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segunda-feira, 5 de maio de 2014

Nelson Mandela - Discurso após sair da prisão em 1990

Discurso do Nelson Mandela na Cidade do Cabo após sair da prisão
11 de Fevereiro de 1990



Meus amigos, camaradas e companheiros sul-africanos, saúdo todos vocês em nome da paz, democracia e liberdade para todos. Estou aqui diante de vocês não como um profeta, mas como um humilde servo de vocês, o povo. Seus sacrifícios incansáveis e heroicos tornaram possível eu estar aqui hoje. Por isso, coloco o resto dos anos da minha vida em suas mãos.
Neste dia de minha libertação, estendo a minha mais sincera gratidão para os meus milhões de compatriotas e para todos de cada canto do mundo, que fizeram incansavelmente uma campanha para a minha libertação. Dirijo uma saudação especial ao povo da Cidade do Cabo, a cidade que tem sido minha casa por três décadas. Suas marchas em massa e outras formas de luta têm servido como uma fonte constante de força para todos os presos políticos.

Saúdo o Congresso Nacional Africano, que tem cumprido todas as nossas expectativas no seu papel de líder da grande marcha para a liberdade.
Saúdo o nosso presidente, o camarada Oliver Tambo, por liderar o ANC, mesmo sob as circunstâncias mais difíceis.
Saúdo os membros base da ANC. Vocês sacrificaram a vida e a integridade física na defesa dessa nobre causa da nossa luta.
Saúdo combatentes do Umkhonto we Sizwe, como Solomon Mahlangu e Ashley Kriel, que pagou o preço final pela liberdade de todos os sul-africanos.

Eu saúdo o Partido Comunista Sul-Africano pela sua contribuição esterlina para a luta pela democracia. Você sobreviveu 40 anos de perseguição implacável. A memória de grandes comunistas como Moisés Kotane, Yusuf Dadoo, Bram Fischer, e Moses Mabhida será valorizada para as gerações futuras.
Saúdo o secretário-geral Joe Slovo, um dos nossos melhores patriotas. Estamos animados com o fato de que a aliança entre nós e o Partido continua tão forte como está - e sempre foi.

Saúdo igualmente o Black Sash e a União Nacional do Estudantes Sul Africanos. Notamos com orgulho que agiram como a consciência da África do Sul branca. Mesmo durante os dias mais sombrios da história da nossa luta levantaram bem alto a bandeira da liberdade. A vasta mobilização de massas dos últimos anos é um dos principais fatores que conduziram à abertura do capítulo final da nossa luta.

Dirijo as minhas saudações à classe trabalhadora do nosso país. Sua força organizada é o orgulho do nosso movimento. Continua sendo a força mais confiável na luta para acabar com a exploração e opressão.
Presto homenagem às muitas comunidades religiosas que levaram a campanha pela justiça para a frente quando as organizações do nosso povo foram silenciados.
Saúdo os líderes tradicionais do nosso país, muitos de vocês continuam a seguir os passos dos grandes heróis, como Hintsa e Sekhukhune.
Presto homenagem ao heroísmo infindável da juventude. Vocês, os jovens leões, têm energizado toda a nossa luta.

Presto homenagem às mães, esposas e irmãs de nossa nação. Vocês são a pedra base da nossa luta. O Apartheid causou mais dor em vocês do que em qualquer outra pessoa.
Nesta ocasião, agradecemos o mundo - agradecemos a comunidade mundial por sua grande contribuição para a luta anti-apartheid. Sem o seu apoio a nossa luta não teria chegado a este estágio avançado. O sacrifício dos estados linha de frente será lembrado pelos sul-africanos para sempre.

Minhas saudações seria incompleta se não expressasse o meu profundo agradecimento pela força que me foi dada durante meus longos e solitários anos de prisão por minha amada esposa e família. Estou convencido de que a sua dor e sofrimento foi muito maior do que a minha.

E antes de eu ir mais longe, eu gostaria de frisar que eu pretendo fazer apenas alguns comentários preliminares neste palco. Eu vou fazer uma declaração mais completa só depois que eu tiver a oportunidade de consultar os meus companheiros.


Hoje, a maioria dos sul-africanos, negros e brancos, sabe que o apartheid não tem futuro. Tem que acabar através da nossa própria ação de massas fundamental para construir a paz e segurança. A vasta campanha de desafio e outras ações da nossa organização e do povo só podem culminar na instauração da democracia. A destruição causada pelo apartheid no nosso subcontinente é incalculável. O tecido da vida familiar de milhões do meu povo foi destruído. Milhões estão sem abrigo e desempregados. A nossa economia encontra-se em ruínas e o nosso povo mergulhado em conflitos políticos. O nosso recurso à luta armada em 1960 com a criação da ala militar do ANC, Umkhonto we Sizwe, foi uma ação puramente defensiva contra a violência do apartheid. Os fatores que tornaram necessária a luta armada ainda hoje existem. Não temos outra escolha senão continuar. Temos a esperança que um clima conducente a um acordo negociado será em breve criado para que deixe de haver a necessidade da luta armada.

Eu sou um membro leal e disciplinado do Congresso Nacional Africano. Estou portanto totalmente de acordo com os seus objetivos, estratégias e táticas.
A necessidade de unir o povo do nosso país é agora uma tarefa importante, como sempre foi. Nenhum dirigente sozinho é capaz por si só de levar a cabo esta enorme tarefa. É nossa tarefa como dirigentes de apresentar as nossas opiniões à nossa organização e deixar que as estruturas democráticas decidam. Sobre a questão da prática democrática, tenho o dever de afirmar que o líder do movimento é uma pessoa que foi eleita democraticamente numa conferência nacional. É este o princípio que deve prevalecer sem excepções.

Hoje, quero dizer a vocês que as minhas conversações com o governo tiveram como objetivo normalizar a situação política no país. Ainda não começamos a discutir as exigências fundamentais da luta. Quero sublinhar que eu próprio nunca entrei em negociações sobre o futuro do país, exceto para insistir num encontro entre o ANC e o governo.

O Sr. De Klerk foi mais longe do que qualquer Presidente Nacionalista ao dar passos para normalizar a situação. Contudo, existem mais passos, de acordo com o traçado na Declaração de Harare, que devem ser dados antes de iniciar as negociações para as exigências fundamentais do nosso povo. Reafirmo o nosso apelo para, entre outros, o fim imediato do Estado de Emergência e a libertação de todos, e não apenas de alguns, prisioneiros políticos. Só uma tal situação normalizada, que permita uma atividade política livre, pode permitir-nos consultar o nosso povo para obter um mandato.

O povo precisa ser consultado sobre quem irá negociar e o conteúdo dessas negociações. As negociações não podem ter lugar por cima das cabeças ou por trás das costas do nosso povo. É nossa convicção que o futuro do nosso país, só pode ser decidido por um órgão eleito democraticamente numa base não racial. As negociações para o desmantelamento do apartheid terão que responder à esmagadora exigência do nosso povo de uma África do Sul, democrática, não racial e unida. Dever ser posto fim ao monopólio branco sobre o poder político e uma reestruturação fundamental do nosso sistema político e econômico para garantir que as desigualdades do apartheid são enfrentadas e a nossa sociedade totalmente democratizada.

Deve-se acrescentar que o Sr. De Klerk é um homem íntegro que conhece muito bem os perigos de uma figura pública não honrar os seus compromissos. Mas como organização baseamos a nossa política e estratégia na dura realidade que enfrentamos. E a realidade mostra que ainda sofremos a política do governo Nacionalista.
A nossa luta chegou a um momento decisivo. Apelamos ao nosso povo que aproveite este momento para que o processo para a democracia seja rápido e ininterrupto. Esperamos tempo demais pela nossa liberdade. Não podemos esperar mais. É este o tempo de intensificar a luta em todas as frentes. Abrandar os nossos esforços agora seria um erro que as gerações vindouras não poderão desculpar. A visão da liberdade no horizonte deve encorajar-nos para redobrar os nossos esforços.

Só com a ação de massas disciplinada a nossa vitória estará assegurada. Apelamos aos nossos compatriotas brancos para que se juntem a nós na criação de uma África do Sul nova. O movimento pela liberdade é também a vossa casa política. Apelamos à comunidade internacional para que continue a campanha de isolar o regime do apartheid. Levantar agora as sanções seria correr o risco de abortar o processo de erradicação total do apartheid.

A nossa marcha para a liberdade é irreversível. Não podemos deixar que o medo surja no nosso caminho. O sufrágio universal, num caderno eleitoral comum, numa África do Sul unida, democrática e não racial é o único caminho para a paz e harmonia racial.
Para concluir quero citar as minhas próprias palavras durante o meu julgamento em 1964. Continuam verdadeiras até hoje.

“Tenho lutado contra a dominação branca e tenho lutado contra a dominação negra. Defendo o ideal de uma sociedade livre e democrática onde as pessoas vivam em harmonia, com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual desejo viver e atingir. Mas se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”.