segunda-feira, 18 de julho de 2016

Todo dia, toda hora: é racismo

Numa conjuntura que nega a existência das várias formas que o racismo se manifesta é extremamente necessário apontar que infelizmente um povo vem sendo perseguido e exterminado; O POVO PRETO.

Por Fuca

Certa vez numa reunião duma grande empresa no Brasil, um gerente negro afirmou não haver racismo na empresa onde ele trabalhava, mesmo levando em consideração que ele era o único negro naquela sala com vinte pessoas que dirigiam e gerenciavam vários setores do topo do organograma da empresa. Para enfatizar sua posição, argumentou ter estudado e trabalhado muito para chegar onde chegou e que ocorre muito a questão do vitimismo quando se trata de racismo. Em contrapartida ele não desconsiderou que o racismo vigora, mas não lá, pois ninguém o xingou de macaco ou tacou banana nele, nem mesmo nunca o chamaram de negro fedido...

Todo dia temos situações como esta em vários locais. Em diversas instituições a representatividade do povo preto é irrisória evidenciando não apenas uma questão de preconceito ou discriminação, mas de racismo! Se preconceito é ter uma opinião e um conceito desfavorável a uma raça e discriminação é tratar de forma desfavorável uma raça, o racismo engloba os dois numa relação de poder*.

Então, além do povo preto ter acesso negado de forma peculiar (que não se enxerga fácil como nega) com um grande impacto (é nítida a negação), o que esse preto isolado disser vai equivaler a palavra ou a visão de todo um povo. Essa é uma das faces do racismo institucional! Diante disso, dentre outras coisas, percebe-se aí a importância de ser uma preta e um preto conscientes.

Não existe racismo apenas quando se xinga um preto ou uma preta. Mas a própria situação de haver apenas um preto no cargo de poder dessa empresa no Brasil. A situação de não poder falar das questões que seu povo vem sofrendo. A situação de não poder falar de um povo preto vitorioso, pois não teve nem acesso a linda história de seus ancestrais negros antes da escravidão e colonização europeia. A situação de não poder falar em protagonismo e muitas vezes ouvir o termo minoria que não faz sentido algum. A situação de não dispor de recursos psicológicos, culturais e epistemológicos necessários para sua emancipação quanto ser humano preto, diásporo Africano.

“Conceito de Racismo Institucional**
Racismo institucional pode ser definido como o fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa de sua cor. O termo foi utilizado de forma pioneira, em 1967, pelos ativistas Stokely Carmichael e Charles Hamilton, integrantes do grupo Panteras Negras, para especificar como se manifesta o racismo nas estruturas de organização da sociedade e nas instituições (Geledés, 2013, P.11). Foi empregado também, a partir de 1993, por instituições de combate ao racismo na Inglaterra, em particular na Comissão para Igualdade Racial – Comission for Racial Equality (CRE) – do Reino Unido (Sampaio, 2003). Manifesta-se por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios atuantes no cotidiano de trabalho das organizações, resultantes do preconceito ou de estereótipos racistas (Ipea, 2007). O racismo institucional não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação, mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada, do ponto de vista racial, na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população (Silva et al. 2009) ”

No que tange a segurança pública o racismo anti negro age dessa forma sistêmica no Brasil. Em outras partes do mundo não deve ser muito diferente, independentemente se o povo preto seja maioria ou minoria. O cenário no país tropical do ‘(mito) democracia racial’*** é de total massacre. As maneiras as quais as vidas pretas são ceifadas é de total desumanização, da forma mais cruel dentro das possibilidades... não é uma analogia dos acontecimentos brutais da escravatura, até porque como C.L.R. James citou, “nenhum lugar na terra concentrou tanta miséria quanto o porão de um navio negreiro”. Mas as estruturas da escravidão permanecem a todo vapor, cheias de ódio.

Se a vida é um bem maior humano, então a vida deve ser a primeira pauta a se lutar, e se as vidas pretas que estão sendo aniquiladas tem que se lutar pelas vidas pretas primeiro. Primeiro Raça! Primeiro a Vida, para ainda assim sobreviver!

Numa conjuntura que nega a existência das várias formas que o racismo se manifesta é extremamente necessário apontar que infelizmente um povo vem sendo perseguido e exterminado; O POVO PRETO.

Será que a maldita farda estatal da polícia jamais cessará fogo contra o povo preto? Vejam bem, não é uma questão que teria que morrer mais brancos, entenda... Não dá pra aceitar o extermínio do nosso povo preto! Infelizmente essa é a regra, o combate deve ir em direção aos valores arraigados nessa regra, e a força da exceção não deverá ser mais forte do que a regra!

Como acabar com essas instituições que perseguem os negros? O que está em jogo é: a quem essas instituições servem? Pra quem é interessante a morte dos pretos? Quem detém todo esse poder é a Supremacia branca****.

É não enxergar isso e ver a escalada de violência subir mais e mais. Alguém lucra com isso? Sim, os privilegiados supremacistas brancos. Apenas os pretos são/serão atingidos? Não, mas a negação da existência do racismo não cabe nessa realidade, ou queriam que a letalidade da polícia fosse 100% de negros? Não basta de 70% a 80%?

Como aceitar que continuem surgindo movimentos intitulados pelos últimos dizeres da vida dos nossos mortos?

Os dados podem parecer frios, mas é o modo de se visualizar essa realidade que “oito em cada dez usuários regulares de crack são negros. Oito em cada dez não chegaram a ensino médio”.***** Desses, 40% vivem em situação de rua, 49% tem passagem pelo sistema prisional. O Brasil encarcera mais de 700 mil pessoas! O genocídio perpetrado pela supremacia branca é devastador!

É mais que necessário que visemos o direito de formar uma nação preta autônoma, pois o genocídio vai para além da morte física, atinge a natureza do ser, a cultura, a religião, a família, a existência, a alma e a nossa realidade!    
    


*Racismo: Relação de poder que inferioriza características físicas (fenótipo) e culturais de uma raça, “um sistema de pensamento, fala e ação operado por pessoas que se classificam como brancas, e que usam o engano, a violência, e/ou a ameaça de violência, para subjugar, usar e/ou abusar de pessoas classificadas como ‘não-brancas’ em condições que promovem a prática da falsidade, da injustiça e do erro, em uma ou mais áreas de atividade, com o objetivo último de manter, expandir e/ou aperfeiçoar a prática da supremacia branca (racismo).” (Neely Fuller Jr) ver artigo Primeiro Raça.link


** Extraído do artigo “Segurança Pública e Racismo Institucional” (Almir de Oliveira Júnior/ Verônica Couto de Araújo Lima)


*** ...o Brasil sempre se apresentou internacionalmente com a imagem de país modelo da harmonia racial, constituindo-se no exemplo de país em desenvolvimento e de perfeita convivência racial, conforme consta nos relatórios apresentados à ONU sobre a Convenção Internacional de Eliminação de Todas As Formas de Discriminação Racial.
“Tenho a honra de informa-los que desde então não há discriminação racial no Brasil (...) na legislação que especificamente lida com a discriminação racial. Nenhuma apresentação detalhada é determinada, porque o contexto histórico e cultural dos brasileiros é tal que esse tipo de preconceito é completamente estrangeiro a ele.” (CERD, 1970)
“A integração racial no Brasil, que é resultado dos quatros séculos de nosso desenvolvimento nacional, proporciona para o mundo contemporâneo uma experiência em harmoniosa vivência racial. Isso é infelizmente incomum em outros locais. Essa integração não originou de leis que estipulam que somos um, mas de um processo natural espontaneamente alcançado.” (CERD, 1971)
“Pareceria supérfluo aqui repetir o fato que no Brasil tolerância racial e miscigenação precedem qualquer estatuto legal que poderia ter tentado proibir ou suprimir a discriminação racial. É questão de registro que, embora a integração étnica tenha existido durante séculos no Brasil, a primeira lei para lidar especificamente com o assunto entrou em efeito em 1951. Essa é a razão pela qual o código penal não ataca a discriminação racial diretamente.” (CERD, 1974)
“Como país que consolidou sua identidade nacional em cima de um período longo de experiência étnica, marcado pela integração harmoniosa e congruência cultural de grupos raciais diferentes, o Brasil condena todos os atos de discriminação, dando seu apoio sem hesitar a todas as iniciativas empreendidas para combater o apartheid, especialmente para as resoluções pertinentes das Nações Unidas, da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança” (CERD, 1980)

(O Movimento Negro e o Estado:1983-1987 – Ivair Augusto Alves dos Santos)


**** ...Em sua forma mais óbvia, a supremacia banca se expressa como um processo físico de pura violência, muitas vezes extremamente brutal. A escravização, pelos europeus, de milhões de africanos durante várias centenas de anos, o extermínio dos povos indígenas na América, assim como a matança e o aprisionamento de milhões de africanos durante o período de colonização, são apenas exemplos de uma lista aparentemente interminável de atos de terror perpetrados por supremacistas brancos em todo o planeta. A supremacia branca também pode ser um processo social e econômico pelo qual milhões perdem a soberania, muitas vezes em sua própria terra, sendo seus “recursos” (por exemplo, terra e trabalho) apropriados pelos europeus em função dos interesses destes. Mas a supremacia branca também pode ser um processo mental, mediante a ocupação do espaço psicológico e intelectual dos que devem ser submetidos, levando ao que Wade Nobles denominou, de forma certeira, “encarceramento mental”. A tomada do espaço mental africano ocorre por meio do disfarce de ideias, teorias e conceitos europeus como universais, normais ou naturais. Todos são “étnicos”, menos os europeus. Mas essa aceitação não questionada da Europa como normativa é altamente problemática para os africanos. Com efeito, a Europa forjou grande parte de sua identidade moderna à custa dos africanos, particularmente por meio da construção da imagem do europeu como o mais civilizado e do africano como seu espelho negativo, isto é, como primitivo, supersticioso, incivilizado, aistórico e assim por diante.

(A Afrocentricidade Como Um Novo Paradigma – Ama Mazama)


***** Oito em cada dez usuários regulares de crack são negros. Oito em cada dez não chegaram ao ensino médio. Essas proporções são bem maiores do que as encontradas no conjunto da população brasileira. Além disso, elas referem-se a características temporalmente anteriores ao uso de crack. Somavam-se a esses, outros indicadores de vulnerabilidade social, como viver em situação de rua (40%) e ter passagem pelo sistema prisional (49%). As mulheres usuárias regulares de crack têm o mesmo padrão de vulnerabilidade social, com o agravante que 47% relataram histórico de violência sexual (comparando a 7,5% entre homens). Outra pesquisa já havia indicado que a mortalidade de usuários de crack é 7 vezes superior à população geral, sendo os homicídios a causa de morte em 60% dos casos.
A relação entre exclusão social e uso do crack emergiu como um tema a ser aprofundado a partir da pesquisa de metodologia epidemiológica da FIOCRUZ.

Nenhum comentário:

Postar um comentário