criticar também a tomada de medidas rápidas e simplistas tais como a de Hernando de Soto, o guru global do populismo neoliberal, ao apenas adotar como estratégia a concessão de titulo de propriedade em invasões.  

“Os empréstimos do Banco Mundial para o desenvolvimento urbano aumentaram de meros 10 milhões de dólares em 1972 para mais de 2 bilhões de dólares em 1988. E, entre 1972 e 1990, o Banco ajudou a financiar um total de 116 programas de oferta de lotes urbanizados e/ou de urbanização de favelas em 55 países. É claro que em termos de necessidade isso não passou de uma gota num balde d’água, mas deu ao Banco enorme influência nas políticas urbanas nacionais, além de uma relação de patrocínio direto com as ONGs e comunidades faveladas locais; também permitiu ao Banco impor as suas próprias teorias como ortodoxia mundial da política urbana”.

  Nos últimos capítulos é versado mais profundamente sobre as formas como são postas os Planos de Ajuste Econômico (PAE), a precarização do trabalho ao desvendar o mito da informalidade como saída do desemprego, os riscos físicos vividos de fato em muitas das favelas em todo o mundo e o trabalho infantil. Ainda, o crescimento do pentecostalismo em alguns países extremamente vulneráveis onde se tem uma via de humanidade excedente.

“Em vez das cidades de ferro e vidro, sonhadas pelos arquitetos, o mundo está, na verdade, sendo dominado pelas favelas.”


Fuca cgpp 2019

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

As Ideias de Gramsci para pensar no hoje– Breve nota

As Ideias de Gramsci de James Joll– Breve nota 

Esta nota/texto tem como objetivo traçar minimamente um paralelo entre o livro "As Ideias de Gramsci" e o momento atual, no qual se tem um crescimento mais explicito de ideais fascistas, embora se saiba que o fascismo nunca esteve morto, no máximo adormecido. Sendo assim, algumas ideias e parte da trajetória de Antonio Gramsci podem trazer algumas reflexões acerca do caminho a ser percorrido, além de entender melhor a atualidade e o que pode acontecer no futuro. (Em meio a escuridão do Bolsonaro eleito presidente) 

Que momento é esse, afinal? Basicamente, a tão falada cultura do ódio tem sido alastrada, principalmente pelas redes sociais da internet. Uma síndrome do medo põe em pauta medidas desastrosas e superficiais no que tange à segurança pública, orientada por mídias policialescas e do crescente militarismo e autoritarismo como saída plausível. O crescimento “silencioso” das doutrinas religiosas neo pentecostais que trabalharam na questão de adaptar seus ideais na linguagem do povo. O momento de polarização política exacerbada, como se fosse uma continuação da guerra fria, no Brasil o antipetismo se iguala ao anticomunismo. A descrença na política e nos políticos. Acrescenta-se um barulho de uma parcela da juventude atraída pelo liberalismo econômico e o conservadorismo nos costumes. Com tudo isso, a intenção declarada de eliminar (por diversas formas) quem discorde dessas ideias, de atacar as ditas minorias e silenciá-las está presente, novidade? 

Gramsci viveu 46 anos, de 1891 a 1937. Nisso, foi estudante por 10 anos se tornando um jornalista político, por 5 anos viveu como liderança do Partido Comunista da Itália no mesmo tempo do aumento organizacional do movimento fascista de Mussolini, que ao consolidar o regime fascista, prendeu Gramsci por 10 anos entre cadeias e clinicas. Gramsci morreu devido à debilidade de sua saúde, condição agravada na prisão. 

O livro sobre "As Ideias de Gramsci" escrito por James Joll, professor de história das universidades de Oxford e Londres, é dividido em 9 capítulos separados em 2 partes. A primeira parte traz a origem, seus primeiros movimentos como estudante, nos conselhos de fábricas, no partido comunista e o percurso de suas ideias como militante e jornalista até sua prisão. A segunda parte abarca o florescimento e a cristalização de suas contribuições intelectuais - definições, conceitos, ideias - para o pensamento marxista do século XX. Perpassa, então, por todo o desenvolvimento e critica acerca do materialismo histórico e a dialética. Mas o objetivo deste texto é se deter de apenas alguns pontos. 

O primeiro ponto a se falar vem da característica de sua vida, onde pensamento e ação foram inseparáveis. Portanto, o agir individual não se dissocia do social, assim como as aspirações devem ser criadas e cristalizadas através da ação e do pensamento entre sociedade e ser humano, e vice-versa. Outro ponto é na verdade a distinção que Gramsci faz entre movimentos orgânicos e movimentos conjunturais, ou seja, de tendência a projeções de longo prazo na sociedade e de movimentos ocasionais/imediatos, respectivamente. Por fim, um ponto que remete as formas de dominação. O conceito de hegemonia de Gramsci sintetiza isso na lógica da luta de classes, onde uma classe política consegue persuadir as demais classes sociais a aceitar seus valores culturais, morais e políticos. Se essa classe dominante é bem sucedida nessas questões, menos força precisará usar para manter o domínio. Atrelado a isso vem a ideia de “bloco histórico” no qual as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, as estruturas e superestruturas formam o bloco histórico. 

As grandes transformações ou ditas revoluções são preparadas pela critica e pela criação de uma nova atmosfera cultural que é precedida de forma ampla pela educação. Não é a toa que ainda no contexto brasileiro a educação pode ser a via mais viável de alicerce critico para as futuras gerações e algo ainda palpável nesta sociedade. Com essa preparação educacional para a revolução, implicaria numa profunda mudança de consciência das massas, que então passaria de meros receptores de medidas governamentais para tomar parte ativa dessas medidas. Simplificando toda essa ideia, a partir do primeiro ponto apresentado, culmina que o ato de pensar, a intelectualidade, as rodas de conversa e de formação, não devem estar distantes das praticas inerentes ao cotidiano do povo. Em outras palavras, as relações e reações entre teoria e prática, entre forças materiais e ideologia devem estar inteiradas e conectadas entre si visando convergir estrutura (relações sociais de produção) e superestrutura (ideias, costumes, comportamentos morais), dispensando todo o mecanicismo nestas relações. Assim, através desse pensamento se sustenta uma grande dica que vai fornecer uma solução para o problema de como os movimentos sociais devem atuar num sistema político e econômico não favorável, ou pelo contexto de Gramsci, sistema não comunista. Ainda como estratégia deve-se pretender “atrair e conservar o apoio das massas, deve propor-lhes um programa político que objetive obter benefícios concretos imediatos para seus adeptos paralelamente à perspectiva eventual de uma nova sociedade, e deve mostrar-se capaz de vincular as atividades cotidianas do ‘partido’ com a esperança de vitória revolucionária final” (p.10) 

Desta maneira, fica mais evidente a distinção entre movimento orgânico e movimento conjuntural. Uma luta não deve ser estruturada somente através das causas/ pautas bombas, ou melhor, no constante e unicamente apagamento de incêndios por partes das organizações, que de certa forma, esse tipo de ação é necessária, mas que não deixa legado de continuidade ou de uma organização concreta. Por ora, um movimento apenas conjuntural pode confundir ainda mais o povo, sem realmente aproximar a um cenário revolucionário ou de uma atmosfera cultural transformadora. 

Da confusão vem o desespero e a descrença, onde se perder num emaranhado de problemas é regra, desviando portanto do projeto de construção de uma vida social mais igualitária, e se esquecendo de atacar todo e qualquer tipo de disparidade na distribuição dos meios de produção, dos meios de comunicação, das terras, da distribuição rendas ou de tudo que permeia a sociabilidade em si. 

Se uma classe social para vencer precisa, muitas vezes, já ter estabelecido sua liderança intelectual e moral mesmo antes de chegar ao poder, então é fato que o papel dos intelectuais e pensadores é crucial nesse processo de reforma de consciência. Mas "o erro dos intelectuais consiste em acreditar possível conhecer sem compreender e especialmente sem sentimento e paixão (...) que o intelectual pode ser um intelectual (...) se for diferente e distante do povo-nação, sem sentir as paixões elementares do povo, sem compreendê-las, explicá-las e justificá-las numa determinada situação histórica, vinculando-se dialeticamente às leis da História, a uma concepção superior de mundo (...) A história e a politica não podem ser feitas sem paixão, sem esse elo emocional entre os intelectuais e o povo nação(...)" 
"(...) Se a relação entre os intelectuais e o povo-nação, entre dirigentes e dirigidos, é o resultado de uma participação orgânica na qual sentimentos e paixão se tornam em compreensão, logo em conhecimento (...) Somente então ocorre uma troca de elementos individuais entre lideres e liderados, governantes e governados, isto é, a concretização de uma vida em comum que por si mesma é uma força social, somente então está criado o "bloco histórico"." (P.78) 

Para concluir essa nota, se faz necessário enfatizar que a relação de hegemonia é praticamente uma relação pedagógica porque a hegemonia é uma "doutrina que explica parcialmente como determinado sistema social e econômico se sustenta e mantém sua base de apoio. Como somente ocorreu com alguns marxistas, Gramsci compreendeu que o domínio de uma classe sobre outra não depende apenas do poder econômico ou da força física, mas principalmente de persuadir a classe dominada e compartilhar dos valores sociais, culturais e morais da dominante.”.


Fuca, Insurreição CGPP

domingo, 6 de julho de 2014

Música - Homenagem Póstuma - Facção Central

Música --> Homenagem Póstuma, com algumas observações que fiz de acordo com minha interpretação. Pra quem curte o som do Facção e já viaja nessas letra. Essa música é um tributo aos que morreram invisibilizados oriundos das periferias, não tiveram a comoção midiática e nem o 1 minuto de silêncio em nenhum evento.

Queriam laqueadura em massa na periferia, como não podem dão pros filhos rojão da marinha. (Desde muito tempo a elite branca vem planejando o genocídio dos pretos, dos pobres e residentes da periferia, muito basicamente falando, movidos pelo ódio e o preconceito. Assim como a laqueadura (um processo onde a mulher não pode mais reproduzir) não foi capaz de ser aderida, eles procuraram outras formas pra dizimar nossa etnia, chegam com armas pra esses que nasceram (já que não puderam evitar) para que eles (a elite e o Estado) possam ter uma brecha para nos matar, e para que muitas vezes nós mesmo nos matemos entre nóis. Vale enfatizar a origem dessas armas, que nesse caso citou-se a marinha. Então, eles dão as armas depois vem buscá-las deixando corpos no chão, e ainda lucram com tudo isso.
Sem quarto alô bebê, andador, velotrol, nascido pra ser a experiência no vidro com formol. (Se vencer o alto índice de mortalidade infantil, ainda não terá o kit básico pra uma boa infância, caso contrário terá conservado o feto num vidro para pesquisas)
O projeto da high society da hípica é xerocado em Hanói no massacre dos vietnamitas. (Hipismo é um esporte elitizado, onde os frequentadores são da 'alta sociedade', sendo essa a classe dominante que projeta o genocídio do povo pobre, a copiar o massacre em Hanói, capital do Vietnã, onde os soldados dos Estados Unidos executaram centenas de pessoas)
Pro conselho de sentença, pobre pro júri não é sorteado, aqui a Al Qaeda veste terno e não assume o atentado. 
(rico passa pano pra rico e tem um puta ódio de pobre, sendo assim nos ataca e extermina em várias esferas sem assumir suas intenções/ seus planos) (e eles nos..--->) Nos colocaram atrás da porta de aço temperado, sonhando com a remição por três dias de trabalho. (ao dizer porta de aço temperado, refere-se aos regimes mais rigorosos de encarceramento, como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) onde o aprisionado fica isolado e inconstitucionalmente perde diversos direitos, dentre eles a remição pois não se pode estudar nem trabalhar.)

A meta é seu quintal com AK, na lata enterrada, seu cultivo de skank em estufa com temperatura controlada. 

Que divã cura o trauma da mãe presidiária, que amamenta a filha 4 meses pra ser adotada? 
(Que divã cura o trauma) da empregada que rouba o resto do prato do patrão, pra noite os filhos ter uma refeição? (Divã é o sofá que normalmente é utilizado em consultórios de psiquiatras. Então, além do sofrimento com a violência física, a violência psíquica é também muito pesada, que mesmo se não tivesse a ausência de tratamento seria muito difícil a cura)

Corrige Gênesis (passagem biblica), há trevas na face do abismo, e arde no interno da Febem em forma de fogos de artifício. 

Burguesa é tarde pra bloqueio dos bens da quadrilha vão te explodir de Igla (míssil), ouvindo a freqüência da polícia. 

É seu juízo final, caveira com foice, por seus assassinatos por motivos torpe. Vingo o morto sem protesto, com as tripas a mostra, expondo o homicida intelectual nessa homenagem póstuma.
(a caveira com foice pra falar de morte, mas uma morte em forma de justiça contra o homicida intelectual, a elite, os de terno, os de farda)
(Refrão)
Pros mortos sem protesto, flores em memória, aqui é o seu minuto de silêncio, sua homenagem póstuma.

Fim de semana os coveiros abrem covas com antecedência pra atender a demanda da segunda-feira. 
Tem caixão pro catolicismo, espiritualismo, budismo, protestantismo, candomblé, islamismo, judaísmo. 

É a era pré-histórica na era tecnológica que num click o ladrão destrava a porta giratória. 
Que o satélite fotografa em alta definição a favela pra noite o GOE ser o pivô de outra tragédia. (como pré-história, as causas e a violência em si. A tecnologia é apenas uma ferramenta a ser utilizada, aqui não representa nenhuma evolução) (pra noite: a policia covarde normalmente escolhe esses horários pra agir, sendo que foi algo planejado... e na ação--->) Vai degolar o traficante criado pela vó, que herdou do pai o controle da venda do pó. 
Ou soltar sinalizador, mostrar localização, pras motos da rocan vir a milhão, salvar os cusão. 

Boy nem filtrando seu sangue ariano tem pureza racial, é igual do bebê sem enxoval, no Amparo maternal
Seus ossos não são de ouro se misturam no ossuário, com o esqueleto do 157, no águia 5 pendurado. (refuta qualquer ideia de raça suprema)

A humanidade prefere Barrabas do que Cristo (nos preferem criminosos do que inocentes), por isso gastando um milhão de dólares um boy tá protegido. 
Então que se foda Medina, Silvio Santos, Olivetto, Wellington Camargo, Girz Aronso no cativeiro. (ricos que foram sequestrados, que muitos se comoveram)
Não me emociona seu caso notório no noticiário, enquanto 10 boy na tv, aqui 5000 mortos no anonimato. 
(os destaques da mídia nunca foram voltados pra periferia mas me parece que a periferia é a que mais dá ibope, basta acontecer algo com o boy que a cobertura é completa, mas quem faz a cobertura pela favela? O Rap, que não naturaliza os acontecimentos nas favelas) 
Minha dor só ecoa no Atlas da exclusão social do país (periferia), no cemitério de Perus, Vila formosa, São Luis. (<--- nesses cemitérios são enterrad@s @s favelad@s)

(refrão)
Pros mortos sem protesto, flores em memória, aqui é o seu minuto de silêncio, sua homenagem póstuma.

A mãe mantém arrumado o quarto do falecido, roupa dobrada, fotos, como se estivesse vivo. 
Ninguém morre enquanto num coração é inquilino, li numa coroa de flores e a frase faz sentido. 

A campanha do desarmamento não é pelo fim do crime, é R$ 100.00 pela PT pro rico não boiar na (represa) billing´s. 
A suástica (nazista) é invisível mas tem microscópio meu olho, vê quem tem a célula da Gestapo (policia nazista) no corpo. (A SS agora veste o cinza da PM)
Todo boy carrega o genes de Saddan Hussem, se pudesse açoitava, decapitava 300 mil também. 

Um minuto de silêncio pro condenado sem prova, pro que faz juiz refazer nariz com cartilagem das costas. 
(Um minuto de silêncio) Pro que no desembarque ganha o turista, pra de teneree, roubar ele e o taxista. Pro que espera cobertor da Pastoral da rua, pro nóia que o disque droga traz a domicilio a loucura. 
Pro Carandiru que não é Guinness por equivoco, não contaram os presos no caminhão de lixo. (No massacre do Carandiru o número oficial divulgado foi de 111 mortos, porém muitos corpos foram retirados em caminhão de lixo, talvez daqueles que não tinham afamilia por perto, assim nem foi notado o desaparecimento)

Todo muçulmano um dia vai a Meca, todo boy no porta-mala um dia vai na favela. (todo muçulmano com boas condições econômicas deve ir pra uma peregrinação, obrigatória, à Meca, aqui todo boy, todo rico deve ir obrigatoriamente pra favela, sequestrado!)

No Éden moderno a Caixa Econômica Federal, financia casa em bairro seguro pro cu policial. 

Senhor, guie a ficha no pronto socorro, mostre a luz pro pardo aparentando 20 anos, morto.
(Nos casos de "autos de resistência ou "resistência seguida de morte", que as policias forjam e modificam a cena do crime para atrapalhar as investigações, as vitimas chegam no hospital já mortas, se na ficha constar isso e outros detalhes, pode provar que foi execução. Reparem no perfil das vítimas da policia assassina: 'pardo aparentando 20 anos'. Enfim, acharam a brecha pra efetivar o genocídio e continuarem impunes, além dos grupos de extermínios que saem dos batalhões, ou de policiais exonerados)

* uma outra interpretação seria 'aparentando 20 anos morto', expressão usada pra indicar que já tava morto faz um tempo, os gambé deu rolê com o corpo, mas a de cima é a mais coerente pois se diz aparenta 20 anos porque a identidade da vítima é desconhecida ou omitida.

Pros mortos sem protesto, flores em memória, aqui é o seu minuto de silêncio, sua homenagem póstuma.


domingo, 16 de junho de 2013

A Natureza da Nossa Luta de Classes e a Inevitabilidade da Revolução do Proletariado

Original por: http://forumhiphopeopoderpublico.blogspot.com.br/

Miguel Ângelo – Fórum de Hip Hop Municipal - SP
“O campo de extermínio tem a voz truta!”
Facção Central

Qual é a cor do capitalismo? Responder essa retórica é mais do que
entender o momento vigente, seria isso na verdade tomar conhecimento do
projeto que só veio a progredir a partir da empresa colonial de ontem. Afirmo
que aqui não houve ruptura para nós negros, pobres e periféricos, somos ainda
os escravos tentando garantir a colheita do café para o senhor, porém com o
verniz da democracia burguesa.

Portanto, quando denunciamos a ação do Estado sabemos bem que ele
não se sente indo na contramão de seus interesses. Ora, como diria Vargas;
“Estamos tentando salvar a burguesia”. Eu descreveria os Capitães do Mato e
os Bandeirantes como mercenários caçadores de seres humanos, como
podemos descrever a Polícia Militar? Em um Estado burguês não cabe todo
mundo, logo São Paulo têm mais de 200 mil presos, é a polícia que mais
prende. As vagas disponibilizadas pela Secretaria de Administração
Penitenciária aumentaram 400% em menos de vinte anos. Serão mais 39 mil
vagas para nossos irmãos e irmãs até 2014, não precisa de cota para essa
faculdade pública, vem com bolsa anual de cinquenta reais e terá muito calor
humano, tendo em vista que isso nem desafoga o um terço do total de
presídios em superlotação. Mesmo que isso signifique triplicar os cemitérios do
Morumbi e da Consolação para os bisnetos de dono de fazenda ta tudo legal, é
o terror pelo terror.

Mas estamos aqui hoje, o Fórum de Hip Hop MSP, como sempre
estivemos a revelia do grampo, da exclusão e de todo pacote social genocida
progressivamente implantado. Um quilombo autônomo que dá bonde até
mesmo no imperialismo, mesmo que apenas pela nossa condição ontológica.

Como diz o RAP, porta voz definitivo da exclusão; “Nossos cérebros eles não
podem algemar”. Ninguém pode matar o que cada negro, pobre e periférico
representa. Sem perder de vista que a ruptura é a saída definitiva, iremos
permear sim os espaços a todos nós negados também.

Aos que afirmam que o extermínio só passa a se tornar ferramenta
política apenas no pós 64 eu questiono, ferramenta política sobre quem? O que
o boy passou no período militar nós passamos historicamente talvez antes
mesmo da invasão das ilhas Canárias pelos portugueses. Sim, para eles é
mais fácil nos transformar em massa de manobra expropriando até nossa
história.
Mano, eu moro no Grajaú, o terceiro maior distrito da cidade de São Paulo! O mais populoso também! Um distrito predominante pobre! Um distrito
com menos de 40% dos domicílios ligados a rede geral de esgotamento
sanitário! Esse é o um front! Esse é o um soviete! E eu sei que muitos de vocês
levam uma quebrada no peito, é por ela que você deve agir, assim seremos um
só prá tomar de assalto a classe dominante! Sua quebrada, o passado e o
presente que viu e viveu nela mano, ninguém pode te fazer esquecer. Só peço
que lembrem que foi o burguês que fez os seus passarem fome, que deu a
ordem para o rato cinza matar seus manos, que prendeu seus manos, que
distribuiu drogas e rifles pra gente se matar. Que tenhamos em vista que é ele
que irá pagar a conta quando cobrarmos o revide dessa treta. “Quando a
mente deprimida resolver se rebelar não tem para o exército nem pra polícia
militar”.