segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Documentário Orí - (Beatriz Nascimento)

A história dos movimentos negros no Brasil entre 1977 e 1988 é contada no documentário Ôrí, lançado pela cineasta e socióloga Raquel Gerber. Tendo como fio condutor a vida da historiadora e ativista, Beatriz Nascimento, o filme traça um panorama social, político e cultural do país, em busca de uma identidade que contemple também as populações negras, e mostrando a importância dos quilombos na formação da nacionalidade.

Ôrí significa cabeça, um termo de origem Iorubá, povo da África Ocidental, que, por extensão, também designa a consciência negra na sua relação com o tempo, a história e a memória.

Com fotografia de Hermano Penna, Pedro Farkas, Jorge Bodanzky, entre outros, música de Naná Vasconcelos e arranjos de Teese Gohl.




domingo, 16 de outubro de 2016

Tenha Pena de Mim - Letra Babaú e Ciro Sousa

Tenha Pena de Mim
voz Elza Soares
letra Babaú da Mangueira e Ciro Sousa



Ai.. ai.. meu Deus! Tenha pena de mim

Todos vivem muito bem só eu que vivo assim.

Trabalho e não tenho nada, não saio do "miserê"

Ai.. ai.. meu Deus! Isso é pra lá de sofrer.

Sem nunca ter, nem conhecer felicidade,
Sem um afeto, um carinho ou amizade
Eu vivo tão tristonho fingindo-me contente
Tenho feito força pra viver honestamente
(estribilho)
O dia inteiro eu trabalho com afinco
E à noite volto pro meu barracão de zinco
E pra matar o tempo e não falar sozinho
Amarro essa tristeza com as cordas do meu pinho.










sábado, 24 de setembro de 2016

A RODA BANTU - Henrique Cunha Jr

(Conto extraído do Livro: Tear Africano – Henrique Cunha Jr)

A Roda Bantu

Na idade da magia e dos imortais, os sábios de todo o mundo foram convidados para um grande encontro.
Na África, entre os povos Bantu, fez-se uma reunião e decidiu-se enviar quatro mulheres sábias do Ndongo como representantes. O Ndongo era um pequeno reino na região de Angola, de muita importância pelo seu espírito de independência e liberdade.
Quando as mulheres sábias do Ndongo chegaram à grande reunião mundial, foram primeiro apreciadas pela beleza e depois pelo falar sábio, cheio de metáforas e grandes ensinamentos.
Além disso, essas sábias vieram acompanhadas de uma grande comitiva, com poetas, músicos, instrumentistas e cantores de grande qualidade artística.
A admiração que causou a delegação do Ndongo gerou muito ciúme e despeito em diversas delegações.
Essas quatro mulheres tinham um nome comum: Ginga. Bom, pelo menos foi isso que estrangeiros entenderam. Mas não era bem assim. Cada nome diferia do outro pelo acento na entonação. As pronúncias eram: Ginga, Giinga, Gingaa, Giingaa. Nomes completamente diferentes, não havia o que confundir. Porém, para os estrangeiros, os quatro nomes pareciam iguais, ficava tudo como se fosse uma coisa só.
Ah, e as sábias africanas do Ndongo trouxeram uma roda que parecia perfeita e encantada, sobre a qual se deslocava o veículo que as transportava. Puxado por tigres domesticados, o carro parecia um veículo da imaginação, leve, rápido e elegante. Fazia parte do charme delas quando desfilavam pela cidade onde se realizava a reunião.
Os sábios de vários lugares passaram a examinar com muita admiração os detalhes daquela roda.
- Que coisa magnífica!
- Como será que foi feita?
Alguém disse:
- De ferro, recoberta de ouro, e depois foram feitos os encaixes de diamantes.
Logo o despeito falou:
- Mas os africanos não precisam de roda, portanto não deve ter sido feita na África.
E prosseguiu, dizendo que os africanos eram navegantes e pessoas do deserto que viajavam em camelos. E daí deduziu, de forma apressada, que a roda magnífica não deveria ser africana.
A Ginga mais velha explicou que a África é enorme, que tem terras diversas com terrenos e climas diversos e que existiam várias paisagens e que...  Mas parou de falar, foi interrompida pelo despeito, e viu que com a desinformação é muito difícil conversar, e muito mais difícil convencer.
E seguindo o despeito, falou a arrogância. Esta fala sempre grosso, com ar de competência e profundidade e superioridade. Fala com absoluto conhecimento, e foi logo dizendo:
- A roda é linda, mas não é perfeito, vejam, tem um defeito de fabricação.
- Ahannnn! – fez um imenso eco de admiração.
E o coro logo repetiu:
- A roda tem defeito! A roda tem defeito!
Parecia um detalhe ao qual o mestre ferreiro não dera muita importância, pois não prejudicava a elegância da carruagem, muito menos a forma perfeita da circunferência da roda.
- Mas tem defeito! – Assim puristas, despeitados e invejosos se manifestaram. E só falavam do defeito. Passaram a se especializar na descrição do defeito da roda do Ndongo. Passaram a generalizar a suposição de que seriam defeituosas todas as rodas africanas. Faltavam outros metais nobres nas ligas africanas, era o que se pensava.
Esses foram os fatos, e nada mais se comentou na reunião dos sábios em relação aos africanos que não fosse o defeito da sua roda.
Passou o tempo, mas certo dia um dos sábios resolveu perguntar à mais nova das Gingas se ela sabia por que a roda africana tinha aquele defeito.
- Defeito não – disse ela. É um detalhe da arte da metalurgia Bantu que mostra sua maestria.
Em verdade, a roda Bantu era formada de dezesseis setores, todos diferentes. Só que faltava conhecimento metalúrgico aos observadores, e eles só viram a diferença em um dos setores, e a isto chamaram “defeito da roda Bantu”.


Sou Negro, do Egito à Liberdade - Samba Beija-Flor 1988

Samba Enredo 1988 - Sou Negro, do Egito à Liberdade
G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis (RJ)

Dunga Tara Sinherê
Êre rê rê rê (bis)
Êre ré rê rê




Vem amor contar agora
Os cem anos da libertação

A história e a arte dos negros escravos

Que viveram em grande aflição

E mesmo lá no fundo das províncias do Sudão
Foram o braço forte da nação
Eu sou negro
E hoje enfrento a realidade
E abraçado à Beija-flor, meu amor
Reclamo a verdadeira liberdade (já raiou)
Raiou o Sol, sumiu
E veio a Lua (bis)
Eu sou negro, fui escravo
E a vida continua

Liberdade raiou
Mas a igualdade não (não, não, não)
Resgatando a cultura
O grande negro revestiu-se de emoção
(Ih! A Mãe Negra!)
Oh, Mãe Negra faz a festa
O povão se manifesta
Cantando para o mundo inteiro ouvir
Se faz presente a força de uma raça
Que pisa forte na Sapucaí

                     
Dunga Tara Sinherê
Êre rê rê rê (bis)
Êre ré rê rê



quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Conto: Bate-boca deselegante - Henrique Cunha Jr

Bate-boca deselegante

Todos viram e não interviram. Ficaram paralisados, perplexos, sem nenhum reflexo e quando saíram do pasmo, os fatos já eram fatos.

- Vamos para a delegacia que vou dar queixa. Esta neguinha me paga.

A diretora, ainda numa atitude de pedir calma, tenta intervir e conciliar. Aliás, melhor inteirar-se do acontecido. Ao ouvir os gritos, tinha jogado os papéis ao vento e ido de encontro ao alarido. Na fila dos espantados, alguém diz:

- É a professora Marli, a loira.

No reflexo do movimento dá de encontro com ela e seus xingos. Quase tropeça nos resmungos. Toda molhada, totalmente despenteada, tem os braços amarrados, os cotovelos ensanguentados. Nem ouve as perguntas a diretora. De nada adianta aclamar. Ela não atende ao clamar que vamos conversar. Está possessa e possessa continua. Entra no carro e manda tocar para a delegacia de polícia.

Os alunos todos na algazarra, os professores todos pelos corredores correndo a corrente do testemunho dos fatos. Trata-se de repor o curso da normalidade, retornar às aulas, dizer as crianças que nada de anormal tinha ocorrido, que fora apenas uma crise nervosa de uma das colegas, melhor dizendo, das duas.

Comentário em voz baixa, em entremeios de segredo.

- Mas que baixaria, a que ponto a nossa escola chegou... Professor se estapeando pelos corredores e saindo para delegacia de polícia.

A mais velha das docentes acha aquilo indecente, olha em censura silenciosa, diz como única palavra que felizmente está próxima de sua aposentadoria e que as pessoas no seu tempo, ou melhor dizendo, as professoras, se davam respeito. Completa, indo embora: - Onde já se viu?

- O que aconteceu?

- Nada – resposta cínica de uma das testemunhas oculares do sucedido e ainda não explicado.

Bom, todos viram e agora nínguem tinha visto nada.

No entanto, já virando jocosa fofoca alguém narra:

- Em miúdos, a professora Feliz da Conceição.

- Logo ela, que é tão educada – retruca a ouvinte.

- Pois bem, ela mesma, agarrou a professora Marli, derrubou-a e arrastou-a pelos corredores até o banheiro e lá dentro, lá dentro... – Toma fôlego agravando que sobe as escadas em direção à diretoria.

Quem ficou para trás não era elo de informação da notícia.

- Não consegui ouvir direito o que ocorreu lá dentro, mas devia ser coisa séria, pois os tons foram de profundo espanto, imensa censura.

Num entredentes quase sorrindo, de compreensível pequena satisfação, a faxineira prepara-se para dar todo o serviço:

- A professora Feliz da Conceição arrastou a professora Marli para o banheiro, e...

- Arrastou pelos corredores e ninguém fez nada?

- Foi tudo tão rápido e muito inesperado – diz uma das testemunhas, a mais nervosa de todas.

- Mas o que deu na Feliz da Conceição para tanta violência, tanta discordância? Ela que sempre foi tão cordata?

- Por que a professora Marli estava tão molhada? O que aconteceu?

Aí, a servente ri. Não aguenta e ri mais, rápido engole o riso pela desaprovação dos olhares. Assim, no entanto, depois de tomar coragem e fôlego, volta ao ponto onde estava antes de ser interrompida.

Olhos ficaram maiores que a testa. Espanto.

- Mas foi assim

Da pausa ao suspiro profundo a diretora expressa sem uma palavra sua preocupação.

- Dona Marli chamou a Dona Conceição de nega fedida. Dona Conceição arrastou-a até o banheiro, pôs a cabeça dela na privada e deu descarga, oras! Foi isto!

A história termina aí. Ou começa. Os comentários têm as tonalidades de pretos e brancos. Um diz que a professora Feliz da Conceição, depois que entrou para o movimento negro, ficou tão racista... Poucas vozes censuram a agressão nas palavras da professora Marli. Só uma voz menciona o racismo, e logo é silenciada.

- Mas precisava tanta agressão? – sacode uma cabeça interrogando a voz dissidente.

Ninguém se lembra que, na eleição passada para a coordenação, a professora Marli reuniu as professoras brancas, e as supostamente brancas, para dizer que elas não deixariam uma negra exibida mandar nelas.

Ninguém disse nada, mas nós adoramos a feliz concessão da Feliz da Conceição.


(Conto extraído do Livro Tear Africano – Henrique Cunha Jr)


terça-feira, 20 de setembro de 2016

Kizomba, A festa da Raça - Luiz Carlos da Vila

Kizomba, A festa da Raça
(Rodolpho / Jonas / Luiz Carlos da Vila)



Valeu, Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terra, céus e mares
Influenciando a abolição
Zumbi, valeu
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e Maracatu
Vem, menininha
Pra dançar o Caxambu

Ô,ô, Ô,ô
Nega mina
Anastácia não se deixou escravizar
Ô,ô
Ô,ô,ô,ô
Clementina, o pagode é o partido popular
Sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção

Esta Kizomba é nossa constituição
Esta Kizomba é nossa constituição

Que magia
Reza, Ajeum e Orixás
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E o bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais

Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede e nossa sede
De que o apartheid se destrua



segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Artigo: Black Power Back To Pan-Africanism - Stokely em português


Do Poder Preto ao Pan-Africanismo

O Pan-africanismo é baseado na crença de que a África é uma unidade; as fronteiras artificiais são o resultado da conferência de Berlim, onde as potências europeias dividiram o continente e os despojos entre si. O Pan-africanismo é baseado na crença de que todos os povos africanos são um, onde quer que estejamos, somos um, Dr. Nkrumah diz, "pertencemos à nação Africana". A dispersão foi o resultado do imperialismo europeu e do racismo. Pan-africanismo é fundamentado no socialismo que tem suas raízes no comunitarismo. Qualquer ideologia buscando solucionar os problemas do povo africano deve encontrar as suas raízes no Pan-Africanismo.

Os problemas devem ser colocados corretamente. Todos os componentes devem ser colocados juntos e vistos como um todo. As condições históricas devem ser vistas na perspectiva correta. O Pan-africanismo estuda a história da África e de seu povo. A história africana raramente é registrada como a história dos africanos, normalmente é relatada como um desdobramento da história europeia. Consequentemente, quando estudamos a nossa história o ponto de partida tem sido geralmente a "descoberta" da África pelo Europeu. Assim, nossos irmãos e irmãs no Hemisfério Ocidental começam a nossa história com a escravidão, e no continente começamos com o colonialismo, e esses dois fatos não estão unidos. Esta análise incorreta traz soluções incorretas. Africanos no Hemisfério Ocidental visualizam parte do problema (a escravidão) como uma entidade, no continente outra parte (colonialismo) é visto como uma entidade independente. O problema é agravado no continente pelo fato de cada país estar isolado como uma entidade separada, argelinos veem os seus problemas como a situação dos argelinos, quenianos como os quenianos, os sul-africanos como sul-africanos, etc., etc. este pensamento paroquial deve cessar. Nosso ponto de partida da história deve preceder o período do colonialismo e da escravidão, ele deve preceder a invasão árabe e europeia. Isso não quer dizer que nós queremos parar no passado de glória da civilização Africana, que contribuiu imensamente para a civilização mundial; mas, a fim de traçar o futuro, devemos compreender claramente o passado. Mais importante, esta interpretação nos permite visualizar os efeitos que esses eventos tiveram em nós. Assim, somos lembrados em Consciencism*(conscientização) que a nossa história deve ser vista como um todo, como "a história da nossa sociedade."

Os Africanos de hoje, independentemente da localização geográfica, têm um inimigo em comum e enfrentam os mesmos problemas. Nós somos vítimas do imperialismo, do racismo, e nós somos um povo sem terra. Que somos vítimas do imperialismo é um fato. Que somos vítimas de racismo é bem evidente; o epítome desta forma brutal de opressão encontra sua expressão política organizada na África do Sul, as colônias portuguesas, e claro, os Estados Unidos da América. Não devemos esquecer a América do Sul, o Brasil, em particular, onde uma proporção considerável da população são africanos que sofrem discriminação racial. Sobre a questão da falta de terras ao africano é dividida em dois grupos. Um grupo foi retirado da sua terra (a escravidão), o segundo grupo teve a terra tirada deles (colonialismo). Esses fatos todos apontam para a necessidade de um esforço em conjunto para resolver os nossos problemas em comuns, isto é o Pan-Africanismo.

O conceito de Pan-Africanismo não é novo. Encontra-se sua expressão em revoltas na África durante a escravidão, e atingiu o seu nível de organização no início do século XX. De lá para cá, alguns aspectos do Pan-africanismo foram encontrados em cada movimento que buscava libertar os africanos. Se interpretarmos a nossa história corretamente, vamos notar que estes movimentos, aparentemente não relacionados, foram consciente ou inconscientemente movendo-se em um esforço combinado no sentido de Pan-Africanismo. O movimento teve seus pontos altos e baixos, mas nunca foi dissipado. Todos os gigantes intelectuais do mundo Africano foram batizados pelo Pan-africanismo. Embora o Pan-africanismo tem sua origem entre os africanos da diáspora, a Mãe África é a essência, indispensável. (sine qua non). Africanos de ambos os lados do Atlântico contribuíram imensamente para a ideologia, mas apenas na África é que vamos ver a sua consecução. Dr. WE Burghardt Du Bois, o Sr. Henry Sylvester-Willians, o advogado Joseph Casely-Hayford, o advogado Ladipo Solanke, o Sr. George Padmore, o Honorável Marcus Garvey, Patrice Lumumba, Malcolm X, Ben Belta, presidente Ahmed Sékou Touré e o presidente Kwame Nkrumah são alguns dos gigantes. Todos esses grandes homens viram e ainda veem a unidade dos africanos como o pré-requisito indiscutível para a libertação completa. Eles foram e são Pan-africanistas em pensamento, palavra e ação. Eles são todos africanos. Eles viram e sentiram a opressão de seu povo e se comprometeram em suas vidas para acabar com esse sofrimento. Seus sonhos eram e são para restaurar a dignidade à mãe África e seus filhos. Eles são vítimas de racismo; é natural que devem ser antirracistas. Eles também são anti-imperialistas, eles alegam que o capitalismo é um sistema estrangeiro na África e todos os vestígios devem ser destruídos.

Infelizmente, neste ensaio, não podemos discutir a história e o desenvolvimento do Pan-africanismo. Essa tarefa foi realizada pelo Sr. Vincent Bakpetu Thompson em seu excelente livro Africa and Unity: The Evolution of Pan-africanismo. Em certos períodos de nossa história o Pan-africanismo enfrentou o que pareciam ser obstáculos intransponíveis. No primeiro congresso Pan-Africano, praticamente toda a África estava colonizada. Assim o Pan-africanismo permaneceu no nível de teorias e protestos. Hoje, mesmo com a independência nominal no nosso continente, o pan-africanismo encontra terreno fértil. Quando Casely-Hayford estava chamando a seus irmãos do outro lado do Atlântico, a Gana era a "Costa do Ouro" e dominada pela Grã-Bretanha. Quando Kwame Nkrumah, estendeu as mãos a seus irmãos, Gana era independente e Nkrumah seu líder.

Quando Marcus Garvey disse que a menos que a África fosse livre, os africanos de todo o mundo não estariam livres, ele foi respondido por uma contrarrevolucionária do presidente rei da Libéria que não queria relação com seus irmãos. Mas Malcolm X dirigiu-se à Organização de Unidade Africana. Marcus Garvey nunca pôs os pés na África, e o irmão Malcolm foi tratado como um resplendido príncipe Africano. Os africanos da diáspora foram se movendo em um ritmo rápido em direção ao Pan-africanismo, mas poucas pessoas têm analisado esse movimento corretamente. Irmão Malcolm disse que nós necessitamos do Nacionalismo Negro. Mas o Nacionalismo Negro é Nacionalismo Africano. Porque o Povo Preto é o Africano e o Africano é o Povo Preto. Assim Nacionalismo Preto do irmão Malcolm é realmente um Nacionalismo Africano. Nacionalismo Africano encontra a sua maior aspiração no Pan-africanismo. Assim também Black Power realmente significa Poder Africano. A base do Poder Africano é sua pátria-mãe África. A fim de alcançar o poder Africano, Mãe África deve ser forte. Para ser forte ela deve estar unificada. O Pan-africanismo moderno, que encontra a sua mais alta expressão política no Nkrumahism, tem como seu princípio básico "a libertação total e unidade da África sob um governo socialista africano." Assim que esse objetivo for alcançado, os africanos de todo o mundo não só serão respeitados, mas terão o Poder Preto para exigir o respeito. Este deve ser o nosso principal objetivo e deve ser implacavelmente angariado, não importa o quão sacrificado seja. É um pré-requisito para a paz mundial.

Há um procedimento usual dos defensores do Pan-africanismo para assegurar aos africanos da diáspora que o pan-africanismo não significa retorno à África. Recuso-me a fazê-lo. No passado, eu fui vítima deste alimento crônico de complexo de inferioridade. Somos africanos, a África é a nossa casa. Mesmo que a pessoa não possa voltar para casa isso é o seu máximo desejo. África é o continente mais rico e mais bonito do mundo. O nosso continente está mergulhado na exploração e opressão, tanto externa quanto interna; os opressores internos recebem seus sangues de inimigos externos de africanos. O sofrimento da África está além da descrição, aqueles que sofrem de complexo de inferioridade crônica observa o continente superficialmente e conclui que a África está destinada à condenação eterna. Pan-africanistas sabem melhor. Mãe África é nossa, nós temos orgulho dela e para sua reconstrução gloriosa nos comprometemos nossas vidas.

A questão agora, qual é a melhor forma de alcançar o nosso objetivo. A fim de lançar um programa claro, devemos ter bases sólidas. Temos que ter países com líderes como o presidente Nkrumah e Presidente Touré dispostos a renunciar à sua soberania para uma comunidade Africana maior. Para os nossos propósitos, podemos dividir os estados da África em três grupos: (a) Os Estados progressistas, (b) Os Estados neocolonialistas e (c) colônias de povoamento europeu. Neste momento, temos que consolidar nosso poder. Portanto, devemos apoiar os povos e governos dos demais poucos estados progressivos. Esses líderes, cujo único excedente é a escassez, que estão lutando contra todas as adversidades para erguer os seus estados podem ser divididos em dois grupos: os estados que vieram diretamente do colonialismo para o neocolonialismo e estados que passaram pelo palco de uma verdadeira independência política.

Devemos concentrarmos nestes últimos estados, onde os líderes tiveram uma oportunidade para educar as massas, lançando assim as bases para o socialismo real. Depois de golpes de Estado e assassinatos, esses estados foram devolvidos ao neocolonialismo com ajuda de traidores africanos. Esses estados em um futuro muito próximo vão chegar no momento dialético em que, dadas as condições objetivas corretas, duas filosofias diametralmente opostas irão colidir. Destes estados, Gana é o mais importante por causa do trabalho de Osagyefo, que desenvolveu Gana para o centro da atividade Pan-Africana no mundo. Ao derrubar Dr. Nkrumah os inimigos e traidores do povo africano procuraram destruir o Pan-africanismo. Mas teve o efeito inverso, o pan-africanismo tem agora a unidade de propósito.

O Pan-africanismo se cristalizou em torno da queda trágica de Gana para o neocolonialismo, e pan-africanistas do mundo lançaram sua sorte com as massas que sofrem em Gana. Entre eles estão esses líderes africanos e pessoas como o grande Ahmed Sékou Touré e os nossos irmãos e irmãs de Guiné. As linhas de batalha estão desenhadas. Estamos com as massas contra os traidores africanos que servem como fantoches. Nas colônias de colonos europeus que contaminam o nosso continente e os povos, temos de nos preparar para a luta prolongada e uma luta até a morte. Nenhuma quantidade de conversa agrada a consciência ou até mesmo apelos a organizações mundiais vão resolver esse problema. A única solução é a de conduzir esses desreguladores da nossa sociedade para o mar. Podemos esperar e devemos aceitar o fato de que as potências europeias vão lutar com os colonos; afinal eles são como unha e carne e lutam pelos mesmos interesses. Nossos irmãos e irmãs nessas colônias são incapazes de alcançar a vitória a sós, porque eles estão lutando (contra) NATO.** Mesmo que pudessem alcançar a vitória por si só devemos ajudá-los, porque cada polegada quadrada de África pertence a todos nós. Ver as colônias de povoamento como entidades separadas é perder o barco. A fim de eliminar a contaminação do nosso continente, devemos unir todos os nossos recursos disponíveis. Visto por este prisma, os estados neocolonialistas são cruciais. Esses estados devem balancear o pêndulo. Uma vez liberada a partir dos tentáculos do imperialismo, e unidos com os estados progressivos, eles vão produzir uma base revolucionária mais forte para lançar nossos ataques contra os inimigos da Mãe África e seus povos.

O Africano nos últimos quinhentos anos não conheceu paz nem justiça, sua riqueza e seu trabalho construíram a Europa Ocidental e a América. Quando estas forças forem aproveitadas para nosso benefício, a reconstrução da Mãe África será digna de seu passado glorioso. O revés em Gana não é motivo para desespero. Pan-africanistas sabem que as dificuldades não são novas para a luta africana. Não temos medo do derramamento de sangue inevitável, para além dele, vemos a vitória no ar.

*by Dr. Nkrumah
** North Atlantic Treat Organization (United States and Western European military establishment).


sábado, 6 de agosto de 2016

Trechos sobre Marcus Garvey

Segue trechos que explanam um pouco do legado de Marcus Garvey. Trechos extraídos de três livros: O primeiro 'A Matriz Africana No Mundo', o segundo 'Afrocentricidade: a teoria da mudança social' e o terceiro 'Os Jacobinos Negros'.

Marcus Garvey - Discurso em julho de 1921

O movimento popular de Marcus Garvey

Um dos mais importantes líderes do pan-africanismo foi o jamaicano Marcus Garvey, fundador da Associação Universal para o avanço Negro (UNIA), o maior movimento africano da história interncional. A Unia contou em suas fileiras com milhares de pessoas: só nos Estados Unidos tinha 35 mil membros. Cuba tinha 52 filiais em 1926; a África do Sul e Honduras tinham oito cada uma; Panamá e Costa Rica tinham 47 e 23 organizações filiadas, respectivamente. Havia sucursais da Unia em Barbados, Equador, Nigéria, Porto Rico, Austrália, Nicaragua, México, Serra Leoa, Inglaterra e Venezuela, entre outros países. Quando Marcus Garvey foi preso pelo fbi, 150 mil pessoas de várias nacionalidades desfilaram no Harlem, bairro negro de Nova York, para exigir sua liberdade. Outros atos públicos e desfiles da Unia levaram às ruas multidões de dez mil a 25 mil pessoas durante toda a década de 1920.

O movimento de Garvey exerceu influência inequivoca na África. Na Primeira Convenção dos Povos Africanos no Mundo, realizada em Nova York em 1920, 25 mil delegados de todos os cantos do mundo africano lançaram uma declaração de Direitos, na qual condenavam o colonialismo e afirmavam "o direito inerente do negro de controlar a África". Entre outras medidas, a Unia adotou o verde, o preto e o vermelho como as cores simbólicas da emancipação dos povos afrodescendentes; reivindicou o fim do linchamento e da discriminação racial nos países da diáspora; pleiteou o ensino da história africana nas escolas públicas.

Garvey não advogava a volta pura e simples à África:

...Não pregamos nenhuma doutrina pedindo a todos os negros que saiam daqui para ir à África. A maioria da nossa gente pode ficar aqui, mas devemos mandar nossos ciêntistas, mecânicos e artesãos, para que lá construam estradas de ferro, edifiquem as grandes instituições educacionais e outras instituições necessárias. (Apud Essien-Udom, 1964, p.385)

O objetivo de Garvey se resumia no lema "A África para os africanos, no próprio continente e no exterior", o que significava a construção de uma África unida, livre da hegemonia européia, bem erigida como baluarte de força e apoio para os negros em todo o mundo.

(A Matriz Africana no Mundo p.169)


"Garveyismo"

O Garveyismo, apesar dos ataques e acusações arremessados a ele até recentemente, foi a mais perfeita, consistente e brilhante ideologia de libertação na primeira metade do século 20. Em nenhuma nação no mundo houve um tratamento filosófico mais criativo de um povo oprimido do que o Garveyismo. Ele era usado como veículo para a ascensão de um povo, assim como uma arma contra aqueles brancos e pretos que tinham investido interesses em status quo. O Garveyismo foi uma ideia que preencheu sua Era. Ele pegou o homem comum, de ascendência africana, desenraizado de sua cultura, e o fortificou.

Marcus Mosiah Garvey nasceu em St. Ann, Jamaica, em 17 de agosto de 1887, por Marcus e Sarah Garvey. Desde cedo, ele expressou um intenso desejo de ver o movimento de elevação de nossa raça. Garvey viajou a Costa Rica, Venezuela, Nicarágua, Honduras e Colômbia. Em cada lugar, viu africanos nos piores empregos e nas casas mais pobres. Deixando a América do Sul, retornou à Jamaica por curto tempo, até enquanto conseguiu navegar para Londres em 1912. Nas metrópoles do Império Britânico conheceu o robusto nacionalista pan-africano Duse Mohammed, editor do African Times e Orient Review e, posteriormente, da Comet, fundada em Londres e, mais tarde, em Lagos, respectivamente. Mas foi ao ler "Up from Slavery" de Booker T. Washington que realmente moveu o Garveyismo em direção aos EUA e à criação da Universal Negro Improvement Association (U.N.I.A.). Ele se tornou resoluto de que deveria ajudar a construir a nação do homem preto.

Em 1914, Garvey estava certo de que podia unir todos os povos pretos do mundo em um grande corpo para estabelecer um país e um governo (Garvey, 1969). Seu programa oferecia estas sete etapas:

1. Despertar e unir todos os africanos;
2. Transformar o pensamento dos despertos em potencial;
3. Canalizar energias emocionais em direção a interesses raciais construtivos;
4. Trabalho sacrificial de massa;
5. Através da educação em ciência e indústria e da construção de caráter, enfatizar a educação de massa;
6. Preparar nacionalistas para governar nações;
7. Manter as novas nações unidas depois que elas fossem formadas.

Essas etapas estavam enraizadas no amor imortal de Garvey pelo povo. Ele entendeu que a asseveração e a afirmação da herança cultural africana eram necessárias para a verdadeira libertação dos africanos diaspóricos.

A ideia básica do Garveyismo – Poder Racial – apresenta pouca inovação, porque a ideia de poder racial sempre caracterizou a visão branca do mundo. Poder racial tinha sido a ideia central no pensamento europeu, desde Bartolomeu Las Casas. Ela dominou os principais filósofos da Europa: Darwin, Wagner, Nietzsche e mesmo Marx. Esses europeus podem ter diferido em suas conceitualizações de poder racial, mas nenhum questionou a ideia central em si. Seja ela uma ideia biológica ou mecânica, ela é prevalecente. Consequentemente, o Garveyismo se inspirou nos ensinamentos dinâmicos de Edward Blyden, Martin Delaney e Bispo Henry McNeal Turner. Como tal, Garvey estava em excelente companhia com a ideia de poder racial.

O trabalho de Garvey era multidimensional. Embora a imprensa tenha concentrado no conceito de Volta-à-África, isso nunca foi uma parte central do programa de Garvey. Ele instituiu símbolos culturais que capturaram a essência de uma filosofia nacionalista; sua mente estava afiada e engenhada para os meios de comunicação. Como um manipulador de mídia, crescendo em seus anos de jornalista e publicador, Garvey sabia como comunicar-se com seu público. O Garveyismo foi uma filosofia popular entendida desde os menos aos mais sofisticados de seu público. As imagens panorâmicas de Garvey cativavam os jornalistas que observavam o movimento. Elas pareciam tiradas com a eloquência de seus símbolos e a substância de suas mensagens.

Garvey foi um Pan-africanista. Ele via nitidamente a relação de africanos no continente e na diáspora como variações de um povo, um projeto cultural gigante.

O nome completo de sua organização enfatizou seu comprometimento Pan-africano, a Associação Universal de Melhoria do Negro e a Liga das Comunidades Africanas - U.N.I.A. e A.C.L. Garvey era descaradamente devotado a uma doutrina de “raça primeiro”, não “raça apenas”, mas certamente, “raça primeiro”. Como Tony Martin mostrou em suas brilhantes obras sobre Garvey, o íntegro Garvey foi um nacionalista Pan-africano cuja vida inteira foi dedicada a ver africanos oprimidos e pisados sendo respeitados e respeitando a si mesmos.

As concepções teleológicas do Garveyismo são produtivas. Garvey procurou produzir o novo homem preto, moldá-lo, civilizá-lo e desenvolvê-lo. Um forte comprometimento teleológico direciona a produção de um novo povo, organizado em instituições de construção de caráter e construção de nações para o futuro. Sua visão prefigurou a estrada Afrocêntrica para o auto respeito e a dignidade. Em retrospecto, podemos dizer que o Njia foi a ideia por trás do impacto de Garvey sobre o povo africano.

Como um ponto de vista, o Garveyismo não pode ser negado, uma vez que o povo rendeu suporte ao seu movimento e que Garvey ultrapassou todos os seus contemporâneos. Garvey fez sentido, tocou o senso comum do povo; que foi a favor dessa posição porque soou verdadeira. Não há lutas contra fatos, apenas lutas por fé. Toda a estratégia de Garvey foi para obter um esmagador voto de confiança do mundo africano. Mais de 10 milhões pagaram suas contribuições e prometeram fidelidade à recuperação da África para os africanos. O que Garvey mostrou a eles e o que é demonstrável hoje e amanhã é que o povo africano responde à sua memória coletiva do continente. Tal aceitação o coloca nos altos escalões dos lugares sagrados. Qualquer análise concreta do Garveyismo revelará o apoio decisivo a nossos símbolos, que poderosamente constroem nações e dialogam conosco.

O Garveyismo representa o protótipo de movimentos de massa gerais e movimentos nacionalistas específicos. O espírito de Marcus Mosiah Garvey é encontrado em toda página de desenvolvimento e ideologia nacionalistas. Ele construiu uma moldura para futuros construtores. Gênio de imensas proporções, ele poderia ter sido professor de universidade, poeta, dramaturgo, historiador ou general militar; ele foi, entretanto, o de que nossa história necessitava num momento de crise."

- Molefi Kete Asante, "Afrocentricidade: a teoria da mudança social" pag 21-23


Dois negros das Índias Ocidentais, usando a tinta da negritude escreveram seus nomes para sempre nas primeiras páginas da História de nossa época. Marcus Garvey destacou-se como líder. Garvey, imigrante jamaicano, é o unico negro bem-sucedido a formar um movimento de massa entre os negros americanos. As especulações a respeito do número de seus seguidores já alcançam o número de milhões. Garvey defendeu o retorno da África para os africanos e seus descendentes. Ele organizou, muito precipitadamente e com pouca competência, a Black Star Line, uma companhia de navios a vapor para transportar pessoas de linhagem africana do Novo Mundo para a África. Garvey não foi muito longe. Seu movimento tomou forma realmente eficaz por volta de 1921, e lá por 1926 encontrava-se em uma prisão norte-americana (um processo por uso indébito dos correios); da prisão foi deportado de volta à Jamaica. Mas tudo isso é apenas a fachada. Garvey nunca botou os pés na África. Não falava nenhuma língua africana. Suas concepções da África pareciam ser as de uma ilha das Índias Ocidentais e do seu povo multiplicadas por mil. Mas Garvey conseguiu transmitir aos negros (e ao resto do mundo), em todos os lugares, sua crença passional de que a África era o lar de uma civilização que ja fora grande outrora e que o seria novamente. Quando se imagina a escassez de recursos que tinha, as avassaladoras forças materiais e as penetrantes concepções sociais que inconcientemente visavam a destruí-lo, seus esforços continuam sendo um dos milagres propagandísticos deste século.

A voz de Garvey reverberou dentro da própria África. O rei da Suazilândia disse á esposa de Marcus Garvey que conhecia o nome de somente dois homens do mundo ocidental, Jack Johnson, o boxeador que derrotou o branco Jim Jeffries, e Marcus Garvey. Jomo Kenyatta relatou a este escritor que, em 1921, os nacionalistas do Quênia, como não sabiam ler, reuniam-se em volta de um leitor de jornal de Garvey, o Negro World, e escutavam a leitura de um artigo duas ou três vezes. Depois, debandavam pela floresta, para repetir com cuidado tudo o que tinham na memória para os africanos, ávidos por uma doutrina que os libertasse da consciência servil na qual viviam. O dr Nkrumah, estudante de pós-graduação em História e Filosofia em duas universidades norte-americanas, declarou que, entre todos os escritores que influênciaram sua formação, Marcus Garvey está em primeiro lugar. Garvey acreditava que a causa dos africanos e dos povos em ascendência africana era não somente negligênciada como tratada com pouca consideração. Em pouco mais de cinco anos, ele a tinha tornado parte da conciência política mundial. Não conhecia a palavra "Negritude", mas sabia do que se tratava. Teria escolhido o termo com entusiasmo e reclamado sua parternidade com justiça.

O outro negro das Índias Ocidentais era George Padmore, de Trinidad, nas Índias Ocidentais Britânicas. Padmore tirou a poeira das estagnadas Índias Ocidentais dos pés, no início da decada de vinte, e foi para os Estados Unidos. Quando morreu em 1959, oito países mandaram representantes ao seu funeral, em Londres. Suas cinzas foram sepultadas em Gana. E tudo indica que, nesse país das manifestações políticas, nunca houve uma manifestação política como a provocada pelas exéquias de Padmore. Camponeses de áreas remotas, que poderíamos pensar que nunca tivessem ouvido falar seu nome, dirigiam-se a Acra para prestar o último tributo a esse negro das Índias Ocidentais que havia levado a vida a serviço de seu povo...

Trecho do livro "Os Jacobinos Negros" apêndice 'De Toussaint L'Ouverture a Fidel Castro'(p. 349/ 50) escrito por C.L.R James


Digitado por Fuca



sexta-feira, 29 de julho de 2016

Trechos do livro "Afrocentricidade: A Teoria da Mudança Social"

Trechos do livro "Afrocentricidade: A Teoria da Mudança Social" - Dr MOLEFI KETE ASANTE

Pra Baixar:
https://onedrive.live.com/?authkey=%21AAIBxauqHbTZ_mM&cid=EB48622F585FE35A&id=EB48622F585FE35A%21324&parId=EB48622F585FE35A%21105&o=OneUp

https://pt.scribd.com/doc/317048911/Molefi-Kete-Asante-Afrocentricidade-A-Teoria-Da-Mudanca-Social


Definição

Afrocentricidade é um modo de pensamento e ação no qual a centralidade dos interesses, valores e perspectivas africanos predominam. Em termos teóricos é a colocação do povo africano no centro de qualquer análise de fenômenos africanos. Assim é possível que qualquer um seja mestre na disciplina de encontrar o lugar dis africanos num dado fenômeno. Em termos de ação e comportamento, é a aceitação/ observância da ideia de que tudo o que de melhor serve a consciência africana se encontra no cerne do comportamento ético. Finalmente, a Afrocentricidade procura consagrar a ideia de que a negritude em si é um tropo de éticas. Assim, ser negro é estar contra todas as formas de opressão, racismo, classismo, homofobia, patriarcalismo, abuso infantil, pedofilia e dominação racial branca.
Vemos, dessa forma, coo a Afrocentricidade é a peça central de regeneração humana. Ela desafia e critica a perpetuação de ideias supremacistas raciais brancos no imaginário do mundo africano, e, por extensão, de todo o mundo. Na medida em que tem sido incorporada nas vidas de milhões de africanos no continente e na diáspora, ela tem-se tornado revolucionária, atacando as muitas falsificações de verdade e atitudes de auto ódio que tem oprimido a grande maioria de nós. (p.3)

(...) Agência significa que toda a ação tem de ser fundamentada em experiências africanas. Como tal, a Afrocentricidade oferece tanto ao teórico como ao praticante canais de análises nítidos e precisos. (p.4)

(...) A prática da Afrocentricidade torna-se um agente transformador, através do qual todas as noções velhas se tornam novas, e produz uma transformação de atitudes, crenças, valores e comportamento na vida das pessoas criando, inter alia, uma perspectiva revolucionária sobre todos os fatos. (p.5)



Libertação da linguagem


Nossa libertação do cativeiro da linguagem racista é a prioridade do intelectual. 'Não pode haver liberdade alguma até que haja liberdade da mente'. A primeira regra para a liberdade da mente é a liberdade da linguagem. Como Lorenzo Turner disse, linguagem é essencialmente o controle do pensamento. Não será possível direcionar nosso futuro sem primeiro controlarmos nossa linguagem. O sentido da linguagem está na precisão de vocabulário e na estrutura em um contexto social particular. Se nos deixarmos aprisionar pelos conceitos dos outros, então sempre falaremos e agiremos como eles. (...)p.52

(...) A linguagem é o instrumento essencial de coesão social. Coesão social é o elemento fundamental de libertação.
Toda linguagem é epistêmica. Nossa linguagem provê nosso entendimento de nossa realidade. 'Uma linguagem revolucionária não deve ser hermética; não pode servir para confundir'. Cabe aos críticos a tarefa de clarificar a linguagem pública sempre que acreditarem que ela pode solucionar questões. Nós ganhamos conhecimento através da ciência e da retórica; eles são sistemas paralelos de epistemologia. Retórica é arte e arte é um modo de conhecer tanto quanto ciência. (...)
(...) A linguagem do explorador é vil, corrupta e vulgar. Para ele, o racismo não existe porque o que existe hoje é meramente discriminação ou pragmaticamente falando desigualdade de oportunidades. Não podemos permitir esta deslocação fácil na retórica do explorador. 'Não existe racismo negro contra brancos; este racismo é pura fantasia; a visão negra sobre os brancos é baseada em fatos'. A linguagem racista faz da vítima o criminoso. Devemos repudiar essa forma de pensar. P.53/ 54


Tipos de Inteligência

Três tipos de inteligência existem no mundo: a inteligencia criativa, a inteligência re-criativa e a inteligência consumidora. O tipo de inteligência mais valioso é aquele que comunica com a terra inteira por permanecer aberto a associações, ideias, espaços, eras e possibilidades. Atitudes disciplinadas enraizadas em imagens e símbolos Afrocêntricos podem criar combinações intermináveis; existem inúmeros exemplos em nossa história do potencial construtivo de combinações criativas.
Intelectuais re-criativos são capazes de elevar a visão dos intelectuais criativos a novas alturas. Eles o fazem usando constantemente essas ideias e propagando-as com grande clareza. Assim, durante em certo período, Malcolm X foi a mente reprodutora do trabalho de Elijah Muhammad; (...)

(...) O terceiro tipo de inteligência é a do intelectual prático que nem cria nem recria, mas consome e utiliza ideias. Numa sociedade Afrocêntrica, toda inteligência é aceita como contendo a força de Deus. No entanto, sabemos que nem todos conseguem utilizar este poder em qualquer circunstância. Algumas pessoas são executantes e re-criativas, enquanto outras são ativamente utilizadoras e consumidoras. Não há nada inerentemente errado com o consumo; deve-se é saber o que está sendo consumido. (p.61/ 62)


Níveis de Transformação

A Afrocentricidade é um poder transformador que nos ajuda a captura a verdadeira essência de nossas almas. Há cinco níveis de consciência que levam à transformação. O primeiro nível é chamado ‘reconhecimento de pele’, que ocorre quando uma pessoa reconhece que sua pele e/ou herança, porém não consegue compreender a realidade mais além. O segundo nível é o ‘reconhecimento do meio’. Nesse nível, a pessoa percebe como o meio define sua negritude através da discriminação e do abuso. O terceiro nível é a ‘consciência de personalidade’. Ocorre quando uma pessoa diz “eu gosto de música, ou de dança, ou de chitterlings”*, e sem dúvida está falando com toda honestidade, mas isso não é Afrocentricidade. O quarto nível é a ‘preocupação/ interesse’, onde a pessoa reconhece os três outros níveis e demonstra interesse e preocupação com os problemas negros e tenta lidar de maneira inteligente e preocupação com os problemas negros e tenta lidar de maneira inteligente com os erros do povo africano. No entanto, aqui também falta Afrocentricidade no sentido de que não se tornou um comprometimentos com a base cultural Afrocêntrica. ‘Consciência Afrocêntrica’, o quinto nível, é quando a pessoa se deixa transportar completamente para um nível consciente de envolvimento na libertação de sua própria mente. Apenas quando isso acontece podemos dizer que a pessoa está consciente da determinação da consciência coletiva. Um imperativo de vontade, poderoso, incessante, enérgico e vital, entra em ação para erradicar qualquer traço da falta de poder. A Afrocentricidade é como um ritmo; dita a cadência de sua vida... (p.78/ 79)

Trechos do livro "Textos Para o Movimento Negro" - Henrique Cunha Jr


Trechos do livro "Textos Para o Movimento Negro" - Henrique Cunha Junior





Percepção da Discriminação Racial na Escola pela Criança

(...) Os fatos
A denúncia da discriminação racial na escola, por parte da criança, somente ocorre nos casos de discriminação aberta. Dessa forma, não trataremos, aqui, de um conjunto de práticas discriminatórias sistemáticas que ocorrem no sistema educacional brasileiro, através do livro didático, da representação na história e geografia, da prática ideológica do (as) professores (as), diretores (as) e funcionários (as).
Os fatos denunciados pelas crianças podem ser agrupados em quatro níveis: no relacionamento com os colegas, no relacionamento com os professores e funcionários; quando da exposição de fatos quaisquer; e na proibição de participação em posição de destaque.

(...) Em todas as situações parece haver uma indecisão dos pais, devido, em parte, ao fato deles não acreditarem na existência do racismo brasileiro ou por procurarem sistematicamente negá-lo, pois, admiti-lo, é admitir a condição de ser inferior. Outro motivo de indecisão relaciona-se aos resultados do protesto motivado pela injustiça sofrida. Primeiro, porque a experiência mostra que tal protesto não levado em conta por ninguém. Segundo, porque ficam, por vezes, com medo da criança ficar marcada e ser perseguida.





(...) Bases do Sistema Educacional Brasileiro
Henrique Cunha Jr

(..) podemos notar nas ações desta elite nacional o desejo de branqueamento do país quer pelo esforço miscigenador ou pelo exterminador. Mas esta composição entre credo racial, mão-de-obra e conservação do poder que vai direcionar a elaboração dos sistemas educacionais brasileiros e nossa inserção no mundo do trabalho livre. Pela tradição escravocrata, nossa aptidão é para o trabalho e dele é excluída, na mesma visão, todo seu conteúdo intelectual. O trabalho que nos cabe é o trabalho pesado, tarefeiro. Por outro lado, o processo de industrialização implica um trabalho cada vez mais especializado, evoluindo numa das vertentes para um operariado treinado e um setor de serviços desenvolvido, demandando trabalho cujos níveis educacionais passam por constante aprimoramento. Sendo assim gera-se um processo de criação de moderno e uma sistemática exclusão nossa deste moderno.

(...)Dois Momentos- Dentro e Fora da Escola
(...) a educação numa sociedade racista possui conteúdo racista em todos os níveis e perfaz um processo de socialização excludente e inferiorizante. Neste sentido, a educação informação se completa ou se reforça com a educação formal.

(...) Esta ideia e pratica de conviver com a sociedade racista produz um conjunto de regras que vai desde driblar as dificuldades até comportamentos passivos de não deixar aflorar as dificuldades(...)

(...) A escola, por um lado vai proporcionar mais um aprendizado das relações raciais, sempre desvalorizando o negro e valorizando o branco.
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XIV - Reflexão sobre o 20 de novembro
(...) O primeiro sucesso do racismo no Brasil é o medo que muitos têm de ser negros,é a esclerose que muitos sofrem do significado objetivo de afirmar as nossas raízes comuns. Este medo e esta esclerose afetam a nossa consciência de direitos e de cidadania. Outro sucesso do racismo brasileiro é a farsa onde todos se declararam não racistas. Existe um medo da verdade que não atenua os fatos, que se confunde e não permite o desenvolvimento de uma consciência ativa de combate anti-racista.




Título Textos para o movimento negro
Editora Edicon, 1992
Original de Universidade do Texas
Num. págs. 142 páginas

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Trechos: Origens africanas do Brasil contemporâneo

Trechos: Origens africanas do Brasil contemporâneo - Kabengele Munanga

(...)Em termos gerais, tem-se da África uma imagem muito simples e reducionista, ilustrada por expressões como “na África é tudo a mesma coisa; na África é tudo diferente”. Esqueceu-se que se trata de um continente com 56 países; uma superfície de 30 milhões de quilômetros quadrados e uma população de cerca de 600milhões de habitantes. (...)

(...) Não apenas o significado da palavra “África” tornou-se objeto de especulação científica, mas também o próprio povoamento do continente. Controvérsias sustentadas por motivos ora científicos, ora ideológicos, continuam a confundir as mentes. Com efeito, durante muito tempo, os historiadores ocidentais defenderam a tese asiática da origem dos povos africanos. Fundamentada na descoberta do Homem de Java, na China, em 1891, outrora considerada o berço da humanidade, essa tese também foi fortemente influenciada pelos filósofos da época, em especial por Hegel. Este dividia o mundo em povos históricos e não históricos. Os primeiros seriam responsáveis pelo progresso humano, enquanto a passividade dos outros os teria mantido à margem do desenvolvimento espiritual da humanidade. (...)

(...) A descoberta do Autralopithecus pelo dr Leakey no leste da Tanzânia, em 1924, gerou as primeiras dúvidas quanto à origem asiática do primeiro homem e do homem africano. A partir do momento em que as novas descobertas científicas colocam o berço da humanidade no continente africano, as teorias que explicam o povoamento africano a partir da Ásia deviam ser totalmente abandonadas. É a partir disso que se coloca a origem da humanidade na África, sustentada pela teoria monogenista da humanidade,e não mais na Ásia; ou seja,os primeiros elementos da cultura africana foram elaborados dentro do continente africano e não trazidos de fora.(...) P.20/21

(...)O Australopiteco passou por um longo processo evolutivo, seguido pelos estágios de Homo habilis e Homo erectus antes de atingir o estágio de Homo sapiens, de quem descende o homem moderno. Todos estes estágios evolutivos foram realizados no próprio continente africano, o que gera a dúvida quanto à presença anterior do ser humano em outros continentes. A tese migratória apoiada por evidências cronológicas comprova que os homens de outros continentes (por exemplo, o homem de Neandertal, Cro-Mignon, de Grimald etc.) são descendentes do australopiteco. Há cerca de 1,5 milhões de anos,os ancestrais humanos viviam num Éden que abrangia principalmente as savanas altas entre a Etiópia e o Cabo (África do Sul). A partir desse período, o Homo erectus, que já tinha cultura bastante desenvolvida, elaborada em utensílios acheulenses, espalhou-se sobre grande parte das áreas tropical e subtropical do mundo antigo,desde a África meridional até a Ásia e a Europa. (...)P.41/42

(...) Resumidamente, a espécie humana originou-se nos pés da montanha de Lua, no Vale da Grande Fenda, marcados por grandes lagos onde estão as nascentes do rio Nilo. Foi desse lugar que os homens e as mulheres partiram para povoar o próprio continente e o resto do mundo. Disso resultou a hipótese de que os primeiros seres humanos, por terem origem nos trópicos, em torno dos grandes lagos, apresentavam, certamente, no início, pigmentação escura. Foi pela adaptação em outros climas que a matriz original se dividiu mais tarde em populações diferentes chamadas raças, por causa de suas características distintivas quanto à cor da pele e outros traços morfológicos. P.43


Os africanos que povoaram o Brasil e suas contribuições

(...) Os bantos, os primeiros a chegar, deram o primeiro exemplo de resistência à escravidão na reconstrução do modelo africano do “quilombo”, importado da área geográfico-cultural Congo-Angola. Os escravizados foragidos das fazendas se agruparam em áreas não ocupadas e de difícil acesso, organizando ali novas sociedades que apelidaram de quilombos. De origem da língua umbundu de Angola, “quilombo é um aportuguesamento da palavra kilombo,cujo conteúdo remete a uma instituição sociopolítica e militar que resulta delonga história envolvendo regiões e povos de lunda, ovimbundu, mbundu, luba, kongo e imbangala ou jaja, cujos territórios se situam hoje nas repúblicas de Angola e dos dois Congo. É uma história de conflitos pelo poder, de cisão de grupos, de migrações em busca de novos territórios e de alianças políticas entre grupos alheios.
Em seu conteúdo, o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo afro-banto reconstruído pelos escravizados para se opor à estrutura escravocrata, pela implantação de outra estrutura política na qual se juntaram todos os oprimidos. (...)

(...) Durante todo o século XVII,Palmares rechaçou mais 35 expedições comandadas pelos holandeses e portugueses. Mas foi a última expedição comandada em 1692,após quase um século de sua existência,por Domingos Jorge velho, que, depois de dois anos de luta, colocou fim à república palmerina, quando seu líder máximo, Zumbi dos Palmares, foi traído e morto por um de seus chefes subalternos. Foi sem dúvida uma estrutura política inspirada nos moldes organizacionais banto, certamente liderada por banto e seus descendentes, como comprovado pelo próprio nome do quilombo e pelos nomes de seus maiores líderes; Ganga Zumba e Zumbi, que significariam feiticeiro,imortal (Ganga de Nganga, em diversas línguas bantu; e Zumba, em kikongo, imortalidade;e Zumbi,de Nzumbi ou Nzambi, significaria espírito ou deus em várias línguas bantu).

Além desse modelo de resistência política apenas superada pela revolta dos escravizados africanos no Haiti,todos os estudiosos unanimemente reconhecem que as contribuições bantu na língua portuguesa do Brasil são mais fortes que a dos sudaneses. Não apenas introduziram uma parte do léxico desconhecido em português original como influíram na fonética e no uso de algumas expressões idiomáticas e até mesmo na fonologia de algumas palavras. (...)p.93

(...)No campo da religiosidade,as contribuições dos povos da área ocidental, particularmente do chamado Golfo de Benin, se destacam. Eles legaram ao Brasil um panteão religioso organizado segundo o modelo cultural jêje-nago, conhecido como candomblé da Bahia. P.94

O objetivo deste livro é resgatar a história e a beleza da África antes da exploração e dominação brutal a que os africanos foram submetidos para justificar e legitimar a colonização estrangeira. Com textos e fotos, o autor busca arrancar a máscara bárbara imposta àquele continente, com o intuito perverso de divulgar ao mundo uma África rude, selvagem e desprovida de humanidade, e nos revelar sua verdadeira, desconhecida e harmoniosa face.
A África é tão complexa e diversa que sua história não poderia se esgotar nessas páginas. Porém, com este livro, espera-se atender às premissas da Lei nº 10.639/03, que propicia aos estudantes brasileiros um conteúdo adequado sobre as origens, as línguas, as culturas e as civilizações do imenso continente que vive em cada um de nós.

Filme: Abolição (1988) - Zózimo Bulbul

Sinopse:

Produzido em 1988, faz o resgate de 100 anos de abolição no país, através de um olhar preto. Entrevistas com personagens importantes para a preservação da cultura, como Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalés, Beatriz do Nascimento, Grande Otelo, Joel Ruffino, Dom Elder Câmera em contraposição com D. João de Orleans e Bragança e Gilberto Freire. Um importante documento das ideias desses pensadores, como também de presidiários, mendigos e artistas populares na sua maioria negros. Questiona que tipo de abolição houve neste país já que a situação 100 anos depois continuava de muita luta, desigualdade e racismo.





segunda-feira, 18 de julho de 2016

Todo dia, toda hora: é racismo

Numa conjuntura que nega a existência das várias formas que o racismo se manifesta é extremamente necessário apontar que infelizmente um povo vem sendo perseguido e exterminado; O POVO PRETO.

Por Fuca

Certa vez numa reunião duma grande empresa no Brasil, um gerente negro afirmou não haver racismo na empresa onde ele trabalhava, mesmo levando em consideração que ele era o único negro naquela sala com vinte pessoas que dirigiam e gerenciavam vários setores do topo do organograma da empresa. Para enfatizar sua posição, argumentou ter estudado e trabalhado muito para chegar onde chegou e que ocorre muito a questão do vitimismo quando se trata de racismo. Em contrapartida ele não desconsiderou que o racismo vigora, mas não lá, pois ninguém o xingou de macaco ou tacou banana nele, nem mesmo nunca o chamaram de negro fedido...

Todo dia temos situações como esta em vários locais. Em diversas instituições a representatividade do povo preto é irrisória evidenciando não apenas uma questão de preconceito ou discriminação, mas de racismo! Se preconceito é ter uma opinião e um conceito desfavorável a uma raça e discriminação é tratar de forma desfavorável uma raça, o racismo engloba os dois numa relação de poder*.

Então, além do povo preto ter acesso negado de forma peculiar (que não se enxerga fácil como nega) com um grande impacto (é nítida a negação), o que esse preto isolado disser vai equivaler a palavra ou a visão de todo um povo. Essa é uma das faces do racismo institucional! Diante disso, dentre outras coisas, percebe-se aí a importância de ser uma preta e um preto conscientes.

Não existe racismo apenas quando se xinga um preto ou uma preta. Mas a própria situação de haver apenas um preto no cargo de poder dessa empresa no Brasil. A situação de não poder falar das questões que seu povo vem sofrendo. A situação de não poder falar de um povo preto vitorioso, pois não teve nem acesso a linda história de seus ancestrais negros antes da escravidão e colonização europeia. A situação de não poder falar em protagonismo e muitas vezes ouvir o termo minoria que não faz sentido algum. A situação de não dispor de recursos psicológicos, culturais e epistemológicos necessários para sua emancipação quanto ser humano preto, diásporo Africano.

“Conceito de Racismo Institucional**
Racismo institucional pode ser definido como o fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa de sua cor. O termo foi utilizado de forma pioneira, em 1967, pelos ativistas Stokely Carmichael e Charles Hamilton, integrantes do grupo Panteras Negras, para especificar como se manifesta o racismo nas estruturas de organização da sociedade e nas instituições (Geledés, 2013, P.11). Foi empregado também, a partir de 1993, por instituições de combate ao racismo na Inglaterra, em particular na Comissão para Igualdade Racial – Comission for Racial Equality (CRE) – do Reino Unido (Sampaio, 2003). Manifesta-se por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios atuantes no cotidiano de trabalho das organizações, resultantes do preconceito ou de estereótipos racistas (Ipea, 2007). O racismo institucional não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação, mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada, do ponto de vista racial, na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população (Silva et al. 2009) ”

No que tange a segurança pública o racismo anti negro age dessa forma sistêmica no Brasil. Em outras partes do mundo não deve ser muito diferente, independentemente se o povo preto seja maioria ou minoria. O cenário no país tropical do ‘(mito) democracia racial’*** é de total massacre. As maneiras as quais as vidas pretas são ceifadas é de total desumanização, da forma mais cruel dentro das possibilidades... não é uma analogia dos acontecimentos brutais da escravatura, até porque como C.L.R. James citou, “nenhum lugar na terra concentrou tanta miséria quanto o porão de um navio negreiro”. Mas as estruturas da escravidão permanecem a todo vapor, cheias de ódio.

Se a vida é um bem maior humano, então a vida deve ser a primeira pauta a se lutar, e se as vidas pretas que estão sendo aniquiladas tem que se lutar pelas vidas pretas primeiro. Primeiro Raça! Primeiro a Vida, para ainda assim sobreviver!

Numa conjuntura que nega a existência das várias formas que o racismo se manifesta é extremamente necessário apontar que infelizmente um povo vem sendo perseguido e exterminado; O POVO PRETO.

Será que a maldita farda estatal da polícia jamais cessará fogo contra o povo preto? Vejam bem, não é uma questão que teria que morrer mais brancos, entenda... Não dá pra aceitar o extermínio do nosso povo preto! Infelizmente essa é a regra, o combate deve ir em direção aos valores arraigados nessa regra, e a força da exceção não deverá ser mais forte do que a regra!

Como acabar com essas instituições que perseguem os negros? O que está em jogo é: a quem essas instituições servem? Pra quem é interessante a morte dos pretos? Quem detém todo esse poder é a Supremacia branca****.

É não enxergar isso e ver a escalada de violência subir mais e mais. Alguém lucra com isso? Sim, os privilegiados supremacistas brancos. Apenas os pretos são/serão atingidos? Não, mas a negação da existência do racismo não cabe nessa realidade, ou queriam que a letalidade da polícia fosse 100% de negros? Não basta de 70% a 80%?

Como aceitar que continuem surgindo movimentos intitulados pelos últimos dizeres da vida dos nossos mortos?

Os dados podem parecer frios, mas é o modo de se visualizar essa realidade que “oito em cada dez usuários regulares de crack são negros. Oito em cada dez não chegaram a ensino médio”.***** Desses, 40% vivem em situação de rua, 49% tem passagem pelo sistema prisional. O Brasil encarcera mais de 700 mil pessoas! O genocídio perpetrado pela supremacia branca é devastador!

É mais que necessário que visemos o direito de formar uma nação preta autônoma, pois o genocídio vai para além da morte física, atinge a natureza do ser, a cultura, a religião, a família, a existência, a alma e a nossa realidade!    
    


*Racismo: Relação de poder que inferioriza características físicas (fenótipo) e culturais de uma raça, “um sistema de pensamento, fala e ação operado por pessoas que se classificam como brancas, e que usam o engano, a violência, e/ou a ameaça de violência, para subjugar, usar e/ou abusar de pessoas classificadas como ‘não-brancas’ em condições que promovem a prática da falsidade, da injustiça e do erro, em uma ou mais áreas de atividade, com o objetivo último de manter, expandir e/ou aperfeiçoar a prática da supremacia branca (racismo).” (Neely Fuller Jr) ver artigo Primeiro Raça.link


** Extraído do artigo “Segurança Pública e Racismo Institucional” (Almir de Oliveira Júnior/ Verônica Couto de Araújo Lima)


*** ...o Brasil sempre se apresentou internacionalmente com a imagem de país modelo da harmonia racial, constituindo-se no exemplo de país em desenvolvimento e de perfeita convivência racial, conforme consta nos relatórios apresentados à ONU sobre a Convenção Internacional de Eliminação de Todas As Formas de Discriminação Racial.
“Tenho a honra de informa-los que desde então não há discriminação racial no Brasil (...) na legislação que especificamente lida com a discriminação racial. Nenhuma apresentação detalhada é determinada, porque o contexto histórico e cultural dos brasileiros é tal que esse tipo de preconceito é completamente estrangeiro a ele.” (CERD, 1970)
“A integração racial no Brasil, que é resultado dos quatros séculos de nosso desenvolvimento nacional, proporciona para o mundo contemporâneo uma experiência em harmoniosa vivência racial. Isso é infelizmente incomum em outros locais. Essa integração não originou de leis que estipulam que somos um, mas de um processo natural espontaneamente alcançado.” (CERD, 1971)
“Pareceria supérfluo aqui repetir o fato que no Brasil tolerância racial e miscigenação precedem qualquer estatuto legal que poderia ter tentado proibir ou suprimir a discriminação racial. É questão de registro que, embora a integração étnica tenha existido durante séculos no Brasil, a primeira lei para lidar especificamente com o assunto entrou em efeito em 1951. Essa é a razão pela qual o código penal não ataca a discriminação racial diretamente.” (CERD, 1974)
“Como país que consolidou sua identidade nacional em cima de um período longo de experiência étnica, marcado pela integração harmoniosa e congruência cultural de grupos raciais diferentes, o Brasil condena todos os atos de discriminação, dando seu apoio sem hesitar a todas as iniciativas empreendidas para combater o apartheid, especialmente para as resoluções pertinentes das Nações Unidas, da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança” (CERD, 1980)

(O Movimento Negro e o Estado:1983-1987 – Ivair Augusto Alves dos Santos)


**** ...Em sua forma mais óbvia, a supremacia banca se expressa como um processo físico de pura violência, muitas vezes extremamente brutal. A escravização, pelos europeus, de milhões de africanos durante várias centenas de anos, o extermínio dos povos indígenas na América, assim como a matança e o aprisionamento de milhões de africanos durante o período de colonização, são apenas exemplos de uma lista aparentemente interminável de atos de terror perpetrados por supremacistas brancos em todo o planeta. A supremacia branca também pode ser um processo social e econômico pelo qual milhões perdem a soberania, muitas vezes em sua própria terra, sendo seus “recursos” (por exemplo, terra e trabalho) apropriados pelos europeus em função dos interesses destes. Mas a supremacia branca também pode ser um processo mental, mediante a ocupação do espaço psicológico e intelectual dos que devem ser submetidos, levando ao que Wade Nobles denominou, de forma certeira, “encarceramento mental”. A tomada do espaço mental africano ocorre por meio do disfarce de ideias, teorias e conceitos europeus como universais, normais ou naturais. Todos são “étnicos”, menos os europeus. Mas essa aceitação não questionada da Europa como normativa é altamente problemática para os africanos. Com efeito, a Europa forjou grande parte de sua identidade moderna à custa dos africanos, particularmente por meio da construção da imagem do europeu como o mais civilizado e do africano como seu espelho negativo, isto é, como primitivo, supersticioso, incivilizado, aistórico e assim por diante.

(A Afrocentricidade Como Um Novo Paradigma – Ama Mazama)


***** Oito em cada dez usuários regulares de crack são negros. Oito em cada dez não chegaram ao ensino médio. Essas proporções são bem maiores do que as encontradas no conjunto da população brasileira. Além disso, elas referem-se a características temporalmente anteriores ao uso de crack. Somavam-se a esses, outros indicadores de vulnerabilidade social, como viver em situação de rua (40%) e ter passagem pelo sistema prisional (49%). As mulheres usuárias regulares de crack têm o mesmo padrão de vulnerabilidade social, com o agravante que 47% relataram histórico de violência sexual (comparando a 7,5% entre homens). Outra pesquisa já havia indicado que a mortalidade de usuários de crack é 7 vezes superior à população geral, sendo os homicídios a causa de morte em 60% dos casos.
A relação entre exclusão social e uso do crack emergiu como um tema a ser aprofundado a partir da pesquisa de metodologia epidemiológica da FIOCRUZ.