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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Regime Decepa Direitos (RDD): e os abusos na constituição

O texto a seguir é proveniente do grupo de estudos feito em 28/06/2014 no bairro do Grajaú, São Paulo-SP

Regime Decepa Direitos, mais conhecido como Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é uma ferramenta que permite uma punição mais rigorosa do que a aplicada num regime comum de privação de liberdade. Nesse regime os aprisionados sofrem diversas restrições sendo a maioria delas inconstitucionais, violando assim, os direitos dos presos.


Por:
Priscila Costa - Comitê Contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica
Carlos R. Rocha - Fórum de Hip Hop MSP
Miguel Ângelo - Fórum de Hip Hop MSP


Muitas vezes costumamos dizer que vivemos em uma ditadura. Sim, o povo preto vive em uma ditadura. O que temos? Uma forma de pensar o Estado que é baseado na lógica de países que não passaram por um modo de produção baseado no trabalho escravo (acumulação primitiva do capital) e uma Carta Constitucional (Constituição de 1988) que, como todas as outras que vieram depois da abolição do trabalho escravo em 1888, que não reconheceu algo muito importante de considerar em um país como o nosso; O Brasil é um país onde nunca existiram pessoas com direitos e sim brancos com privilégios no topo da pirâmide e o povo preto na base sendo vítima de diversas estratégias sórdidas para ser destruído.

"Aí man@, não tem como abordar genocídio e não falar sobre o sistema de segurança publica (presídios, gambés, execução penal) devido o extermínio ser efetivado principalmente pelas ponto 40 do Estado e pelo encarceramento em massa, 'sem uma virgula de lei de execução penal cumprida'. As formas punitivas do Estado são perversas e inconstitucionais (ilegais), dá um liga no plano genocida do Estado que já se inicia pelo Centro de Detenção Provisória (CDP) - quando o Estado (juiz) ainda NÃO TE JULGOU e mesmo assim te punem, encarcerando, violando o princípio de inocência, dignidade e liberdade. Essa tática de prender antes de julgar (pré-condenação) foi criada em 2005 e desde então o número de man@s pres@s só tem aumentado anualmente, tanto em SP quanto no Brasil. A maioria d@s sofredor@s que vão parar em CDP's, rodam por tráfico. É importante ressaltar também que em 2006 com a lei 11.343/06 (uso e vendas de drogas ilícitas) o Estado pune com mais intensidade @s favelad@s que traficam, tornando tráfico crime HEDIONDO (O QUE É UM ABSURDO!) e amenizando e despenalizando @s boy que fumam um beck, assim como sempre @s classe merda saem de boa depois de colar na biquera e @s man@ na função é quem rodam, sendo torturad@s nas DP(delegacia), indo pros CDP's, passando mais 5 anos presos no inferno."

A partir dessas considerações podemos agora falar sobre o REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD), que foi criado depois de décadas e mais décadas (por que não séculos?) de tal mal social que nada mais é do que um desfecho da opção da playboyzada em criar duas sociedades no Brasil, a deles (minoria que conta os plaquês) e a nossa (o gueto, uma grande massa que mora aqui passando fome, sem educação e informação, trabalho, senzalas enormes aonde dias melhores não virão). Esse tal mal é a criminalidade, criminalidade essa que é produto das condições de vida que o povo preto, pobre e periférico foi condenado somando ao mercado da violência que enche os bolsos da playboyzada; cocaína, apólices de seguro, armas, noticiários racistas e preconceituosos de modo geral e um aparato fardado ou não que efetivam a roleta macabra. É evidente o objetivo desse regime, tendo-se em base a imagem de um criminoso destituído de humanidade não passível de reforma e readaptação social, o encarcerado deve ser excluído e segregado, viver em estado vegetativo, em um caixão onde ainda se respira.

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) foi criado primeiramente em São Paulo em 2001 (Norma n°26) e foi uma resposta ao movimento dos jovens encarcerados pela real execução da Lei de Execução Penal nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Tem a função de garantir o bom funcionamento do estabelecimento prisional, ou seja, manter as pessoas presas com fome, frio, doentes sem tratamento, sem materiais de higiene pessoal, disputando centímetros de cela na faca. Logo, irracional sendo que é justamente pelo que realmente deveria ser a garantia do bom funcionamento do estabelecimento prisional que os jovens lá presos estavam lutando; a real efetivação dos direitos garantidos na Lei de Execução Penal. A partir de então passou a vigorar um novo tipo de pena, onde os jovens presos ficariam em celas individuais, sem assistência religiosa, educacional, trabalho e com apenas duas horas de banho de sol por dia, o que já é comprovadamente útil apenas para enlouquecer uma pessoa, apenas isso.

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola)
"Quando fomos colocados dentro das celas, fomos sem nada, sem roupa, só com uma calça, uma camiseta e um chinelo, sem manta, sem nada, sem nenhuma condição humana. Não foi-nos dada alimentação."

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola). Sobre sua chegada na Penitenciária Presidente Venceslau II onde ficou no RDD. Depoimento na CPI das armas em 08/06/2006. A essa altura ele já estava entre 6 e 7 anos em RDD.


"Se o CDP já é zuado esse se pá ganha em tiração. Consta em “pagar” a pena em regime fechado, sem contato com qualquer pessoa, somente com as paredes e a chapa de aço, com camêras até no banheiro, sem direitos, apenas com no máximo 2 horas de banho de sol por dia e visitas de apenas 2 horas por semana, sendo aplicado por um ano (360 dias), 1/6 da pena OU MAIS, por conta do ex-secretário de administração penitenciaria Nagashi Furukawa (esse mesmo porra foi um dos caras que fez desencadear o salve geral em 2006, por negar direitos aos aprisionad@s) juntamente com o ex ministro da justiça Thomas Bastos terem aumentado a
Márcio Thomas Bastos
quantidade de tempo para responder nesse regime.Essa mudança e a própria lei que descreve a pena de um ano em RDD vai contra a Lei de Execução Penal (LEP), 58 artigo diz: 'o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exeder a trinta dias'. 
Pro Estado te foder nesse regime basta cometer um crime doloso, crime de risco a ordem e a segurança social e prisional ou atuar em 'organizações criminosas'”.

Mas de onde tiraram isso?

Em 1820 o Estado da Pensilvânia nos EUA (país onde há quase 2 milhões de jovens presos, mais de 70% pretos e pretas) utilizou esse modelo para punir os considerados de alta periculosidade e custodiar supostos lideres e integrantes de supostas organizações criminosas, também apenar crimes considerados de subversão da ordem pública. A receita é proibição do contato físico, inatividade forçada, inexistência de estímulos visuais, sonoros ou intelectuais que foram adotados na Eastern State Penitenciary. Quem defendia essa proposta achava que esse modelo de punição levaria uma pessoa ao remorso e a reabilitação. Após alguns anos de aplicação o que se conseguiu só foi o desiquilíbrio emocional, psicológico e mental de quem cumpriu pena nesse regime.

Aqui depois de anos jogando gasolina no inferno e negando sempre os direitos de quem está preso o Estado resolveu criar o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) como a solução para a questão do sistema carcerário. Se por um lado a Lei de Execução Penal foi um avanço no papel por garantir direitos aos jovens encarcerados, por outro São Paulo voltou no tempo do trabalho escravo onde transformaram seres humanos em coisas. Tanto é isso que os jovens encarcerados em RDD voltariam ao sistema através de uma receita de disciplina severa (aceitação das regras impostas pela playboyzada que sustenta o sistema com sua indiferença) e as oportunidades de mudança de conduta no presídio (que oportunidades?).

Veja que curioso, o Regime Disciplinar Diferenciado não poderia ser discriminatório e nem ferir a Constituição da República (Garantias Fundamentais presente no artigo 5°), a Lei de Execução Penal, bem como normas e tratados de Direitos Humanos (é um atentado a normas como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque de 1996, princípios que estão na Carta das Nações Unidas e nem atropelar as Regras Mínimas, no que diz respeito a proteção e tratamento do estado mental do preso), mas adivinhem, vai contra tudo isso!


"...Quer dizer, a gente não tinha cometido falta nenhuma que justificasse um regime mais rigoroso pra gente naquele momento. Nada foi dito à gente. Pra nós nada foi explicado. Simplesmente nos jogaram numa penitenciária sem as mínimas condições materiais pra nos receber."

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola). Sobre sua chegada na Penitenciária Presidente Venceslau II onde ficou no RDD. Depoimento na CPI das armas em 08/06/2006. A essa altura ele já estava entre 6 e 7 anos em RDD.


O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) viola o direito à vida, à saúde, à honra, à imagem, ao nome à liberdade de expressão, à intimidade da vida privada e as regras que limitam a liberdade de locomoção da pessoa humana que constam na Constituição Federal, fora os textos internacionais. Segundo o artigo 5° da Constituição Federal, ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano e degradante, não haverá penas cruéis e deve ser assegurado a pessoa humana o direito à integridade física e moral, dentre outros direitos que garantem o bem estar de todos. 


Mas que sociedade é essa que eles acham que vivem? Como punição e disciplina pode ser a receita para regressar ao convívio comum ou com a “sociedade”? O mais foda de tudo é que esse regime é um flagrante ilegal! Devido causar destruição emocional, física, psicológica por conta do isolamento intensivo, desencadeando depressão, desespero, ansiedade, raiva, alucinação, claustrofobia, distúrbios afetivos.

Sempre que vem na mente a ideia avanço moral e espiritual na sociedade (a do playboy, e não o gueto que só reproduz) ela é pensada através do punir, foder o gueto, pois o lado de lá da ponte se sente o Vaps do momento, a perfeição em seu mundo branquinho e colorido.

Os presídios brasileiros trabalham com dois princípios incompatíveis para efetivar a pena: reprimir (como se isso produzisse ressocialização) e a ressocialização. Na prática é um depósito de seres humanos, especialmente de descendentes de africanos escravizados na diáspora (70% de todos os mais de 700 mil presos no país)

A norma da Secretaria de Administração Penitenciária (n°26) de São Paulo executada em 2001 tinha uma brecha que foi utilizada
Nagashi Furukawa
por juristas, a alegação do então Secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa era a de que sua norma se tratava de matéria penitenciária (o que não feria a Constituição Federal), quando na verdade era de matéria penal, ou seja, com as características do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) fica escuro que ele na verdade é outra pena.

Antes mesmo da norma 26 existia um Projeto de Lei (PL 5.073/2001) que mexia nas regras no interrogatório do acusado e de sua defesa efetiva, mexeu com normas penais e processual penal. Desse PL sai a base para criar o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), ou seja, camuflada de norma específica da administração penitenciária, é na verdade uma nova condenação penal depois de já haver uma condenação rolando.

Em 2002 o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso tentou reverter essa incoerência com uma Medida Provisória (MP 28/2002). Porém, o Congresso Nacional foi contrário com base na Constituição Federal.

Devemos considerar que essas idas e vindas estão na lógica dos que fazem leis no país que, com base também na cultura do imediatismo, sempre foram contra as próprias leis constitucionais, deixando-as em segundo plano. É o que ocorre no sistema penitenciário brasileiro, a suposta inviabilidade de cumprimento da Lei de Execução Penal e a má gestão histórica do sistema são respondidas com leis cada vez mais severas e que não enfrentam a real questão colocada.

Para resolver os problemas da sociedade dos playboys (e só a deles) utilizam-se medidas anestésicas com uma política criminal cada vez mais repressiva para combater o mal que, na verdade, nada mais é do que o gueto, ignorando direitos e garantias que eles mesmos acordaram em outro momento para copiar os países ricos que eles sempre sonharam ser; França, Inglaterra, EUA etc.

Mas e essa tal criminalidade? Quem eu tiro do crime oferecendo uma arma ao invés de um livro? Quem eu tiro do crime oferecendo cadeia ao invés da efetivação de seus direitos sociais (educação, alimentação, moradia, segurança etc.)? Esses direitos estão na Constituição Federal, que tem seus equívocos como já comentado. Mas, se ela existe e é a Lei Maior, é um absurdo que a receita para a falta de direitos sociais seja o que está ai; celas superlotadas, isolamentos, tiros de ponto 40, cocaína, armas... Combater a criminalidade é exterminar o gueto na cabeça do playboy, e nunca efetivar nossos direitos, é apoiar tudo que ajuda a aumentar a violência nossa de cada dia e por fim nossa total insegurança que é maior com a presença do Estado, pois seus representantes fardados só trazem armas, drogas e muito, muito sangue para o gueto.

Entre outras coisas, a morte de dois Juízes de Execução Penal, no mês de março de 2003, em São Paulo e no Espírito Santo midiatizou (dispositivo de comoção da opinião pública que o playboy se utiliza para promover a repressão contra o gueto) a questão e provocou uma virada na Câmara dos Deputados que aprovou o Projeto de Lei (PL 5.073/2001) que seguiu para o Senado Federal, agora modificando vários dispositivos da Lei de Execução Penal, criando, com força de lei, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Mesmo sendo classificada como inconstitucional pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária a lei passou a ser executada em âmbito nacional a partir de então.

Características do Regime Disciplinar Diferenciado

Segundo o artigo 52 o crime doloso constitui falta grave e justifica a aplicação do Regime Disciplinar diferenciado, assim como casos que ocasione a subversão da ordem ou da disciplina internas, estando sujeito o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal.

* O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) tem duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de 1/6 da pena aplicada.

* Recolhimento em cela individual com devido acompanhamento psicológico

* Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas.

* O preso terá direito a saída da cela por duas horas diárias para banho de sol.

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. 

Estará igualmente sujeito ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização.

Fica evidente a falta de precisão dessas hipóteses abrindo margens para interpretações dúbias. Quiseram "apagar o incêndio" de imediato, ou quiseram alimentar seus lucros com o apoio da opinião pública e politica, e conseguem mascarando a ineficácia desse regime, quer dizer, tatuar as cabeças d@s jovens na periferia não basta, tem que ter um regime decepa direitos... Ah, mas quem disciplina os abusos desse Estado genocida???

"...Ai eles falaram pra mim que, como eu sou o líder perante a imprensa, tinha que partir de mim, porque senão, no fim, como sempre iria sobrar pra mim. Isso foi conversado abertamente. Tinha uns 15 delegados, não só o Dr. Ruy da 5° Delegacia, estava lá e, como eu já havia dado dinheiro pra ele várias vezes...E eu tenho até como provar, não como testemunha, mas, se o senhor analisar alguns documentos, o senhor vai ver que são documentos contraditórios que ele fez, dizendo que eu não tinha nada a ver com o advogado que tinha sido preso aqui trazendo bilhetes, umas coisas assim, e que havia sido dito que era pra estourar metrô, esse monte de coisa. Ele sabia. Foi filmado e gravado isso, que eu tinha me colocado exatamente contra esse tipo de terrorismo. Só que ele não falou nada. Fizeram uma... uma sindicância, e veio mais um ano de RDD pra mim aqui devido a esse fato, mesmo eles tendo a fita com a minha imagem negando que eu era contra essa situação."(...) "Doutor, o senhor sabe que o senhor tá sendo injusto em fazer isso comigo, em me acusar dessa forma, sem me dar nenhuma chance de defesa, e o senhor sabe também, pelas gravações, que eu sou inocente dessa situação e que eu tô pagando por mais um ano de RDD".

"...Quanto, dessa vez, pro senhor me inocentar, mesmo que seja...Só quero a verdade dos fatos. Eu quero que o senhor coloque no papel que eu me posicionei contra".
"...Ai ele pediu 45 mil reais. Foi entregue pra uma investigadora de nome Sheila, pra que entregasse pra ele, ai ele deu esse documento, esse documento que diz, depois de 6 meses que eu já tinha sido condenado a tirar um ano..."
"Ai ele me deu esse documento - eu tive que pagar por ele, embora fosse verdade -, pra que eu saísse daqui. E eu sai, porque esse documento foi apresentado em juízo".

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola). Sobre sua chegada na Penitenciária Presidente Venceslau II onde ficou no RDD. Depoimento na CPI das armas em 08/06/2006.