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domingo, 5 de outubro de 2025

A CONSCIÊNCIA PRETA TAMBÉM REPRESENTA CORAGEM E AUTODETERMINAÇÃO.

 (Texto extraído do Jornal Yanda PanAfrikanu nº4 - Nov/2020).

A CONSCIÊNCIA PRETA TAMBÉM REPRESENTA CORAGEM E AUTODETERMINAÇÃO.

No intuito de escrever uma das reflexões que tive a partir do grupo de estudos do livro Escrevo O Que Eu Quero, do Steve Biko; estudos protagonizados pela UCPA, que aliás, também é a organização quem distribui o livro a preço popular para os pretos. Esse livro espanta pelo seu caráter didático e seu conteúdo de luta radical. Além do mais, pode-se tranquilamente fazer diversos paralelos com os aspectos da luta preta de hoje, tanto a luta do povo preto-africano no continente, quanto a luta dos pretos-africanos espalhados na diáspora. Contudo, não farei uma resenha do livro, apenas uma reflexão acerca da mensagem de autodeterminação e de coragem que nosso ancestral Steve Biko proclamou.

Muito se tem falado de consciência preta, porém pouco de autonomia. À direita ou à esquerda, o preto ainda enxerga a superação do racismo dentro dos parâmetros do sistema dominado pelos brancos e sobretudo visa a integração com os brancos como saída de emancipação num sistema reformado. Já para Biko, a Consciência Preta seria, “em essência, a percepção pelo homem preto da necessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da causa de sua atuação – a negritude de sua pele – e de agir como um grupo.”

Steve Bantu Biko (1946-1977) foi um grande ativista preto antiapartheid, uma liderança do movimento estudantil da Azânia (África do Sul) e um dos fundadores do Movimento de Consciência Preta. Sendo uma pessoa honrada, determinada, extremamente inteligente, Biko lutou incansavelmente e de forma intransigente em prol da causa preta e foi brutalmente torturado e assassinado pela polícia da África do sul do regime do apartheid, onde a minoria branca dominava a maioria preta na terra dos pretos.

Steve Biko pagou o preço pela sua coragem na busca pela autodeterminação do povo preto-africano na Azânia (África do Sul). Apesar da sua grande paixão pela vida, foi o amor pelo seu povo, que estava sendo oprimido mundialmente e particularmente no regime nefasto, legalizado e totalmente injusto do Apartheid da África do Sul, que o fez encarar os brancos frente a frente, com coragem e a certeza que o sopro da verdade de sua luta ecoaria por gerações e gerações até que esse sopro se tornasse um vendaval, mesmo que isso custasse sua vida.

Os seus ensinamentos e práticas ainda nos deixa a esperança futura, que após muito trabalho, ao longo de gerações e gerações, poderemos triunfar. Mas devemos, enquanto povo, arcar com alguns compromissos e nos responsabilizar pela direção de nossa luta de forma autônoma e independente, o nosso compromisso e dedicação pela causa coletiva deve sobrepor o individual. Pois ainda cada sopro de luta e de verdade pelo povo preto lançado por pessoas pretas comuns pode fazer a diferença no médio e longo prazo.

Para isso, nunca é demais frisar que devemos canalizar as nossas energias e, também, nossa resposta odiosa ao brancos, em projetos que vise a reconstrução/renascimento do povo preto.

Partindo do fato que nós, o povo preto, fomos colonizados no continente-mãe, África, e de lá fomos sequestrados para sermos escravizados na diáspora, e que esse sistema escravista e colonial foi perpetrado pelos brancos/europeus sob a pretensa supremacia branca, para que os brancos pudessem se desenvolver econômica, social e politicamente através do roubo, estrupo e genocídio de nosso povo, por mais de cinco séculos. Com isso, ainda sentimos, enquanto povo, todas as consequências diretas e indiretas dessas barbaridades racistas, sendo duas delas: o holocausto da escravidão africana, que foi o maior crime cometido contra um grupo de seres humanos; e a colonização, que espalhou a selvageria branca/europeia como dominação na vida do povo preto, acarretando no subdesenvolvimento de nossas nações e comunidades.

Desde então, a base da destruição do povo preto gira de forma praticamente perpetua pelas:

1. Instituições burocráticas da política. (Políticos) Que regem e governam em prol do sistema socioeconômico capitalista vigente, sistema esse que foi engendrado a partir do comércio de escravos pretos e sustentado pela força de trabalho desses escravizados. E como o capitalismo se sustenta pelo desenvolvimento geográfico desigual, se torna função do Estado capitalista, ou seja, que age em prol do mercado, manter as desigualdades e suas estruturas burocráticas dos três poderes nas mãos do senhores de escravos e seus descendentes (brancos), embora nos apresentem como um sistema que busca a igualdade e o direito para o povo, mas numa democracia burguesa.

2. Indústria militar (policias e afins) é o braço armado que resguarda as estruturas dos três poderes (legislativo, executivo e judiciário) e é também a vertente estatal das mazelas que cercam uma política de segurança pública ineficaz para o povo preto, pronta para o extermínio de nosso povo. Promovendo, em suma, o encarceramento em massa e a morte física dos nossos. 

3. Instituições de educação (que pros pretos representa deseducação, seja o preto graduado, mestre, doutor, pós-doutor, etc.) O sistema de educação branco visa manter exatamente a supremacia branca, ora de forma aberta, ora de forma velada. E essa educação, em geral, nos priva de valores positivos acerca dos povos africanos, ou seja, de valores que enfatizem a sinceridade, confiança, virtude, justiça, orgulho, coletividade, autodeterminação e condição de povo. No mais, é uma educação que doutrina o povo preto a ser subserviente e acreditar, consciente ou inconscientemente, que esses valores são exclusivos de um mundo branco superior. E mesmo uma educação radical dentro dos parâmetros deles, nos condiciona a sobrepor os problemas deles aos nossos.

4. Pelas igrejas, o cristianismo representa grande parte da justificativa do holocausto preto, e inculca na mente dos oprimidos a imagem de um conquistador branco. Quando um povo perde sua imagem de Deus, ele perde sua coesão cultural e passa a reivindicar nada mais do que se é apregoado pelo dominadores. Além de ser uma religião dotada de uma falsa moralidade e de falsos valores, pois o povo branco-europeu nunca seguiu o que pregou. E assim como o islâmicos, são religiões excêntricas, que visam continuamente nossa conversão para a manutenção dos poderes dos conquistadores, um dia teremos que superar Cristo e Maomé.

5. Pela mídia/imprensa tradicional (na tv ou na internet.) Uma espécie de quarto poder, inclusa até os ossos no sistema de supremacia branca. Que gera nos pretos o auto-ódio, que deseduca, que aliena, que nos afasta de nosso valores ancestrais para que nos tornemos inferiores. “O pior crime que o homem branco cometeu foi nos ensinar a odiar a nós mesmos.”

Sendo assim, os dois primeiros itens (1 e 2) demonstram como fica mantida a nossa subjugação física, pois tais estruturas visam nos manter longe do domínio dos meios de produção, e nos suprimem continuamente de acesso às terras, que é a base da divisão social do trabalho e a base da luta e da sobrevivência.

Resguardada as devidas particularidades de cada espaço geográfico, essa regra de subjugação, em geral, se repete. E apesar de nossa suposta liberdade física e a nossa independência nominal ter sido proclamada, ainda compartilhamos, em massa, os grilhões da escravidão mental. Biko disse que, “a arma mais poderosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido.” Essa escravidão mental é perpetuada pelos três últimos itens. (3, 4 e 5)

Em suma, a mensagem é que, não existe saída para revolução ou de renascimento operando nossa luta por dentro dos parâmetros e das validações dessas instituições. Para isso, é preciso acreditar que a sociedade civil preta organizada seja capaz de criar uma luta coletiva coesa e através dessa união de forças conseguir fortalecer as nossas bases. Sendo nós que devemos eleger nossas lideranças, aquelas pessoas que aspiram e respiram os mesmos ares que o nosso, e assim cuidar também de nossas lideranças.

Não será qualquer artista ou intelectual influencer, apenas devido a sua visibilidade, mas sem nenhum trabalho de base ou ajuda sistemática com trabalho comunitário, que irá ter legitimidade perante nosso povo de luta ou nos representar. Nenhum negro colaborador ou lacaio disfarçado terá prestigio entre os nossos, pois estes tipos promovem confusão ideológica e de princípios, não detém objetivos para o coletivo e são, em sua grande maioria, traidores, prontos pra vender a nossa cabeça por qualquer migalha.

Mas Steve Biko pagou o preço pela luta. Devemos honrar os nossos ancestrais. Sempre! Até para condenar quem não nos representa, pois tais lacaios não se tratam de vítimas da escravidão mental, a maioria deles teve acesso ao legado de honra milenar dos africanos. Eles são traidores mesmo!

Já as massas, o povo em geral, passa por toda essa deseducação que culminará no fortalecimento dos grilhões da escravidão mental, muitas vezes apoiando seus algozes sem conseguir detectar os inimigos reais, pois assim, quando se “controla o pensamento de um homem, não precisa se preocupar com as ações dele. Você não tem que dizer a ele para não ficar aqui ou ir mais longe. Ele encontrará seu lugar apropriado e permanecerá nele. Você não precisa mandá-lo para a porta dos fundos. Ele irá sem ser informado. Na verdade, se não houver porta dos fundos, ele abrirá uma para seu benefício particular. Sua educação torna isso necessário.” (Carter G. Woodson)

Estamos seguindo pra uma luta de falsa representatividade e isso nada mais é do que não responder corretamente o questionamento acerca dos nossos problemas. Devemos ter um senso de reinvindicação que fuja das garras da supremacia branca.

Portanto, diante desse monstro em nossas vidas, a responsabilidade de reverter esse quadro deverá ser completamente nossa; e a expressão filosófica/ideológica que mais se aproxima desse ideal é o Pan-Africanismo.  E esse ideal estava contido em Biko, ele buscou tratar das principais frentes agindo como um estadista. Esse era o tamanho de sua grandeza, um grande visionário. Um gigante que procurou honrar seus ancestrais, que visou um legado para seus filhos e para as crianças pretas que ainda iriam nascer; e isso devemos fazer também.

Se nos educarmos e agirmos pela Consciência Preta, iremos também educar adequadamente nossos filhos, e ensiná-los sobre nossas raízes e culturas africanas. Devemos ensiná-los a se amar, a se valorizar e a acreditar em si mesmos.

Enfim, o chamado é pra luta autônoma, trabalhar pelo fortalecimento das bases pretas comunitárias, que nossa hora vai chegar, pois se o mundo branco se encontra forte hoje, podemos prever que ainda nesse século eles se envolverão em mais uma grande guerra, mas nós não cairemos nessa bala, e, neste momento, se estivermos fortes, o impulso pro nosso renascimento poderá ocorrer de igual para igual (sobre os destroços dos brancos), com coragem e autodeterminação.

Fuca, Insurreição CGPP.

domingo, 21 de setembro de 2025

Fichamento Montesquieu - Do Espírito das Leis (primeira publicação em 1748).

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. São Paulo, Saraiva, 1992. Trechos recortados dos livros 1º, 2º, 3º, 5º, 8º e 11º.

No contexto de transição do Antigo Regime para os ideais Iluministas, notadamente após a queda daquele, o escritor Montesquieu escreveu o famoso livro “Do Espírito das Leis”, sendo ele um pensador francês de origem nobre no século XVIII. Naquele tempo, em que outras formas de governo, de poder e de lei estavam sendo debatidas, Montesquieu discorreu sobre o funcionamento e a estrutura de diferentes tipos de governo focando na importância de um poder moderador ou da moderação entre os poderes. Essa elaboração ainda é relevante aos dias atuais, pois não só serviu de base para o desenvolvimento da ciência política como permanece vigente em muitos Estados modernos, mesmo com suas crises e reinvenções.

Em suma, o autor define e conceitua o que são as leis, porém, em seu livro, ele não discorre sobre as leis em si, mas sobre o espírito das leis. Ademais, para além de se ocupar sobre o motivo e a maneira de como os Estados surgiram, Montesquieu constata e define as diversas formas de realização do governo: República, Monarquia e Despotismo. Estas formas, por sua vez, são caracterizadas por natureza e princípio.

A natureza seria o formato de distribuição do poder na sociedade, trata-se sobre quem detém o poder e quem é subordinado a ele. Já por princípio seria a forma sobressalente de como o poder é exercido, como a virtude na República, a honra na Monarquia, e o temor no Despotismo.

Adiante, tomando como exemplo governos vigentes à época, Montesquieu postulou a relação entre a liberdade política do cidadão e o ordenamento político do Estado, chegando à conclusão da necessidade da existência de freios e contrapesos entre a divisão dos poderes do Estado, visando a lógica de moderação dos poderes a fim de evitar abusos de poder.


LIVRO I

“DAS LEIS EM GERAL”

Neste capítulo Montesquieu começa, de maneira geral, com a definição de leis, que “são relações necessárias que derivam da natureza das coisas.” A seguir, o autor diferencia e relaciona as leis naturais às leis criadas pelas pessoas. Para Montesquieu todos os seres têm as suas leis, inclusive Deus e seres superiores ao homem. Ou seja, seres detentores de inteligência criam suas leis, mas existem também outras leis, as quais eles não fizeram. Com isso, o autor aponta uma falha ou limitação das pessoas, que leva ao erro e que impede que “o mundo inteligente seja tão bem governado quanto o mundo físico. Pois, se bem que aquele também possua leis que, pela própria natureza, são invariáveis, não lhes obedece constantemente como o mundo físico obedece às suas.”

“Das Leis Da Natureza”

Quando as pessoas eram regidas pelas leis da natureza, visavam a conservação de seu ser, e tinha a figura de um criador como uma referência mais importante. A partir disso, o autor postula quatro leis naturais.

A primeira lei, que em suas palavras contrasta com Hobbes, seria a paz, porque o homem é imbuído do medo e do sentimento de fraqueza, e tende a não atacar o outro. A segunda lei seria a busca das necessidades, sobretudo alimentar. A terceira seria a aproximação sexual visando o prazer com outras pessoas. A quarta lei seria o desejo de viver em sociedade e se unir na busca de trocar conhecimentos entre si.

“Das Leis Positivas”

No momento em que as pessoas passam a viver em sociedade, elas tendem a dirimir seu sentimento de fraqueza e, consequentemente, a igualdade passa a ser relativa e se iniciam as guerras, que podem se dar nos níveis entre nações ou entre pessoas dentro de uma mesma nação.

Com isso, as leis são criadas para regularem os relacionamentos das pessoas entre si, que são chamadas de Direito das Gentes, que se fundamenta no princípio de não prejudicar seus próprios interesses através de guerras. Agora, considerando o relacionamento dos governantes e governados surge o Direito Político, já que uma sociedade não poderia existir sem um governo. E, por fim, o Direito Civil, que são as leis que regulam o relacionamento dos cidadãos entre si.

Ainda, Montesquieu estabelece que as leis seguem a racionalidade humana, seja a lei política ou a civil, e que existiria uma particularidade de cada sociedade ou nação de acordo com questões geográficas, climáticas, e suas forma produtivas, além de elementos do povo como religião, costumes, ou seja, cada característica de um país inseridas nas leis.

LIVRO II "DAS LEIS QUE DERIVAM DIRETAMENTE DA NATUREZA DO GOVERNO"

O autor postula três tipos de governo: o republicano, onde todo o povo ou parte dele detém o poder soberano; o monárquico, quando uma só pessoa governa seguindo leis fixadas; e o despótico, no qual uma só pessoa governa com reduzida influência das leis, seguindo apenas suas próprias vontades.

República (democracia e aristocracia)

Na democracia, o povo detém o poder soberano, estando algumas vezes na posição de soberano, em outras de súdito. Na aristocracia esse poder está nas mãos de apenas parte do povo.

A lei fundamental para esse tipo de governo são as leis de sufrágio, como escolher seus representantes e como as leis serão votadas. O povo também deve nomear ministros, pois existem situações que é necessária uma regra prejudicial ao povo, que ele nunca iria votar.

Essa escolha deve ser guiada pelo mérito daquele elevado ao cargo público, com distinção entre os que podem eleger e serem eleitos, sendo essas leis fundamentais para a república.

Uma maneira existente é pelo sorteio, de natureza democrática, ou pela escolha, de natureza aristocrática. Cada um com regras próprias, como exames aos sorteados ou sobre a publicidade dos sufrágios. Contudo, independentemente do método, deve permanecer a máxima que apenas o povo pode fazer as leis.

A aristocracia acaba sendo gradativa, ela precisa servir ao povo, não apenas aos nobres que a compõe, tirando o povo da nulidade. Esse poder também não pode ser exorbitante, assim como o monarca, os membros da aristocracia devem obedecer às leis.

Monarquia e Despotismo

Para a existência de um governo monárquico são necessárias leis fundamentais que levem o poder até o príncipe. Esse poder é levado por intermediários como a nobreza ou o clero. Sem essas linhas de transferência de poder, surgiria um déspota.

Além desses postos intermediários, é necessário que haja leis políticas a serem seguidas, leis que tanto os conselhos como o próprio monarca devem obedecer. Sem essas leis surge um Estado despótico, governado pela religião ou costumes.

É da natureza humana que uma pessoa, ao assumir tamanho poder, acaba abandonando os negócios públicos, nomeando alguém para cuidar de seu governo enquanto se preocupa apenas com os prazeres oriundos dessa posição. Essa nomeação acaba se tornando a única lei fundamental do Estado despótico.

Governos e seus princípios

Ao contrário dos outros tipos de governo, para a democracia se sustentar é necessária a virtude de seus cidadãos. Essa virtude permite que as próprias pessoas que estejam fazendo as leis, as façam de boa maneira. Há uma inversão de valores quando a virtude tende a se reduzir podendo culminar na extinção do modelo República. Para a aristocracia, o princípio essencial é a moderação, entendida como a virtude dos nobres, e mais reduzida em comparação com a democracia.

Na monarquia, a virtude não é algo necessário. Pode até ocorrer em algum príncipe ou alguma pessoa do povo, mas nesse tipo de governo, o mais comum é o princípio da honra, que, ao agir em conjunto com as leis, conduz o governo ao seu objetivo. Uma das características da honra é que existam preferências e distinções, assim cada homem acaba agindo pela sua própria ambição. Porém isso não apresenta perigo, mas faz com que o corpo político se movimente na direção do bem comum.

Nos governos despóticos não há algo nesse sentido, pois não existem leis ou constituição e todos homens são iguais enquanto servis, não havendo espaço para a honra e nem virtude. O governo despótico se usa do temor para governar, impedindo que haja contrariedade. Assim o déspota garante sua autoridade e força.

Livro 8 - Corrupção dos princípios

A corrupção dos governos começa pelos seus princípios

A democracia se corrompe quando existe desigualdade, aproximando-a de uma aristocracia. Outra maneira ocorre quando existe igualdade extrema, fazendo com que o povo deseje as funções de magistrado ou legisladores, passando a não respeitá-los, tornando todos déspotas. A aristocracia se corrompe quando o poder se torna arbitrário, com o poder de forma hereditária. Para a aristocracia se manter forte é necessário o perigo externo, garantindo a segurança interna.

A corrupção acontece na monarquia quando um príncipe resolve alterar mais as coisas do que mantê-las, centralizando o que for possível na sua pessoa. A corrupção aparece quando se mistura honrarias e infâmias, quando o príncipe for severo e não justo ou quando os súditos obedecem mais ao príncipe do que à pátria, diminuindo a segurança.

A nobreza prefere obedecer a um rei do que partilhar poder com o povo, portanto, na ausência de um príncipe, buscam coroar outro.

A mudança de governo moderado para governo moderado não traz problemas, o inconveniente aparece quando se muda para o despotismo. Esse tipo de governo se corrompe sozinho, possuindo vício interior e só se estabelecendo por acidentes. Ele não se mantém pois logo são impostas regras.

As leis seguem o princípio de seus governos, quando existe corrupção, elas se tornam más, quando não existe, até as más leis se tornam boas. Por isso leis que parecem destruir o governo, como a insurreição que depunha os magistrados, foram usadas para fortalecer a república em momentos históricos. Quando os magistrados legislam em benefício próprio e abusam de seu poder, toda a república cai, pois perde-se o princípio formador.

A república funciona melhor em territórios pequenos, pois o povo percebe melhor o bem público, está mais próximo dele. É um tipo de governo que se preocupa com as liberdades, não com o engrandecimento.

A monarquia deve ter tamanho mediano, sempre sob os olhos do príncipe. Isso é necessário para que as leis e costumes sejam executados rapidamente. Caso cresçam de tamanho, acabam se repartindo em reinos menores ou se tornando um déspota.

O governo despótico funciona em grandes impérios, pois o temor evita que acidentes ocorram, e quando ocorrerem, o mesmo temor faz com que governadores ou magistrados locais apliquem rapidamente a lei.

Livro 11 - Leis que formam a liberdade

As leis podem formar a relação da liberdade política com a constituição ou com o cidadão. A Liberdade é mais vista na República, mas existem também nas outras formas de governo, assumindo então uma significação variada. Contudo, o autor define da seguinte maneira: "A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem."

A liberdade política existe apenas nos governos moderados, quando não existe abuso de poder. O próprio poder deve portanto controlar o uso do poder. Cada Estado tem seu próprio objetivo.

Dentro de cada Estado existem três poderes, o legislativo (fazer as leis), o executivo dos direitos das gentes e o executivo do direito civil (atualmente chamado judiciário). Essa separação é importante, pois se o mesmo corpo exercer mais do que um poder, aparece o despotismo.

Com os três poderes funcionando, o Estado se vê forçado a andar sempre em comum acordo, buscando seus objetivos. Até que a liberdade se acabe e o Estado pereça, caso o legislativo seja mais corrupto que o executivo.

Essa separação garante uma liberdade política, que embora não seja o objetivo imediato de algumas monarquias, as distância do despotismo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Fichamento de Thomas Hobbes – Leviatã (trechos selecionados)

Thomas HOBBES, Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, caps. XIII a XV; XVII a XXI.

Capítulo XIII

O autor postula que a natureza fez os homens iguais, seja pelo aspecto corporal ou espiritual analisados cada um conjuntamente em termos de capacidade. Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança dos homens em atingir seus fins. No entanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, fica implícito que eles se tornarão inimigos. Então, no caminho para atingir seus fins, que é o da própria conservação, os homens antecipam uma dominação através de uma força comum. Consequentemente esse aumento do domínio sobre os homens, sendo necessário para a conservação de cada um, deve ser por todos admitido.

Na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição, ou seja, a busca pelo lucro com o uso de violência; segundo, a desconfiança, que abrange o aspecto da segurança, da defesa; e terceiro, a glória, que remete aos assuntos da reputação.

Assim, novamente, se não há um poder comum, os homens tendem a atingir uma condição de guerra. Por guerra o autor desvela que não consiste apenas na batalha em si, mas também no lapso de tempo durante o qual se sabe sobre a vontade de travar uma batalha, o ato de lutar. Contudo, é na batalha em si que não há lugar para desenvolvimento da indústria, do cultivo, da navegação, do comércio, e os homens passam a viver de forma embrutecida, pois, em tal condição, não se tem a distinção entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, ou seja, onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça.

Com isso, a noção de justiça e injusta não faz parte das faculdades do corpo e do espírito, pois um homem sozinho, que não vive em sociedade, não teria essa percepção, assim como não haveria a noção de propriedade, domínio e posse, apenas aquilo que o homem é capaz de manter.

Por fim, Hobbes trata das paixões que direcionam os homens para a paz e enfatiza o medo da morte e, além disso, o desejo de condições para se ter uma vida confortável, com a esperança de atingi-la através do trabalho. Ao tratar da razão, sugere-se normas que garantiriam a paz em um comum acordo, que são as leis de natureza.



Capítulo XIV

É definido por Hobbes o direito de natureza (jus naturale), que é a liberdade de cada homem para usar seu próprio poder para a preservação de sua vida. Já a liberdade é a ausência de impedimentos externos, que contrasta com uma lei de natureza (lex naturalis), sendo este um preceito ou regra geral que proíbe um homem de agir de maneira que possa destruir sua vida ou os meios de preservá-la.

Adiante, o autor diferencia o direito e a lei: o direito consiste na liberdade de fazer ou omitir; já a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas.

A primeira e fundamental lei de natureza é a busca pela paz utilizando os meios necessário para conquista-la. A segunda lei de natureza é a concordância entre os homens em renunciar a seu direito a todas as coisas, pela paz e defesa de si mesmos, e assim possuir a mesma liberdade que os outros possuem.

Cada homem renuncia parte de seus direitos no intuito de estabelecer um poder comum, (o Estado). Para tanto, é necessário algo como um contrato, que representa a transferência mútua de direitos.

Se não há a possibilidade de cumprir o contrato – seja um pacto ou convenção - ou a suspeita de tal risco, ocorre que o ato se torna nulo.

Capítulo XV

As outras leis

Nesse capítulo o autor continua tratando das lei de natureza, e enfatiza que essas leis agem na busca da paz e da conservação da vida de forma racional. Sua efetividade depende de uma instituição comum e de coerção (Estado), que garante a obediência de todos que celebraram o pacto. As outras leis seguem elencadas a seguir:

A terceira lei refere-se ao cumprimento dos pactos: A justiça origina-se do cumprimento de pactos válidos, que só são viáveis sob um poder soberano capaz de impor coerção.

A quarta lei postula que quem recebeu algum benefício não deve fazer o doador se arrepender. Em suma, isso gera a relação entre gratidão e ingratidão. 

Quinta lei: cada um se esforce por acomodar-se com os outros. Aqueles que não puderem ser corrigidos deverão ser expulsos da sociedade. Os que respeitam essa lei são os sociáveis.

A sexta lei refere-se ao ato de perdoar ou se arrepender acerca de ofensas do passado, isso garante a possibilidade de paz no futuro.

A sétima lei refere-se à função de uma punição, esta deve buscar a correção ou dissuasão, não apenas uma vingança visando a satisfação pessoal.

A oitava lei revela que ninguém deve declarar ódio ou desprezo por outra pessoa. Isso gera conflito e violência e contrariam a paz.

A nona lei postula que todos são iguais por natureza; a desigualdade é criação das leis civis.

A décima lei diz que ninguém pode exigir para si o que nega aos outros.

A décima primeira lei trata do fato de se ter equidade nos julgamentos, pois um juiz deve ser imparcial a fim de se ter a manutenção da paz.

A décima segunda lei trata das coisas indivisíveis, ou seja, revela que cada homem deve possuir o que é de seu pertencimento, conforme o princípio da equidade. Contudo, tais bens indivisíveis são compartilhados ou distribuídos proporcionalmente

A décima terceira lei revela que o sorteio (arbitrário ou natural) resolve disputas por posse sem violência, ou seja, deve haver sorteio justo.

A décima quarta lei postula que as partes devem aceitar a presença de um terceiro mediador como um meio de alcançar a paz e ter uma decisão justa.

A décima quinta lei trata sobre o fato de que as controvérsias devem ser resolvidas por juízes/árbitros neutros para que não se ocorra o estágio de guerra, para isso é imprescindível que os árbitros não tirem proveito pessoal de qualquer situação.

Com isso, Hobbes ainda trata sobre a proibição de se ter juízo em causa própria, pois com tal fato ocorre uma parcialidade em benefício próprio. Ademais, o autor versa acerca da credibilidade a testemunhas em disputas que envolvem fatos.

Por fim, é cravado pelo autor uma síntese disso tudo: "Faz aos outros o que gostarias que te fizessem".

Capítulo XVII

Em continuidade, o autor evidencia que o Estado, do ponto de vista interno, garante que os homens sigam as leis de natureza. No entanto, do ponto de vista externo, não consegue garantir a ausência de conflitos entre Estados vizinhos, por exemplo.

Consequentemente, o Estado precisa pensar em garantir segurança e proteção, ou seja, é responsável por manter um número suficiente de homens dentro de um objetivo em comum. Esse objetivo deve permanecer mesmo em tempos de paz, caso contrário as diferenças podem surgir e gerar conflitos.

O Estado possui um soberano detentor de poder sobre todas as pessoas. O poder pode ser entregue de maneira natural - sucessão de pai para filho ou através da guerra, gerando um Estado por aquisição.

Capítulo XVIII

A seguir o autor desvela que a instituição soberana, segundo o Capítulo XVIII, tem doze direitos obtidos pela multidão subordinada, quando passa a representa-la. Esses direitos não podem ser transferidos, são essenciais e inseparáveis ao soberano, caso contrário pode começar uma guerra civil. Independentemente do tipo (espécie) de poder exercido.

Em primeiro lugar, os súditos não têm o direito de mudar a forma de governo sem a permissão do soberano.

2. O poder soberano não pode ser legitimamente confiscado ou retirado dos detentores.

3. A minoria deve acatar a escolha do soberano feita pela maioria.

4. O soberano não pode cometer injúria contra seus próprios súditos.

5. Os súditos não têm o direito de punir ou matar o soberano.

6. Compete ao soberano julgar sobre os meios necessários para a paz e a defesa do Estado. O soberano tem o direito de determinar quais opiniões e doutrinas são propícias ou contrárias à paz pública.

7. O soberano estabelece as regras de propriedade (o "meu" e o "teu").

8. A autoridade judicial reside no soberano.

9. O direito de fazer guerra e paz com outras nações pertence ao soberano.

10. A escolha de todos os conselheiros, ministros e funcionários é prerrogativa do soberano.

11. O soberano tem o direito de recompensar e punir os súditos.

12. A concessão de títulos de honra e a determinação da ordem de precedência cabem ao soberano.

Capitulo XIX

Nesse capítulo o autor versa sobre alguns conceitos já apresentados e também promove o desdobramento de alguns. Com isso, Hobbes diz que a diferença entre os governos reside na diferença do soberano, ou seja, na pessoa ou assembleia que representa todos os membros da multidão. Identifica-se três únicas espécies de governo, baseadas no detentor da soberania:

Monarquia: o representante é um só homem.

Democracia: a soberania reside na assembleia geral dos súditos, onde todos participam.

Aristocracia: a soberania reside numa assembleia composta por certas pessoas designadas.

Quando é gerado um Estado por aquisição, pode ser pelo Domínio paterno, baseado no consentimento dos filhos. Este é definido por pactos, não pela questão biológica. Pode ser pelo Domínio despótico, resultado de uma batalha, onde há o pacto de submissão do vencido ao vencedor. Ambos têm os mesmos direitos que o soberano por instituição, pois derivam do medo e do consentimento.

Portanto, seja por instituição ou aquisição, a soberania é absoluta e irrevogável. Ademais, pactos coercitivos são válidos, pois sem isso nenhum Estado seria estável.

Capítulo XX – "Do domínio paterno e despótico"

Compara-se uma grande família que não faz parte de um Estado a uma pequena monarquia, com o pai ou senhor como soberano sobre seus filhos e servos. No entanto, uma família não é propriamente um Estado a menos que tenha poder suficiente para não ser subjugada senão pelos azares da guerra. Se um grupo de pessoas é demasiado fraco para se defender, cada indivíduo pode buscar sua própria segurança pela fuga ou submissão.

Em suma, o Capítulo XX explora as formas de soberania adquiridas pela força, detalhando o domínio paterno baseado no consentimento e o domínio despótico originado de um pacto entre vencedor e vencido. Hobbes enfatiza a semelhança nos direitos e consequências dessas formas de soberania com a soberania por instituição, todas fundamentadas na necessidade de um poder absoluto para garantir a paz e a segurança, e busca apoio para suas ideias em exemplos bíblicos.

Hobbes também desmistifica a ideia de que existem outras formas de governo além das três mencionadas, como as monarquias eletivas ou limitadas. Ele afirma que monarcas eletivos não são soberanos, mas ministros do soberano, e o mesmo se aplica aos monarcas com poder limitado. Províncias submetidas a uma democracia ou aristocracia de outro Estado são, na verdade, governadas monarquicamente.

No que diz respeito à sucessão, o autor explica que em uma democracia, não há lugar para questões de sucessão, pois a assembleia soberana é imortal. Em uma aristocracia, quando um membro da assembleia morre, a eleição de um substituto compete à própria assembleia, que detém o direito de escolher seus conselheiros.

A maior dificuldade em relação ao direito de sucessão ocorre na monarquia. Hobbes argumenta que o direito de designar o sucessor pertence ao monarca em exercício. A morte do soberano deixa a multidão sem um representante, incapaz de eleger um novo monarca, o que levaria ao retorno à condição de guerra. Portanto, a escolha do sucessor é sempre deixada ao juízo e vontade do monarca atual. Essa designação pode ser feita por palavras expressas em testamento ou por sinais tácitos considerados suficientes.

Por fim, Hobbes aborda a objeção de que um monarca poderia vender ou dar seu direito de governar a um estrangeiro. Embora reconheça que isso pode levar à opressão, ele argumenta que o problema reside na falta de habilidade dos governantes, e não necessariamente na sujeição a um estrangeiro. Ele cita o exemplo dos romanos, que buscaram integrar as nações conquistadas, e do rei Jaime, que visava à união da Inglaterra e da Escócia, para mostrar que a integração pode mitigar esse inconveniente. Ele conclui que a decisão de um monarca sobre a sucessão por testamento é legítima, assim como é considerada legítima a possibilidade de o direito de sucessão recair sobre um estrangeiro através do casamento.

Ao passo que esses tratados circulam entre capítulos, agora no presente capítulo XX, Hobbes acrescenta o elemento da integração prática ao dizer que a mera submissão a estrangeiros não invalida uma soberania, desde que haja consentimento e mecanismos de coesão, isto é, a legitimidade reside no consentimento, não na origem do soberano.

Outro elemento tratado é o da obediência ao poder estabelecido, e nisso o autor se vale de exemplos bíblicos para exemplificar essa necessidade.

Logo de início, o autor apresentou que uma família autônoma e poderosa assemelha-se a uma monarquia, com o pai/senhor como soberano.

Ainda, os grupos fracos, que não estão aptos para autodefesa, não são Estados, pois os membros apenas buscam segurança enquanto indivíduos.

Há, em acréscimo, a distinção entre estado de natureza e o Estado. No estado de natureza, a mãe inicialmente detém o poder sobre os filhos, a menos que um pacto marital transfira o domínio ao pai. Em Estados, a lei civil favorece o domínio paterno, refletindo a origem patriarcal da maioria das sociedades.

Aqui, novamente, o Capítulo XX explora as formas de soberania adquiridas pela força, detalhando o domínio paterno baseado no consentimento e o domínio despótico originado de um pacto entre vencedor e vencido.

XXI

A liberdade dos súditos não é absoluta, mas consiste na ausência de impedimentos externos dentro dos limites permitidos pelo soberano. Ela coexiste com a obediência ao poder soberano, pois a segurança coletiva exige restrições à liberdade natural. A verdadeira liberdade reside nas ações não reguladas pelas leis e na possibilidade de desobediência legítima apenas em situações extremas de autopreservação.

4. Conclusões do autor (objetivas):

Liberdade como espaço regulado: A liberdade dos súditos depende do "silêncio da lei" – onde não há proibição, há permissão.

Desobediência justificada: Só é legítima em situações de autopreservação extrema, nunca para desafiar a autoridade soberana.

Invalidade de concessões perigosas: O soberano não pode ceder direitos essenciais à segurança sem renunciar à soberania.

Soberania como alma do Estado: Sem o poder soberano, o Estado perde coesão retornando ao estado de guerra.

Proteção como fundamento da obediência: A obrigação política é condicional à capacidade do soberano de garantir paz e defesa.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Conversando com o povo #2 - texto

Enquanto existir a maioria negra alienada da sua consciência racial, é sinal que ainda existe a escravidão. Sendo esta, agora, a escravidão mental.

Então é necessário libertar as mentes pretas através do estudo e resgate ancestral histórico-cultural africano. Nosso orgulho!

Romper os grilhões da mente, é parar de pensar como os brancos quer que você pense, ou seja, a favor dos interesses deles: que é continuar dominando e comandando nosso povo. Em muitos casos nos humilhando e diminuindo nossa dignidade.

***

Vc já sofreu racismo, preconceito ou discriminação racial?

Se caso não sofreu, acredita que o racismo existe?

...A questão é que a existência do racismo não é opinião, é fato comprovado na sociedade.

Mas,... e como deveria ser combatido o racismo?

Apenas xingando os racistas?

Ou fingindo que ele não existe?

Não, ainda a saída mais viável é a solidariedade e união entre as pessoas/famílias pretas em busca de se tornarem cada vez mais fortes.

***

Diz o ditado que agimos mais com medo de perder algo do que para ganhar algo.

Se caso não nos movermos para resgatar nossa liberdade da mente. Pelo menos devemos pensar que num futuro cada vez mais competitivo os desunidos e os mais fracos estarão sujeitos a piores condições socioeconômicas (isso já é realidade). E pode ter certeza que se for preciso, os opressores (elite branca) irão escravizar novamente a raça mais dividida e fraca.

Com isso, não é que devemos parar de seguir nossos objetivos já existentes de vida (alguns deles sim, se forem destrutivos), mas sim separar e dedicar um momento para fortalecimento e participação dessa união/solidariedade do povo preto. E isso é apenas o começo.

Ame seu povo! Ame sua raça!

Mesmo que o sistema não quer que você pense assim.

Contudo, a sua mente já está em processo de libertação...

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Consciência Afrikano-Centrada versus Nova Ordem Mundial – Breve Nota

Que livro necessário! A princípio, o título dele parece impressionar, sobretudo pelas expressões Nova Ordem Mundial e Globalismo. Não chega a ser algum tipo de chamada capciosa, mas algo que visa lidar com uma época dos nacionalismos, essa época pode ser datada a partir de 1989? Talvez.

Compreendi que uma das grandes mensagens do Amos Wilson é provar que toda consciência e personalidade pretas desajustadas têm reverberações econômicas em um indivíduo e em seu povo, por extensão. E isso é algo proposital, pois tal desajustamento foi e é promovido pela supremacia branca, a fim de manter o seu domínio cultural, político e econômico sobre os pretos-africanos.

Esta edição é bem completa e não deixa a leitora ou o leitor sem um bom contexto da obra, seja se tratando de Marcus Garvey, de Amos Wilson ou da ideia e elaboração da própria edição em português; desde a Apresentação e Visão Histórica de Garvey até as Duas Partes e os Documentos em Anexo.

Sobre o objetivo deste trabalho na apresentação se diz:
“A ideia é, no mínimo, difundirmos, por todos os meios, conteúdo em forma de palestras, materiais em forma de livros, artigos acadêmicos e outros documentos dispersos... Nosso projeto se intere nesse esforço: Amos Wilson, o próprio Marcus Garvey devem ser redescobertos e reconsiderados, sobretudo para fins de atualizarmos nossa filosofia e ideologia.” (pág.95)
Parte 1- Legado de Marcus Garvey

Amos Wilson vai trabalhar o legado de Garvey ao tratar da psicologia do auto-ódio e como essa psicologia foi inculcada na personalidade oprimida do ser Afrikano. Sendo assim, uma das principais características do legado de Garvey se dá pela sua Percepção da Realidade, a própria essência do fracasso e do desenvolvimento de patologias na pessoa Afrikana seria o não reconhecimento da realidade. Então, para avançar e construir tudo que construiu, Garvey obteve e também promoveu a percepção da realidade.

Tal percepção vêm acompanhada do autoconhecimento. Se existe uma amnésia de quem se é, consequentemente, isso pode propiciar o surgimento de um estado mental patológico. Ou seja, “um povo que sofre de falta de conhecimento de si e de sua história, uma falta de conhecimento de sua criação, é um povo que sofre de perda de identidade.”

Desse modo, não se pode ser um pessoa Afrikana e consciente de sua personalidade ‘positiva’ e ser uma pessoa escravizada ao mesmo tempo. Não é possível desenvolver a cultura Afrikana e se identificar com ela, e ser escravizado e subordinado a outro povo. Ou ainda,
“A falta de autoconsciência é uma insensibilidade a si mesmo. Mas uma insensibilidade a si mesmo, também é um a insensibilidade à realidade e ao mundo exterior. Sem a sensibilidade do mundo exterior e de si mesmo, nós somos dados a tropeçar cegamente de um ponto a outro.” (pág.114)
Portanto, Conheça a Ti Mesmo para estar ciente da realidade concreta do mundo, sob sua ótica. Pois, seu destino será determinado por forças externas (e que atuam internamente também) quando se tem uma fuga e uma falta do autoconhecimento. Porém, o legado de Garvey prega que devemos controlar o nosso destino e para isso, devemos controlar o nosso comportamento por nossa própria vontade. Desse modo, Amos Wilson vê em Garvey,
“o derradeiro psicoterapeuta, alguém que é revelador, e que revela os controles inconscientes, os controles que foram implantados fora de nossa consciência por nossos inimigos e opressores. No entanto, apesar desses controles estarem fora de nossa consciência, eles estavam manipulando nosso comportamento para nossa desvantagem. Ao trazer essas forças inconscientes à consciência; ele possibilitou que estas forças estivessem sob nosso controle, governos, lógica, racionalidade, e sob o controle da ideologia do nacionalismo. Este é o legado que ainda vive hoje.” (pág.145)
Adiante, é extremamente importante o apontamento que Amos Wilson faz sobre a negação de si mesmo, ele postula que tal negação pode estar inculcada também em pessoas pretas conscientes. Isso acontece porque não se aprofundou de fato tal consciência de sua própria personalidade e cultura Afrikana, ou seja, quando se detém uma consciência preta superficial ainda se esperará por parte dos inimigos uma aceitação! Essa pessoa ainda tem esperança de que o inimigo vai mudar, essa é a visão do integracionista, seja liderança ou não, que para amar a si mesmo e ao seu povo, deve-se, antes, conseguir a aceitação do branco.

Garvey amou o povo preto e provou que o amor é a base da coesão e da unidade de propósito de qualquer povo. “Se dependermos de nosso inimigo nos amar antes de nos amarmos, nunca iremos nos amar.”

Amos Wilson vai confrontar a liderança integracionista e assimilacionista, que oferece o alivio para um problema profundamente arraigado, uma liderança que visa promover um dito progresso diante do status quo. A educação para o autor é uma que confronte e que, em grande medida, incomode, pois o propósito de transformação exige um grande incomodo, o enfrentamento da realidade tal como ela é.

Desse modo, a realidade do povo preto exige uma ruptura com o mundo branco, não curá-lo, convertê-lo ou até mesmo fazer parte dele. Tudo se resume na construção da nação preta, uma transformação completa não para fazer parte da pilhagem e do roubo que os brancos promoveram, mas para criar uma nova ordem mundial. Amos Wilson exorta ao povo preto que se aproxime de Garvey, o verdadeiro nacionalista!
“O verdadeiro nacionalista não escapa e esconde através da glorificação do passado o que deve ser feito no presente e no futuro. O nacionalista falso, no entanto, levanta e eleva o povo, constrói um falso orgulho no povo em termos da história passada, mas ele os deixa tateando sobre o que deve ser feito agora. Ele os deixa sem sentido imponentes quando saem dos salões, auditórios e igrejas, com seu oratório tocando nos ouvidos – só para encarar as lojas coreanas quando saem, e encarar suas comunidades dominadas por árabes, por hispânicos e outros grupos. E com esse zunido oratório e retórica, eles devem encarar a realidade de que, embora o conhecimento da história seja maravilhoso, grandioso, e uma parte necessária de nossa ressureição como povo, não será nossa única base de salvação. Além de nos preocuparmos com o nosso passado, nós devemos nos preocupar com o agora e usá-lo, agora, para criar o futuro. (...) (p.160).

“O verdadeiro nacionalista é empreendedor: ele está edificando algo; ele está construindo algo. Nós vemos isso em Garvey; não apenas uma preocupação com o passado, não apenas uma identificação com o Egito e outros grandes impérios Afrikanos do passado, não apenas capturando pequenos detalhes em cima de pequenos detalhes de algum passado Afrikano, mas também um movimento sólido na construção, com concreto, tijolo e argamassa; um sólido desenvolvimento prático e atualização da ideologia Afrikana e do desenvolvimento político. (...)

“Ele não apenas respeita sua herança étnica e as glórias de seus antepassados, mas também se preocupa, se não mais, com a herança que ele passará para seus filhos, com o legado que ele dará a seus filhos. (...) (p.161)

“Um verdadeiro nacionalista não tem medo de delegar poder. Temos muitas pessoas que entram no nacionalismo levando consigo seus problemas egoístas. Muitas pessoas pensam que, porque uma pessoa defende uma ideologia nacionalista, ela superou o egoísmo, a ganancia, o egocentrismo, a mesquinharia, a ignorância e o medo. Dificilmentemente, senhoras e senhores, não é provável! Essas coisas ainda precisam crescer e se desenvolver. (...) (p.166)

“Por fim, se nós quisermos controlar nosso destino, como Marcus Garvey indicou, nós devemos nos autogovernar. Um nacionalismo que não fala em autogoverno, não fala em construção da nação, não constrói uma rede nacional, não constrói um sistema econômico, social, e político nacional, é um nacionalismo falso, Irmãos e Irmãs! ... Não se deixe enganar pelas palavras: devemos olhar para as obras!” (p.166)
Parte 2: Consciência Afrikano-centrada, Personalidade e Cultura como Instrumentos de Poder.

Nesta parte Amos Wilson continua tratando de forma mais detalhada a consciência, mas agora inserindo a relação do Poder com a personalidade e a cultura; essa relação mostra que a natureza da consciência de uma pessoa transforma de forma física como o cérebro opera. Então, quando se fala de consciência, ao estudar cultura e personalidade, se refere também a algo material e real, que age tanto na psique quanto no corpo.

Em um exemplo crucial, Amos Wilson revela que não se deve negar a escravidão dos pretos como se fosse algo que não existiu, como alguns conservadores afirmariam, mas que deve enfrentar os efeitos diretos e indiretos de tal holocausto para justamente poder negar os comportamentos implantados na pessoa africana durante a escravidão, pois esses comportamentos são fontes de diversas possessões, que o autor passa a elencar e caracterizar cada uma no texto.

Com isso, é importante notar os fatores econômicos que o autor enfatizou, que faz parte dessa base material e real oriunda de uma história, cultura, consciência, personalidade, etc. O pretos precisam controlar seus negócios, sua própria terra, os pretos precisam ser geradores de empregos, ou seja, o povo preto precisa pensar em questão de nacionalidade, na construção da nação preta. Assim, Amos Wilson diz que,
“Nós devemos, então, como povo, desenvolver uma nova consciência Afrikana – uma consciência centrada no Afrikano – e isso significa que a desenvolvemos com base em uma história Afrikana, cultura e valores Afrikanos. Acima de tudo, nós devemos desenvolver um senso de nacionalidade Afrikana.” (pág. 203)
E define cultura dessa forma:
“Cultura habita em nós e habita nossos corpos. Nossa história habita em nós e habita nossos corpos... Cultura... é um meio pelo qual um grupo de pessoas organiza a maneira como pensa, organiza a maneira como acredita, organiza a maneira como vê o mundo, de modo a criar uma consciência pela qual elas podem cooperar para alcançar certos fins, de modo que possam ajudar mutuamente um ao outro e obter fins que não podem obter como indivíduos separados. Assim, cultura é um instrumento de poder” (pág.196)
Ou seja, se os valores (que são fatores que direcionam a cultura) detém poder, se cultura é poder, se consciência é poder, então quem determina essas questões sobre um povo detém o poder sobre ele. E isso reverbera obviamente nas questões econômicas e em todos os aspectos de uma nação. Daí Amos Wilson retrata tanto as Nações Afrikanas como a Afrikana-Americana como portadora da relação de monocultura e como isso é impertinente para a consolidação do Poder Afrikano, enquanto tiver que vender mais barato (commodities ou força de trabalho) e pagar mais caro de volta (em produtos e tecnologias, por exemplo); e neste contexto aponta como não existe livre mercado que beneficie os negócios pretos (Wilson:2020, pág. 208). Por fim, ao terminar essa parte do livro, o autor prescreve ações numa perspectiva nacionalista preta para a Nação Afrikana Americana.

Então, em suma, levando (aqui) em consideração que o globalismo seria uma movimentação política e a globalização uma movimentação econômica ambos agindo em prol de um universalismo hegemônico, o povo preto ainda deve pensar e agir com o propósito da construção da nação, Nacionalismo Preto.

Enfim, um livro extremamente importante para pensarmos nossas questões em outra parte da diáspora africana, aqui no Brasil. Visões necessárias para que possamos erigir a nação preta! O processo está em andamento...

Fuca, 2021.

Livro: Amos Wilson. Consciência Afrikano-Centrada versus Nova Ordem Mundial: Garveyismo na Era do Globalismo. Editora Poder Afrikano, 2020.




quarta-feira, 7 de abril de 2021

Conversando com o povo - #1 - texto

(Projeto de introdução do álbum volume 2, Insurreição cgpp)

Iae preto, iae preta, que vive nas quebradas desse brasil, essa nação genocida, que visou e visa nossa aniquilação e dizimação, por vários métodos, diretos e indiretos, fisicamente, espiritualmente, mentalmente, pelo sistema educacional racista, pela mídia burguesa, pelas religiões do dominador com seu cristianismo, com sua burocracia institucional da política que funciona para manter nóis fora do poder, longe da tomada de decisão, distante da transformação revolucionária, que tem seu braço militar e todo aparato policial para resguardar as desigualdades raciais e sociais... que desde a época da escravidão vem matando o povo preto e encarcerando e torturando os nossos.

Ainda quando vivos, ainda sobrevivemos em situações de privações, pois nos foi tomada a terra, não temos terra, não detemos os meios de produção em nada nesse pais, assim ficamos dependendo dos opressores genocidas para sobreviver.

Então, se a elite branca ainda detém poder de vida e morte sobre nós, nada está bem e muito precisamos trabalhar entre os nossos, numa perspectiva revolucionária. Ou seja, de romper com a nação branca/burguesa - a história mostra que o mundo que os brancos reservou pra nóis foi um mundo de destruição - sendo assim é necessário construir uma outra nação a partir do nosso controle, abordando as questões de classe e gênero, e o resgate de nossos valores ancestrais positivos. O Povo Preto no Poder. Orgulho de nossa ancestralidade africana. Para conseguir ter paz entre nós e pelo bem-viver.

Isso pode começar hoje, numa escala menor, num grupo menor, mas a base deverá ser sólida pra no momento certo ocorrer a tomada de poder. Onde que somos maioria devemos buscar dominar esses territórios, e visar sempre quebrar a lógica racista e capitalista onde dominarmos.

Nossa arte, nossa educação e nosso trabalho deve seguir esse destino. Na escala dessa humilde arte, nos prestamos a isso.! Abandone os estereótipos que o sistema projetou pra nós, dizendo que somos preguiçosos, burros, vagabundos, criminosos, eternos muleques, irresponsáveis, maiores cachaceiros, os mais drogados, inferiores e fadados a pobreza... por outro lado não podemos cair na armadilha da falsa sensação de progresso através do consumismo desenfreado de produtos bem mais caros além do que vale e enriquecendo justamente os opressores... são várias fitas, mas o rap é escola é tá aí pra blindar mentes. Pois precisamos formar nossos Quilombos!

Isso é então um pouco de nossa forma de... Insurreição Contra o Genocídio do Povo Preto.


quarta-feira, 31 de março de 2021

Os Quilombos e a Rebelião Negra – Clovis Moura – Breve Nota

O texto a seguir em forma de tópicos ou notas, foi feito em decorrência da leitura em conjunto, entre Fuca Cgpp e Joel Consp., do livro Os Quilombos e a Rebelião Negra, de Clovis Moura. Um livro curto de síntese, com 105 páginas, onde pudemos dialogar sobres vários aspectos da luta preta, tanto lá quanto cá, não no sentido de esgotamento do assunto, mas no de despertar a formação contínua através dessa brevidade didática.

Introdução

- Clovis Moura vai evidenciar o ser negro como agente de resistência constante ao sistema escravista, resistência que se dava na negação do trabalho, na negação de ser escravo, pois a todo momento se pensava em fuga da escravidão.

- no sistema escravista existia uma luta de classes. Senhores [brancos] e escravizados [pretos]. Essas duas classes vão compor a base da estrutura do Brasil escravista.

- pra dinamizar essa resistência, o escravizado negava o trabalho escravo já que ele não conseguia modificar o sistema. Com isso, ele vai procurar criar sistemas alternativos.  

- período histórico entre 1550 até 1888. Século XVI ao século XIX.

- O autor vai combater a defasagem histórica em dois pontos: o primeiro é que a escravidão não era a relação de trabalho que girava a economia do brasil escravista. (sendo que era, pois enriquecia o senhores, ou seja, já era, de certa forma, capitalismo). O segundo ponto apresentava o ideal de vivência harmônica na relação entre casa grande (senhores) e senzala (escravizados). Em referência a uma das teses de Gilberto Freyre. Condenando os conceitos de “bom senhor”, “homem cordial,” e “democracia racial.”

- Enfim, nesta introdução, o autor enfatiza que no livro vai se demonstrar a importância social dos negros, especialmente os quilombolas.

Os Quilombos na História Social do Brasil

- A definição de quilombo de acordo com a resposta do Rei de Portugal ao Conselho Ultramarino (1740), “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”.

- o quilombo não foi um fenômeno esporádico, teve constância em todo o brasil.

- o quilombo tinha vários tamanhos de acordo com o número de habitantes, e eram todos armados, os maiores eram: Palmares 20 mil, Campo Grande(Mg) e Ambrósio(mg) 10 mil cada.

- existia um caráter de conversão de escravizados da senzala ao quilombo, pois mantinha-se sempre um diálogo entre senzala e quilombo. Muitas informações circulavam.

-  o quilombo mantinha uma relação comercial de troca de produtos ou excedentes com pequenos agricultores da vizinhança.

Organização e Economia dos Quilombos

- Palmares – o maior exemplo do grande quilombo – era uma confederação de quilombos. Abrangendo um raio de mais de 120km (25 léguas), de acordo com os estudos de Edson Carneiro (1947).

- O autor aponta que “A religião da republica era um cristianismo fortemente sincretizado com valores religiosos africanos.”

- a família era poligâmica e não havia personagem responsável pelo segredo religioso da comunidade.

- “Em cada mocambo o chefe era senhor absoluto, mas, nas ocasiões de guerra, reuniam-se para deliberar conjuntamente, sob as ordens do Zumbi, ou outro chefe da república, na Casa do Conselho do Macaco.”

- A base econômica era a agricultura policultura. Feijão, mandioca, batata-doce, milho.

- Vivendo num regime comunitário, organizado à base da agricultura e da criação de subsistência, Palmares era um reduto em franco florescimento, apesar da ameaça sobre ele.

- o Ambrósio em MG, por exemplo, seguia a mesma estrutura de Palmares com acrescimento de maior pecuária.

-  Do ponto de vista da organização política, havia obediência incondicional ao chefe Ambrósio, líder que, segundo um cronista da época, era dotado “de todas as qualidades de um general”. Com uma hierarquia que constituía uma espécie de Estado-Maior.

- As colheitas eram conduzidas ao paiol para distribuição coletiva.

A Força Militar dos Quilombos

- Conforme a estrutura de média a grande do quilombo era necessário uma organização hierárquica militar mais estruturada para defesa tanto da população quanto da economia desses quilombos que sofriam diversas investidas das forças da colônia.

- Ou seja, exigia-se grupos armados e também táticas e estratégias territoriais de barricadas até armadilhas para conter os invasores.

- O autor não aponta o contingente do exército de defesa de Palmares, mas mostra que chegou a ser necessário forças de 9 mil homens ao comando de bandeirantes, como Domingo Jorge Velho, para derrotar Palmares, que havia resistido a todas as expedições punitivas de 1630 até 1695.

- Palmares deixou seu legado e exemplo de “maior resistência – social, militar, econômica, e cultural – ao sistemas escravista.”

- Outros quilombos foram proeminentes, tanto de Preto Cosme no Maranhão, mas de destaque também o de Ambrósio, ou depois como Campo Grande (MG), que fora destruído após 3 anos (1957-58-59) de preparo do bandeirante Bartolomeu Bueno de Prado contando com 400 homens.

- Preto Cosme que comandava um quilombo de 3000 pessoas no maranhão tinha piquetes de guerrilheiros que promoviam saques nas fazendas dos brancos e ainda traziam mais insurretos, tinha sua estrutura centralizada. Cosme é capturado após fazer alianças com mestiços e brancos (balaiada) sendo delatado para Caxias em 1841, foi condenado e enforcado.

- O autor exemplifica mais um quilombo com estrutura e base militar agora no estado do Rio de Janeiro, o de Manuel Congo. Que após boa tática de combate consegue derrotar a forças da Guarda Nacional, mas, de certa forma, se empolgaram nos contínuos ataques e ficaram desguarnecidos e foram capturados em 1938. Com envolvimento de Caixas também nesse.

As Insurreições Urbanas e os Quilombos

- Vai utilizar-se do exemplo da Grande Insurreição, A Revolta dos Malês, em Salvador (1835). Levantando além da questão urbana e rural, mas também as diferenças religiosas existentes. Contudo, liderada por negros islamizados.

- A questão também é buscar delinear até que ponto se sobressaiu o motivo da luta de classes ou os motivos religiosos. O autor então acredita que a religião foi um elemento de suporte ideológico de organização coletiva perante uma opressão objetiva que existia, tanto o sistema escravista para os negros ainda escravizados como de racismo para o negros livres nessa sociedade escravista.

- Liderança de Hausás e depois de Nagôs que então se tornam chamados malês, mas que se autodenominavam mulçumanos. Pode ser que devido a linguagem religiosa puderam ter uma maior capacidade organizacional com o uso de estratégias militares oriundas da África, inclusive na confecção e uso de armas.

- Ao pontuar a introdução do Islã na África, o autor rememora que a penetração islâmica na África existiu com o objetivo de controle social, um tipo de colonização também. Apesar de, nesse contexto (Brasil), ser um fator utilizado como mudança social através das revoltas dos malês.  

A Grande Insurreição

- organizada nos mínimos detalhes entre as várias nações (etnias) africanas. Em Salvador, 1835, com revoltas já ocorrendo desde 1807.

- objetivo: tomada de terra dos brancos...

- Perpassou alguns detalhes do planejamento da insurreição assim como apontou as principais pessoas envolvidas.

- Tendo ocorrido a delação (traição) a insurreição acabou sufocada. Prisões, condenações e morte dos rebeldes.

Reivindicação e Consciência do Escravismo

- Apesar das diversas lutas radicais e violentas dos insurretos pretos escravizados, aqui o autor discorre sobre alguns movimentos que visaram uma busca de negociação para obterem alguns direitos, sobretudo nos modos de trabalho. Uma espécie de salto gradativo contra o escravismo.

Os Quilombos e a Abolição

É retratado pelo autor o cenário de rebeldia dos escravizados versus a moderação dos abolicionistas para acabar com o sistema escravista. Apesar de ter existido uma ala mais radical dos abolicionistas. Com isso, o autor não deixa perder de vista que as lutas dos pretos escravizados vieram desde muito antes do abolicionismo (limitado), e que de fato foram as rebeliões que tencionavam os brancos que dominavam. Até devido a isso temos como o dia da consciência negra o 20 de novembro ao invés do 13 de maio. (Reivindicação do Movimento Negro)

Conclusões

“Várias foram as formas de resistência do escravo negro ao regime escravista. Mesmo com todas as limitações que a estrutura do sistema impunha ao cativo, ele, ao contrário do que afirmam aqueles que seguem a chamada historiografia acadêmica, resistiu de várias formas e níveis de importância durante todo o tempo em que a escravidão perdurou. Resistiu usando desde formas ativas, como as de Salvador, ocorridas durante o século XIX, até os quilombos, disseminados em todo o território nacional – do Rio Grande do Sul ao Pará – e as guerrilhas que permeavam as duas formas fundamentais de resistência.”(...)

(..) “A violência, desta forma, penetrava, direta ou indiretamente, no relacionamento entre uns e outros. É a partir da compreensão deste fato que podemos analisar a sociedade brasileira e encontrar as leis fundamentais que deram conteúdo à sua dinâmica.”(...)

“Mediando esses elementos de violência, vemos vários mecanismos amortecedores serem criados no sentido de neutralizarem, ou, pelo menos, diminuírem os seus níveis de intensidade. Por outro lado, a Igreja Católica (ela própria proprietária de escravos) procurará, quer na escravidão nordestina do chamado ciclo do açúcar, quer na mineira ou paulista, montar um aparelho ideológico capaz de dar aos escravos as razões de por que estavam em cativeiro e, aos senhores, racionalizar a violência do opressor. Dessas diversas tentativas de esconder-se a violência e/ou justifica-la nasceram vários estereótipos, um dos quais, conforme já firmamos, é o da benignidade da nossa escravidão.

“O medo, repetimos, é um fator psicológico que influenciará todo o comportamento da classe senhorial no Brasil, determinado, muitas vezes, paradoxalmente, o nível de agressividade e violência contra a pessoas e a classe dos escravos.”

https://regabrasil.files.wordpress.com/2018/10/os-quilombos-e-a-rebelic3a3o-negra-1986.pdf

baixe o pdf acima.

Fotos de dois dos encontros, março/2021.







quarta-feira, 24 de março de 2021

Manuel Querino - O Colono Preto Como Fator da Civilização Brasileira - breve nota

Texto publicado em 1918, por Manuel Querino (1851-1923), nos documentos do 6º Congresso Brasileiro de Geografia.

O autor buscou evidenciar a contribuição dos africanos como os principais propulsores de desenvolvimento do Brasil em todos os aspectos, pois com os africanos vieram a mão de obra qualificada e de fato produtiva, apesar de ser trabalho forçado, escravidão. Os portugueses fizeram o papel improdutivo, de destruição e de parasitismo, apenas se beneficiando do trabalho duro dos africanos. Ou seja, foi a contribuição preta que realmente erigiu a civilização brasileira.

Contudo, acredito ser melhor apropriado o uso de expressões tais quais: principal construtor da civilização, principal força de trabalho, pois no caso de colono ou colonização se refere justamente à destruição. Ou seja, um papel de co-colonizador no Brasil não seria apropriado porque a colonização foi uma obra de genocídio físico e cultural realizado pela cultura ocidental (no caso pelos portugueses).

Manuel Querino buscou, também, confrontar as teorias racistas de Nina Rodrigues, por exemplo, da eugenia. E acabou colocando a miscigenação como algo de bom no Brasil.

Vamos aos capítulos.

Portugal no Meado do Séc. XVI

Nesse capítulo, o autor demonstra, em suma, que a violência ancorada pela ganância portuguesa não seria produtiva para uma colonização, a exemplo dos saques prejudiciais ocorridos na Índia culminando em ruinas. No território brasileiro aconteceria o mesmo. O indígena se afastando do litoral para o interior agravou, em síntese, a situação de improdutividade. Restando, então, a busca pela mão de obra africana como saída de evitar o total colapso. Com a presença forçada dos africanos pode-se intensificar a produção de cereais e da cana de-açúcar, além de explorar da terra o diamante e metais preciosos.

Chegada dos Africanos no Brasil, Suas Habilitações

O autor faz referência à colonização mulçumana na África, que introduziu, na visão dele, os modos civilizados aos sertões do Continente Negro. Isso antes da chegada dos europeus (portugueses). E que, assim sendo, através do tráfico de escravos, esses africanos chegavam aqui já com qualificações, sobretudo aplicações para força de trabalho.

Isso reforça o papel crucial dos africanos, já que os portugueses já haviam iniciado uma enorme destruição dos povos indígenas e sem os indígenas os portugueses eram incapazes de dar prosseguimento ao seu empreendimento aventureiro de colonização devido também às limitações e dificuldades de adaptações geográficas para o trabalho. (e o seu parasitismo, diga-se de passagem).

 Interessante notar que conforme a economia colonial muda o ramo focal, a especialidade africana é mais reivindicada intensificando, assim, o tráfico de africanos. No caso o autor se refere à mudança do século 17 para a mineração no sudeste ao invés dos engenhos de açúcar no nordeste.

Primeiras Ideias de Liberdade, o Suicídio e a Eliminação Física dos Senhorios

“O castigo nos engenhos e fazendas, se não requintava, em geral, em malvadez e perversidade, era não raro severo, e por vezes cruel.” Com isso, suscitava o desejo de liberdade constante (indo contra a docilidade do trabalhador escravo, apesar de às vezes o autor ter descrito assim.) A primeira ideia de liberdade veio através do suicídio para negar a condição de escravizado. 

“Depois, entenderam os escravizados que o senhorio era quem deveria padecer morte violenta, a que se entregavam os infortunados cativos. Não vacilaram um instante e puseram em prática os envenenamentos, as trucidações bárbaras do senhorio, dos feitores e suas famílias. Era a vingança a rugir-lhes na alma; era a repulsa provocada pelos desesperos que lhes inspirava o horror da escravidão.” 

Passando, então, do suicídio ao extermínio do senhorio. Já que o problema não se estava resolvido com as duas ideias anteriores, começaram as fugas e a resistência coletiva, organizando verdadeiros núcleos de trabalho.

Resistência Coletiva, Palmares, Levantes Parciais

Escapando das fazendas e dos engenhos, os escravizados pretos construíram a Confederação de Palmares. “...em Palmares os elementos aí congregados não tiveram por alvo a vingança: bem ao contrário, o seu objetivo foi escapar à tirania e viver em liberdade, nas mais legítimas aspirações do homem.”

“Os fundadores de Palmares ... procuraram refúgio no seio da natureza virgem e aí assentaram as bases de uma sociedade, a imitação das que dominavam na África, sua terra de origem, sociedade, aliás, mais adiantada do que as organizações indígenas. Não era uma conquista movida pelo ódio, mas uma afirmação legítima do desejo de viver livre, e, assim, possuíam os refugiados dos Palmares as suas leis severas contra o roubo, o homicídio, o adultério, as quais na sua vida interna observavam com rigor.”

O autor relata, ainda, outros levantes parciais e batalhas contra as incursões das forças coloniais.

As Juntas Para As Alforrias

O autor enfatiza o trabalho comprometido como meio de saída da opressão e para liberdade. No caso as juntas foi outro meio, ou seja, era o dinheiro guardado pra comprar a liberdade. E de fato o trabalho duro o africano fez mesmo, como exemplificado pela história de Chico Rei (MG). Citando o escritor Afonso Arinos, no artigo Atalaia Bandeirante, tem:

“A custa de um trabalho insano, feito nas curtas horas reservadas ao descanso, o escravo rei pagou a sua alforria. Forro, reservou o fruto do seu trabalho para comprar a liberdade de um dos da tribo; os dois trabalharam juntos para o terceiro; outros para o quarto, e assim, sucessivamente, libertou-se a tribo inteira. Então, erigiram a capela de Santa Ifigênia, princesa da Núbia. Ali, ao lado do culto à padroeira, continuou o culto ao rei negro, que, pelos seus, foi honrado como soberano e legou às gerações de agora a lenda suave do Chico Rei.”

Fenômeno que aconteceu também na Bahia, de acordo com o autor.

O Africano Na Família, Seus Descendentes Notáveis

Esse capítulo foi iniciado com a seguinte citação de Alexandre Melo Morais Filho.

“Percorrendo a história, deixando iluminar-nos a fronte a luz amarelenta das crônicas, não sabemos ao certo quem maior influência exerceu na formação nacional desta terra, se o português ou o negro. Chamado para juiz nesta causa, necessariamente o nosso voto não pertence ao primeiro.”

Finalizando, o autor acaba exaltando o caráter de miscigenação do Brasil, talvez pelo negro ser propulsor – na visão dele - de tal miscigenação, consciente que esse fator eliminaria as raças originais... (um debate muito forte sobre miscigenação ocorria nessa época, importante colocar no contexto do início do século XX, e ao combate de teorias racistas, da eugenia, de Nina Rodrigues entre outros.)  

Em outro ponto, Querino não deixa de enfatizar ainda que toda riqueza na mãos dos brancos foi fruto do trabalho árduo dos pretos. No mais, vale deixar mais essa descrição do autor...

“Trabalhador, econômico e previdente, como era o africano escravo, qualidade que o descendente nem sempre conservou, não admitia a prole sem ocupação lícita e, sempre que lhe foi permitido, não deixou jamais de dar a filhos e netos uma profissão qualquer. Foi o trabalho do negro que aqui sustentou por séculos e sem desfalecimento a nobreza e a prosperidade do Brasil: foi com o produto do seu trabalho que tivemos as instituições científicas, letras, artes, comércio, indústria etc., competindo-lhe, portanto, um lugar de destaque, como fator da civilização brasileira. Quem quer que compulse a nossa história certificar-se-á do valor e da contribuição do negro na defesa do território nacional, na agricultura, na mineração, como bandeirante, no movimento da independência, com as armas na mão, como elemento apreciável na família, e como o herói do trabalho em todas as aplicações úteis e proveitosas. Fora o braço propulsor do desenvolvimento manifestado no estado social do país, na cultura intelectual e nas grandes obras materiais, pois que, sem o dinheiro que tudo move, não haveria educadores nem educandos: feneceriam as aspirações mais brilhantes, dissipar-se-iam as tentativas mais valiosas.”

 


livro pdf:

https://cadernosdomundointeiro.com.br/pdf/O-colono-preto-como-fator-da-civilizacao-brasileira-2a-edicao-Cadernos-do-Mundo-Inteiro.pdf

"Manuel Raimundo Querino (1851-1923) foi um dos mais interessantes intelectuais do Brasil, homem de pensamento e de ação, e um precursor em termos de cultura. Escritor, abolicionista engajado, e professor do que era à época o ensino técnico, Querino notabilizou-se como ensaísta de uma nascente antropologia brasileira, disposto à controvérsia sobre o que deveria ser uma visão satisfatória com respeito à relação entre raça e nacionalidade, e autor de livros didáticos, para formar desenhistas profissionais como ele próprio...."