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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Conversando com o povo #2 - texto

Enquanto existir a maioria negra alienada da sua consciência racial, é sinal que ainda existe a escravidão. Sendo esta, agora, a escravidão mental.

Então é necessário libertar as mentes pretas através do estudo e resgate ancestral histórico-cultural africano. Nosso orgulho!

Romper os grilhões da mente, é parar de pensar como os brancos quer que você pense, ou seja, a favor dos interesses deles: que é continuar dominando e comandando nosso povo. Em muitos casos nos humilhando e diminuindo nossa dignidade.

***

Vc já sofreu racismo, preconceito ou discriminação racial?

Se caso não sofreu, acredita que o racismo existe?

...A questão é que a existência do racismo não é opinião, é fato comprovado na sociedade.

Mas,... e como deveria ser combatido o racismo?

Apenas xingando os racistas?

Ou fingindo que ele não existe?

Não, ainda a saída mais viável é a solidariedade e união entre as pessoas/famílias pretas em busca de se tornarem cada vez mais fortes.

***

Diz o ditado que agimos mais com medo de perder algo do que para ganhar algo.

Se caso não nos movermos para resgatar nossa liberdade da mente. Pelo menos devemos pensar que num futuro cada vez mais competitivo os desunidos e os mais fracos estarão sujeitos a piores condições socioeconômicas (isso já é realidade). E pode ter certeza que se for preciso, os opressores (elite branca) irão escravizar novamente a raça mais dividida e fraca.

Com isso, não é que devemos parar de seguir nossos objetivos já existentes de vida (alguns deles sim, se forem destrutivos), mas sim separar e dedicar um momento para fortalecimento e participação dessa união/solidariedade do povo preto. E isso é apenas o começo.

Ame seu povo! Ame sua raça!

Mesmo que o sistema não quer que você pense assim.

Contudo, a sua mente já está em processo de libertação...

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Consciência Afrikano-Centrada versus Nova Ordem Mundial – Breve Nota

Que livro necessário! A princípio, o título dele parece impressionar, sobretudo pelas expressões Nova Ordem Mundial e Globalismo. Não chega a ser algum tipo de chamada capciosa, mas algo que visa lidar com uma época dos nacionalismos, essa época pode ser datada a partir de 1989? Talvez.

Compreendi que uma das grandes mensagens do Amos Wilson é provar que toda consciência e personalidade pretas desajustadas têm reverberações econômicas em um indivíduo e em seu povo, por extensão. E isso é algo proposital, pois tal desajustamento foi e é promovido pela supremacia branca, a fim de manter o seu domínio cultural, político e econômico sobre os pretos-africanos.

Esta edição é bem completa e não deixa a leitora ou o leitor sem um bom contexto da obra, seja se tratando de Marcus Garvey, de Amos Wilson ou da ideia e elaboração da própria edição em português; desde a Apresentação e Visão Histórica de Garvey até as Duas Partes e os Documentos em Anexo.

Sobre o objetivo deste trabalho na apresentação se diz:
“A ideia é, no mínimo, difundirmos, por todos os meios, conteúdo em forma de palestras, materiais em forma de livros, artigos acadêmicos e outros documentos dispersos... Nosso projeto se intere nesse esforço: Amos Wilson, o próprio Marcus Garvey devem ser redescobertos e reconsiderados, sobretudo para fins de atualizarmos nossa filosofia e ideologia.” (pág.95)
Parte 1- Legado de Marcus Garvey

Amos Wilson vai trabalhar o legado de Garvey ao tratar da psicologia do auto-ódio e como essa psicologia foi inculcada na personalidade oprimida do ser Afrikano. Sendo assim, uma das principais características do legado de Garvey se dá pela sua Percepção da Realidade, a própria essência do fracasso e do desenvolvimento de patologias na pessoa Afrikana seria o não reconhecimento da realidade. Então, para avançar e construir tudo que construiu, Garvey obteve e também promoveu a percepção da realidade.

Tal percepção vêm acompanhada do autoconhecimento. Se existe uma amnésia de quem se é, consequentemente, isso pode propiciar o surgimento de um estado mental patológico. Ou seja, “um povo que sofre de falta de conhecimento de si e de sua história, uma falta de conhecimento de sua criação, é um povo que sofre de perda de identidade.”

Desse modo, não se pode ser um pessoa Afrikana e consciente de sua personalidade ‘positiva’ e ser uma pessoa escravizada ao mesmo tempo. Não é possível desenvolver a cultura Afrikana e se identificar com ela, e ser escravizado e subordinado a outro povo. Ou ainda,
“A falta de autoconsciência é uma insensibilidade a si mesmo. Mas uma insensibilidade a si mesmo, também é um a insensibilidade à realidade e ao mundo exterior. Sem a sensibilidade do mundo exterior e de si mesmo, nós somos dados a tropeçar cegamente de um ponto a outro.” (pág.114)
Portanto, Conheça a Ti Mesmo para estar ciente da realidade concreta do mundo, sob sua ótica. Pois, seu destino será determinado por forças externas (e que atuam internamente também) quando se tem uma fuga e uma falta do autoconhecimento. Porém, o legado de Garvey prega que devemos controlar o nosso destino e para isso, devemos controlar o nosso comportamento por nossa própria vontade. Desse modo, Amos Wilson vê em Garvey,
“o derradeiro psicoterapeuta, alguém que é revelador, e que revela os controles inconscientes, os controles que foram implantados fora de nossa consciência por nossos inimigos e opressores. No entanto, apesar desses controles estarem fora de nossa consciência, eles estavam manipulando nosso comportamento para nossa desvantagem. Ao trazer essas forças inconscientes à consciência; ele possibilitou que estas forças estivessem sob nosso controle, governos, lógica, racionalidade, e sob o controle da ideologia do nacionalismo. Este é o legado que ainda vive hoje.” (pág.145)
Adiante, é extremamente importante o apontamento que Amos Wilson faz sobre a negação de si mesmo, ele postula que tal negação pode estar inculcada também em pessoas pretas conscientes. Isso acontece porque não se aprofundou de fato tal consciência de sua própria personalidade e cultura Afrikana, ou seja, quando se detém uma consciência preta superficial ainda se esperará por parte dos inimigos uma aceitação! Essa pessoa ainda tem esperança de que o inimigo vai mudar, essa é a visão do integracionista, seja liderança ou não, que para amar a si mesmo e ao seu povo, deve-se, antes, conseguir a aceitação do branco.

Garvey amou o povo preto e provou que o amor é a base da coesão e da unidade de propósito de qualquer povo. “Se dependermos de nosso inimigo nos amar antes de nos amarmos, nunca iremos nos amar.”

Amos Wilson vai confrontar a liderança integracionista e assimilacionista, que oferece o alivio para um problema profundamente arraigado, uma liderança que visa promover um dito progresso diante do status quo. A educação para o autor é uma que confronte e que, em grande medida, incomode, pois o propósito de transformação exige um grande incomodo, o enfrentamento da realidade tal como ela é.

Desse modo, a realidade do povo preto exige uma ruptura com o mundo branco, não curá-lo, convertê-lo ou até mesmo fazer parte dele. Tudo se resume na construção da nação preta, uma transformação completa não para fazer parte da pilhagem e do roubo que os brancos promoveram, mas para criar uma nova ordem mundial. Amos Wilson exorta ao povo preto que se aproxime de Garvey, o verdadeiro nacionalista!
“O verdadeiro nacionalista não escapa e esconde através da glorificação do passado o que deve ser feito no presente e no futuro. O nacionalista falso, no entanto, levanta e eleva o povo, constrói um falso orgulho no povo em termos da história passada, mas ele os deixa tateando sobre o que deve ser feito agora. Ele os deixa sem sentido imponentes quando saem dos salões, auditórios e igrejas, com seu oratório tocando nos ouvidos – só para encarar as lojas coreanas quando saem, e encarar suas comunidades dominadas por árabes, por hispânicos e outros grupos. E com esse zunido oratório e retórica, eles devem encarar a realidade de que, embora o conhecimento da história seja maravilhoso, grandioso, e uma parte necessária de nossa ressureição como povo, não será nossa única base de salvação. Além de nos preocuparmos com o nosso passado, nós devemos nos preocupar com o agora e usá-lo, agora, para criar o futuro. (...) (p.160).

“O verdadeiro nacionalista é empreendedor: ele está edificando algo; ele está construindo algo. Nós vemos isso em Garvey; não apenas uma preocupação com o passado, não apenas uma identificação com o Egito e outros grandes impérios Afrikanos do passado, não apenas capturando pequenos detalhes em cima de pequenos detalhes de algum passado Afrikano, mas também um movimento sólido na construção, com concreto, tijolo e argamassa; um sólido desenvolvimento prático e atualização da ideologia Afrikana e do desenvolvimento político. (...)

“Ele não apenas respeita sua herança étnica e as glórias de seus antepassados, mas também se preocupa, se não mais, com a herança que ele passará para seus filhos, com o legado que ele dará a seus filhos. (...) (p.161)

“Um verdadeiro nacionalista não tem medo de delegar poder. Temos muitas pessoas que entram no nacionalismo levando consigo seus problemas egoístas. Muitas pessoas pensam que, porque uma pessoa defende uma ideologia nacionalista, ela superou o egoísmo, a ganancia, o egocentrismo, a mesquinharia, a ignorância e o medo. Dificilmentemente, senhoras e senhores, não é provável! Essas coisas ainda precisam crescer e se desenvolver. (...) (p.166)

“Por fim, se nós quisermos controlar nosso destino, como Marcus Garvey indicou, nós devemos nos autogovernar. Um nacionalismo que não fala em autogoverno, não fala em construção da nação, não constrói uma rede nacional, não constrói um sistema econômico, social, e político nacional, é um nacionalismo falso, Irmãos e Irmãs! ... Não se deixe enganar pelas palavras: devemos olhar para as obras!” (p.166)
Parte 2: Consciência Afrikano-centrada, Personalidade e Cultura como Instrumentos de Poder.

Nesta parte Amos Wilson continua tratando de forma mais detalhada a consciência, mas agora inserindo a relação do Poder com a personalidade e a cultura; essa relação mostra que a natureza da consciência de uma pessoa transforma de forma física como o cérebro opera. Então, quando se fala de consciência, ao estudar cultura e personalidade, se refere também a algo material e real, que age tanto na psique quanto no corpo.

Em um exemplo crucial, Amos Wilson revela que não se deve negar a escravidão dos pretos como se fosse algo que não existiu, como alguns conservadores afirmariam, mas que deve enfrentar os efeitos diretos e indiretos de tal holocausto para justamente poder negar os comportamentos implantados na pessoa africana durante a escravidão, pois esses comportamentos são fontes de diversas possessões, que o autor passa a elencar e caracterizar cada uma no texto.

Com isso, é importante notar os fatores econômicos que o autor enfatizou, que faz parte dessa base material e real oriunda de uma história, cultura, consciência, personalidade, etc. O pretos precisam controlar seus negócios, sua própria terra, os pretos precisam ser geradores de empregos, ou seja, o povo preto precisa pensar em questão de nacionalidade, na construção da nação preta. Assim, Amos Wilson diz que,
“Nós devemos, então, como povo, desenvolver uma nova consciência Afrikana – uma consciência centrada no Afrikano – e isso significa que a desenvolvemos com base em uma história Afrikana, cultura e valores Afrikanos. Acima de tudo, nós devemos desenvolver um senso de nacionalidade Afrikana.” (pág. 203)
E define cultura dessa forma:
“Cultura habita em nós e habita nossos corpos. Nossa história habita em nós e habita nossos corpos... Cultura... é um meio pelo qual um grupo de pessoas organiza a maneira como pensa, organiza a maneira como acredita, organiza a maneira como vê o mundo, de modo a criar uma consciência pela qual elas podem cooperar para alcançar certos fins, de modo que possam ajudar mutuamente um ao outro e obter fins que não podem obter como indivíduos separados. Assim, cultura é um instrumento de poder” (pág.196)
Ou seja, se os valores (que são fatores que direcionam a cultura) detém poder, se cultura é poder, se consciência é poder, então quem determina essas questões sobre um povo detém o poder sobre ele. E isso reverbera obviamente nas questões econômicas e em todos os aspectos de uma nação. Daí Amos Wilson retrata tanto as Nações Afrikanas como a Afrikana-Americana como portadora da relação de monocultura e como isso é impertinente para a consolidação do Poder Afrikano, enquanto tiver que vender mais barato (commodities ou força de trabalho) e pagar mais caro de volta (em produtos e tecnologias, por exemplo); e neste contexto aponta como não existe livre mercado que beneficie os negócios pretos (Wilson:2020, pág. 208). Por fim, ao terminar essa parte do livro, o autor prescreve ações numa perspectiva nacionalista preta para a Nação Afrikana Americana.

Então, em suma, levando (aqui) em consideração que o globalismo seria uma movimentação política e a globalização uma movimentação econômica ambos agindo em prol de um universalismo hegemônico, o povo preto ainda deve pensar e agir com o propósito da construção da nação, Nacionalismo Preto.

Enfim, um livro extremamente importante para pensarmos nossas questões em outra parte da diáspora africana, aqui no Brasil. Visões necessárias para que possamos erigir a nação preta! O processo está em andamento...

Fuca, 2021.

Livro: Amos Wilson. Consciência Afrikano-Centrada versus Nova Ordem Mundial: Garveyismo na Era do Globalismo. Editora Poder Afrikano, 2020.




quarta-feira, 7 de abril de 2021

Conversando com o povo - #1 - texto

(Projeto de introdução do álbum volume 2, Insurreição cgpp)

Iae preto, iae preta, que vive nas quebradas desse brasil, essa nação genocida, que visou e visa nossa aniquilação e dizimação, por vários métodos, diretos e indiretos, fisicamente, espiritualmente, mentalmente, pelo sistema educacional racista, pela mídia burguesa, pelas religiões do dominador com seu cristianismo, com sua burocracia institucional da política que funciona para manter nóis fora do poder, longe da tomada de decisão, distante da transformação revolucionária, que tem seu braço militar e todo aparato policial para resguardar as desigualdades raciais e sociais... que desde a época da escravidão vem matando o povo preto e encarcerando e torturando os nossos.

Ainda quando vivos, ainda sobrevivemos em situações de privações, pois nos foi tomada a terra, não temos terra, não detemos os meios de produção em nada nesse pais, assim ficamos dependendo dos opressores genocidas para sobreviver.

Então, se a elite branca ainda detém poder de vida e morte sobre nós, nada está bem e muito precisamos trabalhar entre os nossos, numa perspectiva revolucionária. Ou seja, de romper com a nação branca/burguesa - a história mostra que o mundo que os brancos reservou pra nóis foi um mundo de destruição - sendo assim é necessário construir uma outra nação a partir do nosso controle, abordando as questões de classe e gênero, e o resgate de nossos valores ancestrais positivos. O Povo Preto no Poder. Orgulho de nossa ancestralidade africana. Para conseguir ter paz entre nós e pelo bem-viver.

Isso pode começar hoje, numa escala menor, num grupo menor, mas a base deverá ser sólida pra no momento certo ocorrer a tomada de poder. Onde que somos maioria devemos buscar dominar esses territórios, e visar sempre quebrar a lógica racista e capitalista onde dominarmos.

Nossa arte, nossa educação e nosso trabalho deve seguir esse destino. Na escala dessa humilde arte, nos prestamos a isso.! Abandone os estereótipos que o sistema projetou pra nós, dizendo que somos preguiçosos, burros, vagabundos, criminosos, eternos muleques, irresponsáveis, maiores cachaceiros, os mais drogados, inferiores e fadados a pobreza... por outro lado não podemos cair na armadilha da falsa sensação de progresso através do consumismo desenfreado de produtos bem mais caros além do que vale e enriquecendo justamente os opressores... são várias fitas, mas o rap é escola é tá aí pra blindar mentes. Pois precisamos formar nossos Quilombos!

Isso é então um pouco de nossa forma de... Insurreição Contra o Genocídio do Povo Preto.


quarta-feira, 31 de março de 2021

Os Quilombos e a Rebelião Negra – Clovis Moura – Breve Nota

O texto a seguir em forma de tópicos ou notas, foi feito em decorrência da leitura em conjunto, entre Fuca Cgpp e Joel Consp., do livro Os Quilombos e a Rebelião Negra, de Clovis Moura. Um livro curto de síntese, com 105 páginas, onde pudemos dialogar sobres vários aspectos da luta preta, tanto lá quanto cá, não no sentido de esgotamento do assunto, mas no de despertar a formação contínua através dessa brevidade didática.

Introdução

- Clovis Moura vai evidenciar o ser negro como agente de resistência constante ao sistema escravista, resistência que se dava na negação do trabalho, na negação de ser escravo, pois a todo momento se pensava em fuga da escravidão.

- no sistema escravista existia uma luta de classes. Senhores [brancos] e escravizados [pretos]. Essas duas classes vão compor a base da estrutura do Brasil escravista.

- pra dinamizar essa resistência, o escravizado negava o trabalho escravo já que ele não conseguia modificar o sistema. Com isso, ele vai procurar criar sistemas alternativos.  

- período histórico entre 1550 até 1888. Século XVI ao século XIX.

- O autor vai combater a defasagem histórica em dois pontos: o primeiro é que a escravidão não era a relação de trabalho que girava a economia do brasil escravista. (sendo que era, pois enriquecia o senhores, ou seja, já era, de certa forma, capitalismo). O segundo ponto apresentava o ideal de vivência harmônica na relação entre casa grande (senhores) e senzala (escravizados). Em referência a uma das teses de Gilberto Freyre. Condenando os conceitos de “bom senhor”, “homem cordial,” e “democracia racial.”

- Enfim, nesta introdução, o autor enfatiza que no livro vai se demonstrar a importância social dos negros, especialmente os quilombolas.

Os Quilombos na História Social do Brasil

- A definição de quilombo de acordo com a resposta do Rei de Portugal ao Conselho Ultramarino (1740), “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”.

- o quilombo não foi um fenômeno esporádico, teve constância em todo o brasil.

- o quilombo tinha vários tamanhos de acordo com o número de habitantes, e eram todos armados, os maiores eram: Palmares 20 mil, Campo Grande(Mg) e Ambrósio(mg) 10 mil cada.

- existia um caráter de conversão de escravizados da senzala ao quilombo, pois mantinha-se sempre um diálogo entre senzala e quilombo. Muitas informações circulavam.

-  o quilombo mantinha uma relação comercial de troca de produtos ou excedentes com pequenos agricultores da vizinhança.

Organização e Economia dos Quilombos

- Palmares – o maior exemplo do grande quilombo – era uma confederação de quilombos. Abrangendo um raio de mais de 120km (25 léguas), de acordo com os estudos de Edson Carneiro (1947).

- O autor aponta que “A religião da republica era um cristianismo fortemente sincretizado com valores religiosos africanos.”

- a família era poligâmica e não havia personagem responsável pelo segredo religioso da comunidade.

- “Em cada mocambo o chefe era senhor absoluto, mas, nas ocasiões de guerra, reuniam-se para deliberar conjuntamente, sob as ordens do Zumbi, ou outro chefe da república, na Casa do Conselho do Macaco.”

- A base econômica era a agricultura policultura. Feijão, mandioca, batata-doce, milho.

- Vivendo num regime comunitário, organizado à base da agricultura e da criação de subsistência, Palmares era um reduto em franco florescimento, apesar da ameaça sobre ele.

- o Ambrósio em MG, por exemplo, seguia a mesma estrutura de Palmares com acrescimento de maior pecuária.

-  Do ponto de vista da organização política, havia obediência incondicional ao chefe Ambrósio, líder que, segundo um cronista da época, era dotado “de todas as qualidades de um general”. Com uma hierarquia que constituía uma espécie de Estado-Maior.

- As colheitas eram conduzidas ao paiol para distribuição coletiva.

A Força Militar dos Quilombos

- Conforme a estrutura de média a grande do quilombo era necessário uma organização hierárquica militar mais estruturada para defesa tanto da população quanto da economia desses quilombos que sofriam diversas investidas das forças da colônia.

- Ou seja, exigia-se grupos armados e também táticas e estratégias territoriais de barricadas até armadilhas para conter os invasores.

- O autor não aponta o contingente do exército de defesa de Palmares, mas mostra que chegou a ser necessário forças de 9 mil homens ao comando de bandeirantes, como Domingo Jorge Velho, para derrotar Palmares, que havia resistido a todas as expedições punitivas de 1630 até 1695.

- Palmares deixou seu legado e exemplo de “maior resistência – social, militar, econômica, e cultural – ao sistemas escravista.”

- Outros quilombos foram proeminentes, tanto de Preto Cosme no Maranhão, mas de destaque também o de Ambrósio, ou depois como Campo Grande (MG), que fora destruído após 3 anos (1957-58-59) de preparo do bandeirante Bartolomeu Bueno de Prado contando com 400 homens.

- Preto Cosme que comandava um quilombo de 3000 pessoas no maranhão tinha piquetes de guerrilheiros que promoviam saques nas fazendas dos brancos e ainda traziam mais insurretos, tinha sua estrutura centralizada. Cosme é capturado após fazer alianças com mestiços e brancos (balaiada) sendo delatado para Caxias em 1841, foi condenado e enforcado.

- O autor exemplifica mais um quilombo com estrutura e base militar agora no estado do Rio de Janeiro, o de Manuel Congo. Que após boa tática de combate consegue derrotar a forças da Guarda Nacional, mas, de certa forma, se empolgaram nos contínuos ataques e ficaram desguarnecidos e foram capturados em 1938. Com envolvimento de Caixas também nesse.

As Insurreições Urbanas e os Quilombos

- Vai utilizar-se do exemplo da Grande Insurreição, A Revolta dos Malês, em Salvador (1835). Levantando além da questão urbana e rural, mas também as diferenças religiosas existentes. Contudo, liderada por negros islamizados.

- A questão também é buscar delinear até que ponto se sobressaiu o motivo da luta de classes ou os motivos religiosos. O autor então acredita que a religião foi um elemento de suporte ideológico de organização coletiva perante uma opressão objetiva que existia, tanto o sistema escravista para os negros ainda escravizados como de racismo para o negros livres nessa sociedade escravista.

- Liderança de Hausás e depois de Nagôs que então se tornam chamados malês, mas que se autodenominavam mulçumanos. Pode ser que devido a linguagem religiosa puderam ter uma maior capacidade organizacional com o uso de estratégias militares oriundas da África, inclusive na confecção e uso de armas.

- Ao pontuar a introdução do Islã na África, o autor rememora que a penetração islâmica na África existiu com o objetivo de controle social, um tipo de colonização também. Apesar de, nesse contexto (Brasil), ser um fator utilizado como mudança social através das revoltas dos malês.  

A Grande Insurreição

- organizada nos mínimos detalhes entre as várias nações (etnias) africanas. Em Salvador, 1835, com revoltas já ocorrendo desde 1807.

- objetivo: tomada de terra dos brancos...

- Perpassou alguns detalhes do planejamento da insurreição assim como apontou as principais pessoas envolvidas.

- Tendo ocorrido a delação (traição) a insurreição acabou sufocada. Prisões, condenações e morte dos rebeldes.

Reivindicação e Consciência do Escravismo

- Apesar das diversas lutas radicais e violentas dos insurretos pretos escravizados, aqui o autor discorre sobre alguns movimentos que visaram uma busca de negociação para obterem alguns direitos, sobretudo nos modos de trabalho. Uma espécie de salto gradativo contra o escravismo.

Os Quilombos e a Abolição

É retratado pelo autor o cenário de rebeldia dos escravizados versus a moderação dos abolicionistas para acabar com o sistema escravista. Apesar de ter existido uma ala mais radical dos abolicionistas. Com isso, o autor não deixa perder de vista que as lutas dos pretos escravizados vieram desde muito antes do abolicionismo (limitado), e que de fato foram as rebeliões que tencionavam os brancos que dominavam. Até devido a isso temos como o dia da consciência negra o 20 de novembro ao invés do 13 de maio. (Reivindicação do Movimento Negro)

Conclusões

“Várias foram as formas de resistência do escravo negro ao regime escravista. Mesmo com todas as limitações que a estrutura do sistema impunha ao cativo, ele, ao contrário do que afirmam aqueles que seguem a chamada historiografia acadêmica, resistiu de várias formas e níveis de importância durante todo o tempo em que a escravidão perdurou. Resistiu usando desde formas ativas, como as de Salvador, ocorridas durante o século XIX, até os quilombos, disseminados em todo o território nacional – do Rio Grande do Sul ao Pará – e as guerrilhas que permeavam as duas formas fundamentais de resistência.”(...)

(..) “A violência, desta forma, penetrava, direta ou indiretamente, no relacionamento entre uns e outros. É a partir da compreensão deste fato que podemos analisar a sociedade brasileira e encontrar as leis fundamentais que deram conteúdo à sua dinâmica.”(...)

“Mediando esses elementos de violência, vemos vários mecanismos amortecedores serem criados no sentido de neutralizarem, ou, pelo menos, diminuírem os seus níveis de intensidade. Por outro lado, a Igreja Católica (ela própria proprietária de escravos) procurará, quer na escravidão nordestina do chamado ciclo do açúcar, quer na mineira ou paulista, montar um aparelho ideológico capaz de dar aos escravos as razões de por que estavam em cativeiro e, aos senhores, racionalizar a violência do opressor. Dessas diversas tentativas de esconder-se a violência e/ou justifica-la nasceram vários estereótipos, um dos quais, conforme já firmamos, é o da benignidade da nossa escravidão.

“O medo, repetimos, é um fator psicológico que influenciará todo o comportamento da classe senhorial no Brasil, determinado, muitas vezes, paradoxalmente, o nível de agressividade e violência contra a pessoas e a classe dos escravos.”

https://regabrasil.files.wordpress.com/2018/10/os-quilombos-e-a-rebelic3a3o-negra-1986.pdf

baixe o pdf acima.

Fotos de dois dos encontros, março/2021.







quarta-feira, 24 de março de 2021

Manuel Querino - O Colono Preto Como Fator da Civilização Brasileira - breve nota

Texto publicado em 1918, por Manuel Querino (1851-1923), nos documentos do 6º Congresso Brasileiro de Geografia.

O autor buscou evidenciar a contribuição dos africanos como os principais propulsores de desenvolvimento do Brasil em todos os aspectos, pois com os africanos vieram a mão de obra qualificada e de fato produtiva, apesar de ser trabalho forçado, escravidão. Os portugueses fizeram o papel improdutivo, de destruição e de parasitismo, apenas se beneficiando do trabalho duro dos africanos. Ou seja, foi a contribuição preta que realmente erigiu a civilização brasileira.

Contudo, acredito ser melhor apropriado o uso de expressões tais quais: principal construtor da civilização, principal força de trabalho, pois no caso de colono ou colonização se refere justamente à destruição. Ou seja, um papel de co-colonizador no Brasil não seria apropriado porque a colonização foi uma obra de genocídio físico e cultural realizado pela cultura ocidental (no caso pelos portugueses).

Manuel Querino buscou, também, confrontar as teorias racistas de Nina Rodrigues, por exemplo, da eugenia. E acabou colocando a miscigenação como algo de bom no Brasil.

Vamos aos capítulos.

Portugal no Meado do Séc. XVI

Nesse capítulo, o autor demonstra, em suma, que a violência ancorada pela ganância portuguesa não seria produtiva para uma colonização, a exemplo dos saques prejudiciais ocorridos na Índia culminando em ruinas. No território brasileiro aconteceria o mesmo. O indígena se afastando do litoral para o interior agravou, em síntese, a situação de improdutividade. Restando, então, a busca pela mão de obra africana como saída de evitar o total colapso. Com a presença forçada dos africanos pode-se intensificar a produção de cereais e da cana de-açúcar, além de explorar da terra o diamante e metais preciosos.

Chegada dos Africanos no Brasil, Suas Habilitações

O autor faz referência à colonização mulçumana na África, que introduziu, na visão dele, os modos civilizados aos sertões do Continente Negro. Isso antes da chegada dos europeus (portugueses). E que, assim sendo, através do tráfico de escravos, esses africanos chegavam aqui já com qualificações, sobretudo aplicações para força de trabalho.

Isso reforça o papel crucial dos africanos, já que os portugueses já haviam iniciado uma enorme destruição dos povos indígenas e sem os indígenas os portugueses eram incapazes de dar prosseguimento ao seu empreendimento aventureiro de colonização devido também às limitações e dificuldades de adaptações geográficas para o trabalho. (e o seu parasitismo, diga-se de passagem).

 Interessante notar que conforme a economia colonial muda o ramo focal, a especialidade africana é mais reivindicada intensificando, assim, o tráfico de africanos. No caso o autor se refere à mudança do século 17 para a mineração no sudeste ao invés dos engenhos de açúcar no nordeste.

Primeiras Ideias de Liberdade, o Suicídio e a Eliminação Física dos Senhorios

“O castigo nos engenhos e fazendas, se não requintava, em geral, em malvadez e perversidade, era não raro severo, e por vezes cruel.” Com isso, suscitava o desejo de liberdade constante (indo contra a docilidade do trabalhador escravo, apesar de às vezes o autor ter descrito assim.) A primeira ideia de liberdade veio através do suicídio para negar a condição de escravizado. 

“Depois, entenderam os escravizados que o senhorio era quem deveria padecer morte violenta, a que se entregavam os infortunados cativos. Não vacilaram um instante e puseram em prática os envenenamentos, as trucidações bárbaras do senhorio, dos feitores e suas famílias. Era a vingança a rugir-lhes na alma; era a repulsa provocada pelos desesperos que lhes inspirava o horror da escravidão.” 

Passando, então, do suicídio ao extermínio do senhorio. Já que o problema não se estava resolvido com as duas ideias anteriores, começaram as fugas e a resistência coletiva, organizando verdadeiros núcleos de trabalho.

Resistência Coletiva, Palmares, Levantes Parciais

Escapando das fazendas e dos engenhos, os escravizados pretos construíram a Confederação de Palmares. “...em Palmares os elementos aí congregados não tiveram por alvo a vingança: bem ao contrário, o seu objetivo foi escapar à tirania e viver em liberdade, nas mais legítimas aspirações do homem.”

“Os fundadores de Palmares ... procuraram refúgio no seio da natureza virgem e aí assentaram as bases de uma sociedade, a imitação das que dominavam na África, sua terra de origem, sociedade, aliás, mais adiantada do que as organizações indígenas. Não era uma conquista movida pelo ódio, mas uma afirmação legítima do desejo de viver livre, e, assim, possuíam os refugiados dos Palmares as suas leis severas contra o roubo, o homicídio, o adultério, as quais na sua vida interna observavam com rigor.”

O autor relata, ainda, outros levantes parciais e batalhas contra as incursões das forças coloniais.

As Juntas Para As Alforrias

O autor enfatiza o trabalho comprometido como meio de saída da opressão e para liberdade. No caso as juntas foi outro meio, ou seja, era o dinheiro guardado pra comprar a liberdade. E de fato o trabalho duro o africano fez mesmo, como exemplificado pela história de Chico Rei (MG). Citando o escritor Afonso Arinos, no artigo Atalaia Bandeirante, tem:

“A custa de um trabalho insano, feito nas curtas horas reservadas ao descanso, o escravo rei pagou a sua alforria. Forro, reservou o fruto do seu trabalho para comprar a liberdade de um dos da tribo; os dois trabalharam juntos para o terceiro; outros para o quarto, e assim, sucessivamente, libertou-se a tribo inteira. Então, erigiram a capela de Santa Ifigênia, princesa da Núbia. Ali, ao lado do culto à padroeira, continuou o culto ao rei negro, que, pelos seus, foi honrado como soberano e legou às gerações de agora a lenda suave do Chico Rei.”

Fenômeno que aconteceu também na Bahia, de acordo com o autor.

O Africano Na Família, Seus Descendentes Notáveis

Esse capítulo foi iniciado com a seguinte citação de Alexandre Melo Morais Filho.

“Percorrendo a história, deixando iluminar-nos a fronte a luz amarelenta das crônicas, não sabemos ao certo quem maior influência exerceu na formação nacional desta terra, se o português ou o negro. Chamado para juiz nesta causa, necessariamente o nosso voto não pertence ao primeiro.”

Finalizando, o autor acaba exaltando o caráter de miscigenação do Brasil, talvez pelo negro ser propulsor – na visão dele - de tal miscigenação, consciente que esse fator eliminaria as raças originais... (um debate muito forte sobre miscigenação ocorria nessa época, importante colocar no contexto do início do século XX, e ao combate de teorias racistas, da eugenia, de Nina Rodrigues entre outros.)  

Em outro ponto, Querino não deixa de enfatizar ainda que toda riqueza na mãos dos brancos foi fruto do trabalho árduo dos pretos. No mais, vale deixar mais essa descrição do autor...

“Trabalhador, econômico e previdente, como era o africano escravo, qualidade que o descendente nem sempre conservou, não admitia a prole sem ocupação lícita e, sempre que lhe foi permitido, não deixou jamais de dar a filhos e netos uma profissão qualquer. Foi o trabalho do negro que aqui sustentou por séculos e sem desfalecimento a nobreza e a prosperidade do Brasil: foi com o produto do seu trabalho que tivemos as instituições científicas, letras, artes, comércio, indústria etc., competindo-lhe, portanto, um lugar de destaque, como fator da civilização brasileira. Quem quer que compulse a nossa história certificar-se-á do valor e da contribuição do negro na defesa do território nacional, na agricultura, na mineração, como bandeirante, no movimento da independência, com as armas na mão, como elemento apreciável na família, e como o herói do trabalho em todas as aplicações úteis e proveitosas. Fora o braço propulsor do desenvolvimento manifestado no estado social do país, na cultura intelectual e nas grandes obras materiais, pois que, sem o dinheiro que tudo move, não haveria educadores nem educandos: feneceriam as aspirações mais brilhantes, dissipar-se-iam as tentativas mais valiosas.”

 


livro pdf:

https://cadernosdomundointeiro.com.br/pdf/O-colono-preto-como-fator-da-civilizacao-brasileira-2a-edicao-Cadernos-do-Mundo-Inteiro.pdf

"Manuel Raimundo Querino (1851-1923) foi um dos mais interessantes intelectuais do Brasil, homem de pensamento e de ação, e um precursor em termos de cultura. Escritor, abolicionista engajado, e professor do que era à época o ensino técnico, Querino notabilizou-se como ensaísta de uma nascente antropologia brasileira, disposto à controvérsia sobre o que deveria ser uma visão satisfatória com respeito à relação entre raça e nacionalidade, e autor de livros didáticos, para formar desenhistas profissionais como ele próprio...."

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Mogobe Ramose: Sobre a Legitimidade e o Estudo da Filosofia Africana – breve nota

Este artigo de Mogobe Ramose tem como objetivo assegurar a legitimidade da Filosofia Africana assim como de Filosofias próximas que sofreram a deslegitimação a partir dos ideais do Ocidente de colonização, escravidão e o violento racismo. E ainda evidencia essas filosofias silenciadas como libertadoras, a exemplo da Filosofia Ubuntu.

O Significado da Dúvida.

O autor revela que dois pilares, em suma, ancoravam a colonização: a religião que através do cristianismo visava converter o mundo ou todo o dito novo mundo. E segundo, a ideia filosófica de que somente o Ocidente seria dotado de racionalidade, tal alegação personificada na afirmação aristotélica “o homem é um animal racional”, ou depois por Papa Paulo III que declarava que “todos os homens são animais racionais”. Não considerando assim, nessa afirmação, os africanos, os ameríndios, os australasianos e, muito menos, as mulheres como seres humanos racionais. Isso se caracteriza na negação Ontológica dos Africanos, a negação da humanidade e, portanto, a dúvida sobre a existência de uma Filosofia Africana.

Sobre o Significado de Filosofia.

O autor aponta que etimologicamente a filosofia significa amor à sabedoria, e é o ser humano que está associado à busca dessa sabedoria.  Sendo assim, ela é onipresente e pluriversal. Pode-se então dizer que a Filosofia Africana remonta de tempos imemoriais até nossos dias. E mais, ela surge através do fundamento e da perspectiva pertencente à autoridade. “O exercício desta autoridade situa a questão no contexto de relações de poder. Quem quer que seja que possua a autoridade de definir, tem o poder de conferir relevância, identidade, classificação e significado ao objeto definido.” (Ramose:2011, p8) Desse modo, o poder do ocidente, através da brutalidade do colonialismo, estabeleceu a perspectiva ocidental como universal.

Pluriversalidade e Exclusão Filosófica.

Dessa forma, o autor propõe uma mudança de paradigma e trata de pluriversalidade ao invés de universalidade. E que essa universalidade se faz na prática de uma particularidade a fim de excluir outras, eliminando a pluriversalidade do ser. Neste trecho se postula que, “Ontologicamente, o Ser é a manifestação da multiplicidade e da diversidade dos entes. Essa é a pluriversalidade do ser, sempre presente. Para que essa condição existencial dos entes faça sentido, eles são identificados e determinados a partir de particularidades específicas. Assim, a particularidade assume uma posição primária a partir da qual o ser é concebido. Essa assunção da primazia da particularidade como modo de entender o ser é frequentemente mal colocada como a condição ontológica originária do ser. O mal-entendido se torna a substituição da pluriversalidade original ineliminável do Ser. (Bohm, 1980, 30-31).”

Contudo, a particularidade é uma premissa para a filosofia apenas se for reconhecida como uma forma de compreender e interagir com a pluriversalidade do ser, e não para excluir outras filosofias.

As Implicações da Exclusão Filosófica.

- Anular a validade da particularidade como o ponto de partida da filosofia.

- Esta exclusão está em busca de outros fins que não a própria filosofia. Trata-se de uma tentativa de reivindicar para os protagonistas da exclusão o direito de ser o solo determinante do significado da experiência, do conhecimento e da verdade para todos.

-A obrigação moral de reconhecer a legitimidade da necessidade ontológica de continuar sendo (ser-sendo) para contrapor a morte ontológica programada pelo poder da universalidade.

-esse reconhecimento ontológico é o convite para estudar outras filosofias a fim de atingir a pluriversalidade do ser na filosofia.

- “A quinta implicação derivada da filosofia da exclusão é que títulos como A História da Filosofia (Copleston), Filosofia, História e Problemas (Stumpf and Fieser, 2002) deveriam ser ajustados por especificidades como em Uma História Crítica da Filosofia Ocidental (O’Connor, 1964). A atenção voltada para a história da filosofia deveria sempre lembrar cuidadosamente da dívida da filosofia grega para com o antigo Egito africano. Ela deveria também levar em consideração o mercado escravocrata transatlântico que separou forçosa e fisicamente povos da África de sua terra natal e seus parentes. A diáspora africana é, portanto, parte integrante da história da filosofia Africana.”

Filosofia Africana.

Aqui o autor indica que o uso da terminologia África (ou Africana) não se dá sem ressalvas quanto à sua origem estrangeira. E ao afirmar que não há bases ontológicas para negar a existência de uma filosofia africana e que a definição de filosofia perpassa uma narrativa de poder epistemológico, então se difere o filosofo profissional, que nasceu na África mas que possui um pensamento calcado nas epistemologias do Ocidente, como não sendo uma filosofia africana. Em suma, a filosofia não está dissociada do contexto histórico-intelectual em que ela pertence e nem do contexto social em que ela nasceu. E que o objetivo primordial da filosofia é a libertação humana.

O Reino Político na África

Antes de abordar a filosofia ubuntu, Ramose trata da questão do Reino político trazida por Kwame Nkrumah, que ao enunciar e enfatizar a consolidação do “reino político,” Nkrumah estava de fato tratando da necessidade da liberdade econômica da África colonizada, ou seja, independência econômica, para além da independência nominal de Gana e de outros países africanos. Em suma, criou-se um outro cenário no qual as riquezas e recursos naturais, minerais e humanos ainda estavam sob o domínio estrangeiro do colonizadores, mas agora de uma forma indireta. O que foi denominado de Neocolonialismo.

Com isso, deve-se ter ressalvas aos ‘pós’ no campo intelectual, a exemplo filosofia “pós-colonial”, (pois ainda se está, na verdade, no contexto de neocolonialismo.)

Filosofia Ubuntu

Ubuntu é um gerundivo (gerundive) abstrato que exprime a filosofia praticada pelos povos da África falantes do Bantu. Ele compartilha o caráter de gerundivo (gerundive)– isto é, a ideia de tornar-se, Ser (be-ing) e ser como manifestações do movimento como princípio do Ser- (be-ing)- com os verbos egípcios antigos, wnn(unen) “existir”, d d (djed) “ser estável”, “durável” e hpr (kheper) “tornar-se” (Obenga, 2004, 37-39). Como os antigos verbos egípcios referidos, a concepção filosófica ubuntu do mundo é que “Coisas não tem a fixidez e inflexibilidade que acreditamos que elas tenham. As coisas são mutáveis e em movimento na Terra, no céu, em baixo d’água, etc. A Terra e o céu, eles mesmos se movem” (Obenga, 2004, 39; Ramose, 1999, 50-53). Um dos problemas com as muitas definições e descrições do ubuntu é que ele é apresentado como uma filosofia da paz, ou mais especificamente, da submissão e infinita capacidade de perdoar (Daye, 2004: 160-65) sem considerar a violência como uma condição de possibilidade herdada ontologicamente para a sobrevivência dos adeptos da filosofia ubuntu. Esta omissão na realidade descaracteriza o ubuntu tornando-o suscetível a experiências de pensamento, por vezes muito estranhas que o retratam sem qualquer fundamento em sua antropologia, cultura e história. Esta tendência é dominante na África do Sul. 
(Ramose:2011, p16) 


Sobre a Legitimidade e o Estudo da Filosofia Africana

(On the legitimacy and study of African Philosophy)  

M. B. Ramose, University of South Africa, Pretoria 

Tradução: Dirce Eleonora Nigro Solis/ Rafael Medina Lopes/ Roberta Ribeiro Cassiano

RAMOSE, M. B. Ensaios Filosóficos, Volume IV - outubro/2011

“Mogobe Ramose obteve primeiramente o título de bacharel em Artes na University of South Africa. A isto se seguiram os títulos de bacharel, licenciado e doutor em Filosofia obtidos na Leuven University (Katholieke Universiteit Leuven) na Bélgica. Possui também o título de mestre em Relações Internacionais da London University. Suas áreas de especialidade e principais interesses são Filosofia Africana, Filosofias da religião e do direito, defesas étnicas e filosofia das relações internacionais. Possui uma publicação vasta nas áreas mencionadas e seus trabalhos continuam a atrair a atenção de muitos estudiosos. Lecionou em duas universidades europeias e quatro universidades africanas, incluindo dois seminários católicos. Atualmente é professor extraordinarius na University of South Africa.”


nota por Fuca, insurreição cgpp. 2020.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Metrópoles: a paz atrás da cerca elétrica

Metrópoles: a paz atrás da cerca elétrica

“Se conforma com a paz atrás da cerca elétrica

Se por o pé pra fora plá plá já era.”

(Há Mil Anos Luz da Paz, Facção Central)

 

O objetivo nesta nota é avaliar os “possíveis” conflitos de classe nas cidades, apenas como nota do texto “Alguns Aspectos da Dinâmica Recente da Urbanização Brasileira”, de Marcelo Lopes de Souza. Por isso omiti a questão racial aqui.

Ao tratar a urbanização brasileira não se pode deixar de analisar o fenômeno da metrópole, principalmente no que tange a metropolização de São Paulo assim como a do Rio de Janeiro. É possível apontar que após a consolidação da urbanização e dessas duas grandes metrópoles na década de 70, vem ocorrendo uma involução metropolitana, que se dá não pela redução do tamanho urbano, mas, sobretudo, pela precarização das condições gerais de vida e habitação que abrange a dimensão espacial e sociopolítica das cidades.

Desde a fase do capitalismo industrial, constata-se que as cidades se tornam o berço da burguesia e mais adiante, como consequência da industrialização, o berço do proletariado industrial. E se o baluarte do capitalismo está no seu desenvolvimento geográfico desigual, é na cidade que se acirra os conflitos de classes. (na sociedade moderna) “A história de qualquer sociedade até nossos dias é a história da luta de classes”. Pois cada classe deverá agir conforme seus interesses.

São inúmeros os desdobramentos dessa equação conflituosa, em suma, para apontar dois deles: a extrema concentração riqueza para a minoria que detém os meios de produção; e a pobreza para a maioria, que se dá na classe trabalhadora que por vezes não encontra demanda onde possa vender sua força de trabalho. As metrópoles mencionadas (RJ e SP) aglutinam essas duas faces socioespaciais.

O grandes centros urbanos industrializados também são minoritários e maioria das pessoas, para sobreviver, necessita migrar para esses centros para vender sua força de trabalho. Ora, se a liberdade que a classe trabalhadora detém é a de “escolher” onde empregar sua força de trabalho, neste sistema não se vê, enquanto classe, na liberdade de não empregar sua força de trabalho, que acaba por ser uma liberdade contraditória. Se torna necessário assim obter uma “aptidão” de mobilidade (qualificação) para escapar do Exército Industrial de Reserva e por vezes do “lumpemproletariado”, que cada vez cresce mais nas grandes metrópoles. Quando uma pessoa ou uma família migra, carrega também sua condição de classe, devido a isso deve-se compreender tal situação como um desdobramento coletivo e inserido num contexto de crise global do trabalho e das migrações.

Os conflitos urbanos estão longe de serem pacíficos, contudo cria-se regionalizações no sentido de conter a sensação de insegurança, exemplo disso são os condomínios fechados, que representam a autossegregação, uma maneira ilusória de solução para o problema das cidades, mas que ancorados nos valores capitalistas, é exemplo de excelência numa redoma. A favelização se torna uma saída mais barata e plausível de habitação para quem detém menor poder econômico, e muitas vezes, são territórios não assistidos pelo Estado, gera-se assim um comando interno para além do Estado. Já nos espaços neutros que estão a mercê da segurança pública, com seus espaços públicos ou privados, ocorre a conexão de todas as mazelas, pois muitas vezes cada território está interligado e mesmo para os que se auto segregaram, ao sair do portão automático poderá se deparar com algumas consequências desses conflitos.

Contudo, apenas para provocar, e ainda no âmbito desse conflitos (que não foram elencados aqui), estaria hoje a burguesia mais protegida do que as regiões periféricas das cidades? A cerca elétrica de fato funcionou nesses grandes centros e que não detém tais meios fica a mercê das consequências? Pode ser um convite pra mim mesmo de aprofundar e continuar essa nota pra um texto.

 

Carlos R. Rocha (Fuca),

Insurreição CGPP, 2019!

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Ventos do Apocalipse, Paulina Chiziane – Breve Nota

Quando assisto a alguma entrevista da escritora moçambicana Paulina Chiziane, com sua tranquilidade na expressão, uma doçura na voz e sempre se portando com muita evidência, fica difícil de imaginar como ela pôde escrever um livro tão repleto de sofrimentos e situações extremamente subumanas. Pois é, Ventos do Apocalipse traz essa bagagem da vida do seu povo no sul de Moçambique pós-independência e assim travando uma guerra civil.
Este livro é o seu segundo romance, publicado em 1975, apesar de a autora não se considerar uma romancista, é fato que me parece não querer atribuir a rótulos europeus para sua obra, nem para seu ser e suas crenças. A sua escrita está mais ligada à tradição oral, a contação de histórias e em particular, as histórias que as mulheres carregam consigo.
São cíclicos os ventos que sopram o apocalipse, e assim a autora inicia o livro com contos do passado, meio que para ambientar a leitura do romance que virá.  O romance é dividido em duas partes: A primeira parte se passa na vila de Mananga, e a narrativa se ambienta na vida de Sianga e Minosse, um casal, Sianga que já fora um régulo não é mais nada da vida, a única mulher que o aturou foi Minosse. 
O cenário é de seca, numa região que depende do clima para se estabelecer numa espécie de agricultura de subsistência. Para agravar, a guerra está sempre a soprar sua brisa, desse modo começa-se a aparição de refugiados de outras aldeias e vilas. A constante busca por sobrevivência vai gerar atritos.  
A segunda parte já se dá pela busca de refúgio dos que sobreviveram dos conflitos em Mananga. E é então que o vento sobra bem forte, a devastação retratada é algo bem estarrecedor. Minosse continua nessa jornada, sendo então a principal voz no romance, uma voz feminina que guardou e viveu toda a desgraça daquele cenário.
A minha sensação é a de que a história não teve fim, justamente pra supor a ideia inicial de que tudo é cíclico, ou seja, os europeus que na colonização devastaram a tradição local, em outro momento vieram para “ajudar” numa guerra civil, seria mesmo só ajuda, assim sem nenhuma pretensão? As mulheres ancestrais que sofreram no passado (vide um conto inicial do livro), a mesma dor se fez presente na vida infeliz de Minosse, existia ali alguma projeção de mudança pro futuro? E se a história pode girar em ciclos será que devemos aprender com as experiências do passado? Foram alguns questionamentos que fiquei a imaginar pós-leitura. E assim encerro essa breve nota, vou deixar o link de uma das entrevistas de Paulina Chiziane, e também a nota de outro livro da mesma autora, As Andorinhas.
Fuca, Insurreição CGPP, 2020. Livro de contos: AS ANDORINHAS



"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países. Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."





quarta-feira, 10 de junho de 2020

Nós Matamos o Cão Tinhoso – Luiz Bernardo Honwana - Breve Nota

Nós Matamos o Cão Tinhoso é um conto de Luiz Bernardo Honwana, foi publicado pela primeira vez em 1964 em Moçambique. Esta obra faz parte de um livro de sete contos de Honwana sendo esse o maior deles e o que carrega o titulo do livro. (ou o livro que leva o titulo do conto).
Bom, se não fosse o fato de ser considerado um conto clássico, devido principalmente ao contexto histórico em que foi escrito e lançado, a trama do texto já teria sua importância para pensar na subjetividade do ser humano. Ginho é uma criança esperta para algumas atividades, mas se deixa levar facilmente por determinações que outras pessoas colocam. Ele representa a dúvida, um leque de atitudes para tomar, representa um momento de escolhas e afirmação! Mas qual caminho seguir?
Sua dúvida maior é a de que se deveria ou não matar o cão sujo que todos ignoram, nem outros cães chegam perto dele, por isso Cão Tinhoso, que remete a sujeira/sarna e não a teimosia, como no português brasileiro. Aliás, o texto que li era o português de Moçambique e continha algumas expressões próprias de lá, assim como, por vezes, a linguagem de uma criança, pois Ginho é quem narra o conto.
Apenas Isaura é quem mantém afeto ao cão, que dá carinho e divide seu lanche com o Cão Tinhoso. Não é a toa que ela é tida como louca na escola, assim pensam.
Desse modo, trazendo ao momento político de Moçambique, as décadas de 60 e 70 foram cruciais para as lutas de libertação e de independência, não só em Moçambique como no continente africano. Eram lutas violentas contra o poderio colonial, foi um momento de busca de autodeterminação política e histórica, momento de emancipação, novos rumos a renascer outros caminhos.
Afinal, que lado o Cão Tinhoso representa? Por que matar o cão? Quem mandou matar o cão? O que as crianças armadas representam nesse momento, especialmente Ginho e Isaura? Essas são algumas das reflexões e analogias possíveis a partir desse conto.
Pra mim o cão tinhoso deveria representar o sistema colonial! No entanto, tudo indica que o cão demonstra a situação das pessoas pretas, e Ginho, um menino preto, deveria matar a serviço e a mando do sistema branco, que procuram justificativas para amenizar as culpas. Seria, então, Ginho um capitão do mato? E pior, o que nem recebe nada por isso a não ser o prestígio de ser aceito num grupo...  
Enfim, um conto rápido que evidencia todo esse sistema hierarquizado até os dias de hoje.

Fuca, Insurreição CGPP
2020

Tem a edição de 2017 da editora Kapulana.


Sobre o Autor
LUÍS BERNARDO HONWANA nasceu em 1942, na cidade de Lourenço Marques (atual Maputo, capital de Moçambique), e cresceu em Moamba, cidade do interior, onde seu pai trabalhava como intérprete. 1964 foi o ano da primeira publicação de Nós matamos o Cão Tinhoso!. No mesmo ano, Honwana, militante da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), foi preso por suas atividades anticolonialismo, e permaneceu encarcerado por três anos. Em 1970, foi para Portugal estudar Direito na Universidade Clássica de Lisboa. Após a Independência de Moçambique, em 1975, foi nomeado Diretor de Gabinete do Presidente Samora Machel, e participou ativamente da vida política do país. Em 1982, tornou-se Secretário de Estado da Cultura de Moçambique e, em 1986, foi nomeado Ministro da Cultura de Moçambique. Em 1987, foi eleito membro do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Em 1991, fundou e foi o primeiro Presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa. Em 1994, foi convidado para entrar para o Secretariado da UNESCO e foi nomeado Diretor do escritório regional da organização, com base na África do Sul. Honwana é membro fundador da Organização Nacional dos Jornalistas de Moçambique, da Associação Moçambicana de Fotografia e da Associação dos Escritores Moçambicanos. Atualmente, é o diretor executivo da Fundação para a Conservação da Biodiversidade (BIOFUND).


quarta-feira, 27 de maio de 2020

O Mundo se Despedaça – Chinua Achebe – Breve Nota

Considerado um clássico da literatura mundial, O Mundo se Despedaça, de Chinua Achebe, é uma leitura importantíssima para se ter contato ao universo do povo Ibo no que hoje se situa o país nigeriano. O primeiro ponto a se destacar é que o romance se dá num período pré-colonização. Assim, Achebe escreveu acerca da vida, costumes, crenças e tradições do povo Ibo antes da invasão colonial.

Bom, após a leitura de A Paz dura Pouco, (post anterior) fiquei sabendo que na verdade se tinha uma trilogia de Chinua Achebe sendo O mundo se despedaça o primeiro deles, então ficou invertida a ordem, mas não alterou tanto a compreensão. E ano passado eu tinha iniciado a leitura de A Flecha de Deus e por incrível que pareça não fiquei empolgado de terminar, ainda pretendo, pois fecha a trilogia.

O livro é dividido em três partes ao longo dos seus 25 capítulos, e essas partes se separam conforme a trajetória de Okonkwo. Parte 1: Se refere a trajetória da infância de Okonkwo até se tornar um guerreiro. Parte 2: Okonkwo é condenado a exilar-se em outra aldeia com suas mulheres e filhos, pois cometeu um crime contra um irmão de aldeia. Parte 3: A volta de Okonkwo para sua aldeia Umuófia, agora já com a chegada da igreja dos ingleses.

Em linhas gerais, Okonkwo era um guerreiro Ibo no sentido de que desde jovem se deu bem nas lutas tradicionais da aldeia, e sua inclinação ao trabalho se revelou outra característica de guerreiro, num povo que se estabelecia com títulos, comprovando hierarquicamente o valor de cada homem. O maior medo de Okonkwo era ser um fracassado tal qual fora seu pai, algo que o perseguia a todo instante e o inspirava a ser o oposto disso.

O povo de Umuófia era muito devoto aos deuses e divindades, onde os mais velhos comandavam esse dialogo entre as pessoas e os deuses, e assim tomavam as atitudes necessárias para que se estabelecesse um bem viver e uma justiça conforme as tradições ancestrais. Desse modo, o autor desvelou como aquela sociedade se comportava naquela dada época, aglutinando tradição oral com sua perspicácia literária.

Okonkwo viu seu anseio por títulos em sua aldeia se desmoronar ao ter que se exilar, nesse momento lhe bateu a tristeza, conseguiu sobreviver em sua nova morada e após sete anos pôde retornar à sua terra. No entanto, a aldeia já não era mais a mesma, a intervenção dos brancos já havia ocorrido e estava se consolidando pouco a pouco.

Primeiro os missionários vieram em paz e chegaram num ar de conciliação e convictos de que eles detinham o poder da salvação e o verdadeiro deus, não aquilo tudo que a aldeia dizia ser deus. Num segundo momento se deu a chegada da colonização britânica com a violência, com suas leis e instituições. Daí o mundo de Okonkwo se desmoronou novamente.

Chinua Achebe escreveu o livro em inglês com uma riqueza imensa, pois juntou a oralidade com literatura, chamando a responsabilidade para si ao ter que relatar e escrever sobre seu povo e sobre África, ao invés de se ter que sempre ler textos externos, dos missionários, de escritores europeus e de estudiosos enviesados.

A meu ver, por fim, acredito que o autor buscou tecer criticas aos dois lados, a forma como a trama se desenrolou realmente pôs em cheque toda aquela devoção e boa parte das superstições da tradição ancestral Ibo daquela região. Achei que o autor foi bem sucedido em passar também a imagem que os recém-chegados brancos tiveram do modo de vida daquela aldeia. Onde Umuófia considerava o espaço maldito, foi justamente onde a igreja cristã se erigiu.

Fuca, Insurreição CGPP
2020



Mais infos:
Entrevista- Chinua Achebe, a voz incómoda da não vitimização africana
https://www.buala.org/pt/cara-a-cara/chinua-achebe-a-voz-incomoda-da-nao-vitimizacao-africana

Sobre literatura africana - BOLEKAJA - VAMOS LUTAR...
Bolekaja na Construção da África no Discurso Intelectual
https://insurreicaocgpp.blogspot.com/2018/05/bolekaja-na-construcao-da-africa-no.html