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quarta-feira, 17 de junho de 2020

Ventos do Apocalipse, Paulina Chiziane – Breve Nota

Quando assisto a alguma entrevista da escritora moçambicana Paulina Chiziane, com sua tranquilidade na expressão, uma doçura na voz e sempre se portando com muita evidência, fica difícil de imaginar como ela pôde escrever um livro tão repleto de sofrimentos e situações extremamente subumanas. Pois é, Ventos do Apocalipse traz essa bagagem da vida do seu povo no sul de Moçambique pós-independência e assim travando uma guerra civil.
Este livro é o seu segundo romance, publicado em 1975, apesar de a autora não se considerar uma romancista, é fato que me parece não querer atribuir a rótulos europeus para sua obra, nem para seu ser e suas crenças. A sua escrita está mais ligada à tradição oral, a contação de histórias e em particular, as histórias que as mulheres carregam consigo.
São cíclicos os ventos que sopram o apocalipse, e assim a autora inicia o livro com contos do passado, meio que para ambientar a leitura do romance que virá.  O romance é dividido em duas partes: A primeira parte se passa na vila de Mananga, e a narrativa se ambienta na vida de Sianga e Minosse, um casal, Sianga que já fora um régulo não é mais nada da vida, a única mulher que o aturou foi Minosse. 
O cenário é de seca, numa região que depende do clima para se estabelecer numa espécie de agricultura de subsistência. Para agravar, a guerra está sempre a soprar sua brisa, desse modo começa-se a aparição de refugiados de outras aldeias e vilas. A constante busca por sobrevivência vai gerar atritos.  
A segunda parte já se dá pela busca de refúgio dos que sobreviveram dos conflitos em Mananga. E é então que o vento sobra bem forte, a devastação retratada é algo bem estarrecedor. Minosse continua nessa jornada, sendo então a principal voz no romance, uma voz feminina que guardou e viveu toda a desgraça daquele cenário.
A minha sensação é a de que a história não teve fim, justamente pra supor a ideia inicial de que tudo é cíclico, ou seja, os europeus que na colonização devastaram a tradição local, em outro momento vieram para “ajudar” numa guerra civil, seria mesmo só ajuda, assim sem nenhuma pretensão? As mulheres ancestrais que sofreram no passado (vide um conto inicial do livro), a mesma dor se fez presente na vida infeliz de Minosse, existia ali alguma projeção de mudança pro futuro? E se a história pode girar em ciclos será que devemos aprender com as experiências do passado? Foram alguns questionamentos que fiquei a imaginar pós-leitura. E assim encerro essa breve nota, vou deixar o link de uma das entrevistas de Paulina Chiziane, e também a nota de outro livro da mesma autora, As Andorinhas.
Fuca, Insurreição CGPP, 2020. Livro de contos: AS ANDORINHAS



"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países. Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."





quarta-feira, 10 de junho de 2020

Nós Matamos o Cão Tinhoso – Luiz Bernardo Honwana - Breve Nota

Nós Matamos o Cão Tinhoso é um conto de Luiz Bernardo Honwana, foi publicado pela primeira vez em 1964 em Moçambique. Esta obra faz parte de um livro de sete contos de Honwana sendo esse o maior deles e o que carrega o titulo do livro. (ou o livro que leva o titulo do conto).
Bom, se não fosse o fato de ser considerado um conto clássico, devido principalmente ao contexto histórico em que foi escrito e lançado, a trama do texto já teria sua importância para pensar na subjetividade do ser humano. Ginho é uma criança esperta para algumas atividades, mas se deixa levar facilmente por determinações que outras pessoas colocam. Ele representa a dúvida, um leque de atitudes para tomar, representa um momento de escolhas e afirmação! Mas qual caminho seguir?
Sua dúvida maior é a de que se deveria ou não matar o cão sujo que todos ignoram, nem outros cães chegam perto dele, por isso Cão Tinhoso, que remete a sujeira/sarna e não a teimosia, como no português brasileiro. Aliás, o texto que li era o português de Moçambique e continha algumas expressões próprias de lá, assim como, por vezes, a linguagem de uma criança, pois Ginho é quem narra o conto.
Apenas Isaura é quem mantém afeto ao cão, que dá carinho e divide seu lanche com o Cão Tinhoso. Não é a toa que ela é tida como louca na escola, assim pensam.
Desse modo, trazendo ao momento político de Moçambique, as décadas de 60 e 70 foram cruciais para as lutas de libertação e de independência, não só em Moçambique como no continente africano. Eram lutas violentas contra o poderio colonial, foi um momento de busca de autodeterminação política e histórica, momento de emancipação, novos rumos a renascer outros caminhos.
Afinal, que lado o Cão Tinhoso representa? Por que matar o cão? Quem mandou matar o cão? O que as crianças armadas representam nesse momento, especialmente Ginho e Isaura? Essas são algumas das reflexões e analogias possíveis a partir desse conto.
Pra mim o cão tinhoso deveria representar o sistema colonial! No entanto, tudo indica que o cão demonstra a situação das pessoas pretas, e Ginho, um menino preto, deveria matar a serviço e a mando do sistema branco, que procuram justificativas para amenizar as culpas. Seria, então, Ginho um capitão do mato? E pior, o que nem recebe nada por isso a não ser o prestígio de ser aceito num grupo...  
Enfim, um conto rápido que evidencia todo esse sistema hierarquizado até os dias de hoje.

Fuca, Insurreição CGPP
2020

Tem a edição de 2017 da editora Kapulana.


Sobre o Autor
LUÍS BERNARDO HONWANA nasceu em 1942, na cidade de Lourenço Marques (atual Maputo, capital de Moçambique), e cresceu em Moamba, cidade do interior, onde seu pai trabalhava como intérprete. 1964 foi o ano da primeira publicação de Nós matamos o Cão Tinhoso!. No mesmo ano, Honwana, militante da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), foi preso por suas atividades anticolonialismo, e permaneceu encarcerado por três anos. Em 1970, foi para Portugal estudar Direito na Universidade Clássica de Lisboa. Após a Independência de Moçambique, em 1975, foi nomeado Diretor de Gabinete do Presidente Samora Machel, e participou ativamente da vida política do país. Em 1982, tornou-se Secretário de Estado da Cultura de Moçambique e, em 1986, foi nomeado Ministro da Cultura de Moçambique. Em 1987, foi eleito membro do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Em 1991, fundou e foi o primeiro Presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa. Em 1994, foi convidado para entrar para o Secretariado da UNESCO e foi nomeado Diretor do escritório regional da organização, com base na África do Sul. Honwana é membro fundador da Organização Nacional dos Jornalistas de Moçambique, da Associação Moçambicana de Fotografia e da Associação dos Escritores Moçambicanos. Atualmente, é o diretor executivo da Fundação para a Conservação da Biodiversidade (BIOFUND).


sábado, 19 de janeiro de 2019

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota 


Com uma narrativa literária de luta, ler o livro “As Andorinhas” vem como se estivesse ouvindo as histórias e ensinamentos de uma mais velha numa conversa frente a frente. Contendo três contos que abordam cada qual a sua maneira a caça ou a liberdade das andorinhas. No primeiro conto, ”Quem Manda Aqui?”, um imperador gordo, arrogante e ditador resolve querer silenciar as andorinhas e acaba desguarnecido e sofre a invasão dos brancos. No segundo, “Maundlane, O Criador”, trata de uma grande história e vários ensinamentos ao relatar a trajetória de um exímio guerrilheiro. E por fim, conta-se a história de “Mutola” utilizando o causo da águia e da galinha. Assim essa excelente escritora nos aproxima das vivências de libertação Moçambicana, e é evidente a valorização da importância feminina em suas narrativas, por vezes, a mulher é a grande sábia, é a que detém o controle familiar, e útero é sempre bom adjetivo. Um livro fino, de 125 páginas, então não há desculpas para não lê-lo, e fica a indicação! Pra se mergulhar cada vez mais na literatura africana!



Fuca - 2019


Infos no livro: 

“A escritora Chope, filha de um alfaiate e de uma camponesa dona de casa, usa o seu poder de contadora de histórias para partilhar o percurso de três personalidades, desafiando o leitor com um debate sobre o passado e o presente de Moçambique.”

"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países.
Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."