quarta-feira, 31 de março de 2021

Os Quilombos e a Rebelião Negra – Clovis Moura – Breve Nota

O texto a seguir em forma de tópicos ou notas, foi feito em decorrência da leitura em conjunto, entre Fuca Cgpp e Joel Consp., do livro Os Quilombos e a Rebelião Negra, de Clovis Moura. Um livro curto de síntese, com 105 páginas, onde pudemos dialogar sobres vários aspectos da luta preta, tanto lá quanto cá, não no sentido de esgotamento do assunto, mas no de despertar a formação contínua através dessa brevidade didática.

Introdução

- Clovis Moura vai evidenciar o ser negro como agente de resistência constante ao sistema escravista, resistência que se dava na negação do trabalho, na negação de ser escravo, pois a todo momento se pensava em fuga da escravidão.

- no sistema escravista existia uma luta de classes. Senhores [brancos] e escravizados [pretos]. Essas duas classes vão compor a base da estrutura do Brasil escravista.

- pra dinamizar essa resistência, o escravizado negava o trabalho escravo já que ele não conseguia modificar o sistema. Com isso, ele vai procurar criar sistemas alternativos.  

- período histórico entre 1550 até 1888. Século XVI ao século XIX.

- O autor vai combater a defasagem histórica em dois pontos: o primeiro é que a escravidão não era a relação de trabalho que girava a economia do brasil escravista. (sendo que era, pois enriquecia o senhores, ou seja, já era, de certa forma, capitalismo). O segundo ponto apresentava o ideal de vivência harmônica na relação entre casa grande (senhores) e senzala (escravizados). Em referência a uma das teses de Gilberto Freyre. Condenando os conceitos de “bom senhor”, “homem cordial,” e “democracia racial.”

- Enfim, nesta introdução, o autor enfatiza que no livro vai se demonstrar a importância social dos negros, especialmente os quilombolas.

Os Quilombos na História Social do Brasil

- A definição de quilombo de acordo com a resposta do Rei de Portugal ao Conselho Ultramarino (1740), “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”.

- o quilombo não foi um fenômeno esporádico, teve constância em todo o brasil.

- o quilombo tinha vários tamanhos de acordo com o número de habitantes, e eram todos armados, os maiores eram: Palmares 20 mil, Campo Grande(Mg) e Ambrósio(mg) 10 mil cada.

- existia um caráter de conversão de escravizados da senzala ao quilombo, pois mantinha-se sempre um diálogo entre senzala e quilombo. Muitas informações circulavam.

-  o quilombo mantinha uma relação comercial de troca de produtos ou excedentes com pequenos agricultores da vizinhança.

Organização e Economia dos Quilombos

- Palmares – o maior exemplo do grande quilombo – era uma confederação de quilombos. Abrangendo um raio de mais de 120km (25 léguas), de acordo com os estudos de Edson Carneiro (1947).

- O autor aponta que “A religião da republica era um cristianismo fortemente sincretizado com valores religiosos africanos.”

- a família era poligâmica e não havia personagem responsável pelo segredo religioso da comunidade.

- “Em cada mocambo o chefe era senhor absoluto, mas, nas ocasiões de guerra, reuniam-se para deliberar conjuntamente, sob as ordens do Zumbi, ou outro chefe da república, na Casa do Conselho do Macaco.”

- A base econômica era a agricultura policultura. Feijão, mandioca, batata-doce, milho.

- Vivendo num regime comunitário, organizado à base da agricultura e da criação de subsistência, Palmares era um reduto em franco florescimento, apesar da ameaça sobre ele.

- o Ambrósio em MG, por exemplo, seguia a mesma estrutura de Palmares com acrescimento de maior pecuária.

-  Do ponto de vista da organização política, havia obediência incondicional ao chefe Ambrósio, líder que, segundo um cronista da época, era dotado “de todas as qualidades de um general”. Com uma hierarquia que constituía uma espécie de Estado-Maior.

- As colheitas eram conduzidas ao paiol para distribuição coletiva.

A Força Militar dos Quilombos

- Conforme a estrutura de média a grande do quilombo era necessário uma organização hierárquica militar mais estruturada para defesa tanto da população quanto da economia desses quilombos que sofriam diversas investidas das forças da colônia.

- Ou seja, exigia-se grupos armados e também táticas e estratégias territoriais de barricadas até armadilhas para conter os invasores.

- O autor não aponta o contingente do exército de defesa de Palmares, mas mostra que chegou a ser necessário forças de 9 mil homens ao comando de bandeirantes, como Domingo Jorge Velho, para derrotar Palmares, que havia resistido a todas as expedições punitivas de 1630 até 1695.

- Palmares deixou seu legado e exemplo de “maior resistência – social, militar, econômica, e cultural – ao sistemas escravista.”

- Outros quilombos foram proeminentes, tanto de Preto Cosme no Maranhão, mas de destaque também o de Ambrósio, ou depois como Campo Grande (MG), que fora destruído após 3 anos (1957-58-59) de preparo do bandeirante Bartolomeu Bueno de Prado contando com 400 homens.

- Preto Cosme que comandava um quilombo de 3000 pessoas no maranhão tinha piquetes de guerrilheiros que promoviam saques nas fazendas dos brancos e ainda traziam mais insurretos, tinha sua estrutura centralizada. Cosme é capturado após fazer alianças com mestiços e brancos (balaiada) sendo delatado para Caxias em 1841, foi condenado e enforcado.

- O autor exemplifica mais um quilombo com estrutura e base militar agora no estado do Rio de Janeiro, o de Manuel Congo. Que após boa tática de combate consegue derrotar a forças da Guarda Nacional, mas, de certa forma, se empolgaram nos contínuos ataques e ficaram desguarnecidos e foram capturados em 1938. Com envolvimento de Caixas também nesse.

As Insurreições Urbanas e os Quilombos

- Vai utilizar-se do exemplo da Grande Insurreição, A Revolta dos Malês, em Salvador (1835). Levantando além da questão urbana e rural, mas também as diferenças religiosas existentes. Contudo, liderada por negros islamizados.

- A questão também é buscar delinear até que ponto se sobressaiu o motivo da luta de classes ou os motivos religiosos. O autor então acredita que a religião foi um elemento de suporte ideológico de organização coletiva perante uma opressão objetiva que existia, tanto o sistema escravista para os negros ainda escravizados como de racismo para o negros livres nessa sociedade escravista.

- Liderança de Hausás e depois de Nagôs que então se tornam chamados malês, mas que se autodenominavam mulçumanos. Pode ser que devido a linguagem religiosa puderam ter uma maior capacidade organizacional com o uso de estratégias militares oriundas da África, inclusive na confecção e uso de armas.

- Ao pontuar a introdução do Islã na África, o autor rememora que a penetração islâmica na África existiu com o objetivo de controle social, um tipo de colonização também. Apesar de, nesse contexto (Brasil), ser um fator utilizado como mudança social através das revoltas dos malês.  

A Grande Insurreição

- organizada nos mínimos detalhes entre as várias nações (etnias) africanas. Em Salvador, 1835, com revoltas já ocorrendo desde 1807.

- objetivo: tomada de terra dos brancos...

- Perpassou alguns detalhes do planejamento da insurreição assim como apontou as principais pessoas envolvidas.

- Tendo ocorrido a delação (traição) a insurreição acabou sufocada. Prisões, condenações e morte dos rebeldes.

Reivindicação e Consciência do Escravismo

- Apesar das diversas lutas radicais e violentas dos insurretos pretos escravizados, aqui o autor discorre sobre alguns movimentos que visaram uma busca de negociação para obterem alguns direitos, sobretudo nos modos de trabalho. Uma espécie de salto gradativo contra o escravismo.

Os Quilombos e a Abolição

É retratado pelo autor o cenário de rebeldia dos escravizados versus a moderação dos abolicionistas para acabar com o sistema escravista. Apesar de ter existido uma ala mais radical dos abolicionistas. Com isso, o autor não deixa perder de vista que as lutas dos pretos escravizados vieram desde muito antes do abolicionismo (limitado), e que de fato foram as rebeliões que tencionavam os brancos que dominavam. Até devido a isso temos como o dia da consciência negra o 20 de novembro ao invés do 13 de maio. (Reivindicação do Movimento Negro)

Conclusões

“Várias foram as formas de resistência do escravo negro ao regime escravista. Mesmo com todas as limitações que a estrutura do sistema impunha ao cativo, ele, ao contrário do que afirmam aqueles que seguem a chamada historiografia acadêmica, resistiu de várias formas e níveis de importância durante todo o tempo em que a escravidão perdurou. Resistiu usando desde formas ativas, como as de Salvador, ocorridas durante o século XIX, até os quilombos, disseminados em todo o território nacional – do Rio Grande do Sul ao Pará – e as guerrilhas que permeavam as duas formas fundamentais de resistência.”(...)

(..) “A violência, desta forma, penetrava, direta ou indiretamente, no relacionamento entre uns e outros. É a partir da compreensão deste fato que podemos analisar a sociedade brasileira e encontrar as leis fundamentais que deram conteúdo à sua dinâmica.”(...)

“Mediando esses elementos de violência, vemos vários mecanismos amortecedores serem criados no sentido de neutralizarem, ou, pelo menos, diminuírem os seus níveis de intensidade. Por outro lado, a Igreja Católica (ela própria proprietária de escravos) procurará, quer na escravidão nordestina do chamado ciclo do açúcar, quer na mineira ou paulista, montar um aparelho ideológico capaz de dar aos escravos as razões de por que estavam em cativeiro e, aos senhores, racionalizar a violência do opressor. Dessas diversas tentativas de esconder-se a violência e/ou justifica-la nasceram vários estereótipos, um dos quais, conforme já firmamos, é o da benignidade da nossa escravidão.

“O medo, repetimos, é um fator psicológico que influenciará todo o comportamento da classe senhorial no Brasil, determinado, muitas vezes, paradoxalmente, o nível de agressividade e violência contra a pessoas e a classe dos escravos.”

https://regabrasil.files.wordpress.com/2018/10/os-quilombos-e-a-rebelic3a3o-negra-1986.pdf

baixe o pdf acima.

Fotos de dois dos encontros, março/2021.







quarta-feira, 24 de março de 2021

Manuel Querino - O Colono Preto Como Fator da Civilização Brasileira - breve nota

Texto publicado em 1918, por Manuel Querino (1851-1923), nos documentos do 6º Congresso Brasileiro de Geografia.

O autor buscou evidenciar a contribuição dos africanos como os principais propulsores de desenvolvimento do Brasil em todos os aspectos, pois com os africanos vieram a mão de obra qualificada e de fato produtiva, apesar de ser trabalho forçado, escravidão. Os portugueses fizeram o papel improdutivo, de destruição e de parasitismo, apenas se beneficiando do trabalho duro dos africanos. Ou seja, foi a contribuição preta que realmente erigiu a civilização brasileira.

Contudo, acredito ser melhor apropriado o uso de expressões tais quais: principal construtor da civilização, principal força de trabalho, pois no caso de colono ou colonização se refere justamente à destruição. Ou seja, um papel de co-colonizador no Brasil não seria apropriado porque a colonização foi uma obra de genocídio físico e cultural realizado pela cultura ocidental (no caso pelos portugueses).

Manuel Querino buscou, também, confrontar as teorias racistas de Nina Rodrigues, por exemplo, da eugenia. E acabou colocando a miscigenação como algo de bom no Brasil.

Vamos aos capítulos.

Portugal no Meado do Séc. XVI

Nesse capítulo, o autor demonstra, em suma, que a violência ancorada pela ganância portuguesa não seria produtiva para uma colonização, a exemplo dos saques prejudiciais ocorridos na Índia culminando em ruinas. No território brasileiro aconteceria o mesmo. O indígena se afastando do litoral para o interior agravou, em síntese, a situação de improdutividade. Restando, então, a busca pela mão de obra africana como saída de evitar o total colapso. Com a presença forçada dos africanos pode-se intensificar a produção de cereais e da cana de-açúcar, além de explorar da terra o diamante e metais preciosos.

Chegada dos Africanos no Brasil, Suas Habilitações

O autor faz referência à colonização mulçumana na África, que introduziu, na visão dele, os modos civilizados aos sertões do Continente Negro. Isso antes da chegada dos europeus (portugueses). E que, assim sendo, através do tráfico de escravos, esses africanos chegavam aqui já com qualificações, sobretudo aplicações para força de trabalho.

Isso reforça o papel crucial dos africanos, já que os portugueses já haviam iniciado uma enorme destruição dos povos indígenas e sem os indígenas os portugueses eram incapazes de dar prosseguimento ao seu empreendimento aventureiro de colonização devido também às limitações e dificuldades de adaptações geográficas para o trabalho. (e o seu parasitismo, diga-se de passagem).

 Interessante notar que conforme a economia colonial muda o ramo focal, a especialidade africana é mais reivindicada intensificando, assim, o tráfico de africanos. No caso o autor se refere à mudança do século 17 para a mineração no sudeste ao invés dos engenhos de açúcar no nordeste.

Primeiras Ideias de Liberdade, o Suicídio e a Eliminação Física dos Senhorios

“O castigo nos engenhos e fazendas, se não requintava, em geral, em malvadez e perversidade, era não raro severo, e por vezes cruel.” Com isso, suscitava o desejo de liberdade constante (indo contra a docilidade do trabalhador escravo, apesar de às vezes o autor ter descrito assim.) A primeira ideia de liberdade veio através do suicídio para negar a condição de escravizado. 

“Depois, entenderam os escravizados que o senhorio era quem deveria padecer morte violenta, a que se entregavam os infortunados cativos. Não vacilaram um instante e puseram em prática os envenenamentos, as trucidações bárbaras do senhorio, dos feitores e suas famílias. Era a vingança a rugir-lhes na alma; era a repulsa provocada pelos desesperos que lhes inspirava o horror da escravidão.” 

Passando, então, do suicídio ao extermínio do senhorio. Já que o problema não se estava resolvido com as duas ideias anteriores, começaram as fugas e a resistência coletiva, organizando verdadeiros núcleos de trabalho.

Resistência Coletiva, Palmares, Levantes Parciais

Escapando das fazendas e dos engenhos, os escravizados pretos construíram a Confederação de Palmares. “...em Palmares os elementos aí congregados não tiveram por alvo a vingança: bem ao contrário, o seu objetivo foi escapar à tirania e viver em liberdade, nas mais legítimas aspirações do homem.”

“Os fundadores de Palmares ... procuraram refúgio no seio da natureza virgem e aí assentaram as bases de uma sociedade, a imitação das que dominavam na África, sua terra de origem, sociedade, aliás, mais adiantada do que as organizações indígenas. Não era uma conquista movida pelo ódio, mas uma afirmação legítima do desejo de viver livre, e, assim, possuíam os refugiados dos Palmares as suas leis severas contra o roubo, o homicídio, o adultério, as quais na sua vida interna observavam com rigor.”

O autor relata, ainda, outros levantes parciais e batalhas contra as incursões das forças coloniais.

As Juntas Para As Alforrias

O autor enfatiza o trabalho comprometido como meio de saída da opressão e para liberdade. No caso as juntas foi outro meio, ou seja, era o dinheiro guardado pra comprar a liberdade. E de fato o trabalho duro o africano fez mesmo, como exemplificado pela história de Chico Rei (MG). Citando o escritor Afonso Arinos, no artigo Atalaia Bandeirante, tem:

“A custa de um trabalho insano, feito nas curtas horas reservadas ao descanso, o escravo rei pagou a sua alforria. Forro, reservou o fruto do seu trabalho para comprar a liberdade de um dos da tribo; os dois trabalharam juntos para o terceiro; outros para o quarto, e assim, sucessivamente, libertou-se a tribo inteira. Então, erigiram a capela de Santa Ifigênia, princesa da Núbia. Ali, ao lado do culto à padroeira, continuou o culto ao rei negro, que, pelos seus, foi honrado como soberano e legou às gerações de agora a lenda suave do Chico Rei.”

Fenômeno que aconteceu também na Bahia, de acordo com o autor.

O Africano Na Família, Seus Descendentes Notáveis

Esse capítulo foi iniciado com a seguinte citação de Alexandre Melo Morais Filho.

“Percorrendo a história, deixando iluminar-nos a fronte a luz amarelenta das crônicas, não sabemos ao certo quem maior influência exerceu na formação nacional desta terra, se o português ou o negro. Chamado para juiz nesta causa, necessariamente o nosso voto não pertence ao primeiro.”

Finalizando, o autor acaba exaltando o caráter de miscigenação do Brasil, talvez pelo negro ser propulsor – na visão dele - de tal miscigenação, consciente que esse fator eliminaria as raças originais... (um debate muito forte sobre miscigenação ocorria nessa época, importante colocar no contexto do início do século XX, e ao combate de teorias racistas, da eugenia, de Nina Rodrigues entre outros.)  

Em outro ponto, Querino não deixa de enfatizar ainda que toda riqueza na mãos dos brancos foi fruto do trabalho árduo dos pretos. No mais, vale deixar mais essa descrição do autor...

“Trabalhador, econômico e previdente, como era o africano escravo, qualidade que o descendente nem sempre conservou, não admitia a prole sem ocupação lícita e, sempre que lhe foi permitido, não deixou jamais de dar a filhos e netos uma profissão qualquer. Foi o trabalho do negro que aqui sustentou por séculos e sem desfalecimento a nobreza e a prosperidade do Brasil: foi com o produto do seu trabalho que tivemos as instituições científicas, letras, artes, comércio, indústria etc., competindo-lhe, portanto, um lugar de destaque, como fator da civilização brasileira. Quem quer que compulse a nossa história certificar-se-á do valor e da contribuição do negro na defesa do território nacional, na agricultura, na mineração, como bandeirante, no movimento da independência, com as armas na mão, como elemento apreciável na família, e como o herói do trabalho em todas as aplicações úteis e proveitosas. Fora o braço propulsor do desenvolvimento manifestado no estado social do país, na cultura intelectual e nas grandes obras materiais, pois que, sem o dinheiro que tudo move, não haveria educadores nem educandos: feneceriam as aspirações mais brilhantes, dissipar-se-iam as tentativas mais valiosas.”

 


livro pdf:

https://cadernosdomundointeiro.com.br/pdf/O-colono-preto-como-fator-da-civilizacao-brasileira-2a-edicao-Cadernos-do-Mundo-Inteiro.pdf

"Manuel Raimundo Querino (1851-1923) foi um dos mais interessantes intelectuais do Brasil, homem de pensamento e de ação, e um precursor em termos de cultura. Escritor, abolicionista engajado, e professor do que era à época o ensino técnico, Querino notabilizou-se como ensaísta de uma nascente antropologia brasileira, disposto à controvérsia sobre o que deveria ser uma visão satisfatória com respeito à relação entre raça e nacionalidade, e autor de livros didáticos, para formar desenhistas profissionais como ele próprio...."

sexta-feira, 19 de março de 2021

África Difícil – Raimundo Souza Dantas – Breve Nota/trechos

 I- África Difícil

- Experiência Africana de um Embaixador Negro, livro publicado em 1965.

- Relato pessoal em forma de diário no período de dois anos em que foi embaixador do Brasil em Gana.

- Sendo Gana o epicentro das lutas revolucionárias pela independência, um período de mudanças rápidas onde exigia uma constante transformação, Gana encarava bem essa época conseguindo avanços em diversos setores e aspectos, apesar de ainda, no geral, ser pouco para os desafios postos de pobreza e subdesenvolvimento da maioria da população ganense.

- Mas a busca era constante por autonomia e formas autênticas de resolução de seus problemas (Gana). A tentativa existia mesmo tendo que recorrer em alguns aspectos aos ‘ex-colonizadores’. Pois, novamente, o desenvolvimento deveria ocorrer num curto espaço de tempo, sendo uma experiência única também para a África Preta.

- Inegável a presença de ajuda estrangeira, o autor destaca algumas presenças, Israel, Eua, França, Alemanha e Rússia. Evidenciando um certo distanciamento no convívio com os africanos desta última.

(...) “Contudo, não é pequena a influência comunista na África, embora já tenha sido maior. Dizia-se, por exemplo, que países como Gana, do grupo dos revolucionários agressivos, marcados pela influência comunista, pressagiavam dependência crescente face à Moscou, Pequim e Havana, apesar de sua ambição de vestir conforme figurino próprio. O exemplo de Gana, de cujo processo fui testemunha por mais de dois anos, prova que a influência em questão diminuiu muito, bastante mesmo, merecendo uma retificação no que tange ao julgamento das tendências dominantes. Vejamos os fatos históricos: apesar do decantado neutralismo, Gana realmente esteve muito mais voltada para o mundo comunista. Houve momentos em que os observadores consideraram Nkrumah completamente irrecuperável, exatamente na época em que iniciava eu a missão diplomática de que me honrarei para sempre. Foi nos fins de 1961, o dirigente voltava de longa viagem pelo mundo socialista, tendo se demorado na Rússia e na China, onde deu largas à sua admiração pela rapidez do progresso naquelas áreas. Retornou à Gana profundamente impressionado, mas muito vacilou, embora tenha assumido algumas posições e adotado soluções bastante características. O seu partido, o CPP, enveredou por uma ação socializante e mais ampla possível. Como se sabe, a base comunitária africana favorece, por si só, um sistema de vida mais próximo ao socialismo, mas está muito longe de facilitar o comunismo. Dessa realidade comunitária aproveitaram-se os ideólogos do CPP, para desencadear sua ação de propaganda de um ideário radical. Reconheceu porém Nkrumah, após vacilações e recuos, a impossibilidade de promover o desenvolvimento de seus país seguindo semelhante caminho. Recentemente, informações que nos chegaram, muito precárias, como tudo que sobre a África colhemos de terceiros, porque manipuladas ou distorcidas, dão conta de retificações levadas a efeito por Nkrumah, retificações essas sob o argumento de que Gana não possui atualmente os meios de realizar o socialismo. Assim é que, entre outras, adotou recentemente medidas econômicas liberais, fazendo inclusive o elogio do capitalismo. Conforme essa nova orientação, Gana terá uma economia mista, não pensando impor qualquer limitação aos investimentos privados. Justificando-se, acentua o líder ganense que, antes de promover o socialismo, para o qual o seu país não possui ainda os meios necessários, prefere preocupar-se agora em possibilitar os fundamentos reais sobre os quais poderá erigi-los, que são a modernização da agricultura e a industrialização de Gana. O que prova tudo isso é que os africanos buscam mesmo, cometendo erros e acertos, de experiência em experiência, ao longo de sua revolução, a conquista de um equilíbrio, repito, para substituir o que lhe foi destruído pelas forças e a prática colonialistas. (...)” pp.19-20.

 

II- Missão Condenada: Diário

- O autor inicia seu relato pelo seu retorno à África relembrando sua primeira estada em 1961. Agora de volta, em fevereiro de 1963, após a renúncia de Jânio Quadros, transformando em pesadelo o que outrora fora conquista. Foram 14 meses duros na África. Eis sua volta de férias.

- Adiante o autor relata sua rotina de embaixador, suas pretensões de leituras e releituras além de possibilidade de dedicação à escrita literária, apesar de parco tempo livre. Na sua volta de 2 meses de férias percebe uma atmosfera diferente em Acra.

- “Sem data — Encontro Acra diferente, sem a atividade e a animação que lhe davam ares de grande capital; Parece vencida, para não dizer morta. Como que existe um esmorecimento geral, perdeu o dinamismo, não mais existe a vitalidade antiga. O ritmo é outro, tudo marcha lentamente. A Acra de hoje não é nem a sombra daquela cidade movimentada, alegre, espírito triunfal, de quando aqui cheguei pela primeira vez. Talvez seja consequência dos momentos difíceis passados com o clima de terror inaugurado por elementos da oposição fantasma a Nkrumah, os quais atentaram vezes seguidas contra a sua vida, no ano passado. Predomina a incerteza, algum medo, existe sem dúvida retraimento e aguarda-se modificações de métodos e linguagem. Mas, não nos precipitemos.” (p.30)

 

- Acra certamente era a capital das lutas e o autor compara a cidade com Dakar e Lagos, mas certamente menos moderna, depois da comparação diz um ponto que acho interessante.

“Acra, pois, feia e desarmônica, é mais genuína do que outras capitais, além de ser mais representativa, sendo como foi, e como ainda o é, o grande centro irradiador do nacionalismo africano, cenário das conferências e dos encontros que mais influíram no aceleramento do processo de descolonização. Não é uma cidade sem história, tem um passado que lhe empresta orgulho e substância. Muito antes dos europeus se instalarem em suas praias, com os seus castelos e fortes, o que começou a ocorrer no Século XIV, Acra já tinha história, era um dos centros mais importantes do período pré-colonial, ainda agora insuficientemente conhecido, pois muitos historiadores europeus consideram a história africana apenas a partir da presença dos ocidentais no Continente Negro. Para eles a África não tem História a não ser a partir da colonização, considerando-a antes daquele período apenas como terra de tribos incapazes de progresso, em perpétuas guerra de destruição, A verdade, porém, é muito outra. Graças aos esforços de pesquisadores da História africana, destacando-se entre eles estudiosos nascidos na própria África, começamos a conhecer as grandes civilizações que se desenvolveram no Continente Negro, seus períodos de grandeza e de declínio.”

(...)

 

- “13, fevereiro — Compareci esta tarde à minha primeira recepção diplomática, após reassumir o posto. Foi no Alto Comissariado do Canadá, onde encontrei praticamente os personagens de sempre. Conheci porém o famoso Martin Appiah Danquah, o cérebro da política cacaueira de Nkrumah. É um homem simpático, sorridente como todo ganense. Falou de seu desejo de nova visita ao Brasil, dizendo guardar boas recordações da Bahia. Esteve ele em Itabuna e Ilhéus, correndo parte da zona cacaueira. Conversamos longo tempo, perguntando-me ele, a certa altura, se era verdade o que diziam sobre os meus antepassados. Queria, aliás, saber ao certo se realmente os meus bisavós foram ewes ou ashantis, respondo-lhe eu ignorar se procediam mesmo de uma das duas raças.

— De qualquer forma, deve sentir-se em casa, não? — indagou, com uma gargalhada”

 

- Contudo, apesar da ancestralidade, o autor se vê oriundo duma civilização diferente, apesar de reconhecer certos laços.

- O autor continua seu diário onde perpassa pelos eventos diplomáticos, onde visita um professor que de certa maneira se opõe a Nkrumah, outro lhe pergunta se há discriminação racial no Brasil e seu gesto mesmo não muito enfático na resposta demonstra que sim, e isto de certa maneira o atormenta, relatando desanimo em sua missão por diversas vezes e por variados motivos.

- Apesar de citar o temperamento difícil de Vivaldo Costa de Lima, relata seus avanços nos estudos culturais e religiosos, mas destaca os africanos Nana Kobina Nktsia, da Universidade de Gana e Kofi Antubam, do Achinota College.

 

***

- E já em outro encontro...

 

“O professor Ciril Fiscian relembrou-me a homenagem prestada pela comunidade ‘Tá-bom’ ao Embaixador do Brasil e respectiva família, dizendo não ter comparecido por motivo de doença. Vale a pena rememorar a recepção, pelo significado de que se revestiu. Tudo correu assim: um ganense falando excelente português, cujo nome me escapa no momento, procurou-me certa manhã na Chancelaria, para informar-me do desejo da comunidade brasileira em Acra. Combinamos, para o dia seguinte, encontro com um personagem devidamente credenciado do chamado povo ‘Tá-bom’, o Reverendo G. K. Nelson, capelão do Exército de Gana, que me ofereceu breve informe sobre a fundação e desenvolvimento da nossa comunidade”... p.44 (...)

 

- página 47 – discurso Nelson...

 

"Excelências. Em nome do Chefe, da Rainha e do povo que formam esta comunidade, em Acra, sinto-me honrado em dar as boas-vindas ao Senhor Embaixador R. Souza Dantas, do Brasil, a esta comunidade e também a Gana.

"Já é por demais sabido que a comunidade brasileira de Acra se compõe de descendentes dos imigrantes brasileiros que saíram da Bahia e aqui chegaram em 1836. E como não poderia deixar de ser, foi logo desde o início nossa grande vontade, ao oferecer uma homenagem ao Senhor Embaixador, aproveitar a ocasião para render sincero tributo ao Nii Ankrah de Obtoblohum. Pois foi ele o nosso grande anfitrião, vez que hospedou em seu palácio os nossos antepassados que pisaram pela primeira vez em solo ganense (na ocasião a antiga Costa do Ouro).

"Nossos bisavós, por sua vez, logo adquiriram a amizade e logo se tornaram merecedores da grande estima do povo Ga, pois que muito ajudaram este povo financeiramente e na luta contra os outros povos da terra.

"Nossos antepassados também contribuíram de maneira decisiva para o engrandecimento da vida social de Acra e de Gana, e foram eles que introduziram aqui muitos hábitos civilizados, como, por exemplo, o uso das roupas europeias, o querosene.

"É bem verdade que nenhum de nós aqui presente já visitou o Brasil, mas isso não importa: continuamos a considerar o Brasil a nossa terra-mãe, e esperamos ansiosamente, Senhor Embaixador, por esta oportunidade de congraçamento, em Gana. E digo mais: nós nos sentimos no dever de lhe oferecer esta recepção, vez que o Senhor Embaixador é o representante legítimo de um país que nós consideramos, como já disse, nossa terra-mãe.

"E esperamos assim que, enquanto o Senhor Embaixador permanecer em Gana, possa contar com a nossa sincera ajuda a qualquer momento, mas logicamente, sem infringir de leve sequer, a nossa lealdade ao Governo de Gana. E esperamos, também, que o Senhor Embaixador possa ajudar a qualquer membro desta comunidade, se aparecer ocasião para tal.

"Senhor Embaixador: o Chefe, a Rainha e os membros da comunidade brasileira em Acra lhe desejam uma estada feliz em Gana. Muito obrigado, Fortunato Antônio Nelson, Nii Azumah III”.

 

 

- página 50 – 25, fevereiro...Lendo Os Condenados da Terra...

 

25, fevereiro — Leitura de Les Damnés de Ia Terre. Muito se escreverá ainda sobre o processo de descolonização, mas acredito que nenhum outro livro como este de Frantz Fanon. Além de terrificante, pelos aspectos que passa em revista e analisa, como também pelos problemas que examina, é uma verdadeira apologia da violência. Para Frantz Fanon, a violência é a única arma viável contra o colonialismo. Através da introspecção e da observação, cheio de cólera e paixão, êle apresenta um quadro que se poderia dizer apocalíptico. Para ele, só há um valor, só uma arma, só um princípio: a violência. Afirma que a violência dos colonialistas só pode ser vencida pela violência. Livro terrível, que arrepia e arrebata. Realmente, a atmosfera da descolonização foi a da violência, continua sendo a da violência, será a da violência, mesmo quando ela pareça ausente.”

 

-  página 52 – 1º março..

 

1º, março — Começam a enfeitar a cidade, para as comemorações da Independência. As mesmas decorações dos anos anteriores, mal apercebidas pelo povo. Mas não será de outra natureza, essa indiferença? A verdade é que alguma coisa mudou. A vida torna-se cada vez mais cara, a miséria cada vez maior. Contudo, Gana é o país mais bem aparelhado, aquele que oferece melhores perspectivas. As dificuldades passarão, pois além de ser bastante rico, imensas as suas possibilidades de desenvolvimento econômico, os seus dirigentes empenham-se, com energia, comandados por Osagyefo, em plantar uma indústria verdadeiramente africana. Para isso, porém, tornam-se necessários sacrifícios imensos. Entre os projetos em realização, o que maiores sacrifícios têm reclamado é o da barragem do Rio Volta, que fornecerá energia para uma indústria nascente e diversificada.”

 

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- página 65 – li entre outros...

 

“Li, entre outros documentos, breve depoimento de Silvanus Olympio, Presidente da República do Togo. Fala aquele descendente de brasileiro, com um toque quase patético, sobre o que, na sua opinião, deveria ser a unidade africana. Avistei-me com Silvanus Olympo por três vezes, em Lomé, por ocasião das festividades comemorativas da Independência do Togo, em 1962, às quais compareci como representante do governo de meu país, na qualidade de Embaixador. Deram-se assim os três encontros: o primeiro, na mesma tarde em que cheguei a Lomé (era a minha segunda viagem à capital togolesa). Foi em seu gabinete de trabalho, no Palácio Governamental, quando o sondei sobre a possibilidade de uma viagem sua ao Brasil, dando-lhe ao mesmo tempo ciêncía do interêsse do meu país em manter relações diplomáticas com o seu, aquele da área atlântica onde a comunidade brasileira é mais numerosa. A segunda vez foi no desfile da Independência e, o terceiro, no banquete oferecido no Benin Hotel. Falando para a esposa, dissera ele, sorrindo para minha mulher, ao ser-lhe ela apresentada:

- Veja você como nos parecemos todos. Em tudo, mas em tudo mesmo. Na côr, no gosto pela vida, na gentileza. Em tudo, em tudo mesmo. Somos irmãos, estamos apenas separados pelo oceano — e riu, o seu riso simpático e aberto.

No Rio, oito meses depois, num tórrido fim de tarde de janeiro, escutei pelo rádio a notícia de sua morte, assassinado por um dos que sustentaram o golpe de Estado que o derrubou do poder.”

(...)

 

- página 72 – 13 de março...

 

13, março — Grande sensação na cidade de Acra. Os responsáveis pelos atentados à bomba, ocorridos no ano passado, estão em julgamento. Os nomes de Adamafio e Ako-Adjei aparecem como autores e animadores do plano de derrubada do regime de Osagyefo. São aqueles dois antigos Ministros, e mais o Secretário administrativo do Partido da Convenção Popular, Coffie Grable, acusados diretamente, constando o processo, inclusive, haver o primeiro fornecido as bombas para os atentados contra Nkrumah. Enquanto lia o relato da Suprema Corte, tinha presente ao espírito a figura arrogante, antipática e grosseira do antigo Ministro das Informações, Adamafio. Lembro-me da primeira visita que lhe fiz, acompanhado de homens de negócios do Brasil. Recebeu-nos éle com manifesta má-vontade, sequer levantou-se. Ouviu-nos com impaciência, passando um olhar indiferente pelos planos que lhe foram exibidos, para terminar desencorajando-nos com a seguinte frase:

— Dentro de um ano seremos uma República Socialista e então enxotaremos todos os estrangeiros exploradores de Gana. Por conseguinte, não há muita oportunidade para negócios desse tipo.

Ê um personagem antipático e antipatizado. O povo tinha-lhe horror — e ninguém mostrou surpresa na madrugada em que correu a notícia de sua prisão, como traidor. Ninguém entendeu foi estar Ako-Adjei envolvido na trama. Quase todos mostraram-se perplexos. Com desprezo, alguns tentaram explicar a sua traição:

— Trata-se de um intelectual.

Acredita-se que os implicados nos atentados, em atendimento ao que exigem as multidões do CPP, serão condenados à morte.”

(...)

 

- pág 90 – 24 abril...

“..decisão de deixar o posto. Espero fazê-lo em agosto. Impossivel ficar mais tempo. As divergências são grandes. Seria inútil permanecer. Não concordo em que sejamos apenas informantes. Nossa presença deveria ser marcada pela agressividade, através uma ação positiva. Da maneira que vamos, transformamo-nos numa repartição puramente burocrática. Para que serve a presença do Embaixador? Apenas para mostrar-se nos coquetéis e nas recepções?”

(...)

 

- pág. 95 sem data... final do diário e retorno...

 

Sem data — Penso regressar em definitivo, ao Brasil, dentro de mais um mês. Já tenho inclusive os termos da carta ao Presidente Goulart, solicitando exoneração do honroso posto. Pretendo acentuar que não foi feito muito, tendo como objetivo o incremento de nossas relações comerciais, apesar das inúmeras solicitações no sentido de providências que, sem dúvida, reconheço não poderiam ser tomadas sem maiores estudos, relacionados com problemas de trocas, pagamentos, tarifas e fretes. É meu dever registrar que a nossa Embaixada jamais esteve devidamente aparelhada para funcionar eficazmente. Nada foi, realmente, feito para o incremento de nossas relações comerciais, tarefa que requereria atuação agressiva, na base de esquema inspirado no esforço coordenado e conjunto das diversas representações brasileiras nos países africanos, com o auxílio dos vários órgãos oficiais e privados que, direta ou indiretamente, influem no processo da produção exportável e sua comercialização. Não penso em escusar-me pelas coisas que deixaram de ser feitas, mesmo sem contar com a devida aparelhagem, mas não poderei deixar de referir-me ao que poderia ter sido a nossa ação em Gana, caso realmente tivéssemos tido condições de realizar tudo quanto foi planejado. Sei que não farei nenhuma carta nesses termos. Vai ser um pedido de exoneração puro e simples, alegando motivos de saúde. A verdade é que tudo não passou de um drama, que infelizmente não sei se o poderei dar aqui como encerrado para sempre.

Mas esse é o meu desejo. Mais do que isso, é o meu propósito.

(Acra, Gana, África Ocidental)”

 

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Notas e trechos

Fuca, Insurreição CGPP

 

Perfil – Raimundo Souza Dantas

Fonte:  http://www.acordacultura.org.br/herois/heroi/raimundodantas

Nasceu em Estância/SE, em 11 de fevereiro de 1923. Filho de família humilde, de mãe lavadeira e pai pintor de parede. Raimundo desde muito cedo teve de trabalhar, aprendendo vários ofícios. Foi aprendiz de ferreiro e de marceneiro, e, ainda em Estância, foi entregador de embrulhos de uma casa comercial. Aos dezesseis anos foi trabalhar numa tipografia. Foi nessa tipografia que começaria o seu processo de alfabetização. Mudou-se para Aracaju passando a trabalhar na tipografia onde eram publicados os jornais de Estância e da própria capital sergipana.

Foi nessa época, já nas oficinas do Correio de Aracaju, ouvindo várias leituras de textos de Jorge Amado, Machado de Assis e Marques Rebelo, feitas com o auxílio do amigo Barbosa, um amante da literatura moderna, que consolidou seu letramento. Com ajuda do amigo Armindo Pereira, passaria a escrever no periódico Símbolo.

Aos dezoito anos (1941), chegou ao Rio de Janeiro onde começou a trabalhar no semanário Diretrizes, depois passou a colaborar nos periódicos Vamos Ler, Carioca e Diário Carioca, onde atingiu o posto de redator. Em 1944 escreveu seu primeiro livro, o romance, “Sete Palmos de Terra”, com uma linguagem simples e repleta de recordações de Estância.

No Rio, tornou-se amigo de grandes escritores, como Graciliano Ramos. No ano seguinte, em 1945, lançava seu segundo livro, de cunho autobiográfico, e fundava o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com Solano Trindade, Aladir Custódio e Corsino de Brito. Essa associação lutava pela inserção da população afro-brasileira no processo de redemocratização, através da luta pela melhoria das condições de trabalho e de educação.

Já como jornalista consagrado casou-se com Idoline com quem no ano seguinte teve seu primeiro filho, Roberto. Em 1949 publicaria mais um livro, desta vez para a Campanha de Educação de Adultos do Ministério da Educação e Saúde, onde relatava toda a sua trajetória de vida.

Foi nomeado oficial de gabinete do governo de Jânio em 1961, para em seguida ser designado a Gana como o primeiro embaixador negro do Brasil, em já nos anos 70, assumiu a embaixada da Argentina (1976).

Entre as duas nomeações, trabalhou no serviço público federal como técnico de assuntos educacionais, cabendo-lhe organizar no MEC o Setor de Relações Públicas. Foi membro do Conselho Nacional de Cinema, INC, e integrou a comissão para criação de serviços educacionais nos Museus; participou também do Conselho Estadual de Cultura, no Rio de Janeiro.

Obras publicadas: Sete palmos de Terra, 1944. Agonia, 1945. Bernanos e o problema do romancista católico, 1948. Solidão nos campos 1949. Vigília da Noite, 1949. Um Começo de Vida, 1949. Reflexões dos 30 anos, 1958. África Difícil, 1965.

Faleceu no Rio de Janeiro em 2002.