segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Carta a Minha Filha, Maya Angelou - breve nota

Apesar de muito ter ouvido falar sobre Maya Angelou, nunca havia pegado um livro dela pra ler de fato, a não ser trechos e alguns de seus versos e citações.

O livro escolhido, ou o que eu tinha disponível para ler foi 'Carta a Minha Filha'. Livro curto e de leitura rápida, porém muito lindo de se ler, a imaginar ela contando suas lições, erros e acertos, aprendizados e decepções, acerca de variados assuntos da vida. Sendo direcionado para todas as mulheres.

Logo de inicio ela se apresentou como representando todas as mulheres sem distinção alguma, de certa forma, nesse ponto, fiquei ressabiado na leitura, pois já estava em busca de algo combativo na perspectiva racial. Mas até nisso nosso povo ensina humanidade, e fui compreender a sensibilidade dessa carta biográfica um pouco depois no decorrer da leitura, daí me coloquei no meu lugar. (Muita calma nessa hora rs).

São 128 páginas separadas por 28 capítulos, pelo menos 3 deles nomeados em homenagem à outras valiosas mulheres pretas: sra. Fannie Lou Hamer, sra. Celia Cruz e sra. Coretta Scott King. Além de nos falar sobre sua avó e sua mãe.

Maya Angelou também citou alguns encontros com pessoas importantes de nossa história. E foi bem sucedida ao abordar a violência que sofreu, e já em outro instante poder descrever uma vivência que nos remete à gargalhadas. Mas que na sequência poderia vir uma legitima defesa na postura ou adiante, belos versos.

Enfim, esse não foi seu primeiro best-seller, que em breve quero encontrá-lo pra ler (a autobiografia  “I know why the caged bird sings” – “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, em português). Então, tem-se muito mais pra se ler da nossa gloriosa e premiada poeta, escritora, atriz e ativista, que fez sua passagem em maio de 2014, nos EUA, aos 86 anos de idade. 

Fuca CGPP

sábado, 18 de agosto de 2018

Voltar Para Casa, Toni Morrison - breve nota


'Voltar Para Casa' da magnifica escritora premiada Toni Morrison, é um livro que trata da jornada de dois irmãos pretos que visam se reencontrar no lar de origem. Ele é o Frank e ela, Ycidra (ou simplesmente Ci). A história do romance se desenrola na década dos anos 1950, num cenário racista no sul dos EUA.

Enquanto Ci luta pela sobrevivência sem a presença do seu irmão numa sociedade racista e machista, Frank está voltando da guerra da Coréia (1950-53), e carrega consigo alguns sérios traumas das batalhas que teve de enfrentar.

Contando com 17 capítulos, cada capítulo intercalado entre narrativa na primeira e terceira pessoa. Cada trecho vai desvendando alguns mistérios aos poucos, as vezes em forma de estrondo. O cenário perpassa lembranças de infância, composição familiar ou até mesmo a não composição. Retrata a precarização de trabalho, de subsistência, de afeto. Também o abandono, a miséria, mas, sobretudo o amor, evidenciado na figura dos irmãos Money, que como Frank mesmo disse, Money só no sobrenome.

O que temos também é uma analogia com essas lembranças de infância e o desfecho do livro, que nos aponta para uma perspectiva de liberdade, personificada em Ci, que mesmo diante das várias rasteiras da vida, buscou a autossuficiência e permaneceu firme.

“Olhe pra você. Você é livre. Nada nem ninguém é obrigado a te salvar, só você mesma. Plante a sua própria terra. Você é moça e mulher e as duas coisas têm sérias limitações, mas você é uma pessoa também. Não deixe a Lenore ou um namoradinho qualquer e com toda certeza nenhum médico do mal resolver quem você é. Isso é escravidão. Em algum lugar aí dentro de você está essa pessoa livre de que eu estou falando. Encontre-a e deixe que ela faça algum bem neste mundo.”



Fuca CGPP

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Dra. J. Nozipo Maraire em Zenzele - Breve nota


Nascida no ano de 1964 em Mangula, Zimbabue (na época ainda Rodésia). J. Nozipo Maraire fez o ensino primário em seu país de origem, mas depois foi estudar no exterior. Nos primeiros anos da luta pela independência, sua família se mudou para fora do país e retornou no auge da guerra nos anos 1970. Muitos de seus familiares estavam diretamente envolvidos pela libertação das garras dos brancos, tanto os internos quanto os externos (rodesianos e britânicos).

Maraire viveu na Jamaica, Canada e nos Estados Unidos. Graduou-se em Biologia pela Universidade de Havard, fez Medicina pela Universidade de Columbia e se especializou em neurocirurgia em Yale.  Focada em levar algo de retorno para África, tem projetos de construir um hospital em Harare e trabalha no desenvolvimento de aplicativos de incentivo a jovens neurocirurgiões, além de prestar seus serviços de Médica. Coadunando com seus escritos, ou melhor dizendo, com seu grande livro "Zenzele: Uma carta para minha filha", que em 1996 ganhou prêmio de destaque.

O livro, um romance biográfico, rememora vivências, tradições e vários aspectos da comunidade familiar africana. A autora idealiza, protesta, e dispara a voz de uma jovem mulher africana que não pretende se desvencilhar das origens de nosso povo e se posiciona firmemente anticolonialismo. Com momentos de amor, de sonhos, de liberdade, de cultura, assim como de ódio e de racismo, os capítulos fluem numa leveza indescritível. Por fim, ficam alguns trechos que separei.
(Fuca -2018)




(...) Toda a geração que viveu o período da independência partilhou a visão comum de uma vida melhor. Infelizmente, muitos de nós traduziram isso como uma definição material de sucesso. Desenvolvemos todos os sintomas da Síndrome Pós-Colonial, endêmica a África: aquisição, imitação, e pobreza de imaginação. Simplesmente nos apressamos em garantir para nós o que os colonialistas haviam possuído. Compramos as casas deles, frequentamos as escolas deles, praticamos os esportes deles e cortejamos a companhia deles. Negamos nossa própria cultura, contribuímos para manter a distância, em alguma aldeia esquecida, nossas primitivas origens. E assim nos acreditamos finalmente sofisticados, integrados à corrente dominante da cultura cosmopolita.  (p.33)

(...) 
– Mamãe, o que você acha que significa ser uma mulher africana?

- É ser forte, Zenzele. É estar em paz consigo mesma. Você deve ouvir sempre uma voz interior e não permitir que outros a sufoquem. É medir palavras; equilibrar cuidadosamente suas tarefas com seus dons; de certa forma é ser desprendida, servir a outros, sem deixar de conhecer e defender incansavelmente seus direitos. Lembre-se de que foi uma mulher africana, Mbuya Nehanda, que desencadeou a luta zimbabuana pela independência, quando combateu a Companhia Britânica da África do Sul, na década de 1890. Pense em Cleópatra e Nefertiti. Veja as mulheres da África do Sul. As estudantes de Soweto, as combatentes de Maputo, as mjibas, jovens combatentes do Zimbábue. Mulheres fortes e heroicas, que descobriram o equilíbrio entre causa, cultura e vida pessoal. Ser uma mulher africana é o que você fizer de tudo isso, Zenzele. Mas nunca esqueça que, para a maioria, também significa pular da cama antes dos outros, aquecer a cozinha, trabalhar no campo sob um calor abrasador, andar vários quilômetros por caminhos poeirentos, carregando água na cabeça, madeira nos braços e um bebê nas costas.  (p.59) 


*uma fala do pai de Zenzele

(...) – Nunca vou esquecer aquela época, anos atrás, quando eu era dirigente da União dos Estudantes Africanos, organismo ativo, dedicado e eclético que representava praticamente todos os países, do Lesoto ao Mali. Estávamos no apogeu da Consciência Negra e do poderoso Movimento da Negritude de Senghor. Nenhuma das mulheres se atreveria a trançar o cabelo com apliques louros ou a usar lentes de contato azuis, como agora fazem aqui, num esforço para passarem por brancas. Como se a palidez fosse uma espécie de passaporte para a terra prometida da assimilação. Não, certamente não. Na época, preto era bonito. Dashiki e afro eram emblemas do afrochique. Escutávamos James Brown e Aretha Franklin, líamos Fanon, Nkrumah, Davis, Baldwin, Angelou, e ostentávamos distintivos de negros nas jaquetas jeans desbotadas. Nossos irmãos e irmãs americanos davam aos filhos os nomes de Omaju, Kumati, e se reuniam em jantares improvisados com o que havia em casa. Mantinham a cabeça erguida e falavam de poder negro. Tínhamos unidade, tínhamos visão. Agora, tudo o que lemos ou vemos é sobre integração, assimilação e mobilidade social. Aquela época foi outra coisa. (p.94)


Mjiba
Por este termo coloquial, o povo da aldeia designava as jovens revolucionárias. Eram mulheres de uma nova geração, que usavam calças como homens e sabiam fazer pontaria com igual firmeza. Mulheres que matavam. Fortes e saudáveis, corriam pelos matos, brandindo fuzis AK-47 e metralhadoras. Mulheres que se esgueiravam para a aldeia nas parcas horas de descanso e rodeavam a fogueira junto com os companheiros homens, armas pousadas ao lado, atraindo-nos com canções revolucionárias. Às costas não carregavam bebês de nariz escorrendo, mas a esperança de uma geração diferente, sob a forma de montes de munição, mapas, códigos e suprimentos para abastecer a batalha que nos iria finalmente levar à independência. Para a imagem tradicional que fazíamos das mulheres, pareciam tão estranhas quanto esquimós. Eram um produto da luta armada. Moldavam também sua própria identidade. Eram temidas e admiradas, pois, dizia-se, em combate podiam ser mais aguerridas do que todos. As tropas rodesianas chamavam-nas de bobcats, porque as mulheres chonas eram ferozes como leoas acossadas. (p.197)


Fuca CGPP

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

A Mulher de Pés Descalços - Scholastique Mukasonga - Breve nota

Escrever para não enlouquecer, escrever para rememorar, escrever para homenagear, reverenciar e não ser esquecida na história. Foi assim que Scholastique Mukasonga criou sua obra, um romance autobiográfico, ao descrever a trajetória de sua brilhante guerreira Mãe, Stefania, e de toda sua família. O cenário é repleto de invasões, saques, violência entre duas etnias de Ruanda, Hutus (maioria) e Tútsis ao qual sua família pertence. Ela perpassa, em seu livro, o que seria as condições e as preparações de um pre-genocídio ainda na década de 1960. Genocídio que eclodiu de fato nos anos 1990, que teve mais 800 mil mortos e Mukasonga não pode enterrar Stefania, assim como perdeu 37 pessoas de sua família.

Realmente, é muito difícil imaginar o que ela sente em não poder ter tido a oportunidade de estar com seus familiares e especialmente sua mãe, a quem Mukasonga deve toda sua existência, pois conforme o próprio livro, ninguém mais que Stefania se dedicou e protegeu a autora em meio ao caos, e além de tudo a aconselhou partir para o exílio e ir estudar fora. Caso contrário Mukasonga não nos contaria essa história.

No livro, Stefania representa a tradição africana, ela cultuava acima tudo os costumes ancestrais que  foram detalhados pela autora com algumas palavras em linguagem própria, tradicional e original. O pai de Mukasonga contrasta, de certa forma, essa luta cultural, sendo mais adepto a abertura de aquirir alguns costumes dos brancos. Percebe-se, também, na sutileza, algumas críticas da escritora perante ambos costumes.

Os desdobramentos dos conflitos étnicos em África, e nesse embate de Tútsis e Hutus em Ruanda, em linhas gerais, ainda é reflexo direto da colonização e invasão dos europeus (bélgica, alemanha, etc). Esse foi um dos modos de operar dos brancos, dividir para conquistar e dominar. Quais são as diferenças entre tútsis e hutus senão aquelas que foram enfatizadas pelos brancos: de superioridade de um em detrimento de outro?

O livro vem como uma voz feminina preta comovente e avassaladora, e demonstra a força e vigor da Mulher Africana e todo seu amor, afeto e humanismo.


Fuca - 2018





Sinopse: http://editoranos.com.br/nosso-catalogo/a-mulher-de-pes-descalcos/
O romance “A mulher de pés descalços” trata de maneira pungente dos conflitos enfrentados pelas mulheres na Ruanda das lutas fratricidas entre as etnias Tutsi e Hutu, que culminaram com o ominoso genocídio praticado pelos hutus em 1994. Naquele momento, Scholastique Mukasonga, que é da etnia tutsi, já estava radicada na França, e viu à distância sua família ser dizimada. Escritora e ativista da diáspora negra, ela toma para si o chamamento para dar voz à dor e à perda, principalmente de sua mãe Stefania, cuja memória é homenageada em “A mulher de pés descalços”.
Dados Técnicos
ISBN: 978-85-69020-18-9
Edição: Primeira
Páginas: 160
Formato: 12,5 × 18 cm
Encadernação: Brochura
Preço: 35,00