Mostrando postagens com marcador Ruanda. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ruanda. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Sobrevivi para contar – Immaculée Ilibagiza – Breve Nota

Uma pessoa iluminada. Eis a forma de eu começar a escrever brevemente sobre Immaculée Ilibagiza, ou mais precisamente de seu livro, Sobrevivi Para Contar: O Poder da Fé me Salvou de Massacre. Acredito que a mensagem que ela deixou ao escrever esse livro é de um valor imensurável. Mesmo com todo tipo de pergunta que eu possa me fazer e independente das respostas que eu venha supor, o sentimento de admiração que tenho por ela não será reduzido. Não é pra menos, essa obra se trata do relato pessoal de Immaculée diante do genocídio em Ruanda (1994), desencadeado através dos conflitos de duas etnias, Tútsis e Hutus. Apesar de a autora ter perdido grande parte de sua família nesse massacre, ela conseguiu sobreviver podendo contar sua árdua jornada pela vida, e o mais impressionante, ancorada de uma fé inabalável e que de tão verdadeira transborda para quem tenha tido contato com sua história, independente de religião, ao meu ver. 

Quantos e quantos questionamentos me vêm à mente nesse momento. São diversas reflexões e sensações acerca da vida, do mundo, das relações humanas. Por vezes me questiono o que seria honrar? O que significa perdoar? Até que ponto perdoar? A paz é possível?...Assim, me deparo com um turbilhão de suposições e respostas.

O livro se divide em três partes: I- A tempestade em formação, II- No esconderijo e III- Um novo caminho, com 24 capítulos distribuídos nessas partes, mais o epílogo. Num total de 196 páginas.
O livro se Inicia com um relato delicado e carinhoso acerca de sua família. Com muita leveza e doçura nas palavras ela retrata sua história e seu cotidiano. Toda família de Immaculée é católica e de boa instrução, seus país eram professores e com isso ela pôde ter um acesso melhor ao ensino.

Mencionou que apesar de ser bem educada não foi ensinada sobre a diferença de etnia em Ruanda. Com isso ela ficou perplexa diante da atitude de um professor no ensino fundamental, que fazia as chamadas separando por etnia. Ela não soube responder de qual etnia pertencia. Depois soube que fazia parte da minoria tútsi. Ela tinha uns 12 anos. Com isso, Immaculée indicou que seus pais visaram não reforçar essa diferença de etnia na educação de todos. Apesar de indicar que não iria se ater aos motivos do genocídio, em algumas passagens ela mencionou alguns pontos.

“(...)Não sabíamos que Ruanda era povoada por três tribos: uma maioria hutu, uma minoria tútsi e um número insignificante de twas, povo semelhante a pigmeus, que vivia nas florestas. Não nos ensinaram que os colonizadores alemães, e depois os belgas que os substituíram, tinham convertido a estrutura social então reinante em Ruanda – uma monarquia, sob reis tútsis, que, por séculos, manteve Ruanda em paz e harmonia – em um sistema discriminatório de classes, tendo por base a raça de indivíduos. Os belgas apoiavam a aristocrática minoria tútsi e os colocaram à testa do governo; assim sendo, os tútsis recebiam uma educação superior para melhor dirigir o país e gerar maiores lucros para seus senhores belgas. Estes instituíram uma carteira de identidade étnica para mais facilmente distinguir quem pertencia a qual tribo, aprofundando o fosso que cavaram entre tútsis e hutus. Esses erros imprudentes criaram um duradouro ressentimento da parte dos hutus, base para o futuro genocídio.”

Adiante, nesta primeira parte do livro, ela passa pelo estudo secundário e por fim a universidade, momento ao qual ela se orgulha pela emancipação enquanto mulher de poder fazer um curso desafiador na área da engenharia. Ao voltar pra Mataba, foi então que eclodiu a guerra e ela conseguiu abrigo na casa de um pastor.  

Intitulada “No esconderijo”, a segunda parte retrata seu martírio num confinamento na casa do pastor, ficou num banheiro pequeno acompanhada de mais 6 mulheres durante 90 dias. Impressionante como no banheiro ela procura uma elevação espiritual, mesmo naquela situação de prisão, ela se culpava por te ódio dos malfeitores e buscava se concentrar para perdoá-los. Então, aí se evidenciou sua fé, e seus modos de meditação e conversação com Deus.

Todas as sobreviventes confinadas só puderam sair devido a uma intervenção dos soldados franceses, e pairava ainda a dúvida da real intenção deles, pois foram eles quem havia municiado os grupos rebeldes, foram eles que mantinham contato com o governo ruandês. Vale lembrar que os aparatos do Estado estiveram também envolvidos nesse genocídio, e em tal circunstância o país presenciou total omissão das nações unidas ou de qualquer potencia que seja. Ora, não são eles os salvadores das pátrias, os que visam a democracia, ou só quando é de seus interesses?

Na terceira parte do livro é a vez de um “Novo Caminho” de Immaculée. Onde ela buscou juntar o que restava de uma vida e resignificá-la, estava disposta a perdoar, estava disposta a ajudar seu país, estava disposta a seguir a vida apesar dos pesares e essa foi a maneira de honrar a vida dos entes que foram brutalmente.  Sempre acompanhada do Poder da Fé.

Na minha reflexão eu enxergo os diversos pontos que abarcam esse genocídio, a questão das etnias, a divisão das classes sociais, disputas religiosas, com as mazelas da colonização no pano de fundo, o neocolonialismo, mas o que ficou também evidente é que temos nossas responsabilidades sobre nossas atitudes enquanto povo, e isso transcende a questão de Ruanda, não é raro ainda a gente se matar e se autodestruir, temos que assumir as rédeas dos nossos atos. Eu vejo que a mensagem de perdão e paz que Immaculée deixou, foi justamente visando um futuro melhor para Ruanda e pro mundo, já que as farpas não se dissipam assim facilmente.

Fuca, Insurreição CGPP - 2020


Post relacionado:
A Mulher de Pés Descalços - Scholastique Mukasonga - Breve nota

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

A Mulher de Pés Descalços - Scholastique Mukasonga - Breve nota

Escrever para não enlouquecer, escrever para rememorar, escrever para homenagear, reverenciar e não ser esquecida na história. Foi assim que Scholastique Mukasonga criou sua obra, um romance autobiográfico, ao descrever a trajetória de sua brilhante guerreira Mãe, Stefania, e de toda sua família. O cenário é repleto de invasões, saques, violência entre duas etnias de Ruanda, Hutus (maioria) e Tútsis ao qual sua família pertence. Ela perpassa, em seu livro, o que seria as condições e as preparações de um pre-genocídio ainda na década de 1960. Genocídio que eclodiu de fato nos anos 1990, que teve mais 800 mil mortos e Mukasonga não pode enterrar Stefania, assim como perdeu 37 pessoas de sua família.

Realmente, é muito difícil imaginar o que ela sente em não poder ter tido a oportunidade de estar com seus familiares e especialmente sua mãe, a quem Mukasonga deve toda sua existência, pois conforme o próprio livro, ninguém mais que Stefania se dedicou e protegeu a autora em meio ao caos, e além de tudo a aconselhou partir para o exílio e ir estudar fora. Caso contrário Mukasonga não nos contaria essa história.

No livro, Stefania representa a tradição africana, ela cultuava acima tudo os costumes ancestrais que  foram detalhados pela autora com algumas palavras em linguagem própria, tradicional e original. O pai de Mukasonga contrasta, de certa forma, essa luta cultural, sendo mais adepto a abertura de aquirir alguns costumes dos brancos. Percebe-se, também, na sutileza, algumas críticas da escritora perante ambos costumes.

Os desdobramentos dos conflitos étnicos em África, e nesse embate de Tútsis e Hutus em Ruanda, em linhas gerais, ainda é reflexo direto da colonização e invasão dos europeus (bélgica, alemanha, etc). Esse foi um dos modos de operar dos brancos, dividir para conquistar e dominar. Quais são as diferenças entre tútsis e hutus senão aquelas que foram enfatizadas pelos brancos: de superioridade de um em detrimento de outro?

O livro vem como uma voz feminina preta comovente e avassaladora, e demonstra a força e vigor da Mulher Africana e todo seu amor, afeto e humanismo.


Fuca - 2018





Sinopse: http://editoranos.com.br/nosso-catalogo/a-mulher-de-pes-descalcos/
O romance “A mulher de pés descalços” trata de maneira pungente dos conflitos enfrentados pelas mulheres na Ruanda das lutas fratricidas entre as etnias Tutsi e Hutu, que culminaram com o ominoso genocídio praticado pelos hutus em 1994. Naquele momento, Scholastique Mukasonga, que é da etnia tutsi, já estava radicada na França, e viu à distância sua família ser dizimada. Escritora e ativista da diáspora negra, ela toma para si o chamamento para dar voz à dor e à perda, principalmente de sua mãe Stefania, cuja memória é homenageada em “A mulher de pés descalços”.
Dados Técnicos
ISBN: 978-85-69020-18-9
Edição: Primeira
Páginas: 160
Formato: 12,5 × 18 cm
Encadernação: Brochura
Preço: 35,00