Mostrando postagens com marcador diáspora africana. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador diáspora africana. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Rosa Amelia Plumelle-Uribe - Breve nota

Nota referente ao texto Da Barbárie Colonial à Política Nazista de extermínio, de Rosa Amelia. Em seguida tem uma biografia da autora. Essa nota foi apresentada no grupo de estudos dos livros da UCPA em novembro de 2021, a partir do livro Coleção Pensamento Preto volume1: Epistemologias para o Renascimento Africano. Publicado pela Editora Filhos da África, 2018.

Da Barbárie Colonial à Política Nazista de Extermínio – Breve nota

- Podemos dividir em pelo menos dois momentos de ataques deferidos pelos brancos contra os pretos. 

- O primeiro seria o sequestro e o tráfico transatlântico de escravos vindos da África para as américas desde a segunda metade do século 15, e isso atrelado à colonização do continente americano. O segundo momento seria o de colonização do continente africano desde a segunda metade do século 19. 

- A parte que vou tratar aqui será referente ao primeiro período: a colonização das Américas. Essa colonização trouxe duas consequências nefastas aos indígenas e, em seguida, aos africanos.

- 1ª consequência: Genocídio indígena através da dizimação e extermínios de milhões, sendo que esse continente era habitado pelos indígenas de diversos povos. 

- Rosa Amelia aponta que, de acordo com o censo dos espanhóis, existiam 80 milhões de nativos nas américas. Já de acordo com o senso de historiadores da América do Sul, existiam 100 milhões habitando o continente americano. 

- Seja como for, em ambos os casos, o extermínio girou em torno de 90% do povo indígena. Desse modo, Rosa vai caracterizar essa hecatombe como sendo o primeiro genocídio dos tempos modernos. 

- Ainda, para além dos números, o comportamento dos brancos cristãos culminou numa destruição continuada através da justificação de tal genocídio, criando-se, assim, na dimensão cultural, ideológica e política, a supremacia branca em detrimento dos povos não-europeus e não-brancos. Gerando até mesmo consequências dentro da Europa, e é essa consequência dentro da Europa que poderá servir de fio condutor, direto e indireto, da barbárie colonial ao nazismo. 

- Cruelmente, a situação de impunidade e a pretensa supremacia branca, favoreceu para que a brutalidade branca fosse posta em prática. Uma delas seria jogar os indígenas e até bebês como alimento para cães ou os queimando em fogueiras como forma de diversão branca.

- Podemos perceber que não houve conversa, não houve acordo e não houve nem mesmo piedade, e ao exterminar praticamente toda população de indígenas que também não se submetiam à situação de escravizados, esse ditos conquistadores brancos partiram para a solução africana de fornecimento de escravos para a América. 

- 2ª consequência: essa invasão em busca de mão de obra escrava na África, ainda no século 15, se caracteriza como a segunda consequência da colonização das Américas. Ou seja, esse empreendimento das nascentes potencias ocidentais desencadeou a deportação forçada mais gigantesca da história da humanidade, que além de esvaziar parte da população do continente africano, desagregou a economia dos países africanos. Economia essa que não girava em torno do escravismo. 

- E também ao citar a desagregação da economia africana devido o sequestro de africanos, podemos ter noção de que já existia civilização, organização e bem-estar social na África. Ao contrário do que justificara os brancos.

- É importante notar que logo de início a autora traçou um breve panorama da escravidão antes de 1492, mesmo que sua análise se dê no pós 1492, pois foi com certeza a marca da origem de um genocídio sem precedentes na história humana. 

- A escravidão como uma servidão antes da era moderna, ocorreu tanto entre europeus versus europeus como na própria África, entre os africanos. Sobre os europeus x europeus, Rosa Amelia diz que “...quando o domínio dos árabes mulçumanos se estende em direção à Europa, o comércio de seres humanos é já uma atividade milenar entre os europeus. O reinado do Islã na Espanha de 711 até 1492 limitou-se a dinamizar o tráfico de escravos dentro da Europa, fazendo do continente um importante fornecedor de escravos, homens e mulheres, expedidos para os países do Islã...”

- Já no tópico “Uma empresa de desumanização”, a autora vai abordar a consolidação de leis baseadas na pretensa inferioridade dos não brancos e suposta supremacia branca que fora justificada pelo cristianismo. 

- Então cada metrópole tinha criado seu arsenal jurídico para regulamentar o genocídio. 

- Desse modo, ela vai evidenciar também que durante os séculos 15 e 19, nenhuma voz de autoridade ocidental se ergueu contra as barbáries, nem mesmo os iluministas do século 18, ao quais Rosa Amelia vai traçar sua critica também. 

- Pois esse movimento das Luzes argumentou o triunfo do pensamento cientifico sobre a fé religiosa e isso deu uma energia à raça dos senhores e aos valores da civilização ocidental e uma credibilidade que a religião já não mais beneficiava junto dos espíritos esclarecidos. 

- Com isso, o discurso cientifico passa a dar suporte ao racismo. Por isso também, o que seria um possível desmantelamento das estruturas genocidas com as abolições da escravatura, tal possibilidade nem chegou a arranhar as profundas estruturas da barbárie institucionalizada da supremacia branca.  

- Opinião

- Enfim, ainda sobre as mesas de conferência do ocidente nosso destino estava sendo traçado, sob a desarmonia que os yurugu representam no mundo!

- Vemos então que é uma denúncia bem real e de forma alguma anacrônica ou obsoleta, antiga ou retrógrada – o que pra muitos parece ser -, e tal como o Discurso sobre o colonialismo; Racismo e Sociedade, de Carlos Moore; O Genocídio do Negro Brasileiro, de Abdias; foi bem fundamentada. 

- Vale notar também que junto dessas denúncias devem vir cada vez mais as perspectivas de como se dava o continente africano antes da barbárie branca. Não o fiz devidamente aqui, mas já temos feito em outros textos, tais como: O Pan-Africanismo e a Família Africana e também em Unidade e Luta. 


Rosa Amelia Plumelle-Uribe
[Sugestão: biografia de introdução à nossa apresentação. Extraída do livro dela, White Ferocity].

Advogada e ensaísta, Rosa Amelia Plumelle-Uribe nasceu em 24 de dezembro de 1951 em Montelíbano, Colômbia, mas vive na França.

No final da década de 1970, em Bogotá, capital da Colômbia, ela fez parte do grupo “Cultura Negra”, onde tomou conhecimento da posição dos pretos na história da humanidade.

Desde então, ela tem focado seu trabalho na denúncia de crimes e injustiças perpetrados sob a bandeira da dominação e opressão branca e discriminação racial de outros grupos, incluindo o tráfico de escravos, escravidão, massacres de povos indígenas por colonos, colonialismo, nazismo e apartheid. 

Através de seu trabalho ao longo dos anos, ela continua a construir um relação Norte-Sul diferente.

Em 2001, as pesquisas e reflexões de Plumelle-Uribe ao longo de muitos anos se concretizaram com a publicação de Ferocidade Branca: Os genocídios de não brancos e não arianos, de 1492 até hoje, e uma edição alemã publicada em 2004. 

Em outro trabalho chamado Tráfico de brancos, tráfico de negros: aspectos desconhecidos e consequências atuais [Traite des Blancs, traites des Noirs: aspect méconnus et conséquences actuelles] (L'Harmattan, 2008) ela enfoca essencialmente como, por um lado, os traficantes de escravos árabes-muçulmanos exportavam africanos para a Ásia, Europa e Oriente Médio e, por outro lado, como os europeus continuaram a se vender uns aos outros.
Nos últimos anos, a demanda por reparação pelos crimes do tráfico de escravos tem gerado grande hostilidade entre os poderes implicados nesses crimes. Confrontada com a oposição à reparação por todos aqueles que se sentem ameaçados pela própria ideia, Plumelle-Uribe publicou Vítimas de escravistas muçulmanos, cristãos e judeus. Racialização e banalização de um crime contra a humanidade [Victimes des esclavagistes musulmans, chrétiens et juifs. Racialisation et banalisation d’un crime contre l’humanité] (Anibwé, 2012) para demonstrar as responsabilidades dos atores envolvidos, dos financiadores e dos beneficiários da escravatura e do tráfico de escravos.

Após os ataques terroristas mortais de 13 de novembro de 2015 na França, Plumelle-Uribe publicou 13 de novembro de 2015. Vítimas inocentes das guerras (Anibwé, 2016) para analisar as circunstâncias históricas e as causas que tornaram as populações civis vulneráveis e colocaram em risco a segurança de todos. Ela examina elementos que ajudam a compreender que, na nova realidade do século XXI, a reciprocidade da violência é tal que as intervenções militares no Sul não são mais viáveis sem comprometer a segurança das populações civis do Norte.

Plumelle-Uribe também contribuiu para várias obras coletivas, como Escravidão, colonização, libertação nacional [Esclavage, colonization, libérations nationales] (L'Harmattan, 2000), Desprezo, escravidão e lei [Déraison, esclavage et droit] (UNESCO, 2006), Crimes históricos e reparações: as respostas da lei e da justiça [Crimes de l'histoire et réparations: les réponses du droit et de la justice] (Bruylant, 2004) e 50 anos depois, que independência para a África [50 ans après, quelle indépendance pour l'Afrique] (Philippe Rey, 2010), entre outros.

Agradecimentos [dela feito no livro, acrescenta sobre sua trajetória]

Eu cresci em uma sociedade onde as desigualdades em todos os campos da vida, incluindo a morte, eram tais que causaram e continuam a causar consequências tão terríveis que, mesmo aqueles que acreditavam ter escapado da miséria, tiveram poucas oportunidades de desfrutar de seus confortos materiais sem perder parte de sua humanidade. O menor sentimento humano foi suficiente para desencadear o conflito com um sistema que era controlado por apenas algumas famílias cuja riqueza era comparável à riqueza das maiores fortunas do Ocidente. Esse sistema estava determinado a manter o status quo e, como tal, estava disposto a criminalizar qualquer tipo de demanda social.

Nesse contexto, nas décadas de 1960 e 1970, muitas pessoas nos países das Américas e em outras partes da África e do continente asiático, inclusive adolescentes, tomaram consciência do que significava alienação econômica. Eles assumiram o compromisso ao lado dos mais desfavorecidos. Devo prestar uma homenagem à minha mãe porque, embora não tenha partilhado todas as minhas escolhas, sempre me apoiou mesmo quando, contra a sua vontade, pagou as consequências do meu ativismo.

O que quero sublinhar é que, apesar de ter adquirido consciência desde um estágio bastante precoce da alienação econômica e das desigualdades sociais, cheguei à idade adulta sem perceber o que significava alienação racial.

Eu devo a Amir Smith, Vicente Murrain e Amilkar Ayala, em Bogotá, em 1977, minha descoberta do Discurso sobre o colonialismo, de Aimé Césaire, dos livros de Frantz Fanon, da autobiografia de Malcolm X e Tambours del destino, o trabalho de Peter Bourne sobre a revolução haitiana. Só então me dei conta de nossa posição particular na história da humanidade. Uma posição, como assinala Césaire, que remonta a uma época em que milhões e milhões de mulheres, homens e crianças, foram expulsos de suas casas, acorrentados como animais e compelidos a cruzar o Atlântico sendo despojados até de sua dignidade humana sob os céus da América.

Gostaria de agradecer a Jovina Teodoro por me apresentar o livro profundamente comovente O genocidio do negro brasileiro, de Abdias Do Nascimento.

[pretendo ler até aqui pra então entrar no texto que estudamos]

Naquela época, graças a uma campanha internacional de conscientização das Nações Unidas, sob a pressão combinada de países africanos e da Europa Oriental, fui informada do crime contra a humanidade constituído pelo apartheid, do qual não tinha ouvido falar em parte alguma, fosse no meu círculo político ou em qualquer outro lugar.

Tive a sorte de entrar em contato na França com Jacqueline Grunfeld, uma ex-combatente da Resistência Francesa, ativista anti-apartheid que, até sua morte em 1993, lutou contra todas as formas de racismo. A esta mulher corajosa e generosa devo minha habilidade de discernir entre o judaísmo e o sionismo.

Também tirei grande proveito de meu encontro com Denise Mendez, cuja honestidade intelectual e padrões éticos rígidos foram de grande ajuda para mim em meus esforços.
Quando li Le Code Noir ou le calvaire de Canaan, de Louis Sala-Molins, senti a necessidade de encontrar o autor e abraçá-lo com muito carinho em nome do meu povo.

Também tirei grande proveito dos meus encontros com Régis Doumas que, apesar de não compartilhar minhas crenças, pôde entrar em um debate comigo que ao longo dos anos se tornou um verdadeiro diálogo, pelo qual sou extremamente grata a ele.

Tive a sorte de conhecer Christiane Rémion-Granel, a quem gostaria de agradecer pela sua perseverança nesta luta pela dignidade humana e que muito me estimulou.
Desejo estender meus agradecimentos muito especiais a Frédéric Plumelle, meu marido, a quem este trabalho deve muito. Sem a ajuda generosa que ele me deu por mais de quinze anos, eu nunca teria conduzido a pesquisa que foi essencial para o meu trabalho. Além disso, ele também estava disposto a atuar como meu parceiro durante as etapas, a quem eu apresentei os resultados de minhas análises e pensamentos. Suas sempre bem fundamentadas críticas e sugestões de redação ajudaram enormemente meu progresso. Por isso sou muito grata a ele porque, graças ao seu apoio, pude levar até o fim esta contribuição que devo à memória do meu povo.

Também quero agradecer aos nossos três filhos, Corinne, Henri e JeanGabriel, que à sua maneira me ajudaram e que muitas vezes sofreram as consequências da minha indisponibilidade enquanto preparava esta obra.


por Fuca, nov.21..



terça-feira, 30 de novembro de 2021

O Holocausto dos Pretos (Genocídio Global) - Del Jones - pdf

O Holocausto dos Pretos (Genocídio Global) - Del Jones - (pdf aqui)

https://drive.google.com/file/d/1VIGzLmmb22j8jBAfN-JQAjQ42EqVn4QP/view?usp=sharing



Capítulo 1

1- GUERRA TRIBAL (europeus vs. europeus)

Hoje, cada grupo de pessoas, armado com sua identidade cultural redescoberta ou reforçada, chegou ao limiar da era atual [pós-guerra]. Um otimismo africano atávico, mas vigilante, nos inclina a desejar que todas as nações se deem as mãos para construir uma civilização planetária, em vez de afundarem na barbárie.

-Cheikh Anta Diop, Civilization or Barbarism

 Até mesmo nosso falecido e brilhante estudioso e irmão Diop, um gigante da história, da antropologia e da ciência, demonstra que há algo na mente Afrikana que não se consegue libertar da nossa composição genética humanística básica ao lidar com nossos inimigos.

Diop, mais do que muitos, mostrou os fatos que tratam de nossa vitimização por outros povos. No entanto, até o dia de sua morte ele manteve uma postura com o pensamento positivo de que os bárbaros não eram bárbaros e podiam reverter o comportamento deles em relação aos outros povos do mundo, aos recursos e à força trabalho desses povos [os outros]. Em suma, eles [os bárbaros] acreditam que ainda somos seus escravos, nossas terras ainda são suas e nossas próprias vidas deveriam estar a serviço de sua realidade inventada.

Nunca conseguiremos confrontá-los para salvar nossa existência como um povo enquanto acreditarmos que eles inverterão essa lógica e se voltarão para o lado humano da felicidade. Nah, não há justificativa histórica para essa esperança. O Dr. Martin Luther King Jr. pode ter tido um sonho, mas uma bala em sua garganta foi a realidade.

Nenhum povo, repito nenhum povo, vai para uma batalha, uma luta, uma guerra, sem perceber que deverá usar de tudo para derrotar o inimigo. Enquanto restringirmos nossas apostas com esperanças irrealistas, mais adiante o programa genocida dos inimigos, incluindo “nenhuma misericórdia”, irá prevalecer.

Uma pequena visão geral das interações tribais dos europeus entre europeus acaba com esse sonho. O legado do europeu é a guerra, a guerra sem fim, e com mortes. Eles chegaram ao poder através deste método e não existe nenhuma inclinação para mudar o modo de operação que confiscou o mundo a eles.

Continuamos transmitindo aos nossos filhos essa esperança, essa loucura, essa piada, de que os brancos vão mudar, quando já não há evidências que sustentam essa noção. É um desserviço atribuir isso ao nosso povo sitiado, pois rompe a urgência de nossa luta e deixa nossa própria sobrevivência às abstrações metafísicas. Isso é guerra! Nossas baixas já estão muito além das sofridas por qualquer nação, por qualquer raça, ao longo dos tempos. Não podemos ficar no meio termo.

Eles são um povo de guerra, que levou a tecnologia de guerra a níveis perigosos. Eles desenvolveram “formas superiores de matança” que vão além da guerra, além do genocídio e entram no reino da loucura. Nesta realidade, não há espaço para a complacência. A arma fumegante ainda está carregada e apontada para o povo Afrikano, e está nas mãos sedentas dos assassinos profissionais em massa... é um horror!

Se você acha que isso é um xingamento bobo, você não deve estar bem fundamentado na história europeia. Até mesmo a interpretação deles dos eventos que os moldaram lida duramente com seu comportamento guerreiro.

Vamos apenas escolher uma pepita. Nosso ilustre ancião e professor John Henrik Clarke em seu grande livro Afrikans at The Crossroads: Notes for an Afrikan World Revolution aponta que o sistema europeu de feudalismo nada mais era do que escravidão doméstica. Claro, o termo (feudalismo) foi desenvolvido para esconder a verdade sobre como eles lidavam uns com os outros. Nosso ancião escreveu:

 Se você entender as Cruzadas, especialmente as Cruzadas das Crianças, 1212 D.C., quando os europeus marcharam com mais de 100 000 crianças pela Europa, metade delas morreu congelada durante o inverno anterior, e quando chegaram às águas quentes do Mediterrâneo, na primavera, eles venderam a outra metade para os ‘árabes infiéis’ que eles deveriam ter lutado contra. Se você entende isso, há algo lógico sobre o comércio de escravos em Áfrika; lógico que qualquer homem que fizesse isso com seus filhos faria ainda pior com os filhos dos outros ... Mas, se você o conhecesse, e se analisasse a sua história, saberia que se trata de gangsters, e é melhor matá-los antes que eles matem vocês.

 Historicamente, nossos inimigos foram cruéis com seus próprios filhos. Ainda hoje, a Europa e sua filha bastarda amérikkka têm leis de trabalho infantil para suavizar parte da exploração mortal de seus próprios filhos.

Durante a chamada Revolução Industrial, eles botavam seus filhos para trabalhar até a morte. Aqueles que não morreram, arriscaram a vida fazendo trabalhos perigosos de 18 a 20 horas por dia por pouco mais do que seu sustento. Muitos perderam membros, dedos ou ficaram aleijados pela ganância de seus pais.

Os maus-tratos às crianças dos chamados impérios da Grécia e de Roma fazem parte da história com a qual eles viveram durante anos. Você acha que o abuso sexual de crianças é uma nova moda de Eddie “Fast Eddie” Savitz da Filadélfia ou das legiões de pervertidos que abusam de crianças em uma grande porcentagem de suas creches, escolas e sistemas religiosos?

Você se lembra desse caso do molestador de crianças que pagou por meias sujas, roupas íntimas, sexo anal e oral, enquanto pagava a mais por merda humana? Ele também fez com que algumas crianças cuspissem em sua boca. Por um minuto, esqueça “Fast Eddie”. Poucos apontam que de 2500 a 5000 crianças brancas participaram voluntariamente desse exercício moralmente falido. Portanto, é mais uma acusação à raça branca do que ao indivíduo “Fast Eddie”.

A questão é clara, a maldade de que estou falando é branco sobre branco. No entanto, você nunca os ouve, ou mesmo nós, falar sobre o crime de branco contra branco. Bem, a guerra é um crime e está sempre presente na vida caucasiana. Diga-me o que foram as Guerras Mundiais I e II, decerto o crime dos brancos contra eles próprios.

Quantos milhões morreram na Primeira Guerra Mundial e quantos mais em sua segunda? E quantos africanos foram convocados ou sofreram lavagem cerebral para entrarem no burburinho do lado de uma ou outra tribo branca. Quantos, diga-me, da Áfrika, da América Latina, das Ilhas ou aqui no ventre da besta? Isso não é um crime?

Agora adicione a tentativa de Hitler de exterminar os outros brancos que foi cruel, mortal e bárbara. Quero dizer, é mais um caso de tribalismo pálido repetido inúmeras vezes. No entanto, de alguma forma, os chamados judeus estão mais zangados, mais vingativos com o povo da Áfrika do que com os alemães.

Como a história é controlada pelos vencedores, ninguém mencionou os 20 milhões de mortos na frente russa pelos alemães. Foi um crime maior. Devido às lutas ideológicas do passado entre o capitalismo e o marxismo, essas mortes foram desvalorizadas ou ignoradas. Eu sugeriria que a União Soviética agora está mais por baixo com seus antigos inimigos ocidentais. Portanto, veremos agora produtos de mídia e educacionais solidários com suas perdas.

A história da guerra entre eles é tradicional. A devastação, matança e falta de paz percorrem sua existência.

Eles não permitem que você os veja como as tribos bárbaras que são, porque eles elaboram os currículos e evitam essas referências contra eles. Tribais eles foram e tribais eles sempre serão. Na verdade, sua maior luta para chegar a uma “Nova Ordem Mundial” será tentar superar seu próprio tribalismo mortal.

A selvageria e a barbárie que a França e a Inglaterra executaram uma contra a outra são tradicionais, as duas se atacaram de 1337 a 1453, a chamada de “Guerra de 100 Anos”. Obviamente, sempre que você batalha por tanto tempo, a guerra é a sua norma e a paz é anormal.

A última Cruzada terminou por volta de 1270 e as Cruzadas duraram de 1095 até então. Novamente, você pode ver que a guerra é um estado normal de ser e que a paz é quase inexistente. Além disso, a “peste bubônica” devastou sua população em 1347, vinte e cinco milhões morreram em seis anos. 50% das pessoas nas cidades morreram, 60% de Veneza morreram em 6 meses e, ainda, epidemias menores ocorreram durante o resto do século.

Portanto, seu comportamento guerreiro e a “peste bubônica” mantiveram a morte ao redor de sua frágil existência. Eles se acostumaram a morrer, a morte era sua norma e a vida não valia nada na Europa. E se a vida deles não valia nada para eles, então você sabe que eles não se importavam com a vida dos outros também.

Um poeta francês daqueles dias e tempos escreveu:

 Sofremos com a guerra, a morte e a fome; com o frio e o calor, dia e noite, minando nossas forças; pulgas, sarna e tantos outros vermes fazem guerra contra nós. Em suma, tenha misericórdia, Senhor, de nossas pessoas perversas, cuja vida é muito curta.

 Sendo assim, era uma desgraça ser europeu assim como deveria ser agora. Eles tinham pouco conhecimento de medicina e das doenças e eram muito da guerra, mas mais importante ainda, bárbaros e sem sintonia com a natureza. Na verdade, eles estão em contradição com a natureza, devido à crença profunda de que eles são de fato DEUS.

Só isso pode explicar suas contínuas contradições básicas com a natureza, à medida que destroem a camada de ozônio, poluem aquele líquido precioso chamado água e matam o próprio ar que todos devemos respirar. Nada mais pode explicar essa atitude em relação à beleza da vida e tudo o que está ao nosso redor.

Em 1300, os turcos otomanos estavam atacando pelo leste e os mouros atacando pelo oeste, os turcos invadiram a Grécia e os Bálcãs, a Europa estava sendo estrangulada.

Foi o desenvolvimento da superioridade naval que os salvou e eles correram ao redor dos turcos, aprendendo novas rotas marítimas para o extremo Oriente. Enquanto testavam essas rotas, eles tropeçaram no chamado “Novo Mundo”. É o que eles dizem. John Henrik Clarke apresentou um bom argumento de que Colombo sabia o que estava fazendo e havia adquirido o conhecimento das chamadas Índias Ocidentais a partir dos Afrikanos com quem ele havia lidado ao longo da costa da Guiné, muito antes de navegar em 1492.

O dito renascimento europeu, após dois séculos de regressão, ajudou no desenvolvimento do ferro. Além disso, o progresso intelectual ajudou a empurrá-los avante. Novas técnicas agrícolas e coisas como arados e arreios de ferro permitiram que usassem cavalos em vez de bois lentos. Isso deu um impulso às suas sociedades. Obviamente, eles aprenderam algo com as culturas contra as quais eles estavam lutando.

No entanto, foi o uso da pólvora que os preparou para devastar o mundo. Isso permitiu uma nova tecnologia militar baseada no canhão para o mar e para a terra. Além disso, o desenvolvimento de velas para substituir os remadores e, com canhões montados em navios de mar, agora podiam comandar os mares.

Um país pequeno, Portugal, havia dominado a nova tecnologia atraindo os melhores construtores de navios, matemáticos e artesãos para construir sua frota. Além disso, eles escaparam da turbulência que a maior parte da Europa havia passado e sua sociedade estava mais intacta por falta de conflito interno e externo.

Foi o demoníaco Papa Alexandre VI quem deu à Espanha a soberania sobre todas as partes do mundo não cristianizadas. Dois anos depois, fechou um acordo concedendo a Portugal tudo o que está a leste das ilhas de Cabo Verde. Em suma, o Papa católico sentiu que poderia doar terras de outras pessoas que ele nunca nem viu. Essa é a arrogância do europeu e, como você pode ver, eles não mudaram nada. Recentemente, a amérikkka invadiu a pequena Granada, o Panamá, e bombardeou o Iraque sem piedade. Você deve entender que eles estão apenas sendo consistentes com seus ancestrais mortais.

Colocando isso de lado, foi aqui que a sua atenção voltou-se para seus vizinhos, que eles agora podiam alcançar, agora podiam roubar, agora podiam estuprar, agora podiam escravizar e agora podiam matar. Foi nessa época que o europeu se soltou no mundo e nunca mais foi o mesmo.

Após as Cruzadas, que culminaram em derrota militar, a Europa foi golpeada e quase destruída. Mais uma vez, o historiador John Henrik Clarke em seu livro Africans at the Crossroads ofereceu isto:

 A China era a nação técnica líder no mundo naquela época e eles estavam 150 anos à frente da Europa em habilidades marítimas. A Europa não tinha feito um barco que pudesse aguentar o rugido do oceano. Eles não haviam aperfeiçoado a bússola, e foi essa ignorância que os prendeu na Europa desde a queda de Roma. Agora eles tinham que sair da Europa. Eles haviam perdido um terço de sua população por causa da fome e das pragas. Eles haviam se recomposto parcialmente, graças à estrutura da Igreja Católica, mas eles ainda estavam com fome.

O aprisionamento às condições difíceis e hostis produz um povo com um determinado tipo de temperamento. Esse temperamento então deveria ser projetado no mundo, e ainda teremos que lidar com isso até que o entendamos e paremos de transferir nossos sentimentos para um povo que não compartilha de nossa formação cultural e histórica.

 Esta visão geral básica de alguns incidentes históricos críticos (lidando com o tribalismo europeu) que formaram a base da cosmovisão europeia deve ser útil para entender algumas das razões pelas quais eles são subdesenvolvidos humanisticamente enquanto raça.

Um fator importante que devemos lembrar ao lidar com eles é o fato óbvio de que eles não são como nós, eles não pensam como nós, e eles devem ser tratados com base em seu comportamento histórico em relação a nós e outras pessoas de cor.

Isso ajuda a evitar a armadilha da cosmovisão infantil e estabelecida, de que somos apenas uma parte da família feliz do homem, quando, na verdade, temos sido suas vítimas perpétuas. Ademais, depois de digerir isso, é importante notar que seus programas genocidas neste ponto na história são lógicos e viáveis para a manutenção da supremacia branca.

[...]

 SOBRE O AUTOR (1992): Del Jones é o autor de Culture Bandits, Volumes 1 e 2 e Invasion of de 'Body Snatchers. Ele mora atualmente na Filadélfia, Pensilvânia, e tem viajado muito como repórter investigativo e palestrante. Ele cobriu as violentas eleições na Jamaica e fez parte de uma equipe de investigação em Granada semanas antes da invasão covarde pela máquina militar imperialista amerikkkana. Ele também visitou a África do Sul para estudar a situação política de lá.

Jones obteve seu diploma na escola de duras experiências [hard knocks] e seu bacharelado em organização nas ruas e nos campi. Seu mestrado está em dissecar as distorções da mídia, suas mentiras e meias-verdades, e expô-las ao povo. Seu Phd é sobreviver para vencer no dia seguinte. Como resultado de suas muitas realizações, ele recebeu suas credenciais de Correspondente de Guerra. De agora em diante, C.G. aparecerá após seu nome. Ele também recebeu o prêmio Carter G. Woodson pelo Culture Bandits Vol. 1.


segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Consciência Afrikano-Centrada versus Nova Ordem Mundial – Breve Nota

Que livro necessário! A princípio, o título dele parece impressionar, sobretudo pelas expressões Nova Ordem Mundial e Globalismo. Não chega a ser algum tipo de chamada capciosa, mas algo que visa lidar com uma época dos nacionalismos, essa época pode ser datada a partir de 1989? Talvez.

Compreendi que uma das grandes mensagens do Amos Wilson é provar que toda consciência e personalidade pretas desajustadas têm reverberações econômicas em um indivíduo e em seu povo, por extensão. E isso é algo proposital, pois tal desajustamento foi e é promovido pela supremacia branca, a fim de manter o seu domínio cultural, político e econômico sobre os pretos-africanos.

Esta edição é bem completa e não deixa a leitora ou o leitor sem um bom contexto da obra, seja se tratando de Marcus Garvey, de Amos Wilson ou da ideia e elaboração da própria edição em português; desde a Apresentação e Visão Histórica de Garvey até as Duas Partes e os Documentos em Anexo.

Sobre o objetivo deste trabalho na apresentação se diz:
“A ideia é, no mínimo, difundirmos, por todos os meios, conteúdo em forma de palestras, materiais em forma de livros, artigos acadêmicos e outros documentos dispersos... Nosso projeto se intere nesse esforço: Amos Wilson, o próprio Marcus Garvey devem ser redescobertos e reconsiderados, sobretudo para fins de atualizarmos nossa filosofia e ideologia.” (pág.95)
Parte 1- Legado de Marcus Garvey

Amos Wilson vai trabalhar o legado de Garvey ao tratar da psicologia do auto-ódio e como essa psicologia foi inculcada na personalidade oprimida do ser Afrikano. Sendo assim, uma das principais características do legado de Garvey se dá pela sua Percepção da Realidade, a própria essência do fracasso e do desenvolvimento de patologias na pessoa Afrikana seria o não reconhecimento da realidade. Então, para avançar e construir tudo que construiu, Garvey obteve e também promoveu a percepção da realidade.

Tal percepção vêm acompanhada do autoconhecimento. Se existe uma amnésia de quem se é, consequentemente, isso pode propiciar o surgimento de um estado mental patológico. Ou seja, “um povo que sofre de falta de conhecimento de si e de sua história, uma falta de conhecimento de sua criação, é um povo que sofre de perda de identidade.”

Desse modo, não se pode ser um pessoa Afrikana e consciente de sua personalidade ‘positiva’ e ser uma pessoa escravizada ao mesmo tempo. Não é possível desenvolver a cultura Afrikana e se identificar com ela, e ser escravizado e subordinado a outro povo. Ou ainda,
“A falta de autoconsciência é uma insensibilidade a si mesmo. Mas uma insensibilidade a si mesmo, também é um a insensibilidade à realidade e ao mundo exterior. Sem a sensibilidade do mundo exterior e de si mesmo, nós somos dados a tropeçar cegamente de um ponto a outro.” (pág.114)
Portanto, Conheça a Ti Mesmo para estar ciente da realidade concreta do mundo, sob sua ótica. Pois, seu destino será determinado por forças externas (e que atuam internamente também) quando se tem uma fuga e uma falta do autoconhecimento. Porém, o legado de Garvey prega que devemos controlar o nosso destino e para isso, devemos controlar o nosso comportamento por nossa própria vontade. Desse modo, Amos Wilson vê em Garvey,
“o derradeiro psicoterapeuta, alguém que é revelador, e que revela os controles inconscientes, os controles que foram implantados fora de nossa consciência por nossos inimigos e opressores. No entanto, apesar desses controles estarem fora de nossa consciência, eles estavam manipulando nosso comportamento para nossa desvantagem. Ao trazer essas forças inconscientes à consciência; ele possibilitou que estas forças estivessem sob nosso controle, governos, lógica, racionalidade, e sob o controle da ideologia do nacionalismo. Este é o legado que ainda vive hoje.” (pág.145)
Adiante, é extremamente importante o apontamento que Amos Wilson faz sobre a negação de si mesmo, ele postula que tal negação pode estar inculcada também em pessoas pretas conscientes. Isso acontece porque não se aprofundou de fato tal consciência de sua própria personalidade e cultura Afrikana, ou seja, quando se detém uma consciência preta superficial ainda se esperará por parte dos inimigos uma aceitação! Essa pessoa ainda tem esperança de que o inimigo vai mudar, essa é a visão do integracionista, seja liderança ou não, que para amar a si mesmo e ao seu povo, deve-se, antes, conseguir a aceitação do branco.

Garvey amou o povo preto e provou que o amor é a base da coesão e da unidade de propósito de qualquer povo. “Se dependermos de nosso inimigo nos amar antes de nos amarmos, nunca iremos nos amar.”

Amos Wilson vai confrontar a liderança integracionista e assimilacionista, que oferece o alivio para um problema profundamente arraigado, uma liderança que visa promover um dito progresso diante do status quo. A educação para o autor é uma que confronte e que, em grande medida, incomode, pois o propósito de transformação exige um grande incomodo, o enfrentamento da realidade tal como ela é.

Desse modo, a realidade do povo preto exige uma ruptura com o mundo branco, não curá-lo, convertê-lo ou até mesmo fazer parte dele. Tudo se resume na construção da nação preta, uma transformação completa não para fazer parte da pilhagem e do roubo que os brancos promoveram, mas para criar uma nova ordem mundial. Amos Wilson exorta ao povo preto que se aproxime de Garvey, o verdadeiro nacionalista!
“O verdadeiro nacionalista não escapa e esconde através da glorificação do passado o que deve ser feito no presente e no futuro. O nacionalista falso, no entanto, levanta e eleva o povo, constrói um falso orgulho no povo em termos da história passada, mas ele os deixa tateando sobre o que deve ser feito agora. Ele os deixa sem sentido imponentes quando saem dos salões, auditórios e igrejas, com seu oratório tocando nos ouvidos – só para encarar as lojas coreanas quando saem, e encarar suas comunidades dominadas por árabes, por hispânicos e outros grupos. E com esse zunido oratório e retórica, eles devem encarar a realidade de que, embora o conhecimento da história seja maravilhoso, grandioso, e uma parte necessária de nossa ressureição como povo, não será nossa única base de salvação. Além de nos preocuparmos com o nosso passado, nós devemos nos preocupar com o agora e usá-lo, agora, para criar o futuro. (...) (p.160).

“O verdadeiro nacionalista é empreendedor: ele está edificando algo; ele está construindo algo. Nós vemos isso em Garvey; não apenas uma preocupação com o passado, não apenas uma identificação com o Egito e outros grandes impérios Afrikanos do passado, não apenas capturando pequenos detalhes em cima de pequenos detalhes de algum passado Afrikano, mas também um movimento sólido na construção, com concreto, tijolo e argamassa; um sólido desenvolvimento prático e atualização da ideologia Afrikana e do desenvolvimento político. (...)

“Ele não apenas respeita sua herança étnica e as glórias de seus antepassados, mas também se preocupa, se não mais, com a herança que ele passará para seus filhos, com o legado que ele dará a seus filhos. (...) (p.161)

“Um verdadeiro nacionalista não tem medo de delegar poder. Temos muitas pessoas que entram no nacionalismo levando consigo seus problemas egoístas. Muitas pessoas pensam que, porque uma pessoa defende uma ideologia nacionalista, ela superou o egoísmo, a ganancia, o egocentrismo, a mesquinharia, a ignorância e o medo. Dificilmentemente, senhoras e senhores, não é provável! Essas coisas ainda precisam crescer e se desenvolver. (...) (p.166)

“Por fim, se nós quisermos controlar nosso destino, como Marcus Garvey indicou, nós devemos nos autogovernar. Um nacionalismo que não fala em autogoverno, não fala em construção da nação, não constrói uma rede nacional, não constrói um sistema econômico, social, e político nacional, é um nacionalismo falso, Irmãos e Irmãs! ... Não se deixe enganar pelas palavras: devemos olhar para as obras!” (p.166)
Parte 2: Consciência Afrikano-centrada, Personalidade e Cultura como Instrumentos de Poder.

Nesta parte Amos Wilson continua tratando de forma mais detalhada a consciência, mas agora inserindo a relação do Poder com a personalidade e a cultura; essa relação mostra que a natureza da consciência de uma pessoa transforma de forma física como o cérebro opera. Então, quando se fala de consciência, ao estudar cultura e personalidade, se refere também a algo material e real, que age tanto na psique quanto no corpo.

Em um exemplo crucial, Amos Wilson revela que não se deve negar a escravidão dos pretos como se fosse algo que não existiu, como alguns conservadores afirmariam, mas que deve enfrentar os efeitos diretos e indiretos de tal holocausto para justamente poder negar os comportamentos implantados na pessoa africana durante a escravidão, pois esses comportamentos são fontes de diversas possessões, que o autor passa a elencar e caracterizar cada uma no texto.

Com isso, é importante notar os fatores econômicos que o autor enfatizou, que faz parte dessa base material e real oriunda de uma história, cultura, consciência, personalidade, etc. O pretos precisam controlar seus negócios, sua própria terra, os pretos precisam ser geradores de empregos, ou seja, o povo preto precisa pensar em questão de nacionalidade, na construção da nação preta. Assim, Amos Wilson diz que,
“Nós devemos, então, como povo, desenvolver uma nova consciência Afrikana – uma consciência centrada no Afrikano – e isso significa que a desenvolvemos com base em uma história Afrikana, cultura e valores Afrikanos. Acima de tudo, nós devemos desenvolver um senso de nacionalidade Afrikana.” (pág. 203)
E define cultura dessa forma:
“Cultura habita em nós e habita nossos corpos. Nossa história habita em nós e habita nossos corpos... Cultura... é um meio pelo qual um grupo de pessoas organiza a maneira como pensa, organiza a maneira como acredita, organiza a maneira como vê o mundo, de modo a criar uma consciência pela qual elas podem cooperar para alcançar certos fins, de modo que possam ajudar mutuamente um ao outro e obter fins que não podem obter como indivíduos separados. Assim, cultura é um instrumento de poder” (pág.196)
Ou seja, se os valores (que são fatores que direcionam a cultura) detém poder, se cultura é poder, se consciência é poder, então quem determina essas questões sobre um povo detém o poder sobre ele. E isso reverbera obviamente nas questões econômicas e em todos os aspectos de uma nação. Daí Amos Wilson retrata tanto as Nações Afrikanas como a Afrikana-Americana como portadora da relação de monocultura e como isso é impertinente para a consolidação do Poder Afrikano, enquanto tiver que vender mais barato (commodities ou força de trabalho) e pagar mais caro de volta (em produtos e tecnologias, por exemplo); e neste contexto aponta como não existe livre mercado que beneficie os negócios pretos (Wilson:2020, pág. 208). Por fim, ao terminar essa parte do livro, o autor prescreve ações numa perspectiva nacionalista preta para a Nação Afrikana Americana.

Então, em suma, levando (aqui) em consideração que o globalismo seria uma movimentação política e a globalização uma movimentação econômica ambos agindo em prol de um universalismo hegemônico, o povo preto ainda deve pensar e agir com o propósito da construção da nação, Nacionalismo Preto.

Enfim, um livro extremamente importante para pensarmos nossas questões em outra parte da diáspora africana, aqui no Brasil. Visões necessárias para que possamos erigir a nação preta! O processo está em andamento...

Fuca, 2021.

Livro: Amos Wilson. Consciência Afrikano-Centrada versus Nova Ordem Mundial: Garveyismo na Era do Globalismo. Editora Poder Afrikano, 2020.




quarta-feira, 21 de julho de 2021

Trechos do livro: Quando a África Despertar – Hubert Harrison

Este livro, apesar de pequeno, abrange muitos assuntos de uma perspectiva radical, comprometida e com os pés no barro, pois aborda temas como a primeira guerra europeia da perspectiva racial tanto quanto fala sobre as contradições do movimento ‘compre preto’; desmascara o movimento organizado dos trabalhadores brancos e também incentiva a valorização da mulher preta e do jovem preto; trata sobre nosso elo imperecível com a África tanto quanto não deixa de salientar que temos problemas a tratar aqui; resolve a questão cunhada em nosso tempo como ‘colorismo’ e também critica as velhas lideranças pretas; defende a política preta de Raça Primeiro e nos mostra que o mundo não-branco age sempre a partir da raça; advoga a rebelião preta para cessar com a invasão estadunidense no Haiti e também faz resenhas de livros, entre tantos outros assuntos de seu tempo e além. (pág.30)

(...)

No plano pessoal, Hubert Harrison deixou sua esposa irene e seus cinco filhos para trás. No campo político, Harrison deixou um escopo bem definido para a nova movimentação preta. Como legado à posterioridade, deixou as ferramentas de luta política preta utilizada por um amplo espectro de lutadores pretos, desde o movimentos pelos direitos civis radicais e moderados até Malcolm X e sua notável utilização das ruas do Harlem como púlpito. Ao movimento Pan-Africanista Nacionalista, deixou bem fundamentado o conceito Raça Primeiro, da autodeterminação preta, da cooperação entre povos de cor do mundo, da excelência cultural e intelectual preta e da autodefesa armada preta. (P.34)

(Prefácio: Ammit Garvey em Quando a África Despertar- Hubert Harrison, Editora Filhos da África, 2020) 

***

(...)

Uma cura para a Ku-Klux.

Foi na cidade de Pulaski, no condado de Giles, Tennessee, que a Ku-Klux Klan original foi organizada na última parte de 1865. A guerra mal havia sido declarada oficialmente terminada quando os covardes "caipiras", que não podiam vencer os ianques, começaram a se organizar para tirar vantagem dos Negros. Eles aprovaram leis declarando que qualquer homem preto que não pudesse mostrar trezentos dólares deveria ser declarado vagabundo; que todo vagabundo deve ser posto a trabalhar nos serviços públicos de suas cidades; que três Negros não deveriam se reunir a menos que um homem branco estivesse com eles, e outros métodos foram usados conforme necessário para manter a "supremacia branca". Quando o congresso nacional se reuniu em dezembro de 1865, olhou para essas tensões leves com um olhar hostil e, já que nada menos que a re-escravização dos Negros poderia satisfazer os "caipiras", mantiveram eles fora do congresso até que concordassem em fazer algo melhor. Descobrindo que eles eram teimosos, o congresso aprovou a 14ª e 15ª emendas e colocaram os estados “caipiras” sob regime militar até que aceitassem as alterações. O resultado foi que o Negro obteve o voto como proteção contra “as pessoas que o conhecem melhor”.

Enquanto isso, a Ku-Klux, depois do rompante sob a liderança daquele traidor, o general Nathaniel B. Forrest, foi derrubada - nocauteada, como se pensava. Hoje, depois que o Negro foi despojado da proteção do voto pela conivência de republicanos brancos em Washington e democratas brancos no sul, a Ku-Klux ousa levantar sua cabeça feia em seu estado ancestral do Tennessee. Desta vez, eles querem aumentar o excelente tipo de democracia que todos os editores covardes sabem que os Negros estavam recebendo quando lhes era pedido para que fossem patrióticos. A Ku-Klux irá matá-los e submetê-los à tortura e terrores antes que eles mostrem suas feridas e solicitem o voto como recompensa.

Nesta crise, o que os "líderes" Negros têm a dizer em nome do seu povo? Onde está Emmet Scott? Onde estão o Sr. Moton e o Dr. Du Bois? O que a NAACP fará além de escrever cartas frenéticas? Tememos que eles nunca possam ultrapassar o nível da apelação. Mas suponha que o Negro comum do Tennessee decida participar do jogo? Suponha que ele deixe saber que, ao tirar a vida de qualquer soldado ou civil Negro, dois “caipiras” morrerão? Suponha que ele os informe que será tão caro matar Negros quanto é matar pessoas reais? Então, de fato, a Ku-Klux seria enfrentada em seu próprio terreno. E porque não?

Todas as nossas leis, mesmo no Tennessee, declaram que linchamento e racismo são crimes contra a pessoa. Todas as nossas leis declaram que as pessoas individualmente ou em grupos têm o direito de matar em defesa de suas vidas. E se a Ku-Klux impede os oficiais da lei de fazer cumprir essa lei, cabe aos Negros ajudar os oficiais, fazendo cumprir a lei por conta própria. Por que eles não deveriam fazer isso? Chumbo, aço, fogo e veneno são tão potentes contra os “caipiras” quanto aos alemães, e vale lutar pela democracia no Tennessee tanto quanto nas planícies da França. Se os Negros do sul não reconhecerem essa verdade, ninguém mais a reconhecerá por eles. (pp. 77,78,79)

Quando a África Despertar - Hubert H. Harrison

Capítulo III - O Negro e a Guerra.

Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2020. 1ª edição. 215 Páginas.

 [agora em A nova consciência da Raça]

 (...)

Nos bons e velhos tempos, os brancos derivavam seu conhecimento do que os Negros estavam fazendo através daqueles Negros mais próximos deles, geralmente seus próprios expoentes selecionados da atividade dos Negros ou do seu ponto de vista branco. Uma ilustração clássica desse tipo de conhecimento foi fornecida pelo Partido Republicano; mas a Igreja Episcopal, a Liga Urbana ou o Governo dos EUA também serviriam. Hoje o mundo branco é vagamente, mas inquietantemente, ciente de que os Negros estão acordados, diferentes e desconcertantemente incertos. No entanto, o mundo branco pelo qual estão cercados mantém seu método tradicional de interpretar a massa pelo Negro mais próximo de si em afiliação ou contrato. O partido socialista insiste em pensar que a “inquietação” agora aparente nas massas Negras se deve à propaganda que seus adeptos apoiam e acredita que essa revolta funcionará em grande parte nos moldes do pensamento político socialista. Os grandes jornais, preocupados principalmente com a tarefa escolhida de serem os mensageiros mentais da multidão, gritam “propaganda bolchevista” e se lisonjeiam por terem encontrado a verdadeira causa; enquanto os agentes não confiáveis do governo a encaram como “deslealdade”. A verdade, como sempre, pode ser encontrada nas profundezas; mas aí estão todos impedidos de passar pela preguiça mental, pelo desprezo tradicional e fraqueza com que homens brancos na América, de estudiosos como Lester Ward a palpiteiros como Stevenson, decidem considerar uma população de cor de doze milhões.

Em primeiro lugar, a causa do “radicalismo” entre os Negros americanos é internacional. Mas é necessário estabelecer distinções claras desde o início. A função da igreja cristã é internacional. Assim como a arte, a guerra, a família, a alienação e a exploração do trabalho. Mas nada disso possui o direito especial de ampliar o manto de seu próprio “internacionalismo” peculiar para cobrir o caso atual do descontentamento dos Negros – embora isso tenha sido constantemente tentado. O fato internacional ao qual os Negros na América estão reagindo agora não é a exploração de trabalhadores pelos capitalistas; mas a sujeição social, política e econômica dos povos de cor pelos brancos. Não é a linha de classe, mas a Linha de Cor, que é a expressão incorreta, embora aceita, a Linha Pétrea da inferioridade racial. Esse fato é um fato na consciência dos Negros e também nas dos outros. A Linha de Cor Internacional é ambos, a prática e a teoria, dessa doutrina que sustenta que os melhores quadros da África, China, Egito e Índias Ocidentais são inferiores aos piores quadros da Bélgica, Inglaterra e Itália e devem manter suas vidas, terras e liberdades sob os termos e condições que a raça branca decidir conceder.

Hubert Harrison - Quando a África Despertar.

Capítulo VI.

 [mais sobre Raça Primeiro]

(...)

Agora que seu partido encolheu consideravelmente em apoio popular e apreço popular, eles estão dispostos a defender nossa causa. (...) Enquanto eles estavam se recusando a diagnosticar nosso caso, nós mesmo o diagnosticamos e, agora que prescrevemos a cura – Solidariedade Racial – eles vêm até nós com sua prescrição – solidariedade de classe. É tarde demais, senhores! ... E se você é simplório o bastante para acreditar que aqueles, dentre nós, que atendem aos seus interesses à frente dos nossos, têm algum monopólio do intelecto ou da informação ao longo das linhas da aprendizagem moderna, então vocês são, realmente, monumentais idiotas. (...) Falamos Raça Primeiro, porque vocês insistiram o tempo todo em Raça Primeiro e classe depois quando não precisavam de nossa ajuda. ...pp.139-130(...)

Durante a recente guerra mundial [1914-1918], ensinou-se aos Negros da América que, enquanto os brancos falavam em patriotismo, religião, democracia e outros temas, eles permaneciam leais a um conceito acima de todos os outros, e esse era o conceito raça. Mesmo no meio da guerra e nos campos de batalha da França, havia “raça primeiro” entre eles. p.132(...)

Mas vamos nos aproximar de casa. (...) Você encontrará um Harlem Negro Renascido, com empresas e arranjos culturais...

Todas essas coisas são produtos recentes do princípio de “Raça Primeiro.” Entre elas, a maior é a Universal Negro improvement Association (Associação Universal para o progresso do Negro), com seus órgãos associados, a Black Star Line (Linha Estrela Preta) e a Negro Factories Corporation (Corporação de Fábricas do Negro). Nenhum movimento entre os Negros americanos, desde a abolição da escravidão, alcançou essas proporções gigantescas. (p.134)

 (Quando a África Despertar – Hubert Harrison, Editora Filhos da África, 2020.)

  [orientação de busca constante por conhecimento]

Orientamos às massas de nosso povo: Leia! Adquira o hábito de leitura; gaste seu tempo livre não treinando tanto os pés para dançar, como treinando a cabeça para pensar. E, desde o início, trace a linha entre livros de opinião e livros de informação. Sature suas mentes com estes últimos e você formará suas próprias opiniões, que valerão dez vezes mais do que as opiniões das maiores mentes da Terra. Vá para a escola sempre que puder. Se você não puder ir durante o dia, vá à noite. Mas lembre-se sempre de que a melhor faculdade é aquela em sua estante de livros: a melhor educação é aquela em sua mente. (...) e se nós, da raça Negra, pudermos dominar o conhecimento moderno – do tipo que conta – seremos capazes de conquistar, por nós mesmo, os inestimáveis presentes da liberdade e do poder, e seremos capazes de defende-los contra o mundo. Hubert Harrison. P.184.

 



 

sexta-feira, 19 de março de 2021

África Difícil – Raimundo Souza Dantas – Breve Nota/trechos

 I- África Difícil

- Experiência Africana de um Embaixador Negro, livro publicado em 1965.

- Relato pessoal em forma de diário no período de dois anos em que foi embaixador do Brasil em Gana.

- Sendo Gana o epicentro das lutas revolucionárias pela independência, um período de mudanças rápidas onde exigia uma constante transformação, Gana encarava bem essa época conseguindo avanços em diversos setores e aspectos, apesar de ainda, no geral, ser pouco para os desafios postos de pobreza e subdesenvolvimento da maioria da população ganense.

- Mas a busca era constante por autonomia e formas autênticas de resolução de seus problemas (Gana). A tentativa existia mesmo tendo que recorrer em alguns aspectos aos ‘ex-colonizadores’. Pois, novamente, o desenvolvimento deveria ocorrer num curto espaço de tempo, sendo uma experiência única também para a África Preta.

- Inegável a presença de ajuda estrangeira, o autor destaca algumas presenças, Israel, Eua, França, Alemanha e Rússia. Evidenciando um certo distanciamento no convívio com os africanos desta última.

(...) “Contudo, não é pequena a influência comunista na África, embora já tenha sido maior. Dizia-se, por exemplo, que países como Gana, do grupo dos revolucionários agressivos, marcados pela influência comunista, pressagiavam dependência crescente face à Moscou, Pequim e Havana, apesar de sua ambição de vestir conforme figurino próprio. O exemplo de Gana, de cujo processo fui testemunha por mais de dois anos, prova que a influência em questão diminuiu muito, bastante mesmo, merecendo uma retificação no que tange ao julgamento das tendências dominantes. Vejamos os fatos históricos: apesar do decantado neutralismo, Gana realmente esteve muito mais voltada para o mundo comunista. Houve momentos em que os observadores consideraram Nkrumah completamente irrecuperável, exatamente na época em que iniciava eu a missão diplomática de que me honrarei para sempre. Foi nos fins de 1961, o dirigente voltava de longa viagem pelo mundo socialista, tendo se demorado na Rússia e na China, onde deu largas à sua admiração pela rapidez do progresso naquelas áreas. Retornou à Gana profundamente impressionado, mas muito vacilou, embora tenha assumido algumas posições e adotado soluções bastante características. O seu partido, o CPP, enveredou por uma ação socializante e mais ampla possível. Como se sabe, a base comunitária africana favorece, por si só, um sistema de vida mais próximo ao socialismo, mas está muito longe de facilitar o comunismo. Dessa realidade comunitária aproveitaram-se os ideólogos do CPP, para desencadear sua ação de propaganda de um ideário radical. Reconheceu porém Nkrumah, após vacilações e recuos, a impossibilidade de promover o desenvolvimento de seus país seguindo semelhante caminho. Recentemente, informações que nos chegaram, muito precárias, como tudo que sobre a África colhemos de terceiros, porque manipuladas ou distorcidas, dão conta de retificações levadas a efeito por Nkrumah, retificações essas sob o argumento de que Gana não possui atualmente os meios de realizar o socialismo. Assim é que, entre outras, adotou recentemente medidas econômicas liberais, fazendo inclusive o elogio do capitalismo. Conforme essa nova orientação, Gana terá uma economia mista, não pensando impor qualquer limitação aos investimentos privados. Justificando-se, acentua o líder ganense que, antes de promover o socialismo, para o qual o seu país não possui ainda os meios necessários, prefere preocupar-se agora em possibilitar os fundamentos reais sobre os quais poderá erigi-los, que são a modernização da agricultura e a industrialização de Gana. O que prova tudo isso é que os africanos buscam mesmo, cometendo erros e acertos, de experiência em experiência, ao longo de sua revolução, a conquista de um equilíbrio, repito, para substituir o que lhe foi destruído pelas forças e a prática colonialistas. (...)” pp.19-20.

 

II- Missão Condenada: Diário

- O autor inicia seu relato pelo seu retorno à África relembrando sua primeira estada em 1961. Agora de volta, em fevereiro de 1963, após a renúncia de Jânio Quadros, transformando em pesadelo o que outrora fora conquista. Foram 14 meses duros na África. Eis sua volta de férias.

- Adiante o autor relata sua rotina de embaixador, suas pretensões de leituras e releituras além de possibilidade de dedicação à escrita literária, apesar de parco tempo livre. Na sua volta de 2 meses de férias percebe uma atmosfera diferente em Acra.

- “Sem data — Encontro Acra diferente, sem a atividade e a animação que lhe davam ares de grande capital; Parece vencida, para não dizer morta. Como que existe um esmorecimento geral, perdeu o dinamismo, não mais existe a vitalidade antiga. O ritmo é outro, tudo marcha lentamente. A Acra de hoje não é nem a sombra daquela cidade movimentada, alegre, espírito triunfal, de quando aqui cheguei pela primeira vez. Talvez seja consequência dos momentos difíceis passados com o clima de terror inaugurado por elementos da oposição fantasma a Nkrumah, os quais atentaram vezes seguidas contra a sua vida, no ano passado. Predomina a incerteza, algum medo, existe sem dúvida retraimento e aguarda-se modificações de métodos e linguagem. Mas, não nos precipitemos.” (p.30)

 

- Acra certamente era a capital das lutas e o autor compara a cidade com Dakar e Lagos, mas certamente menos moderna, depois da comparação diz um ponto que acho interessante.

“Acra, pois, feia e desarmônica, é mais genuína do que outras capitais, além de ser mais representativa, sendo como foi, e como ainda o é, o grande centro irradiador do nacionalismo africano, cenário das conferências e dos encontros que mais influíram no aceleramento do processo de descolonização. Não é uma cidade sem história, tem um passado que lhe empresta orgulho e substância. Muito antes dos europeus se instalarem em suas praias, com os seus castelos e fortes, o que começou a ocorrer no Século XIV, Acra já tinha história, era um dos centros mais importantes do período pré-colonial, ainda agora insuficientemente conhecido, pois muitos historiadores europeus consideram a história africana apenas a partir da presença dos ocidentais no Continente Negro. Para eles a África não tem História a não ser a partir da colonização, considerando-a antes daquele período apenas como terra de tribos incapazes de progresso, em perpétuas guerra de destruição, A verdade, porém, é muito outra. Graças aos esforços de pesquisadores da História africana, destacando-se entre eles estudiosos nascidos na própria África, começamos a conhecer as grandes civilizações que se desenvolveram no Continente Negro, seus períodos de grandeza e de declínio.”

(...)

 

- “13, fevereiro — Compareci esta tarde à minha primeira recepção diplomática, após reassumir o posto. Foi no Alto Comissariado do Canadá, onde encontrei praticamente os personagens de sempre. Conheci porém o famoso Martin Appiah Danquah, o cérebro da política cacaueira de Nkrumah. É um homem simpático, sorridente como todo ganense. Falou de seu desejo de nova visita ao Brasil, dizendo guardar boas recordações da Bahia. Esteve ele em Itabuna e Ilhéus, correndo parte da zona cacaueira. Conversamos longo tempo, perguntando-me ele, a certa altura, se era verdade o que diziam sobre os meus antepassados. Queria, aliás, saber ao certo se realmente os meus bisavós foram ewes ou ashantis, respondo-lhe eu ignorar se procediam mesmo de uma das duas raças.

— De qualquer forma, deve sentir-se em casa, não? — indagou, com uma gargalhada”

 

- Contudo, apesar da ancestralidade, o autor se vê oriundo duma civilização diferente, apesar de reconhecer certos laços.

- O autor continua seu diário onde perpassa pelos eventos diplomáticos, onde visita um professor que de certa maneira se opõe a Nkrumah, outro lhe pergunta se há discriminação racial no Brasil e seu gesto mesmo não muito enfático na resposta demonstra que sim, e isto de certa maneira o atormenta, relatando desanimo em sua missão por diversas vezes e por variados motivos.

- Apesar de citar o temperamento difícil de Vivaldo Costa de Lima, relata seus avanços nos estudos culturais e religiosos, mas destaca os africanos Nana Kobina Nktsia, da Universidade de Gana e Kofi Antubam, do Achinota College.

 

***

- E já em outro encontro...

 

“O professor Ciril Fiscian relembrou-me a homenagem prestada pela comunidade ‘Tá-bom’ ao Embaixador do Brasil e respectiva família, dizendo não ter comparecido por motivo de doença. Vale a pena rememorar a recepção, pelo significado de que se revestiu. Tudo correu assim: um ganense falando excelente português, cujo nome me escapa no momento, procurou-me certa manhã na Chancelaria, para informar-me do desejo da comunidade brasileira em Acra. Combinamos, para o dia seguinte, encontro com um personagem devidamente credenciado do chamado povo ‘Tá-bom’, o Reverendo G. K. Nelson, capelão do Exército de Gana, que me ofereceu breve informe sobre a fundação e desenvolvimento da nossa comunidade”... p.44 (...)

 

- página 47 – discurso Nelson...

 

"Excelências. Em nome do Chefe, da Rainha e do povo que formam esta comunidade, em Acra, sinto-me honrado em dar as boas-vindas ao Senhor Embaixador R. Souza Dantas, do Brasil, a esta comunidade e também a Gana.

"Já é por demais sabido que a comunidade brasileira de Acra se compõe de descendentes dos imigrantes brasileiros que saíram da Bahia e aqui chegaram em 1836. E como não poderia deixar de ser, foi logo desde o início nossa grande vontade, ao oferecer uma homenagem ao Senhor Embaixador, aproveitar a ocasião para render sincero tributo ao Nii Ankrah de Obtoblohum. Pois foi ele o nosso grande anfitrião, vez que hospedou em seu palácio os nossos antepassados que pisaram pela primeira vez em solo ganense (na ocasião a antiga Costa do Ouro).

"Nossos bisavós, por sua vez, logo adquiriram a amizade e logo se tornaram merecedores da grande estima do povo Ga, pois que muito ajudaram este povo financeiramente e na luta contra os outros povos da terra.

"Nossos antepassados também contribuíram de maneira decisiva para o engrandecimento da vida social de Acra e de Gana, e foram eles que introduziram aqui muitos hábitos civilizados, como, por exemplo, o uso das roupas europeias, o querosene.

"É bem verdade que nenhum de nós aqui presente já visitou o Brasil, mas isso não importa: continuamos a considerar o Brasil a nossa terra-mãe, e esperamos ansiosamente, Senhor Embaixador, por esta oportunidade de congraçamento, em Gana. E digo mais: nós nos sentimos no dever de lhe oferecer esta recepção, vez que o Senhor Embaixador é o representante legítimo de um país que nós consideramos, como já disse, nossa terra-mãe.

"E esperamos assim que, enquanto o Senhor Embaixador permanecer em Gana, possa contar com a nossa sincera ajuda a qualquer momento, mas logicamente, sem infringir de leve sequer, a nossa lealdade ao Governo de Gana. E esperamos, também, que o Senhor Embaixador possa ajudar a qualquer membro desta comunidade, se aparecer ocasião para tal.

"Senhor Embaixador: o Chefe, a Rainha e os membros da comunidade brasileira em Acra lhe desejam uma estada feliz em Gana. Muito obrigado, Fortunato Antônio Nelson, Nii Azumah III”.

 

 

- página 50 – 25, fevereiro...Lendo Os Condenados da Terra...

 

25, fevereiro — Leitura de Les Damnés de Ia Terre. Muito se escreverá ainda sobre o processo de descolonização, mas acredito que nenhum outro livro como este de Frantz Fanon. Além de terrificante, pelos aspectos que passa em revista e analisa, como também pelos problemas que examina, é uma verdadeira apologia da violência. Para Frantz Fanon, a violência é a única arma viável contra o colonialismo. Através da introspecção e da observação, cheio de cólera e paixão, êle apresenta um quadro que se poderia dizer apocalíptico. Para ele, só há um valor, só uma arma, só um princípio: a violência. Afirma que a violência dos colonialistas só pode ser vencida pela violência. Livro terrível, que arrepia e arrebata. Realmente, a atmosfera da descolonização foi a da violência, continua sendo a da violência, será a da violência, mesmo quando ela pareça ausente.”

 

-  página 52 – 1º março..

 

1º, março — Começam a enfeitar a cidade, para as comemorações da Independência. As mesmas decorações dos anos anteriores, mal apercebidas pelo povo. Mas não será de outra natureza, essa indiferença? A verdade é que alguma coisa mudou. A vida torna-se cada vez mais cara, a miséria cada vez maior. Contudo, Gana é o país mais bem aparelhado, aquele que oferece melhores perspectivas. As dificuldades passarão, pois além de ser bastante rico, imensas as suas possibilidades de desenvolvimento econômico, os seus dirigentes empenham-se, com energia, comandados por Osagyefo, em plantar uma indústria verdadeiramente africana. Para isso, porém, tornam-se necessários sacrifícios imensos. Entre os projetos em realização, o que maiores sacrifícios têm reclamado é o da barragem do Rio Volta, que fornecerá energia para uma indústria nascente e diversificada.”

 

***

- página 65 – li entre outros...

 

“Li, entre outros documentos, breve depoimento de Silvanus Olympio, Presidente da República do Togo. Fala aquele descendente de brasileiro, com um toque quase patético, sobre o que, na sua opinião, deveria ser a unidade africana. Avistei-me com Silvanus Olympo por três vezes, em Lomé, por ocasião das festividades comemorativas da Independência do Togo, em 1962, às quais compareci como representante do governo de meu país, na qualidade de Embaixador. Deram-se assim os três encontros: o primeiro, na mesma tarde em que cheguei a Lomé (era a minha segunda viagem à capital togolesa). Foi em seu gabinete de trabalho, no Palácio Governamental, quando o sondei sobre a possibilidade de uma viagem sua ao Brasil, dando-lhe ao mesmo tempo ciêncía do interêsse do meu país em manter relações diplomáticas com o seu, aquele da área atlântica onde a comunidade brasileira é mais numerosa. A segunda vez foi no desfile da Independência e, o terceiro, no banquete oferecido no Benin Hotel. Falando para a esposa, dissera ele, sorrindo para minha mulher, ao ser-lhe ela apresentada:

- Veja você como nos parecemos todos. Em tudo, mas em tudo mesmo. Na côr, no gosto pela vida, na gentileza. Em tudo, em tudo mesmo. Somos irmãos, estamos apenas separados pelo oceano — e riu, o seu riso simpático e aberto.

No Rio, oito meses depois, num tórrido fim de tarde de janeiro, escutei pelo rádio a notícia de sua morte, assassinado por um dos que sustentaram o golpe de Estado que o derrubou do poder.”

(...)

 

- página 72 – 13 de março...

 

13, março — Grande sensação na cidade de Acra. Os responsáveis pelos atentados à bomba, ocorridos no ano passado, estão em julgamento. Os nomes de Adamafio e Ako-Adjei aparecem como autores e animadores do plano de derrubada do regime de Osagyefo. São aqueles dois antigos Ministros, e mais o Secretário administrativo do Partido da Convenção Popular, Coffie Grable, acusados diretamente, constando o processo, inclusive, haver o primeiro fornecido as bombas para os atentados contra Nkrumah. Enquanto lia o relato da Suprema Corte, tinha presente ao espírito a figura arrogante, antipática e grosseira do antigo Ministro das Informações, Adamafio. Lembro-me da primeira visita que lhe fiz, acompanhado de homens de negócios do Brasil. Recebeu-nos éle com manifesta má-vontade, sequer levantou-se. Ouviu-nos com impaciência, passando um olhar indiferente pelos planos que lhe foram exibidos, para terminar desencorajando-nos com a seguinte frase:

— Dentro de um ano seremos uma República Socialista e então enxotaremos todos os estrangeiros exploradores de Gana. Por conseguinte, não há muita oportunidade para negócios desse tipo.

Ê um personagem antipático e antipatizado. O povo tinha-lhe horror — e ninguém mostrou surpresa na madrugada em que correu a notícia de sua prisão, como traidor. Ninguém entendeu foi estar Ako-Adjei envolvido na trama. Quase todos mostraram-se perplexos. Com desprezo, alguns tentaram explicar a sua traição:

— Trata-se de um intelectual.

Acredita-se que os implicados nos atentados, em atendimento ao que exigem as multidões do CPP, serão condenados à morte.”

(...)

 

- pág 90 – 24 abril...

“..decisão de deixar o posto. Espero fazê-lo em agosto. Impossivel ficar mais tempo. As divergências são grandes. Seria inútil permanecer. Não concordo em que sejamos apenas informantes. Nossa presença deveria ser marcada pela agressividade, através uma ação positiva. Da maneira que vamos, transformamo-nos numa repartição puramente burocrática. Para que serve a presença do Embaixador? Apenas para mostrar-se nos coquetéis e nas recepções?”

(...)

 

- pág. 95 sem data... final do diário e retorno...

 

Sem data — Penso regressar em definitivo, ao Brasil, dentro de mais um mês. Já tenho inclusive os termos da carta ao Presidente Goulart, solicitando exoneração do honroso posto. Pretendo acentuar que não foi feito muito, tendo como objetivo o incremento de nossas relações comerciais, apesar das inúmeras solicitações no sentido de providências que, sem dúvida, reconheço não poderiam ser tomadas sem maiores estudos, relacionados com problemas de trocas, pagamentos, tarifas e fretes. É meu dever registrar que a nossa Embaixada jamais esteve devidamente aparelhada para funcionar eficazmente. Nada foi, realmente, feito para o incremento de nossas relações comerciais, tarefa que requereria atuação agressiva, na base de esquema inspirado no esforço coordenado e conjunto das diversas representações brasileiras nos países africanos, com o auxílio dos vários órgãos oficiais e privados que, direta ou indiretamente, influem no processo da produção exportável e sua comercialização. Não penso em escusar-me pelas coisas que deixaram de ser feitas, mesmo sem contar com a devida aparelhagem, mas não poderei deixar de referir-me ao que poderia ter sido a nossa ação em Gana, caso realmente tivéssemos tido condições de realizar tudo quanto foi planejado. Sei que não farei nenhuma carta nesses termos. Vai ser um pedido de exoneração puro e simples, alegando motivos de saúde. A verdade é que tudo não passou de um drama, que infelizmente não sei se o poderei dar aqui como encerrado para sempre.

Mas esse é o meu desejo. Mais do que isso, é o meu propósito.

(Acra, Gana, África Ocidental)”

 

***

Notas e trechos

Fuca, Insurreição CGPP

 

Perfil – Raimundo Souza Dantas

Fonte:  http://www.acordacultura.org.br/herois/heroi/raimundodantas

Nasceu em Estância/SE, em 11 de fevereiro de 1923. Filho de família humilde, de mãe lavadeira e pai pintor de parede. Raimundo desde muito cedo teve de trabalhar, aprendendo vários ofícios. Foi aprendiz de ferreiro e de marceneiro, e, ainda em Estância, foi entregador de embrulhos de uma casa comercial. Aos dezesseis anos foi trabalhar numa tipografia. Foi nessa tipografia que começaria o seu processo de alfabetização. Mudou-se para Aracaju passando a trabalhar na tipografia onde eram publicados os jornais de Estância e da própria capital sergipana.

Foi nessa época, já nas oficinas do Correio de Aracaju, ouvindo várias leituras de textos de Jorge Amado, Machado de Assis e Marques Rebelo, feitas com o auxílio do amigo Barbosa, um amante da literatura moderna, que consolidou seu letramento. Com ajuda do amigo Armindo Pereira, passaria a escrever no periódico Símbolo.

Aos dezoito anos (1941), chegou ao Rio de Janeiro onde começou a trabalhar no semanário Diretrizes, depois passou a colaborar nos periódicos Vamos Ler, Carioca e Diário Carioca, onde atingiu o posto de redator. Em 1944 escreveu seu primeiro livro, o romance, “Sete Palmos de Terra”, com uma linguagem simples e repleta de recordações de Estância.

No Rio, tornou-se amigo de grandes escritores, como Graciliano Ramos. No ano seguinte, em 1945, lançava seu segundo livro, de cunho autobiográfico, e fundava o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com Solano Trindade, Aladir Custódio e Corsino de Brito. Essa associação lutava pela inserção da população afro-brasileira no processo de redemocratização, através da luta pela melhoria das condições de trabalho e de educação.

Já como jornalista consagrado casou-se com Idoline com quem no ano seguinte teve seu primeiro filho, Roberto. Em 1949 publicaria mais um livro, desta vez para a Campanha de Educação de Adultos do Ministério da Educação e Saúde, onde relatava toda a sua trajetória de vida.

Foi nomeado oficial de gabinete do governo de Jânio em 1961, para em seguida ser designado a Gana como o primeiro embaixador negro do Brasil, em já nos anos 70, assumiu a embaixada da Argentina (1976).

Entre as duas nomeações, trabalhou no serviço público federal como técnico de assuntos educacionais, cabendo-lhe organizar no MEC o Setor de Relações Públicas. Foi membro do Conselho Nacional de Cinema, INC, e integrou a comissão para criação de serviços educacionais nos Museus; participou também do Conselho Estadual de Cultura, no Rio de Janeiro.

Obras publicadas: Sete palmos de Terra, 1944. Agonia, 1945. Bernanos e o problema do romancista católico, 1948. Solidão nos campos 1949. Vigília da Noite, 1949. Um Começo de Vida, 1949. Reflexões dos 30 anos, 1958. África Difícil, 1965.

Faleceu no Rio de Janeiro em 2002.