Dra. Mary E. Modupe Kolawole.
Professora de Inglês
e de Estudos das Mulheres na Universidade Obafemi Awolowo, Ilê-lfé, Nigéria.
Autora do livro “Womanism and African Consciousness” [Mulherismo e a Consciência Africana]
(Texto extraído de parte da aula inaugural em 2005)
Minha pesquisa sobre
gênero é um dos aspectos mais importantes do meu trabalho como teórica
literária. Minha pesquisa inicial não tinha foco especial em gênero até minha
bolsa de estudos na Universidade Cornell como pesquisadora visitante da
Fundação Rockefeller (1991-92). Observei que gênero era um critério importante
emergente em estudos acadêmicos nas ciências humanas, ciências, e saúde. Nesses
pontos, a maioria dos livros enfocou os critérios ocidentais de avaliação de
gênero na África, incluindo a literatura africana. Decidi juntar as opiniões
dos africanos sobre a realidade das mulheres a partir de minhas pesquisas em
história, lendas, mitos, gêneros orais, contos populares, provérbios e outros. A
literatura africana ocupa um lugar que eu descrevo como a zona crepuscular (twilight zone), um local intermediário (espaço ambíguo). A questão
da diferença ou alteridade, portanto, continuou a gerar muitas discussões
epistemológicas. Meus trabalhos também exploram a alteridade das mulheres, não
como uma resistência negativa à mudança, mas como uma manifestação de
mutabilidade, mesmo quando elas resistem à autonegação cultural e de gênero.
A
agência das escritoras africanas é notável por sua resiliência. Havia
uma lacuna esmagadora na percepção de gênero das mulheres africanas e um desejo
de nomear sua própria luta, rejeitando marcas como o feminismo africano/negro. As
mulheres africanas devem se constituir como uma massa crítica.
Eu me identifico com
Alice Walker e Chikwenye Okonjo-Ogunyemi, Clenora Hudson-Weems, entre outras,
devido seus anseios por formas mais inclusivas de nomear a luta das mulheres
pretas. Meu livro teórico, “Womanism and
African Consciousness” [Mulherismo e a Consciência Africana], levantou
questões válidas de como se define o mulherismo. “O que é então o mulherismo?
Para as africanas, o mulherismo é a totalidade da autoexpressão, do autocuidado
e da autoafirmação femininas nas maneiras culturais positivas." (Kolawole.
1997. p.24). O mulherismo não é uma ideologia que odeia o
homem. O mulherismo enfatiza a relevância racial e cultural, a centralidade da
família e a necessidade de que homens e mulheres trabalharem juntos para
alcançar justiça de gênero, equidade de gênero e empoderamento das mulheres.
(Kolawole 1997, 2004, 2005). Assim como a crítica literária
feminista se tornou uma importante ferramenta de pesquisa crítica. Vejo que o mulherismo
é uma versão adaptada disso, uma tentativa de infundir nacionalismo cultural e
racial na teoria literária de gênero.
Quando iniciei os seminários
e ensinos sobre o mulherismo, alguns colegas acreditavam que “quem paga a
flautista dita a música” e estavam céticos acerca do
direcionamento para uma alternativa ao feminismo, pois poderia ofender as
agências doadoras e perguntaram: "Quem patrocinará isso?" Outros
preferiram manter o status quo com o termo
feminismo. Meu desafio era injetar uma perspectiva africana, aumentando assim
as opções na conceituação de gênero. O próprio feminismo
não é monolítico. As diversidades
incluem feminismos liberais, socialistas, existencialistas e pós-modernos.
Outras
vertentes incluem o ecofeminismo e a mais recente variante, o feminismo
ciborgue. Minha experiência na África do Sul é significativa. Como
Associada da Fundação e residente acadêmica por três meses no Instituto
Africano de Gênero da Universidade da Cidade do Cabo, em 1997, meus trabalhos
sobre mulherismo alteraram o paradigma de estudos na África do Sul. Tornou-se
um ponto focal de diversas maneiras. Desafiei a sororidade universal e advoguei
o foco em mediações raciais e culturais. Meus livros estão agora nas listas de
leituras de universidades da Europa, EUA, Ásia e muitos países africanos.
Editoras
alemãs pediram os direitos autorais para traduzir minhas obras para o alemão.
Em
uma recente conferência na Cidade do Cabo, em janeiro de 2005, comentários de
renomados professores de literatura em universidades como Stellenbosch, Cidade
do Cabo, Natal, Suécia, EUA, etc, me saudaram. "Professora,
você é uma celebridade, uma lenda que simplesmente não consigo imaginar saindo
desta conferência sem apertar sua mão." "Você tem impressionado a
África do Sul nos últimos cinco anos." ''O artigo de Mary
Kolawole nos deu uma pista dos problemas dos estudos de gênero nos últimos dez
anos. Ela nos deu o caminho a ser seguido.” Entre esses
comentários inclui o da famosa professora de literatura Kristen Petersen. O
mundo estava esperando por uma estudiosa com a coragem de cantar canções
africanas em terras estranhas, mas enraizadas na África.
Também pesquisei
sobre gêneros femininos na literatura oral como ferramentas de autoexpressão
das formas dinâmicas. Esses gêneros como caminhos de poder para a autoafirmação
das mulheres refutam as alegações de ausência de voz e de invisibilidade.
Concordo
com Micere Mugo e Molara Ogundipe-Leslie de que precisamos apenas procurar
lugares de audibilidade, visibilidade e poder das mulheres africanas. Esses
lugares são revelados nos gêneros literários orais femininos, que foram
caminhos do envolvimento dinâmico no processo social, como observei em meus
trabalhos: "Existe uma infinidade de gêneros femininos entre os Iorubas.
Isso
inclui músicas Obitun; canções de Olori, canções Aremo, Ao-oka gelede, músicas
Olele e Alamo. As canções de Fulani Bori no norte da
Nigéria consistem em modos manifestos de autoexpressão e autoafirmação para as
mulheres desse grupo religioso esotérico. Outros gêneros
especificamente dominados pelas mulheres incluem a poesia da corte feminina
Hausa, canções de nascimento Ibo, Ogori Ewere, muitos poemas panegíricos e contos
populares, entre outros". (Kolawole, 1997) Em outras partes da África, as
mulheres tinham suas vozes em muitos gêneros orais exclusivamente femininos:
gênero
satírico de donzela nzema em Gana,
canções de noivas swati, lmpongo entre os Ila e Tonga da Zâmbia, Akan Dirges, Galla lampoons,
canções de moagem de Kamba e numerosos mitos de gênero e provérbios. (Kolawole,
1997; 1998). Muito trabalho foi feito na área de imagens das
mulheres em provérbios africanos por Minekke Schipper, Susan Arndt, Helen
Mugambe, Kehinde Yusuf, Ifeanyi Arua e Juliana Abbenyi,
Colegas e estudantes
envolvidos na pesquisa de gênero em todas as disciplinas inundaram minha caixa
de entrada com pedidos de assistência, informações, revisão da literatura e
referências sobre gênero na África. Recentemente, meu
trabalho soou cauteloso neste processo de representar as opiniões das mulheres
africanas de acordo com a agenda dos doadores. Podem não ser
questões de primeiro plano que transformarão as mulheres africanas de seus
espaços liminares, da margem para o centro. Em uma recente
conferência internacional sobre “Writing
African Women” [Escrevendo Mulheres Africanas], eu avisei sobre pesquisa
autocentrada e a chamada representação de mulheres africanas. Proponho
uma reapresentação de mulheres africanas usando o objetivo de
"escrever" a tradição Ioruba que garante uma abordagem cautelosa para
conhecer a noiva, já que as mulheres
africanas se tornaram a bela e proverbial noiva
dos pesquisadores. Vi minha tarefa à luz da argumentação de Leela Dube
investigando o "viés etnocêntrico das acadêmicas feministas ocidentais que
tendem a interpretar dados de outras culturas na perspectiva das experiências
adquiridas em suas próprias culturas e na compreensão de suas relações entre
homens e mulheres.”
O símbolo do “Mount Langbodo” [Monte Langbodo] de
Fagunwa dramatiza uma tensão de gênero - os homens como guardiões da chave
mestra dos múltiplos problemas das sociedades. A busca por Langbodo envolveu
apenas homens, sete caçadores corajosos. As mulheres estão
revelando sua desenvoltura através da literatura, e mover a literatura
nigeriana do Monte Langbodo tem sido
um objetivo importante para essas mulheres. Também uso a metáfora
da árvore arerê na minha teoria da ambiguidade do espaço e da voz das mulheres.
Um provérbio Ioruba resume essa contradição. "ile ti obinrin ri nse toto arere, igi arere ni hu nibe."-
(uma casa que permita a vocalidade das mulheres terá a árvore arerê crescendo
nela.) Não é permitido que a árvore arerê cresça perto da habitação humana
devido ao seu odor desagradável, mas é uma árvore forte e valiosa na construção
civil. A
geração mais jovem de mulheres escritoras está desconstruindo essa simples
metáfora. Entre elas incluem Toying Adewale, Omowunmi Segun, Maria Ajima e
muitas outras. A canonização de textos é outro desafio para mim. Deliberadamente,
trabalhei em novos escritos de jovens escritoras nigerianas para estabelecer e
divulgar suas obras. Eu trabalhei na antologia de Toyin Adewale, “Breaking the Silence” [Rompendo o Silêncio],
por esse motivo.
Algumas das teóricas
feministas mais conhecidas hoje incluem Mary Eagleton, Mary Evans, Maggie Humm
e Mary Rogers. Elas apresentaram algumas das teorias mais relevantes. Deixe-me
declarar aqui que o feminismo é uma teoria que abrange muitas disciplinas. É
uma teoria válida para filósofos, sociólogos, historiadores, antropólogos,
cientistas políticos, estudiosos da cultura, cientistas, tecnólogos e
pesquisadores da medicina. É facilmente a teoria mais
transversal da academia moderna. Portanto, é lamentável que aqui na Nigéria,
entre alguns estudiosos, o feminismo seja preterido por não ser acadêmico.
E
porque o mulherismo é relativamente novo, muitos estudiosos ainda desconhecem
seu status como ferramenta de
pesquisa.
Minha pesquisa
reitera a conceitualização e a prática das teorias mulheristas. O
mulherismo foi cunhado por duas intelectuais pretas, Alice Walker e Chikwenye
Okonjo-Ogunyemi, em 1982, como um meio de se autonomear e injetar consciência preta
nos estudos de gênero. A teoria mulherista agora está sendo
comemorada como a contribuição das mulheres pretas para os debates sobre gênero
e meu trabalho é um dos mais aplaudidos em todo o mundo por causa da
originalidade das ideias. Fui homenageada e ainda estou
sendo aplaudida por aumentar as opções de conceituação e metodologia de gênero.
Assim
como estudiosas tradicionais como Sandra Harding, Rose-Marie Tong, Angela
Miles, Jane Parpart, Mary Rogers e Mary Evans destacaram o feminismo como uma
teoria sólida e uma ferramenta para a academia moderna, numerosas
escritoras pretas, como Chandra Monharty, Irene D'Almeida, Abena Busia, Amina
Mama, Trion min ha, Madhu Kishwa, Leela Dube, Shushela Nasta e Audre Lorde,
estão elucidando o feminismo negro. Alice Walker,
Chikwenye Ogunyemi-Okonjo, Juliana Abbenyi, Clenora Hudson-weens e eu trouxemos
a estética literária mulherista ao centro do estudo acadêmico global de gênero.
Desejo frisar nesta
nota: o mulherismo, que não foi cunhado por mim, como o feminismo, é uma teoria
e metodologia literária reconhecida internacionalmente. Gostaria
de indicar aos colegas que ainda não têm conhecimento sobre o mulherismo e o feminismo
para navegarem na Internet, ler sobre esses conceitos e
que irá surpreendê-los o fato que o mundo tenha ido além do nível de perguntas
sobre a autenticidade desses cânones de gênero. Um estudioso
acadêmico pode ser definido como um cidadão do mundo das ideias: quanto mais
você tiver acesso a ideias, mais se tornará um participante dinâmico neste
mundo de horizontes epistemológicos em constante mudança e em expansão. A
ignorância não pode mais ser comemorada ou validada nos dias de alta tecnologia
e de explosão de informações.