sábado, 24 de setembro de 2016

A RODA BANTU - Henrique Cunha Jr

(Conto extraído do Livro: Tear Africano – Henrique Cunha Jr)

A Roda Bantu

Na idade da magia e dos imortais, os sábios de todo o mundo foram convidados para um grande encontro.
Na África, entre os povos Bantu, fez-se uma reunião e decidiu-se enviar quatro mulheres sábias do Ndongo como representantes. O Ndongo era um pequeno reino na região de Angola, de muita importância pelo seu espírito de independência e liberdade.
Quando as mulheres sábias do Ndongo chegaram à grande reunião mundial, foram primeiro apreciadas pela beleza e depois pelo falar sábio, cheio de metáforas e grandes ensinamentos.
Além disso, essas sábias vieram acompanhadas de uma grande comitiva, com poetas, músicos, instrumentistas e cantores de grande qualidade artística.
A admiração que causou a delegação do Ndongo gerou muito ciúme e despeito em diversas delegações.
Essas quatro mulheres tinham um nome comum: Ginga. Bom, pelo menos foi isso que estrangeiros entenderam. Mas não era bem assim. Cada nome diferia do outro pelo acento na entonação. As pronúncias eram: Ginga, Giinga, Gingaa, Giingaa. Nomes completamente diferentes, não havia o que confundir. Porém, para os estrangeiros, os quatro nomes pareciam iguais, ficava tudo como se fosse uma coisa só.
Ah, e as sábias africanas do Ndongo trouxeram uma roda que parecia perfeita e encantada, sobre a qual se deslocava o veículo que as transportava. Puxado por tigres domesticados, o carro parecia um veículo da imaginação, leve, rápido e elegante. Fazia parte do charme delas quando desfilavam pela cidade onde se realizava a reunião.
Os sábios de vários lugares passaram a examinar com muita admiração os detalhes daquela roda.
- Que coisa magnífica!
- Como será que foi feita?
Alguém disse:
- De ferro, recoberta de ouro, e depois foram feitos os encaixes de diamantes.
Logo o despeito falou:
- Mas os africanos não precisam de roda, portanto não deve ter sido feita na África.
E prosseguiu, dizendo que os africanos eram navegantes e pessoas do deserto que viajavam em camelos. E daí deduziu, de forma apressada, que a roda magnífica não deveria ser africana.
A Ginga mais velha explicou que a África é enorme, que tem terras diversas com terrenos e climas diversos e que existiam várias paisagens e que...  Mas parou de falar, foi interrompida pelo despeito, e viu que com a desinformação é muito difícil conversar, e muito mais difícil convencer.
E seguindo o despeito, falou a arrogância. Esta fala sempre grosso, com ar de competência e profundidade e superioridade. Fala com absoluto conhecimento, e foi logo dizendo:
- A roda é linda, mas não é perfeito, vejam, tem um defeito de fabricação.
- Ahannnn! – fez um imenso eco de admiração.
E o coro logo repetiu:
- A roda tem defeito! A roda tem defeito!
Parecia um detalhe ao qual o mestre ferreiro não dera muita importância, pois não prejudicava a elegância da carruagem, muito menos a forma perfeita da circunferência da roda.
- Mas tem defeito! – Assim puristas, despeitados e invejosos se manifestaram. E só falavam do defeito. Passaram a se especializar na descrição do defeito da roda do Ndongo. Passaram a generalizar a suposição de que seriam defeituosas todas as rodas africanas. Faltavam outros metais nobres nas ligas africanas, era o que se pensava.
Esses foram os fatos, e nada mais se comentou na reunião dos sábios em relação aos africanos que não fosse o defeito da sua roda.
Passou o tempo, mas certo dia um dos sábios resolveu perguntar à mais nova das Gingas se ela sabia por que a roda africana tinha aquele defeito.
- Defeito não – disse ela. É um detalhe da arte da metalurgia Bantu que mostra sua maestria.
Em verdade, a roda Bantu era formada de dezesseis setores, todos diferentes. Só que faltava conhecimento metalúrgico aos observadores, e eles só viram a diferença em um dos setores, e a isto chamaram “defeito da roda Bantu”.


Sou Negro, do Egito à Liberdade - Samba Beija-Flor 1988

Samba Enredo 1988 - Sou Negro, do Egito à Liberdade
G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis (RJ)

Dunga Tara Sinherê
Êre rê rê rê (bis)
Êre ré rê rê




Vem amor contar agora
Os cem anos da libertação

A história e a arte dos negros escravos

Que viveram em grande aflição

E mesmo lá no fundo das províncias do Sudão
Foram o braço forte da nação
Eu sou negro
E hoje enfrento a realidade
E abraçado à Beija-flor, meu amor
Reclamo a verdadeira liberdade (já raiou)
Raiou o Sol, sumiu
E veio a Lua (bis)
Eu sou negro, fui escravo
E a vida continua

Liberdade raiou
Mas a igualdade não (não, não, não)
Resgatando a cultura
O grande negro revestiu-se de emoção
(Ih! A Mãe Negra!)
Oh, Mãe Negra faz a festa
O povão se manifesta
Cantando para o mundo inteiro ouvir
Se faz presente a força de uma raça
Que pisa forte na Sapucaí

                     
Dunga Tara Sinherê
Êre rê rê rê (bis)
Êre ré rê rê



quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Conto: Bate-boca deselegante - Henrique Cunha Jr

Bate-boca deselegante

Todos viram e não interviram. Ficaram paralisados, perplexos, sem nenhum reflexo e quando saíram do pasmo, os fatos já eram fatos.

- Vamos para a delegacia que vou dar queixa. Esta neguinha me paga.

A diretora, ainda numa atitude de pedir calma, tenta intervir e conciliar. Aliás, melhor inteirar-se do acontecido. Ao ouvir os gritos, tinha jogado os papéis ao vento e ido de encontro ao alarido. Na fila dos espantados, alguém diz:

- É a professora Marli, a loira.

No reflexo do movimento dá de encontro com ela e seus xingos. Quase tropeça nos resmungos. Toda molhada, totalmente despenteada, tem os braços amarrados, os cotovelos ensanguentados. Nem ouve as perguntas a diretora. De nada adianta aclamar. Ela não atende ao clamar que vamos conversar. Está possessa e possessa continua. Entra no carro e manda tocar para a delegacia de polícia.

Os alunos todos na algazarra, os professores todos pelos corredores correndo a corrente do testemunho dos fatos. Trata-se de repor o curso da normalidade, retornar às aulas, dizer as crianças que nada de anormal tinha ocorrido, que fora apenas uma crise nervosa de uma das colegas, melhor dizendo, das duas.

Comentário em voz baixa, em entremeios de segredo.

- Mas que baixaria, a que ponto a nossa escola chegou... Professor se estapeando pelos corredores e saindo para delegacia de polícia.

A mais velha das docentes acha aquilo indecente, olha em censura silenciosa, diz como única palavra que felizmente está próxima de sua aposentadoria e que as pessoas no seu tempo, ou melhor dizendo, as professoras, se davam respeito. Completa, indo embora: - Onde já se viu?

- O que aconteceu?

- Nada – resposta cínica de uma das testemunhas oculares do sucedido e ainda não explicado.

Bom, todos viram e agora nínguem tinha visto nada.

No entanto, já virando jocosa fofoca alguém narra:

- Em miúdos, a professora Feliz da Conceição.

- Logo ela, que é tão educada – retruca a ouvinte.

- Pois bem, ela mesma, agarrou a professora Marli, derrubou-a e arrastou-a pelos corredores até o banheiro e lá dentro, lá dentro... – Toma fôlego agravando que sobe as escadas em direção à diretoria.

Quem ficou para trás não era elo de informação da notícia.

- Não consegui ouvir direito o que ocorreu lá dentro, mas devia ser coisa séria, pois os tons foram de profundo espanto, imensa censura.

Num entredentes quase sorrindo, de compreensível pequena satisfação, a faxineira prepara-se para dar todo o serviço:

- A professora Feliz da Conceição arrastou a professora Marli para o banheiro, e...

- Arrastou pelos corredores e ninguém fez nada?

- Foi tudo tão rápido e muito inesperado – diz uma das testemunhas, a mais nervosa de todas.

- Mas o que deu na Feliz da Conceição para tanta violência, tanta discordância? Ela que sempre foi tão cordata?

- Por que a professora Marli estava tão molhada? O que aconteceu?

Aí, a servente ri. Não aguenta e ri mais, rápido engole o riso pela desaprovação dos olhares. Assim, no entanto, depois de tomar coragem e fôlego, volta ao ponto onde estava antes de ser interrompida.

Olhos ficaram maiores que a testa. Espanto.

- Mas foi assim

Da pausa ao suspiro profundo a diretora expressa sem uma palavra sua preocupação.

- Dona Marli chamou a Dona Conceição de nega fedida. Dona Conceição arrastou-a até o banheiro, pôs a cabeça dela na privada e deu descarga, oras! Foi isto!

A história termina aí. Ou começa. Os comentários têm as tonalidades de pretos e brancos. Um diz que a professora Feliz da Conceição, depois que entrou para o movimento negro, ficou tão racista... Poucas vozes censuram a agressão nas palavras da professora Marli. Só uma voz menciona o racismo, e logo é silenciada.

- Mas precisava tanta agressão? – sacode uma cabeça interrogando a voz dissidente.

Ninguém se lembra que, na eleição passada para a coordenação, a professora Marli reuniu as professoras brancas, e as supostamente brancas, para dizer que elas não deixariam uma negra exibida mandar nelas.

Ninguém disse nada, mas nós adoramos a feliz concessão da Feliz da Conceição.


(Conto extraído do Livro Tear Africano – Henrique Cunha Jr)


terça-feira, 20 de setembro de 2016

Kizomba, A festa da Raça - Luiz Carlos da Vila

Kizomba, A festa da Raça
(Rodolpho / Jonas / Luiz Carlos da Vila)



Valeu, Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terra, céus e mares
Influenciando a abolição
Zumbi, valeu
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e Maracatu
Vem, menininha
Pra dançar o Caxambu

Ô,ô, Ô,ô
Nega mina
Anastácia não se deixou escravizar
Ô,ô
Ô,ô,ô,ô
Clementina, o pagode é o partido popular
Sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção

Esta Kizomba é nossa constituição
Esta Kizomba é nossa constituição

Que magia
Reza, Ajeum e Orixás
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E o bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais

Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede e nossa sede
De que o apartheid se destrua