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domingo, 6 de julho de 2014

Enquanto houver racismo a marcha fúnebre prossegue

“Te falo quanto custa sua vida em dólar, euro e real, até a morte aqui tem variação cambial”.

Por Miguel Ângelo

Que vida vale mais?
A polícia militar não mata em decorrência da falta de competência da polícia civil, vocês erraram! Peguem os BO’s de auto de resistência de 2012, mais de 70% são forjados. Jovens pretos, pobres e periféricos sendo mortos com 38 e 380 taurus e colt forjadas, armas de brinquedo (mano, tem um irmão que foi morto segurando um boné, enfiaram isso no BO!), daí pra pior. Quem tem a ficha limpa toma tiro e quem já foi preso também toma tiro. O sistema carcerário tá bombando, o que me dizem disso? Então os mais de 24 mil jovens pretos assassinados anualmente pagam uma grana para o delegado liberar antes de morrer na rua? Vocês tem ideia de quanto custa um achaque da policia civil? 300 mil na média, esses jovens tem essa grana? Ora, nem quem explode carro-forte com ponto 50 tem tanta grana assim.

Sabe o que é mais complexo? Eu lhes digo, todas as informações que possam identificar testemunhas e policiais envolvidos são omitidas nos BO’s. Os telefones não funcionam, os documentos têm números em falta, os endereços não constam.

A PM é a corporação mais comumente envolvida em ocorrências de desfecho letal contra civis, e isso pode responder o sentido de sua negação em responder pesquisas que contribuam com o processo de produção e análise de indicadores criminais, como a do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2011.

Segundo o Anuário Nacional de Segurança de 2012;
“(...) não temos estatísticas confiáveis sobre tais mortes e, tampouco, métricas capazes de avaliar o impacto dessas mortes no desenho e implementação das políticas de segurança pública e nos padrões operacionais das polícias brasileiras”.

 O Cabo Bruno conta a maior história da carochinha para não entregar o Conte Lopes e ninguém sacou. Ele recebia grana para matar, ninguém suspeitou disso? Ora, dizer; “eu mato porque a civil não prende” é o cúmulo do absurdo, e ainda tem uns iluminados que dizem; “Nossa, veja como a explicação está mais embaixo blá blá blá...” Faz todo sentido a FAPESP financiar vocês afinal, não estão ai para nada. Querem os fardados sendo responsabilizados? Querem ajudar essas famílias que foram destruídas pela PM a serem indenizadas pelo Estado? Querem títulos, né? Vocês tem sangue de jovens pretos nas mãos, meus parabéns.

Ai, mais de 70% das pessoas mortas pela polícia são jovens pretos, certo? Errou novamente, são mais de 80%, mais de 90% talvez. Todos os autodeclarados “pardos” viraram “brancos” nos BO’s, sabe o que é isso? E-M-B-R-A-N-Q-U-E-C-I-M-E-N-T-O, sacou qual é das fita?

É culpa da Polícia Civil é a melhor maneira de dizer; “Eu só queria fazer meu trabalho”, logo é um discurso produzido dentro de cada batalhão para responder pelas mortes depois. Alias alguém já ouviu um depoimento de um PM na Romão Gomes? É assim, “Matei em uma resistência e falhei com a corporação”, “Como eu ficava transtornado com aquele contexto e não conseguia manter as pessoas presas..”. Ai, na boa, prevalece o discurso dos que não estavam no alto escalão das mortes, quantos da Tática estão lá? E da ROTA? Ora, não vale de nada o discurso de quem está lá então.

A BRANQUITUDE ATRAVESSA POR AI. O GATILHO É EMPURRADO PARA TRÁS EM RAZÃO DO RACISMO! TIREM-LHES AS ARMAS E LHES DÊEM UMA CANETA BIC, ELES IRÃO INTOXICAR O POVO PRETO COM TINTA DE CANETA!

Houve 546 pessoas mortas em conflito com a Polícia Militar (PM) em 2012, mas porque há mais de 1000 bo’s com ocorrência de auto de resistência/resistência seguida de morte? Ora, eliminando uma boa parcela de “homicídios ocultos” mais de 20% dos homicídios ocorridos no Estado foram causados por PM’s fardados (se calculássemos os homicídios cometidos por PM’s e PCivis não fardados quantos restariam para os “bandidos perigosos uhhhh”?). 

Embaçado, e hoje ainda a saúde e a segurança ficam em caixinhas distantes uma da outra e com um diálogo quase inexistente. Sabemos que a política de segurança pública do país é altamente produtora de doença, ainda mais ao povo preto, mas isso parece não ter desdobramentos políticos.

Não parece ser uma questão da sociedade, mas sim uma questão só do povo preto, como se o branco nada tivesse haver com isso; “Sim, existe racismo, mas eu não sou racista, conheço muita gente racista, mas eu não sou. Tenho até amigos negros, e olhe que eles são honestos, viu”.

Realmente a sociedade trabalha assim as questões dela, a segurança em uma caixa, a saúde em outra, o povo preto em outra.

Ai que tá, o projeto societário de hoje é ganhar a copa. Nossos jovens não recebem voadoras nas vértebras, recebem tiros de ponto 40 e a negação de assistência médica do Estado. Esse mano que está arrancando solidariedade de vocês não é o mesmo que quando questionado sobre o racismo disse que não sofria; “afinal, eu não sou negro, não é?”.

Conta os gols da playboyzada então;
Mortes por intervenção policial no 1º trimestre de 2014
Capital 85
Estado 156

Tá feliz? Tá fazendo o que para mudar isso?
Aproveita ai e questiona os mais de 500 mil presos políticos que não são brancos, nem universitários, é capaz disso? Não, né? Sua branquitude responde assim; “Mas esses são presos comuns...”.
Esperar o que dessa esquerda branquinha pequeno-burguesa?

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Regime Decepa Direitos (RDD): e os abusos na constituição

O texto a seguir é proveniente do grupo de estudos feito em 28/06/2014 no bairro do Grajaú, São Paulo-SP

Regime Decepa Direitos, mais conhecido como Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é uma ferramenta que permite uma punição mais rigorosa do que a aplicada num regime comum de privação de liberdade. Nesse regime os aprisionados sofrem diversas restrições sendo a maioria delas inconstitucionais, violando assim, os direitos dos presos.


Por:
Priscila Costa - Comitê Contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica
Carlos R. Rocha - Fórum de Hip Hop MSP
Miguel Ângelo - Fórum de Hip Hop MSP


Muitas vezes costumamos dizer que vivemos em uma ditadura. Sim, o povo preto vive em uma ditadura. O que temos? Uma forma de pensar o Estado que é baseado na lógica de países que não passaram por um modo de produção baseado no trabalho escravo (acumulação primitiva do capital) e uma Carta Constitucional (Constituição de 1988) que, como todas as outras que vieram depois da abolição do trabalho escravo em 1888, que não reconheceu algo muito importante de considerar em um país como o nosso; O Brasil é um país onde nunca existiram pessoas com direitos e sim brancos com privilégios no topo da pirâmide e o povo preto na base sendo vítima de diversas estratégias sórdidas para ser destruído.

"Aí man@, não tem como abordar genocídio e não falar sobre o sistema de segurança publica (presídios, gambés, execução penal) devido o extermínio ser efetivado principalmente pelas ponto 40 do Estado e pelo encarceramento em massa, 'sem uma virgula de lei de execução penal cumprida'. As formas punitivas do Estado são perversas e inconstitucionais (ilegais), dá um liga no plano genocida do Estado que já se inicia pelo Centro de Detenção Provisória (CDP) - quando o Estado (juiz) ainda NÃO TE JULGOU e mesmo assim te punem, encarcerando, violando o princípio de inocência, dignidade e liberdade. Essa tática de prender antes de julgar (pré-condenação) foi criada em 2005 e desde então o número de man@s pres@s só tem aumentado anualmente, tanto em SP quanto no Brasil. A maioria d@s sofredor@s que vão parar em CDP's, rodam por tráfico. É importante ressaltar também que em 2006 com a lei 11.343/06 (uso e vendas de drogas ilícitas) o Estado pune com mais intensidade @s favelad@s que traficam, tornando tráfico crime HEDIONDO (O QUE É UM ABSURDO!) e amenizando e despenalizando @s boy que fumam um beck, assim como sempre @s classe merda saem de boa depois de colar na biquera e @s man@ na função é quem rodam, sendo torturad@s nas DP(delegacia), indo pros CDP's, passando mais 5 anos presos no inferno."

A partir dessas considerações podemos agora falar sobre o REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD), que foi criado depois de décadas e mais décadas (por que não séculos?) de tal mal social que nada mais é do que um desfecho da opção da playboyzada em criar duas sociedades no Brasil, a deles (minoria que conta os plaquês) e a nossa (o gueto, uma grande massa que mora aqui passando fome, sem educação e informação, trabalho, senzalas enormes aonde dias melhores não virão). Esse tal mal é a criminalidade, criminalidade essa que é produto das condições de vida que o povo preto, pobre e periférico foi condenado somando ao mercado da violência que enche os bolsos da playboyzada; cocaína, apólices de seguro, armas, noticiários racistas e preconceituosos de modo geral e um aparato fardado ou não que efetivam a roleta macabra. É evidente o objetivo desse regime, tendo-se em base a imagem de um criminoso destituído de humanidade não passível de reforma e readaptação social, o encarcerado deve ser excluído e segregado, viver em estado vegetativo, em um caixão onde ainda se respira.

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) foi criado primeiramente em São Paulo em 2001 (Norma n°26) e foi uma resposta ao movimento dos jovens encarcerados pela real execução da Lei de Execução Penal nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Tem a função de garantir o bom funcionamento do estabelecimento prisional, ou seja, manter as pessoas presas com fome, frio, doentes sem tratamento, sem materiais de higiene pessoal, disputando centímetros de cela na faca. Logo, irracional sendo que é justamente pelo que realmente deveria ser a garantia do bom funcionamento do estabelecimento prisional que os jovens lá presos estavam lutando; a real efetivação dos direitos garantidos na Lei de Execução Penal. A partir de então passou a vigorar um novo tipo de pena, onde os jovens presos ficariam em celas individuais, sem assistência religiosa, educacional, trabalho e com apenas duas horas de banho de sol por dia, o que já é comprovadamente útil apenas para enlouquecer uma pessoa, apenas isso.

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola)
"Quando fomos colocados dentro das celas, fomos sem nada, sem roupa, só com uma calça, uma camiseta e um chinelo, sem manta, sem nada, sem nenhuma condição humana. Não foi-nos dada alimentação."

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola). Sobre sua chegada na Penitenciária Presidente Venceslau II onde ficou no RDD. Depoimento na CPI das armas em 08/06/2006. A essa altura ele já estava entre 6 e 7 anos em RDD.


"Se o CDP já é zuado esse se pá ganha em tiração. Consta em “pagar” a pena em regime fechado, sem contato com qualquer pessoa, somente com as paredes e a chapa de aço, com camêras até no banheiro, sem direitos, apenas com no máximo 2 horas de banho de sol por dia e visitas de apenas 2 horas por semana, sendo aplicado por um ano (360 dias), 1/6 da pena OU MAIS, por conta do ex-secretário de administração penitenciaria Nagashi Furukawa (esse mesmo porra foi um dos caras que fez desencadear o salve geral em 2006, por negar direitos aos aprisionad@s) juntamente com o ex ministro da justiça Thomas Bastos terem aumentado a
Márcio Thomas Bastos
quantidade de tempo para responder nesse regime.Essa mudança e a própria lei que descreve a pena de um ano em RDD vai contra a Lei de Execução Penal (LEP), 58 artigo diz: 'o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exeder a trinta dias'. 
Pro Estado te foder nesse regime basta cometer um crime doloso, crime de risco a ordem e a segurança social e prisional ou atuar em 'organizações criminosas'”.

Mas de onde tiraram isso?

Em 1820 o Estado da Pensilvânia nos EUA (país onde há quase 2 milhões de jovens presos, mais de 70% pretos e pretas) utilizou esse modelo para punir os considerados de alta periculosidade e custodiar supostos lideres e integrantes de supostas organizações criminosas, também apenar crimes considerados de subversão da ordem pública. A receita é proibição do contato físico, inatividade forçada, inexistência de estímulos visuais, sonoros ou intelectuais que foram adotados na Eastern State Penitenciary. Quem defendia essa proposta achava que esse modelo de punição levaria uma pessoa ao remorso e a reabilitação. Após alguns anos de aplicação o que se conseguiu só foi o desiquilíbrio emocional, psicológico e mental de quem cumpriu pena nesse regime.

Aqui depois de anos jogando gasolina no inferno e negando sempre os direitos de quem está preso o Estado resolveu criar o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) como a solução para a questão do sistema carcerário. Se por um lado a Lei de Execução Penal foi um avanço no papel por garantir direitos aos jovens encarcerados, por outro São Paulo voltou no tempo do trabalho escravo onde transformaram seres humanos em coisas. Tanto é isso que os jovens encarcerados em RDD voltariam ao sistema através de uma receita de disciplina severa (aceitação das regras impostas pela playboyzada que sustenta o sistema com sua indiferença) e as oportunidades de mudança de conduta no presídio (que oportunidades?).

Veja que curioso, o Regime Disciplinar Diferenciado não poderia ser discriminatório e nem ferir a Constituição da República (Garantias Fundamentais presente no artigo 5°), a Lei de Execução Penal, bem como normas e tratados de Direitos Humanos (é um atentado a normas como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque de 1996, princípios que estão na Carta das Nações Unidas e nem atropelar as Regras Mínimas, no que diz respeito a proteção e tratamento do estado mental do preso), mas adivinhem, vai contra tudo isso!


"...Quer dizer, a gente não tinha cometido falta nenhuma que justificasse um regime mais rigoroso pra gente naquele momento. Nada foi dito à gente. Pra nós nada foi explicado. Simplesmente nos jogaram numa penitenciária sem as mínimas condições materiais pra nos receber."

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola). Sobre sua chegada na Penitenciária Presidente Venceslau II onde ficou no RDD. Depoimento na CPI das armas em 08/06/2006. A essa altura ele já estava entre 6 e 7 anos em RDD.


O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) viola o direito à vida, à saúde, à honra, à imagem, ao nome à liberdade de expressão, à intimidade da vida privada e as regras que limitam a liberdade de locomoção da pessoa humana que constam na Constituição Federal, fora os textos internacionais. Segundo o artigo 5° da Constituição Federal, ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano e degradante, não haverá penas cruéis e deve ser assegurado a pessoa humana o direito à integridade física e moral, dentre outros direitos que garantem o bem estar de todos. 


Mas que sociedade é essa que eles acham que vivem? Como punição e disciplina pode ser a receita para regressar ao convívio comum ou com a “sociedade”? O mais foda de tudo é que esse regime é um flagrante ilegal! Devido causar destruição emocional, física, psicológica por conta do isolamento intensivo, desencadeando depressão, desespero, ansiedade, raiva, alucinação, claustrofobia, distúrbios afetivos.

Sempre que vem na mente a ideia avanço moral e espiritual na sociedade (a do playboy, e não o gueto que só reproduz) ela é pensada através do punir, foder o gueto, pois o lado de lá da ponte se sente o Vaps do momento, a perfeição em seu mundo branquinho e colorido.

Os presídios brasileiros trabalham com dois princípios incompatíveis para efetivar a pena: reprimir (como se isso produzisse ressocialização) e a ressocialização. Na prática é um depósito de seres humanos, especialmente de descendentes de africanos escravizados na diáspora (70% de todos os mais de 700 mil presos no país)

A norma da Secretaria de Administração Penitenciária (n°26) de São Paulo executada em 2001 tinha uma brecha que foi utilizada
Nagashi Furukawa
por juristas, a alegação do então Secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa era a de que sua norma se tratava de matéria penitenciária (o que não feria a Constituição Federal), quando na verdade era de matéria penal, ou seja, com as características do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) fica escuro que ele na verdade é outra pena.

Antes mesmo da norma 26 existia um Projeto de Lei (PL 5.073/2001) que mexia nas regras no interrogatório do acusado e de sua defesa efetiva, mexeu com normas penais e processual penal. Desse PL sai a base para criar o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), ou seja, camuflada de norma específica da administração penitenciária, é na verdade uma nova condenação penal depois de já haver uma condenação rolando.

Em 2002 o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso tentou reverter essa incoerência com uma Medida Provisória (MP 28/2002). Porém, o Congresso Nacional foi contrário com base na Constituição Federal.

Devemos considerar que essas idas e vindas estão na lógica dos que fazem leis no país que, com base também na cultura do imediatismo, sempre foram contra as próprias leis constitucionais, deixando-as em segundo plano. É o que ocorre no sistema penitenciário brasileiro, a suposta inviabilidade de cumprimento da Lei de Execução Penal e a má gestão histórica do sistema são respondidas com leis cada vez mais severas e que não enfrentam a real questão colocada.

Para resolver os problemas da sociedade dos playboys (e só a deles) utilizam-se medidas anestésicas com uma política criminal cada vez mais repressiva para combater o mal que, na verdade, nada mais é do que o gueto, ignorando direitos e garantias que eles mesmos acordaram em outro momento para copiar os países ricos que eles sempre sonharam ser; França, Inglaterra, EUA etc.

Mas e essa tal criminalidade? Quem eu tiro do crime oferecendo uma arma ao invés de um livro? Quem eu tiro do crime oferecendo cadeia ao invés da efetivação de seus direitos sociais (educação, alimentação, moradia, segurança etc.)? Esses direitos estão na Constituição Federal, que tem seus equívocos como já comentado. Mas, se ela existe e é a Lei Maior, é um absurdo que a receita para a falta de direitos sociais seja o que está ai; celas superlotadas, isolamentos, tiros de ponto 40, cocaína, armas... Combater a criminalidade é exterminar o gueto na cabeça do playboy, e nunca efetivar nossos direitos, é apoiar tudo que ajuda a aumentar a violência nossa de cada dia e por fim nossa total insegurança que é maior com a presença do Estado, pois seus representantes fardados só trazem armas, drogas e muito, muito sangue para o gueto.

Entre outras coisas, a morte de dois Juízes de Execução Penal, no mês de março de 2003, em São Paulo e no Espírito Santo midiatizou (dispositivo de comoção da opinião pública que o playboy se utiliza para promover a repressão contra o gueto) a questão e provocou uma virada na Câmara dos Deputados que aprovou o Projeto de Lei (PL 5.073/2001) que seguiu para o Senado Federal, agora modificando vários dispositivos da Lei de Execução Penal, criando, com força de lei, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Mesmo sendo classificada como inconstitucional pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária a lei passou a ser executada em âmbito nacional a partir de então.

Características do Regime Disciplinar Diferenciado

Segundo o artigo 52 o crime doloso constitui falta grave e justifica a aplicação do Regime Disciplinar diferenciado, assim como casos que ocasione a subversão da ordem ou da disciplina internas, estando sujeito o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal.

* O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) tem duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de 1/6 da pena aplicada.

* Recolhimento em cela individual com devido acompanhamento psicológico

* Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas.

* O preso terá direito a saída da cela por duas horas diárias para banho de sol.

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. 

Estará igualmente sujeito ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização.

Fica evidente a falta de precisão dessas hipóteses abrindo margens para interpretações dúbias. Quiseram "apagar o incêndio" de imediato, ou quiseram alimentar seus lucros com o apoio da opinião pública e politica, e conseguem mascarando a ineficácia desse regime, quer dizer, tatuar as cabeças d@s jovens na periferia não basta, tem que ter um regime decepa direitos... Ah, mas quem disciplina os abusos desse Estado genocida???

"...Ai eles falaram pra mim que, como eu sou o líder perante a imprensa, tinha que partir de mim, porque senão, no fim, como sempre iria sobrar pra mim. Isso foi conversado abertamente. Tinha uns 15 delegados, não só o Dr. Ruy da 5° Delegacia, estava lá e, como eu já havia dado dinheiro pra ele várias vezes...E eu tenho até como provar, não como testemunha, mas, se o senhor analisar alguns documentos, o senhor vai ver que são documentos contraditórios que ele fez, dizendo que eu não tinha nada a ver com o advogado que tinha sido preso aqui trazendo bilhetes, umas coisas assim, e que havia sido dito que era pra estourar metrô, esse monte de coisa. Ele sabia. Foi filmado e gravado isso, que eu tinha me colocado exatamente contra esse tipo de terrorismo. Só que ele não falou nada. Fizeram uma... uma sindicância, e veio mais um ano de RDD pra mim aqui devido a esse fato, mesmo eles tendo a fita com a minha imagem negando que eu era contra essa situação."(...) "Doutor, o senhor sabe que o senhor tá sendo injusto em fazer isso comigo, em me acusar dessa forma, sem me dar nenhuma chance de defesa, e o senhor sabe também, pelas gravações, que eu sou inocente dessa situação e que eu tô pagando por mais um ano de RDD".

"...Quanto, dessa vez, pro senhor me inocentar, mesmo que seja...Só quero a verdade dos fatos. Eu quero que o senhor coloque no papel que eu me posicionei contra".
"...Ai ele pediu 45 mil reais. Foi entregue pra uma investigadora de nome Sheila, pra que entregasse pra ele, ai ele deu esse documento, esse documento que diz, depois de 6 meses que eu já tinha sido condenado a tirar um ano..."
"Ai ele me deu esse documento - eu tive que pagar por ele, embora fosse verdade -, pra que eu saísse daqui. E eu sai, porque esse documento foi apresentado em juízo".

Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola). Sobre sua chegada na Penitenciária Presidente Venceslau II onde ficou no RDD. Depoimento na CPI das armas em 08/06/2006.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Stokely Carmichael - Discurso Black Power 1966 - Parte 7



Black Power Speech (7/7) - Universidade da Califórnia, Berkeley - EUA



PARTE 1: http://spqvcnaove.blogspot.com.br/2013/12/discurso-de-stokely-carmichael-kwame.html
PARTE 2: http://spqvcnaove.blogspot.com.br/2014/02/stokely-carmichael-discurso-black-power.html
PARTE 3: http://spqvcnaove.blogspot.com.br/2014/02/stokely-carmichael-discurso-black-power_15.html
PARTE 4: http://spqvcnaove.blogspot.com.br/2014/02/stokely-carmichael-discurso-black-power_16.html
PARTE 5: http://spqvcnaove.blogspot.com.br/2014/02/stokely-carmichael-discurso-black-power_9012.html
PARTE 6: http://spqvcnaove.blogspot.com.br/2014/02/stokely-carmichael-discurso-black-power_17.html



Stokely Carmichael - Discurso Black Power 1966 - Última parte

É claro para mim que isso só ressalta o problema da América com o sexo e cor, e não o nosso problema, não o nosso problema. E agora é a América branca que está lidando com esses problemas de sexo e cor.

Se tivéssemos que ser reais e honestos, teríamos que admitir que a maioria das pessoas neste país vê as coisas em preto e branco. Nós fazemos isso, todos nós fazemos, vivemos em um país que é voltado para isso. Os brancos teriam que admitir que eles têm medo de entrar em um gueto negro à noite, eles tem medo, isso é fato. Eles tem medo porque eles poderiam apanhar, ser " linchados", "saqueados ", " cortados", etc, etc . Mas isso acontece com os negros no gueto todo dia, (por acaso), e os brancos têm medo disso. Então você treina um homem para fazer isso por você, um policial. Assim, a brutalidade policial vai existir em um alto nível por causa da incapacidade do homem branco de se unir e viver em boas condições com os negros. Este país é muito hipócrita e não podemos nos ajustar a sua hipocrisia.

A única vez que eu ouço as pessoas falarem sobre a não-violência é quando as pessoas negras se movem em defesa contra os brancos. Os negros se cortam todas as noites no gueto, ninguém fala sobre a não-violência. Lyndon Baines Johnson está ocupado bombardeando o Vietnã, ninguém fala sobre a não-violência. Os brancos espancam os negros todo dia, ninguém fala sobre a não-violência. Mas assim que os negros começam a se mover, o duplo padrão (desejável para um grupo, mas deplorável para outro) vem a existir.

Vocês não podem se defender, é o que mostram, pois quem defende a violência agressiva seria capaz de viver neste país. Os dois pesos novamente entra nisso. Não é ridícula e hipócrita para o camaleão político que se diz vice-presidente neste país dizer: "saqueamento nunca levou ninguém a lugar nenhum"? Não é hipócrita por Lyndon para falar sobre os saques, que você não pode realizar qualquer coisa por saques e você deve realizá-lo pelos meios legais? O que ele sabe sobre a legalidade? Pergunte Ho Chi Minh, ele lhe dirá.

De modo que, em conclusão, é claro para mim que temos que travar uma batalha psicológica sobre o direito dos negros para definir os seus próprios termos, definem-se como bem entenderem, e se organizem como eles devem fazer. Agora a pergunta é: como é que a comunidade branca vai começar a permitir que a organização, porque uma vez que eles começam a fazer isso, eles também permitirá a organização que eles querem fazer dentro de sua comunidade? Não faz diferença, porque vamos organizar o nosso caminho de qualquer maneira. Vamos fazê-lo. A questão é: como é que vamos fazer para facilitar essas questões, se vai ser feito com mil policiais com metralhadoras, ou se vai ser feito em um contexto em que as pessoas brancas afastem os policiais. Essa é a questão.

E a pergunta é: estariam as pessoas brancas que se dizem ativistas, prontas para começar a mudança nas comunidades brancas, em duas acusações: a construção de novas instituições políticas e destruir as antigas que temos? E deslocar o conceito de recusa de jovens brancos a irem para o exército? Então, possamos começar a construir um novo mundo. É irônico falar sobre a civilização neste país, este país é incivilizado. Ele precisa ser civilizado. Ele precisa ser civilizado.

E que temos de começar a levantar as questões da civilização: O que é? E quem faz isso? E por isso temos que exortá-los a lutarem para serem os líderes de hoje, não amanhã. Temos que ser os líderes de hoje. Este país é um país de ladrões, ele está à beira de se tornar uma nação de assassinos. Temos que parar com isso. Temos que parar com isso. Temos que parar com isso. Temos que parar com isso.

E então, por isso, num sentido mais amplo, há a questão do povo negro. Estamos em movimento para a nossa libertação. Estamos cansados de tentar provar coisas para os brancos. Estamos cansados de tentar explicar às pessoas brancas que não queremos prejudicá-los, estamos preocupados com a obtenção de coisas que queremos, as coisas que temos que ter para sermos capazes de viver. A pergunta é: será que as pessoas brancas podem permitir isso neste país? A questão é: será que as pessoas brancas superarão o racismo neste país? Se isso não acontecer, irmãos e irmãs, não temos escolha a não ser dizer muito claramente, "Saiam da frente, ou vamos passar por cima de vocês."

Obrigado.




Carlos R. Rocha

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Entre a Luz e a Sombra - Documentário Rap

Descrição do vídeo no youtube:
Entre a Luz e a Sombra é um documentário brasileiro lançado em 2009 que investiga a violência e a natureza humana a partir da história de uma atriz que dedica sua vida para humanizar o sistema carcerário, da dupla de rap 509-E formada por Dexter e Afro-X dentro do Carandiru e de um juiz que acredita em um meio de ressocialização mais digno para os encarcerados.

Lançado nos cinemas no dia 27 de novembro de 2009, em 14 de novembro já recebeu o primeiro prêmio: venceu a 4ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul. Dexter manifestou-se contrário a diversas cenas do filme.


sábado, 13 de julho de 2013

Projeto Nova Luz: o discurso midiático/social e científico sobre a ação política na Cracolândia - MSP


Projeto Nova Luz: o discurso midiático/social e científico sobre a ação política do município de São Paulo na região da “Cracolândia”.



  Introdução

O espaço urbano passa por um constante processo de transformação, ora de caráter social ora político, a cidade forma seus próprios núcleos, a classificando e fragmentando (SANTOS 2009). Munido de um processo histórico de desigualdade social e a ausência de políticas públicas, tais núcleos transformam-se em guetos, alojando uma população excluída socialmente (COIMBRA JR, 2000).  Tal situação ilustra-se em diversas cidades do mundo, tal como Lisboa, Amsterdã e São Paulo, que em comum apresentam guetos sociais de consumo de drogas ilícitas e diferentes políticas públicas para tal situação (RODRIGUES, 2006).
Destaca-se neste caso, a cidade de São Paulo, da qual em seu processo de transformação urbanístico tornou o centro da cidade um núcleo de excludentes sociais e de baixo valor político-econômico (ALMEIDA, 2011). Tal situação tornou a região palco do consumo e venda de drogas ilícitas, com destaque ao crack, responsável pela denominação da região de Cracolândia.
Apenas recentemente, através do projeto de revitalização do centro histórico, denominado Nova Luz, de autoria da prefeitura do município em parceria com o governo do estado de São Paulo, a região tornou-se alvo de destaque tanto pelas alterações urbanísticas no projeto, como as ações tomadas pelos órgãos públicos à população local, em destaque aos usuários de crack (OLIVEIRA, 2011).
Tais ações de caráter político e policial foram motivadoras de inúmeras críticas tanto de pesquisadores e profissionais da área social, formadores de opinião tal como revistas e jornais e de próprios órgãos públicos, demostrando em todos os casos diferentes visões quanto às ações tomadas pelos órgãos públicos aos usuários de crack da região da Cracolândia.

Discursos da Geografia
                                           
Os discursos descritos contidos nos artigos desde campo apresentaram posição contrária à totalidade da ação da Prefeitura em parceria com o Governo do Estado.
Para ALVES (2008) a proposta do Projeto nova luz esta inserido em um contexto mundial de requalificação dos centros históricos e/ou tradicionais. Possui apelo pela recuperação do aparelho cultural ali presente e apresenta uma articulação conjunta do poder público e iniciativa privada. A ação na Cracolândia é fomentada pela ideia de degradação do meio causada pelos atores que ali residem como os transeuntes, vendedores ambulantes e até moradores, pessoas essas de baixo poder aquisitivo que possuem a estigma de suspeitos. Construído esse consenso de meio como reflexo dos atores pelos interesses público/privado. Contraditoriamente ao discurso dos interessados, ocorre mais destruição do tal patrimônio pela lógica do capital demonstrando que na verdade a requalificação idealizada é sócio-cultural-econômica.
A construção do consenso para a ação de transformação do meio vem pela moralização que emana do estado, o que é também um discurso de professores de Geografia que assistem estes processos em outros lugares, aspecto apresentado por FERREIRA (2010): “a Lapa foi arrasada, assim como a Cracolândia. Os conteúdos são diferentes, mas ambos os espaços estigmatizados”. O Projeto Nova Luz soma, neste ponto de vista, desejos eleitorais e financeiros privados que deseja entregar o espaço à elite que escoou dali no passado, essa seria a tal “revitalização” de devolveria ao “povo” o espaço que lhe é de direito.

O impacto do projeto na dinâmica do tráfico de drogas apresentada por FERREIRA (2010) (“De acordo com a polícia militar, responsável pela segurança pública na área, já está ocorrendo uma intensa transferência dos negócios relativos aos comércios de narcóticos da Cracolândia para o entorno, particularmente Santa Cecília e a área do Largo do Arouche. Nota-se que o processo de deterioração para a futura revitalização já se encontra em andamento”) é semelhante à dinâmica do usuário de crack descrita por ADORNO E RAUPP (2008) no que diz respeito às rotas no contexto, ou seja, dispersão em pequenas Cracolândias.  

 Discurso da Medicina

Ação é necessária, porém o método é tido como inconstitucional.

A Cracolândia é um desafio para a sociedade que deve ser enfrentado de maneira interdisciplinar e com participação social, foi com a total ausência disso que a Prefeitura em parceria com o Governo do Estado agiu no contexto do projeto Nova Luz: “A iniciativa açodada da administração pública não levou em consideração princípios primários de pluralidade. Reduziu com isso, a complexidade do tema da toxicomania no espaço urbano a um assunto estritamente policial. E, mesmo no campo da segurança pública, o assunto foi reduzido à esfera da criminalidade a ser banida a qualquer custo, ignorando procedimentos humanitários e integrados”.

O usuário de crack, por possuir um transtorno mental, merece o respeito da sociedade. Só a abordagem multissetorial poderia dar fomento à discussão desde usuário, tendo em vista que “... mesmo na esfera sanitária, está longe de ser atingido o consenso a respeito da atuação pública no uso, abuso e dependência de substâncias”.

Assim, condutas não devem ser tomadas sem o julgamento individualizado de caso por caso sendo que “... as discussões sobre a pertinência ou não da ação involuntária tornam-se ociosas se não levarem em consideração os diagnósticos sociais e clínicos corretos para sustentar cada modalidade de tratamento”. É reforçado o fato de que ação está muito imatura, o que levanta a hipótese de que a operação na Cracolândia é o que é para obter resultados antes do término do mandato do prefeito Gilberto Kassab, e é colocado que as propostas supracitadas nada mais são do que o exercício da defesa aos direitos humanos e à saúde contidos na Constituição de 1988. A questão é um problema, mas precisa de mais amadurecimento na sociedade, é possível agir quando o saber médico-científico e multiprofissional prevalecer “Não há, portanto, espaço para o voluntarismo terapêutico ou higienista”.

 Discurso da Economia

Projetos como o Nova Luz são necessários, porém o modelo de implantação é criticado.

A ação na Luz é vista com aspecto interessante do poder público que reconhece que a inserção de equipamentos de cultura como a Sala São Paulo e o Museu de Língua Portuguesa não podem resolver o problema do tráfico de drogas que assola a região assim como as desigualdades sociais gritantes que tornam a questão mais complexa. MORAES (2012) Coloca que projetos como o Nova Luz são amplamente formulados em decorrência do bom desempenho internacional dessas políticas de revitalização dos centros urbanos que começam em meados da década de 90 (séc. XX) abastecidos pela lógica neoliberal:

“Dentro de tal quadro, um dos casos mais citados e alardeados é caso da cidade de Bilbao. Ao longo dos anos 90, a cidade deu conta de alterar totalmente seu perfil, deixando para trás o passado da cidade portuária e industrial e tornando-se destino turístico e cultural...”.

A experiência supracitada teria então dado uma nova lógica de transformação urbana, uma que “está sempre atrelada a projetos grandiosos e aportes gigantescos de recursos” uma lógica que o Nova Luz segue a risca.

O autor, porém apresenta críticas a ações mal elaboradas dando exemplo da própria Bilbao considerada “creative-clad” que não insere na lógica da implantação do equipamento de cultura o desenvolvimento local e sim o utiliza como “roupagem criativa”, ainda dá outros exemplos como o “creative-class” que “... são aquelas que buscam intervir na cidade a partir da constituição de ambientes pró-atividade, estimulando a vinda e instalação de profissionais criativos nas áreas urbanas delimitadas pelas autoridades.” E ainda o modelo “creative-clash” que “... o objetivo não é o de atrair agentes externos à área, mas sim o de fomentar produtores criativos do próprio local”. Projetos da magnitude do Nova Luz precisam vir acompanhados de “um aporte ampliado de estudos, dados interdisciplinares e índice socioeconômicos” para que não tenha como resultado “imposições arbitrárias na delimitação e na implementação dessas iniciativas”, especulação imobiliária e expulsão de moradores e comerciantes locais.  

  Discurso da Antropologia

Definida como gentrificação, a ação na Cracolândia através do Nova Luz é integralmente criticada no discurso.

Para FRÚGOLI E SPAGIARI (2011) o que prevalece na Luz são “representações estigmatizadas” especialmente no discurso da “imprensa e televisão”. O Nova Luz se resume para o autor “na criação de espaços potencialmente sujeitos a aumentos consideráveis dos preços imobiliários”, mas é apresentado como uma revitalização espacial em resposta a degradação em marcha desde 1990. Sua pesquisa de campo mostra muito mais que as “representações estigmatizadas” que ele julga algo inerente ao objetivo da mídia de “criminalização da pobreza”. A ação do Nova Luz na Cracolândia, segundo o autor, permite apenas, sendo um grupo itinerante, sua dispersão e constituição de pequenas  “cracolândias” nas regiões do entorno dificultando o trabalho de redução de danos praticados por uma ONG com os usuários. Está ONG identifica uma transição na forma de a Cracolândia ser vista pela prefeitura, de um problema social (gestão de Marta Suplicy) para um problema de saúde (Gilberto Kassab) que só piorou a situação tendo em vista que isso vende a ideia de solução através da internação dos usuários, “o que manteve a ação repressiva da polícia”. Esse é um dos argumentos para se fazer impor o objetivo supracitado do projeto.

O fenômeno de dispersão de usuários que era realizado de tempos em tempos ora pelo poder público ora pela iniciativa privada, agora é realizado em conjunto tanto por esses atores como por outros do próprio meio como os comerciantes que utilizam a segurança privada para afastar os usuários.

Ainda FRÚGOLI E SKLAIR (2009), através de uma abordagem etnográfica identifica um discurso social que seria antagonista do midiático/político que leva a crer que “... não vêm sendo interpretadas por tais atores sociais como mudanças significativas, embora o poder local venha tentando transformar ou converter, ao menos no plano semântico o espaço da ‘Cracolândia’ em ‘Nova Luz’”.

Neste discurso a ação na Cracolândia através do Nova Luz é classificado como gentrificação que consiste, segundo HOFFMANN (2007) “num conjunto de processos de transformação do espaço urbano que ocorre, como ou sem intervenção governamental, nas mais variadas cidades do mundo. No entanto, o processo tem um sério impacto sobre os antigos habitantes do recém renovado centro da cidade”, pois “cada processo de renovação da cidade até agora tem levado a transformação quase completa da população”.

 Discurso do Jornal Folha de São Paulo

Material permite inferir que o jornal se mostra parcialmente favorável ao projeto, sendo favorável a revitalização da área, porém dando ênfase a maneira como ele vem sendo criticado pelo método.

A primeira matéria selecionada data de 25/01/2012 e possui o titulo “Mais de um século de espera”, afirma que a região conhecida como Cracolândia é “Assolada por uma crise de Saúde Pública” e que ações públicas são “criticadas por uma suposta ‘higienização’ do local” que aguarda mais de um século pela transformação da Cracolândia em Nova Luz. A ação da polícia militar é criticada por ter como resultado “... a migração dos viciados para bairros mais próximos”. O ator social escolhido para participar da matéria é um síndico de um prédio da região que está ansioso por um projeto que a prefeitura divulga há 20 anos “mas não sai do papel”.

Na segunda matéria de título “Justiça suspende de novo revitalização na região da Cracolândia” de 28/01/2012 dá ênfase ao fato de não ser “... a primeira vez que a reurbanização é brecada pela justiça” sendo que “Em abril do ano passado o TJ (Tribunal de Justiça) o pedido de liminar de uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) impetrada pela Associação de Comerciantes da Santa Efigênia”. Desta vez foi cassada a lei de concessão urbanística com o argumento de que o projeto não foi discutido com a população. Como atores sociais aparecem o juiz na ação que argumenta sua decisão também em decorrência da falta de transparência com os gastos públicos no projeto e a ação da polícia militar: “Ninguém discute a necessidade do Estado de retomar o espaço público da Cracolândia (...). No entanto, essa retomada não pode ser marcada somente pelo desenvolvimento econômico e financeiro, pela exclusão social e pela migração de bairro de moradores de rua e viciados”. O outro ator social, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, por nota, afirma que “... causa estranheza a decisão, uma vez que o TJ e a Procuradoria-Geral de Justiça já se pronunciaram pela constitucionalidade da lei”.

  Discurso do Jornal O Estado de São Paulo

Material parece apresentar certa pobreza quanto o real contexto da Cracolândia e do projeto Nova Luz que em nenhum momento é criticado, só justificado. Na segunda matéria é possível identificar ainda certo mal-estar com a suspensão do projeto.

A primeira matéria utilizada foi veiculada em 12/01/2012 de título “A presença do fotojornalista na Cracolândia paulistana” que consiste em imagens tiradas em 2010/2012 focando a degradação da área e o consumo indiscriminado de crack por menores e adultos, com subtítulos como “A revitalização da degradada região é o foco do projeto Nova Luz, plano urbanístico da prefeitura para recuperar, em parceria com a iniciativa privada, esse pedaço do centro paulistano” e “Menino consome crack na Cracolândia, em São Paulo”.

Já na segunda matéria “Justiça de SP suspende o projeto urbanístico na Nova Luz” ocorre a descrição da suspensão com uma ênfase na frase “cabe recurso da decisão” e o enfoque diferente da Folha de São Paulo na questão do projeto colocando que “A decisão também suspende o processo que trata da elaboração do processo urbanístico para a área e seu estudo de viabilidade econômica”.

  Discurso do Jornal O Globo

O material permite dizer que a Cracolândia é um problema de segurança pública, portanto a ação policial através do projeto Nova Luz é o mais importante para o veículo. Não há criticas ao projeto em si, pelo contrário, a posição é totalmente favorável, principalmente ao método.

Primeira matéria utilizada foi veiculada em 13/01/2012 com o título de “PM volta a dispersar usuários de crack em São Paulo” e fala de flagrante em usuários de crack que se reuniram na Rua Helvétia para passar a noite. O ator social escolhido foi o Secretário de Segurança Pública que disse “... que a ação na Cracolândia não tem dia para acabar”. Foram apresentados dados da ação da polícia na área que ora é chamada de Nova Luz ora Cracolândia. Ao final da matéria o Secretário ainda comenta da proibição de balas de borracha e bombas e efeito moral na ação: “Os usuários da Cracolândia são tão passivos que nem condições de resistir eles têm. Não há necessidade de intervenção com o uso de força.”. 

A segunda matéria utilizada “TJ-SP suspende reurbanização de área que engloba a Cracolândia” de 27/01/2012 além do “cabe recurso” já identificado no jornal Estado de São Paulo há um “... local ocupado pela policia militar (PM) desde o começo do ano para afugentar dependentes e traficantes de drogas”. Aparece como ator social a secretária de Justiça que apresenta dados da ação policial na Cracolândia considerando um sucesso: “A Cracolândia acabou. A Cracolândia não existe mais.”.

  Discurso da Revista Carta Capital

O material coletado permite inferir o compromisso da revista em responder as posições favoráveis ao projeto Nova Luz de maneira crítica. Seu enfoque foi no intuído, desta maneira, de desacreditar o projeto sem apresentar o amplo contexto no qual se insere e sim o objetivo lucrativo do mesmo.

A primeira notícia utilizada foi veiculada em 17/01/2012 como título de “’O projeto Nova Luz não convenceu o capital privado’” onde a revista através de um arquiteto e urbanista da USP (Universidade de São Paulo) avalia de maneira negativa o projeto que “... até hoje não conseguiu atrair o mercado imobiliário para a região” e esse seria o motivo da ação ostensiva da polícia “... uma última tentativa da prefeitura de Gilberto Kassab (PSD) de mostrar serviço ao tentar solucionar o problema dos viciados em crack, instalados há anos no bairro (...) é o último ano da gestão, não vão conseguir nada”. A matéria continua descrevendo a proposta do projeto que “... existe a mais de 30 anos e nunca foi realmente implantado”. A ação policial ainda é chamada de “saneamento com relação aos viciados” de maneira geral tanto como o projeto, quanto a ação policial isoladamente só tiveram saldos negativos sendo que, “Assim, o plano corre o risco de cair em uma atividade eleitoreira, com grande aparição na mídia, mas sem melhorias concretas, com um trabalho a longo prazo”. Ainda no final da matéria o ator social afirma: “Essa gestão sairá totalmente desmoralizada em relação à Luz”.

Em 27/01/2012 a matéria “Justiça suspende projeto de revitalização da Nova Luz” o discurso não difere em muito dos outros aqui apresentados: “Na prática, isso paralisa o projeto, mas cabe recurso da prefeitura.”.

 Discurso da Revista Caros Amigos

O material explana, através da fala de especialistas, os conflitos existentes entre os atores sociais, demonstrando as irregularidades na execução do projeto como sanador dos problemas sociais da região.

A primeira matéria, veiculada no dia 17/01/2012, intitulada “Churrascão da Cracolândia: veja protesto e leia manifesto” ilustra o protesto, organizado por movimentos sociais em decorrência dos processos repressivos na região, com a participação de frequentadores e moradores. A matéria também divulga um manifesto organizado por diferentes entidades do movimento social onde demonstram indignação quanto à política de repressão policial adotada pela prefeitura do município e governo do estado ao usuário de crack, como também sua política de combate às drogas e a especulação imobiliária, concluindo em uma denúncia em defesa ao individuo.

A matéria de Raquel Rolnik, intitulada “Pinheirinho, Cracolândia e USP: Em vez de política, polícia!” veiculada no dia 27/01/2012 faz um comparativo entre as abordagens políticas e policiais na reintegração de posse do terreno a qual se encontrava o bairro de Pinheirinho, em São José dos Campos, da reitoria da Universidade de São Paulo e a ação policial no centro paulistano para conter o tráfico de drogas. Segundo Rolnik, todos esses fatos têm em comum “os conflitos na gestão e ocupação do território”, da qual demandariam políticas de curto, médio e longo prazo devido a sua complexidade, porém a resposta utilizada foi o uso da truculência policial e a limpeza social para atores ocultos nos conflitos sociais.

As convergências e divergências nas posições da academia e da imprensa.

O material coletado permite inferir que o discurso cientifico é contrário a ação política da prefeitura do município em parceria com o governo do estado de São Paulo sobre a Cracolândia. O discurso Geográfico e o Antropológico parecem contrários a todo o projeto Nova Luz, focando o ponto da especulação imobiliária e a ação da polícia como maiores agravantes. O discurso Médico e o Econômico são contrários ao método, porém reconhecem a necessidade do projeto cada um com seu viés, ou seja, “tratamento” e “lucratividade”.


No discurso midiático/social começam a aparecer apoiadores a ação sobre a Cracolândia sendo que o jornal Estado de São Paulo justifica o projeto por um viés de recuperação de um patrimônio social e O Globo no viés mais voltado para a questão do “saneamento para com os usuários de crack”, sempre defendendo e otimizando a segurança pública que é a única a ter voz nas matérias colhidas. O jornal Folha de São Paulo, que possui uma posição aparentemente neutra, foi o veículo que mais se aproximou de contextualizar a ação, aspectos como a “migração de usuários para outros bairros” pactuam com os discursos da Geografia e Antropologia. Outro ponto considerado positivo foi à presença de um ator social autóctone, o que não nos ocorre em outros veículos da chamada “grande mídia”, que apostou em representantes da justiça (O Globo) e na própria posição (Estado de São Paulo), e na dita mídia alternativa que se utilizou de especialistas para defender seu ponto de vista. Carta Capital não se preocupou em incutir seus valores, algo presente em Estado de São Paulo e O Globo, como observado na apresentação das matérias, parece se focar em contra argumentar os outros veículos listados. Talvez seu discurso pactue em determinados momentos com o discurso econômico que prima à lucratividade aliada à justiça social, porém se reduz a este aspecto negligenciando o que de fato está contido no evento deixando muito vaga a ideia “saneamento para com os usuários de crack” a quem não teve contado com o que foi publicado sobre a mesma questão em outros veículos de informação.




Miguel Angelo Sena da Silva Junior
Yago Matos Alves

Farah Jorge Farah