quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Discurso do Stokely Carmichael (Kwame Ture) em 1966

Discurso do revolucionário Stokely Carmichael, conhecido também como Kwame Ture, na Universidade da California Berkeley, EUA, em outubro 1966.
tradução livre Fuca





Muito obrigado. É uma honra estar no gueto dos intelectuais brancos do ocidente. Nós queremos dizer algumas coisas antes de começarmos. A primeira é que, baseado no fato que a SNCC (Student Nonviolent Coordinating Committee), através da articulação deste programa pelo seu presidente, foi capaz de ganhar eleições na Georgia, Alabama, Maryland, e devido a nossa presença aqui poderá ganhar uma eleição na Califórnia, em 1968 irei me candidatar para Presidente dos Estados Unidos...(pausa) Não posso me candidatar pelo fato de eu não ter nascido nos Estados Unidos. É a única coisa que me impossibilita.

Queremos também dizer que, aqui é uma conferencia estudantil, como deve ser realizada em um campus,e que nós não estamos sempre a ser pegos pela masturbação intelectual envolvendo a questão do negro. Essa é a função das pessoas que são anunciantes, mas que se intitulam repórteres. Oh, para meus companheiros e amigos da imprensa, meus críticos brancos autonomeados, eu estava lendo o Sr Bernard Shaw dois dias atrás, e veio uma importante citação, que eu acredito ser apropriada para vocês. Ele diz que “toda critica é uma autobiografia”.

Os filósofos Camus e Sartre levantaram a questão da qual um homem pode ou não se auto-condenar. O filosofo existencialista negro que é pragmático, Frans Fanon, respondeu. Disse que não. Camus e Sartre não eram. Nós no SNCC tendemos a concordar com Camus e Sartre, que um homem não consegue condenar a si próprio. Um exemplo seria os nazistas, qualquer prisioneiro nazista que admitiu,(depois de ser capturado e preso, ter cometido crimes, e ter matado pessoas), cometeu suicídio. Os que permaneceram vivos foram os que nunca admitiram que tivessem cometido tais crimes contra as pessoas, ou seja, acreditavam que os Judeus não eram seres humanos e mereciam a morte, ou que eles estavam apenas cumprindo ordens.

Num cenário atual, os oficiais e a população (a população branca em Neshoba County, Mississipi – onde fica Filadelfia), não condenaram o (Xerife) Rainey, seus adjuntos, e nem os outros 14 homens que mataram 3 seres humanos. Eles não puderam porque eles haviam elegido o Sr Rainey para fazer exatamente o que ele fez, então condená-lo seria praticamente condenar a eles também. Parece-me que as instituições que funcionam no país são claramente racistas, e que elas são construídas com base no racismo. E a questão é, como os negros podem se mover no interior deste país? E então, como é que as pessoas brancas que dizem que não fazem parte dessas instituições começam a se mover? E como, então, podemos começar derrubar os obstáculos que temos na sociedade, para vivermos como seres humanos? Como podemos começar a construir instituições que permitem que as pessoas se relacionem umas com as outras como seres humanos? Este país nunca fez isso, especialmente em torno do país de branco ou preto.

Várias pessoas ficaram irritadas porque nós dissemos que a integração era irrelevante quando iniciada por negros, e que na verdade era um subterfúgio. Vemos que nos últimos seis anos ou mais, este país vem nos alimentando com uma "droga talidomida de integração", que alguns negros estavam andando por uma rua dos sonhos conversando sobre sentar ao lado de pessoas brancas; mas isso não resolve o problema; em Mississippi não fomos para sentar ao lado de Ross Barnett; não fomos para sentar ao lado de Clark, fomos para tirá-los do nosso caminho, e as pessoas devem entender que, nós nunca estivemos lutando pelo direito de integrar, lutávamos contra a supremacia branca.



Agora, então, a fim de entender a supremacia branca, devemos rejeitar a noção falaciosa de que as pessoas brancas podem dar a alguém a sua liberdade. Nenhum homem pode dar a alguém a sua liberdade. Um homem nasce livre. Você pode escravizar um homem depois que ele nasce livre, e é de fato o que este país faz. Ele escraviza os negros depois que eles nascem, de modo que o único ato que os brancos podem fazer é parar de negar aos negros a sua liberdade, ou seja, eles devem parar de negar a liberdade.

Queremos levar isso para a sua extensão lógica, para que possamos entender, então, que a relevância seria em termos de novos projetos de lei de direitos civis. Afirmo que cada projeto de lei dos direitos civis neste país foram feitos para as pessoas brancas, não para as pessoas negras. Por exemplo, eu sou negro, eu sei disso, eu também sei que enquanto eu sou negro, eu sou um ser humano e, portanto, eu tenho o direito de entrar em qualquer lugar público. Os brancos não sabiam disso. Toda vez que eu tentava entrar em algum lugar eles me barravam. Assim, alguém teve que escrever um projeto de lei dizendo para o homem branco, "Ele é um ser humano, não o pare". Esse projeto era para o homem branco, não para mim. Eu sabia disso o tempo todo. Eu sabia o tempo todo.

Eu sabia que podia votar e que isso não era um privilégio, que era meu direito. Toda vez que eu tentava eu era baleado, morto ou preso, espancado ou economicamente carente. Então, alguém teve que escrever um projeto de lei para dizer para as pessoas brancas que: "Quando um homem negro for votar, não incomodá-lo." Esse projeto de lei, novamente, foi para as pessoas brancas, não para o povo negro. E quando falamos sobre ocupação livre, eu sei que posso viver em qualquer lugar que eu queira viver. São as pessoas brancas em todo o país que são incapazes de me permitir viver onde eu quero viver. Você que precisa de um projeto de lei dos direitos civis, não eu. Eu sei que posso viver onde eu quero viver.

As falhas para aprovar uma lei de direitos civis não existem por causa do Black Power, não é por causa do SNCC Student Nonviolent Coordinating Committee, não é por causa das rebeliões que estão ocorrendo nas grandes cidades. É a incapacidade dos brancos de lidarem com seus próprios problemas, dentro de suas próprias comunidades. Esse é o problema do fracasso do projeto de lei dos direitos civis. E assim, em um sentido mais amplo, devemos então perguntar: Como é que as pessoas negras se movem? E o que fazemos? Mas a questão em um sentido maior é: Como as pessoas brancas que são a maioria, e que são responsáveis por assegurar a democracia podem fazê-la funcionar? Eles falharam miseravelmente a este ponto. Eles nunca fizeram com que democracia funcionasse, seja dentro dos Estados Unidos, Vietnã, África do Sul, Filipinas, América do Sul, ou em Porto Rico, onde quer que o americano tenha passado, não foi capaz de fazer a democracia funcionar, de modo que em um sentido mais amplo, não só condenar o país pelo que é feito internamente, mas devemos condená-lo por aquilo que ele faz externamente. Vemos esse país tentando dominar o mundo, e alguém tem que se levantar e começar a articular, pois este país não é Deus, e não pode governar o mundo.



Parte 2: http://spqvcnaove.blogspot.com.br/2014/02/stokely-carmichael-discurso-black-power.html
Discurso na integra (em inglês)
youtube: http://youtu.be/IMYTN0-2ugI
American Rhetoric:
http://www.americanrhetoric.com/speeches/stokelycarmichaelblackpower.html