quarta-feira, 29 de julho de 2020

Mary E. Modupe Kolawole: Gênero e Literatura Africana - Mulheres como uma massa critica

Dra. Mary E. Modupe Kolawole.

Professora de Inglês e de Estudos das Mulheres na Universidade Obafemi Awolowo, Ilê-lfé, Nigéria.

Autora do livro “Womanism and African Consciousness” [Mulherismo e a Consciência Africana] 

(Texto extraído de parte da aula inaugural em 2005)

Minha pesquisa sobre gênero é um dos aspectos mais importantes do meu trabalho como teórica literária. Minha pesquisa inicial não tinha foco especial em gênero até minha bolsa de estudos na Universidade Cornell como pesquisadora visitante da Fundação Rockefeller (1991-92). Observei que gênero era um critério importante emergente em estudos acadêmicos nas ciências humanas, ciências, e saúde. Nesses pontos, a maioria dos livros enfocou os critérios ocidentais de avaliação de gênero na África, incluindo a literatura africana. Decidi juntar as opiniões dos africanos sobre a realidade das mulheres a partir de minhas pesquisas em história, lendas, mitos, gêneros orais, contos populares, provérbios e outros. A literatura africana ocupa um lugar que eu descrevo como a zona crepuscular (twilight zone), um local intermediário (espaço ambíguo). A questão da diferença ou alteridade, portanto, continuou a gerar muitas discussões epistemológicas. Meus trabalhos também exploram a alteridade das mulheres, não como uma resistência negativa à mudança, mas como uma manifestação de mutabilidade, mesmo quando elas resistem à autonegação cultural e de gênero. A agência das escritoras africanas é notável por sua resiliência. Havia uma lacuna esmagadora na percepção de gênero das mulheres africanas e um desejo de nomear sua própria luta, rejeitando marcas como o feminismo africano/negro. As mulheres africanas devem se constituir como uma massa crítica.

Eu me identifico com Alice Walker e Chikwenye Okonjo-Ogunyemi, Clenora Hudson-Weems, entre outras, devido seus anseios por formas mais inclusivas de nomear a luta das mulheres pretas. Meu livro teórico, “Womanism and African Consciousness” [Mulherismo e a Consciência Africana], levantou questões válidas de como se define o mulherismo. “O que é então o mulherismo? Para as africanas, o mulherismo é a totalidade da autoexpressão, do autocuidado e da autoafirmação femininas nas maneiras culturais positivas." (Kolawole. 1997. p.24). O mulherismo não é uma ideologia que odeia o homem. O mulherismo enfatiza a relevância racial e cultural, a centralidade da família e a necessidade de que homens e mulheres trabalharem juntos para alcançar justiça de gênero, equidade de gênero e empoderamento das mulheres. (Kolawole 1997, 2004, 2005). Assim como a crítica literária feminista se tornou uma importante ferramenta de pesquisa crítica. Vejo que o mulherismo é uma versão adaptada disso, uma tentativa de infundir nacionalismo cultural e racial na teoria literária de gênero.

Quando iniciei os seminários e ensinos sobre o mulherismo, alguns colegas acreditavam que “quem paga a flautista dita a música” e estavam céticos acerca do direcionamento para uma alternativa ao feminismo, pois poderia ofender as agências doadoras e perguntaram: "Quem patrocinará isso?" Outros preferiram manter o status quo com o termo feminismo. Meu desafio era injetar uma perspectiva africana, aumentando assim as opções na conceituação de gênero. O próprio feminismo não é monolítico. As diversidades incluem feminismos liberais, socialistas, existencialistas e pós-modernos. Outras vertentes incluem o ecofeminismo e a mais recente variante, o feminismo ciborgue. Minha experiência na África do Sul é significativa. Como Associada da Fundação e residente acadêmica por três meses no Instituto Africano de Gênero da Universidade da Cidade do Cabo, em 1997, meus trabalhos sobre mulherismo alteraram o paradigma de estudos na África do Sul. Tornou-se um ponto focal de diversas maneiras. Desafiei a sororidade universal e advoguei o foco em mediações raciais e culturais. Meus livros estão agora nas listas de leituras de universidades da Europa, EUA, Ásia e muitos países africanos. Editoras alemãs pediram os direitos autorais para traduzir minhas obras para o alemão. Em uma recente conferência na Cidade do Cabo, em janeiro de 2005, comentários de renomados professores de literatura em universidades como Stellenbosch, Cidade do Cabo, Natal, Suécia, EUA, etc, me saudaram. "Professora, você é uma celebridade, uma lenda que simplesmente não consigo imaginar saindo desta conferência sem apertar sua mão." "Você tem impressionado a África do Sul nos últimos cinco anos." ''O artigo de Mary Kolawole nos deu uma pista dos problemas dos estudos de gênero nos últimos dez anos. Ela nos deu o caminho a ser seguido.” Entre esses comentários inclui o da famosa professora de literatura Kristen Petersen. O mundo estava esperando por uma estudiosa com a coragem de cantar canções africanas em terras estranhas, mas enraizadas na África.

Também pesquisei sobre gêneros femininos na literatura oral como ferramentas de autoexpressão das formas dinâmicas. Esses gêneros como caminhos de poder para a autoafirmação das mulheres refutam as alegações de ausência de voz e de invisibilidade. Concordo com Micere Mugo e Molara Ogundipe-Leslie de que precisamos apenas procurar lugares de audibilidade, visibilidade e poder das mulheres africanas. Esses lugares são revelados nos gêneros literários orais femininos, que foram caminhos do envolvimento dinâmico no processo social, como observei em meus trabalhos: "Existe uma infinidade de gêneros femininos entre os Iorubas. Isso inclui músicas Obitun; canções de Olori, canções Aremo, Ao-oka gelede, músicas Olele e Alamo. As canções de Fulani Bori no norte da Nigéria consistem em modos manifestos de autoexpressão e autoafirmação para as mulheres desse grupo religioso esotérico. Outros gêneros especificamente dominados pelas mulheres incluem a poesia da corte feminina Hausa, canções de nascimento Ibo, Ogori Ewere, muitos poemas panegíricos e contos populares, entre outros". (Kolawole, 1997) Em outras partes da África, as mulheres tinham suas vozes em muitos gêneros orais exclusivamente femininos: gênero satírico de donzela nzema em Gana, canções de noivas swati, lmpongo entre os Ila e Tonga da Zâmbia, Akan Dirges, Galla lampoons, canções de moagem de Kamba e numerosos mitos de gênero e provérbios. (Kolawole, 1997; 1998). Muito trabalho foi feito na área de imagens das mulheres em provérbios africanos por Minekke Schipper, Susan Arndt, Helen Mugambe, Kehinde Yusuf, Ifeanyi Arua e Juliana Abbenyi,

Colegas e estudantes envolvidos na pesquisa de gênero em todas as disciplinas inundaram minha caixa de entrada com pedidos de assistência, informações, revisão da literatura e referências sobre gênero na África. Recentemente, meu trabalho soou cauteloso neste processo de representar as opiniões das mulheres africanas de acordo com a agenda dos doadores. Podem não ser questões de primeiro plano que transformarão as mulheres africanas de seus espaços liminares, da margem para o centro. Em uma recente conferência internacional sobre “Writing African Women” [Escrevendo Mulheres Africanas], eu avisei sobre pesquisa autocentrada e a chamada representação de mulheres africanas. Proponho uma reapresentação de mulheres africanas usando o objetivo de "escrever" a tradição Ioruba que garante uma abordagem cautelosa para conhecer a noiva, já que as mulheres africanas se tornaram a bela e proverbial noiva dos pesquisadores. Vi minha tarefa à luz da argumentação de Leela Dube investigando o "viés etnocêntrico das acadêmicas feministas ocidentais que tendem a interpretar dados de outras culturas na perspectiva das experiências adquiridas em suas próprias culturas e na compreensão de suas relações entre homens e mulheres.”

O símbolo do “Mount Langbodo” [Monte Langbodo] de Fagunwa dramatiza uma tensão de gênero - os homens como guardiões da chave mestra dos múltiplos problemas das sociedades. A busca por Langbodo envolveu apenas homens, sete caçadores corajosos. As mulheres estão revelando sua desenvoltura através da literatura, e mover a literatura nigeriana do Monte Langbodo tem sido um objetivo importante para essas mulheres. Também uso a metáfora da árvore arerê na minha teoria da ambiguidade do espaço e da voz das mulheres. Um provérbio Ioruba resume essa contradição. "ile ti obinrin ri nse toto arere, igi arere ni hu nibe."- (uma casa que permita a vocalidade das mulheres terá a árvore arerê crescendo nela.) Não é permitido que a árvore arerê cresça perto da habitação humana devido ao seu odor desagradável, mas é uma árvore forte e valiosa na construção civil. A geração mais jovem de mulheres escritoras está desconstruindo essa simples metáfora. Entre elas incluem Toying Adewale, Omowunmi Segun, Maria Ajima e muitas outras. A canonização de textos é outro desafio para mim. Deliberadamente, trabalhei em novos escritos de jovens escritoras nigerianas para estabelecer e divulgar suas obras. Eu trabalhei na antologia de Toyin Adewale, “Breaking the Silence” [Rompendo o Silêncio], por esse motivo.

Algumas das teóricas feministas mais conhecidas hoje incluem Mary Eagleton, Mary Evans, Maggie Humm e Mary Rogers. Elas apresentaram algumas das teorias mais relevantes. Deixe-me declarar aqui que o feminismo é uma teoria que abrange muitas disciplinas. É uma teoria válida para filósofos, sociólogos, historiadores, antropólogos, cientistas políticos, estudiosos da cultura, cientistas, tecnólogos e pesquisadores da medicina. É facilmente a teoria mais transversal da academia moderna. Portanto, é lamentável que aqui na Nigéria, entre alguns estudiosos, o feminismo seja preterido por não ser acadêmico. E porque o mulherismo é relativamente novo, muitos estudiosos ainda desconhecem seu status como ferramenta de pesquisa.

Minha pesquisa reitera a conceitualização e a prática das teorias mulheristas. O mulherismo foi cunhado por duas intelectuais pretas, Alice Walker e Chikwenye Okonjo-Ogunyemi, em 1982, como um meio de se autonomear e injetar consciência preta nos estudos de gênero. A teoria mulherista agora está sendo comemorada como a contribuição das mulheres pretas para os debates sobre gênero e meu trabalho é um dos mais aplaudidos em todo o mundo por causa da originalidade das ideias. Fui homenageada e ainda estou sendo aplaudida por aumentar as opções de conceituação e metodologia de gênero. Assim como estudiosas tradicionais como Sandra Harding, Rose-Marie Tong, Angela Miles, Jane Parpart, Mary Rogers e Mary Evans destacaram o feminismo como uma teoria sólida e uma ferramenta para a academia moderna, numerosas escritoras pretas, como Chandra Monharty, Irene D'Almeida, Abena Busia, Amina Mama, Trion min ha, Madhu Kishwa, Leela Dube, Shushela Nasta e Audre Lorde, estão elucidando o feminismo negro. Alice Walker, Chikwenye Ogunyemi-Okonjo, Juliana Abbenyi, Clenora Hudson-weens e eu trouxemos a estética literária mulherista ao centro do estudo acadêmico global de gênero.

Desejo frisar nesta nota: o mulherismo, que não foi cunhado por mim, como o feminismo, é uma teoria e metodologia literária reconhecida internacionalmente. Gostaria de indicar aos colegas que ainda não têm conhecimento sobre o mulherismo e o feminismo para navegarem na Internet, ler sobre esses conceitos e que irá surpreendê-los o fato que o mundo tenha ido além do nível de perguntas sobre a autenticidade desses cânones de gênero. Um estudioso acadêmico pode ser definido como um cidadão do mundo das ideias: quanto mais você tiver acesso a ideias, mais se tornará um participante dinâmico neste mundo de horizontes epistemológicos em constante mudança e em expansão. A ignorância não pode mais ser comemorada ou validada nos dias de alta tecnologia e de explosão de informações.




por Carlos R. Rocha - Fuca, Insurreição CGPP, 2020.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Modibo Keita: Discurso do 1º de maio (1967) como presidente do Mali

 Um discurso de Modibo Keita, Presidente do Mali, contido na rubrica geral de um artigo intitulado "Trabalhadores malianos comemoram com entusiasmo o primeiro de maio de 1967" no órgão de língua francesa da União Sudanesa-RDA. L'Sssor Hebdomadaire (The Weekly Progress), Bamako, Vol 9, No 405, 2 May 1967, pp 4, 5.

 Discurso parte da seleção trazida por Fuca, Insurreição CGPP: 

Palavras de Independência da África II: Nkrumah, Olympio, Keita e Kaunda. (Pdf aqui) ou no link: https://drive.google.com/file/d/1It8Mjb-riPZAuG7gDUOzu15QJ23GJ_Oz/view?usp=sharing

Como em todos os anos, a liderança nacional do partido e do governo se junta através de mim nas festividades do primeiro de maio, que é um grande dia para os trabalhadores.

Este dia se comemora uma importante vitória na luta, muitas vezes mortal, da classe trabalhadora internacional em alcançar maior bem-estar em um sistema de produção do qual essa classe é o fator determinante. É tanto uma luta econômica quanto política, porque a classe trabalhadora compreendeu muito cedo que para se libertar da exploração depende de certas pré-condições políticas, cuja realização envolve todo o sistema social.

Em setembro de 1960, através de nossa escolha de soberania total e completa, que por si só foi um ato de verdadeira revolução, também escolhemos livremente o caminho socialista para o desenvolvimento após uma análise objetiva das condições reais de nosso país.

Já dissemos que nosso país, em razão de sua posição no continente, longe dos portos e isolado dos mercados mundiais, não ofereceu incentivo ao investimento privado sob o regime colonial.

Em condições como essa, deve ficar claro para qualquer pessoa que a maior despesa e o maior esforço no desenvolvimento de nosso país devam obrigatoriamente deixar ao Estado.

Além disso, era impensável, devido às condições sob as quais nossa batalha pela independência nacional foi travada, uma batalha cujo sucesso dependia em grande parte do espírito indomável de luta das massas, sob a liderança dos trabalhadores informados das cidades, que nosso Partido deveria seguir um caminho diferente para o desenvolvimento, cujo único objetivo seria colocar a riqueza principal da nação à disposição de toda a comunidade nacional.

Encaramos qualquer outra escolha simplesmente como traição, que teria enganado as massas de nosso povo em uma vitória que nunca poderia ter sido conquistada sem sua participação decisiva.

E assim, hoje, como sempre, a liderança nacional do Partido continua acreditando que apenas o socialismo, que significa a nacionalização dos principais meios de produção e planejamento, é a maneira razoável e justa capaz de tirar nosso país de seu estado de subdesenvolvimento.

Mas não é fácil construir o socialismo, como já descobrimos.

Ontem, na fase inicial da batalha que tivemos que lutar, e na qual a grande maioria dos trabalhadores desempenhou um papel vital, o problema era ganhar nossa liberdade, destruir um sistema. Hoje, porém, o problema é construir um Estado, uma nova nação, recusando-se a aceitar os padrões simples de submissão, ou seja, procurar encontrar o caminho próprio e original, o caminho certo para nós, o caminho que melhor se adapte às condições objetivas de nosso país.

O jogo é extremamente difícil e extremamente delicado.

Gostaria de lembrar aqui a todos os trabalhadores que, assim como antes, quando estávamos lutando contra a opressão colonial, é seu trabalho dar o exemplo de devoção e altruísmo nesta nova fase da nossa luta, que podemos e devemos vencer, desde que não esqueçamos as condições para o sucesso em uma batalha política.

Antes de tudo, e aqui estou falando para todos os quadros do Partido, nunca devemos esquecer que a primeira condição para vencer uma batalha política é o apoio total das massas ou lealdade da maioria, se não de todo o nosso povo, por nossa política, por nossos objetivos e pelos meios que escolhemos para alcançá-los.

Agora, temos vinte anos de experiência para mostrar que o povo do Mali nunca nos negou seu apoio e confiança.

Nosso trabalho, então, e o que nunca devemos esquecer ou negligenciar, é procurar e encontrar novamente o caminho das massas, permanecer solidamente juntos e explicar-lhes repetidamente nossos problemas e as soluções escolhidas pelo Partido como um todo. Esse deve ser o ponto principal de nossa atividade na situação atual. Se não arcamos com isso, outros que não têm as mesmas razões que a nossa, de se aproximar às políticas do nosso Partido, assumirão o nosso lugar - e, obviamente, eles farão isso à maneira deles.

Devemos estar cientes de outro fato fundamental: desde 1960, os problemas de construção econômica que o país enfrenta se tornam cada vez mais difíceis, cada vez mais complicados. Como consequência disso, nosso Partido precisa crescer e seus quadros devem ampliar seus conhecimentos para assumir novas responsabilidades. É óbvio que, para explicar, convencer e mobilizar o povo, precisamos primeiro nos conhecer e entender os modos de liderança de um Estado. E isso, por sua vez, é um trabalho que está rapidamente se tornando cada vez mais difícil e complexo.

Já sabemos que, à medida que avançamos na aplicação de nossa política de desenvolvimento socialista, todo tipo de dificuldade é encontrada, o que deixa as massas mais desconcertadas com os problemas econômicos. Sob tais condições, devemos estar prontos para os questionamentos que irão nos fazer, porque não importa para onde se vai, o povo precisa entender, se quisermos avançar.

Os quadros políticos e sindicais devem fornecer as respostas a essas perguntas, que nunca devem ser consideradas como suspeitas a priori.

A única maneira de os quadros serem capazes de assumir essa tarefa delicada é continuar com seus estudos intelectuais e ideológicos, para compreender cada vez mais claramente os problemas complexos de nossa construção nacional em um mundo dividido, cada vez mais conturbado e inquieto.

Devemos estimular e incentivar o diálogo no Partido e em todas as nossas organizações democráticas e populares. No entanto, é óbvio que nós, líderes políticos e administrativos que formam os quadros, não ficaremos tentados a encorajar o diálogo, mesmo que ele seja o sopro de vida para partidos únicos, se não temos respostas a oferecer e se estamos confusos diante dos problemas políticos e econômicos que nos pressionam por todos os lados.

Isso nos dá uma compreensão da perigosa tentação de substituir o método de persuasão e explicação, o único adequado às nossas políticas, por restrições, matando assim o espírito da livre discussão, ficaria claro que isso não teria proveito em um governo como o nosso.

Portanto, é dever dos trabalhadores mobilizar dentro de suas organizações trabalhistas para torná-las movimentos ativos, cientes do fato de que são os principais seguimentos interessados, pois são as pessoas que mais se beneficiam com o advento triunfante de uma economia socialista.

Eles também devem entender que cabe a eles o ônus da vigilância, para garantir que os princípios democráticos estabelecidos por nosso Partido sejam aplicados adequadamente.

Os trabalhadores também devem redobrar seus esforços no trabalho cotidiano e despertar para o fato de que nunca construiremos nosso país com preguiça, desordem e irresponsabilidade.

Em suma, é essencial que, ao fazermos nossas declarações públicas, elas devem corresponder às nossas ações cotidianas, os quadros trabalhistas e políticos em todos os lugares fornecem um exemplo de altruísmo, honestidade e devoção aos ideais daquele socialismo que prometemos construir.

Desde aquele dia, sete anos atrás, quando aderimos à soberania, que significa responsabilidade, a liderança nacional nunca traiu sua confiança nos trabalhadores e em seus líderes.

Em nossos serviços públicos, em todas as empresas e empresas estatais, grupos políticos e comitês sindicais foram criados.

A liderança nacional do Partido e do Governo apontou repetidamente o papel adequado dos órgãos desses trabalhadores em nossos serviços públicos, nossas corporações e empresas estatais, que são a base material da economia socialista que estamos construindo.

O estatuto geral que rege as empresas nacionais atribui às organizações de trabalhadores certas responsabilidades reais na administração: enquanto os órgãos do Partido e da União recebem o trabalho de motivação e controle em todos os órgãos do Estado.

Além disso, o Partido e o Governo nunca hesitaram em confiar as mais altas responsabilidades aos quadros treinados na luta sindical.

Mas devemos admitir que algumas fraquezas notáveis vieram à tona. Frequentemente, as Associações de Trabalhadores da Administração, que representam uma conquista social da maior importância, se tornaram estrelas, por assim dizer, e alguns líderes se separam dos outros trabalhadores que eles representam.

Os comitês do Partido e do sindicato, que deveriam promover uma concorrência saudável entre os trabalhadores, que deveriam criar novas relações de cooperação em nossas corporações e empresas estatais, nem sempre tiveram êxito em suas tarefas.

Além do mais, devemos repetir que a luta contra a fraude e a especulação não chegou a um fim vitorioso, porque os trabalhadores, apesar de sua maioria, não conseguiram assumir esta tarefa vital na construção de nossa economia.

Os trabalhadores ainda precisam entender que aqueles que pilharam a riqueza nacional, aqueles que, por suas práticas fraudulentas, põem em risco nosso governo socialista e suas realizações altamente importantes, devem ser rastreados impiedosamente e entregues aos órgãos policiais do Estado.

Em muitos casos, os trabalhadores simplesmente não tinham consciência política e ainda não conseguiram se livrar de certos complexos que os fazem sentir que isso seria como caguetar, e não uma demonstração de coragem cívica.

No entanto, devemos compreender que o inimigo mais danoso em nosso governo é a fraude e a especulação em nossa produção essencial.

Todo membro ativo da União Sudanesa das Repúblicas Democráticas Africanas, e principalmente os trabalhadores, devem entender que a luta contra práticas especulativas, uma fonte de inflação e de altos custos de vida, não é simplesmente o trabalho dos serviços especializados do Estado. A extensão do crime contra a nação é tão grande que exige a ajuda de todos os membros ativos para que ele chegue ao fim, com todo o rigor necessário.

Camaradas trabalhadores, Mali tem seus detratores juramentados que veem apenas nossos problemas, as falhas inerentes a qualquer empreendimento humano, que fecham os olhos para nossas realizações e nossos sucessos, embora estes estejam lá para todos verem.

E, portanto, nunca podemos voltar com muita frequência para observar as realizações do nosso Partido durante os breves sete anos desde que conquistamos nossa independência de volta.

Todos os membros ativos de nosso Partido e de nossas organizações democráticas e populares devem estar profundamente cientes do alcance e do significado dessas realizações, para estarmos mais bem armados contra os inimigos do nosso governo, cuja propaganda insidiosa deve ser combatida com os fatos que existem, palpáveis e inegáveis. Devo poupar uma enumeração dessas realizações aqui.

Obviamente, tudo isso não poderia ter sido feito sem alguns erros, alguns graves, ou sem falhas, algumas amargas.

Mas somos um partido com um longo histórico de lutas feitas de reveses e sucessos, e por isso nunca tivemos medo de encarar nossos erros de frente, e realizar nossa própria autocrítica, condição indispensável para nossos futuros saltos de progresso, e lembrar em todas as circunstâncias que nosso país não pôde ser construído com calma.

Essa política sempre exigiu um grande esforço de austeridade de todas as pessoas; ainda exige sacrifícios que o Estado deve distribuir de maneira justa entre o povo, de acordo com a capacidade de cada um de contribuir.

Aqui, novamente, os trabalhadores, a maioria dos quais são pessoas privilegiadas em comparação com os camponeses, devem dar o exemplo de altruísmo, e devem se livrar de uma vez por todas da ideia ultrapassada de direitos finalmente conquistados.

Em nossa situação atual, não pode haver interesse adquirido, direito adquirido na perpetuidade, desde que nossa principal preocupação seja economizar para que possamos investir e lançar as bases para o avanço econômico de nosso país.

Em suma, deve ficar claro a todos os trabalhadores que os salários em qualquer Estado moderno só pode ser uma função do volume total de produção, que se resume finalmente às possibilidades econômicas da nação.

Todos nós, em nossos escritórios, nossas lojas e nossos campos, devemos perceber que é sendo diligente em nosso trabalho, e aumentando nossa produtividade, que aumentaremos nossa renda nacional, e, assim, permitir ao Estado pagar mais aos trabalhadores e elevar seus padrões de vida, que é a aspiração natural de qualquer estado socialista.

Desde 1966, alguns grandes investimentos foram feitos, com a ajuda de auxilio externo e os enormes sacrifícios que fizemos. Atualmente, o Estado do Mali possui uma quantidade muito considerável de capital, cuja administração adequada deve permitir que nossa economia gere o impulso e a expansão necessários para resolver nossos problemas financeiros.

A consecução desses objetivos pressupõe uma redução no custo de produção e uma alta taxa de retorno em todos os setores da economia, graças à competência e consciência que os trabalhadores demonstram ao motivar as unidades em que atuam. O principal motor do desenvolvimento econômico é o homem tecnicamente qualificado e politicamente consciente, que deve sempre procurar ampliar seu conhecimento técnico e sua formação cultural geral.

O grau de consciência política pode ser medido por certas atitudes que podem ser vistas todos os dias no comportamento do trabalhador em serviço: o respeito pelo bem geral e pelo bem público, a lealdade à empresa, demonstrada não apenas pela pontualidade, mas também por seu trabalho duro e constante durante o horário de trabalho.

Neste momento, a República do Mali precisa de motoristas que mantenham seus veículos adequadamente e tenham sempre o cuidado de poupar as despesas do Estado que devem sair de nossas reservas de moeda. Precisamos de trabalhadores que evitem todo desperdício de material e toda deterioração de material em nossas fábricas. Precisamos almoxarifes que vigiem atentamente os estoques confiados a eles.

Se não conseguirmos mais homens como esses em nossas fábricas e nossos serviços, nossa experiência será irrevogavelmente comprometida pela mediocridade e descuido dos homens que devem conduzi-la. Todo trabalhador deve entender que seu destino está ligado organicamente ao de todos os setores da economia.

Falando novamente sobre uma concorrência saudável, um bom método acaba de ser colocado em prática no estabelecimento do título de "trabalhador de vanguarda", como recompensa para os trabalhadores que desinteressadamente fazem seus trabalhos, tornando-os um exemplo para seus companheiros. Por outro lado, devemos erradicar o efeito nocivo dos trabalhadores incompetentes e descuidados. Repito que os responsáveis por nossos serviços públicos e empresas não devem hesitar em tomar as mais severas sanções contra esses homens.

Camaradas, sempre dissemos que a independência, para nós, não é um fim em si, mas apenas um meio de libertar nosso país da penúria econômica.

Aqueles que tiveram a coragem política de dizer não à escravidão e assumir sua independência diante de ameaças e intimidações não podem vacilar em coragem quando chega a hora de enfrentar todas as consequências do ato. Ao lutar por nossa soberania, nossa ambição era e é sair da armadilha do subdesenvolvimento – e poder explorar adequadamente a grande riqueza de nosso vasto e belo país.

Essa ainda é a mesma batalha. Eu já disse muitas vezes que estamos destinados a ter sucesso, destinados a vencer a batalha pelo futuro do nosso país, e também porque não há dúvida de que o resto da África achará impossível permanecer indiferente à experiência do Mali.

Mais uma vez, a ação dos trabalhadores em seus sindicatos, nos órgãos do Partido e de outras organizações populares, desempenhará um papel preponderante, se não determinante, no sucesso desse poderoso trabalho de renovação nacional.

Irrevogavelmente, votamos em favor do socialismo, porque acreditamos que esse é o caminho do desenvolvimento que responde às verdadeiras necessidades e interesses de nossa nação.

O capitalismo, apesar dos prodigiosos avanços que fez para a humanidade nas áreas da ciência e das técnicas, não conseguiu resolver o problema social. Falhou em abolir a pobreza entre as grandes massas populares e ainda mantém a grande maioria das pessoas rigidamente excluídas das riquezas e do prazer de aprender.

Foi dito que "as civilizações morrem por causa de sua estreiteza". Quanto a nós, finalmente escolhemos um regime econômico baseado na propriedade coletiva das grandes riquezas de nosso país, para que nenhuma minoria monopolize os frutos do trabalho da sociedade, e para que uma divisão justa do produto do trabalho possa estar subjacente à nossa organização social.

É assim que nos apresentamos diante de todos os nossos parceiros, que devem nos aceitar como somos.

A contabilidade da ação do nosso Partido está lá e é positiva, e claramente visível para todos aqueles que não são impedidos pelo ódio e pela má fé de vê-la.

Foi antes de tudo nossa soberania inquestionável que nos deu liberdade, a joia mais brilhante de um povo.

São nossas conquistas nos domínios econômico e social que são a admiração de todos que vêm visitar nosso país sem ideias pré-concebidas.

Mas o trabalho ainda não está concluído, e o caminho a seguir é longo e difícil.

A liderança nacional do Partido está convencida de que a tarefa de renovação nacional à qual nos comprometemos não está além dos poderes de nosso povo, que escolheram irrevogavelmente a liberdade e um caminho de desenvolvimento que levará a uma sociedade mais justa e equitativa.

Depende do grau de conscientização dos trabalhadores, sua mobilização contínua para proteger as realizações de nossa revolução, e a pureza da orientação de nosso Partido, se nossas ambições e aspirações em direção a um maior bem-estar na justiça social serão realizadas em breve.

O empreendimento, camaradas trabalhadores, é difícil, mas é também inspirador. Contudo, a evidência não é suficiente para mostrar que a dificuldade nunca afastou o povo maliano que se apresenta com alternativas heroicas quando se depara com questões que envolvem sua liberdade?

Agora digo: tenham coragem e com a garantia de que o sucesso está no fim do caminho, desde que todos ajudem a preservar a unidade política que nós trouxemos em nosso país, eu terminarei com o grito, viva o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Mali. Viva a solidariedade internacional dos trabalhadores em todos os continentes. Viva a União Sudanesa das Repúblicas Democráticas Africanas!




quarta-feira, 15 de julho de 2020

Kwame Nkrumah: Discurso na OUA (1963) - A África deve unir-se.

O discurso icônico de Kwame Nkrumah, presidente da independência de Gana, na cerimônia inaugural da Conferência da OUA em Addis Abeba, Etiópia, em 1963.

 Discurso parte da seleção trazida por Fuca, Insurreição CGPP: 

Palavras de Independência da África II: Nkrumah, Olympio, Keita e Kaunda. (Pdf aqui) ou no link: https://drive.google.com/file/d/1It8Mjb-riPZAuG7gDUOzu15QJ23GJ_Oz/view?usp=sharing


Excelências, colegas, irmãos e amigos.

No primeiro encontro de Chefes de Estado africanos, ao qual tive a honra de ser anfitrião, havia apenas representantes de oito Estados independentes. Hoje, cinco anos depois, nos encontramos com representantes de nada menos do que trinta e dois Estados, os convidados de Sua Majestade Imperial, Haile Selassie, o primeiro, e o Governo e o povo da Etiópia. À Sua Majestade Imperial, desejo expressar, em nome do Governo e do povo de Gana, meu profundo agradecimento pela recepção cordial e hospitalidade generosa.

O aumento de nosso número neste curto espaço de tempo é um testemunho aberto da onda indomável e irresistível de nossos povos pela independência. É também um sinal da velocidade revolucionária dos eventos mundiais na segunda metade deste século. Na tarefa que temos diante de unificar nosso continente, devemos entrar nesse ritmo ou ficaremos para trás. Essa tarefa não pode ser deixada para outra época além da nossa. Ficar para trás neste momento sem precedentes de ações e eventos em nosso tempo será cair no fracasso e na nossa própria ruína.

Um continente inteiro nos impôs um mandato para estabelecer os alicerces de nossa União nesta Conferência. É nossa responsabilidade executar este mandato, criando aqui e agora a fórmula sobre a qual a superestrutura necessária pode ser erguida.

Neste continente, não se demorou muito para descobrir que a luta contra o colonialismo não termina com a conquista da independência nacional. A independência é apenas o prelúdio de uma luta nova e mais envolvida pelo direito de conduzir nossos próprios assuntos econômicos e sociais; construir nossa sociedade de acordo com nossas aspirações, sem impedimentos dos controles humilhantes e esmagadores das interferências neocolonialistas.

Desde o início, somos ameaçados pela frustração, onde a mudança rápida é imperativa; e pela instabilidade, onde o esforço continuado e a ordem são indispensáveis.

Nenhuma ação esporádica ou resolução piedosa pode resolver nossos problemas atuais. Nada será útil, exceto a ação conjunta de uma África unida. Já alcançamos o estágio em que devemos nos unir para não cairmos na mesma condição que fez da América Latina a presa relutante e aflita do imperialismo, após um século e meio de independência política.

Como continente, emergimos para a independência em uma era diferente, com o imperialismo cada vez mais forte, mais cruel e experiente, e mais perigoso em suas associações internacionais. Nosso avanço econômico exige o fim da dominação colonialista e neocolonialista na África.

Assim como entendemos que a formação de nossos destinos nacionais exigia de cada um de nós nossa independência política e direcionando toda a nossa força a essa conquista, no entanto, devemos reconhecer que nossa independência econômica reside em nossa união africana e requer a mesma concentração da conquista política.

A unidade do nosso continente, não menos que a independência de cada país, será adiada, ou até perdida, se nos associarmos com o colonialismo. A unidade africana é, acima de tudo, um reino político que só pode ser conquistado por meios políticos. O desenvolvimento social e econômico da África virá apenas dentro do reino político, e não o contrário. Os Estados Unidos da América, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, foram as decisões políticas dos povos revolucionários antes de se tornarem realidades potentes de poder social e riqueza material.

Como, exceto por nossos esforços conjuntos, as partes mais ricas e ainda escravizadas de nosso continente serão libertadas da ocupação colonial e ficarão disponíveis para nós no desenvolvimento total de nosso continente? Cada passo na descolonização do nosso continente trouxe maior resistência nas áreas em que tropas coloniais estão disponíveis a favor do colonialismo.

Esse é o grande desígnio dos interesses imperialistas que sustentam o colonialismo e o neocolonialismo, e estaríamos nos enganando da maneira mais cruel se considerássemos suas ações individuais separadas e não relacionadas. Quando Portugal viola a fronteira do Senegal, quando Verwoed alocou um sétimo do orçamento da África do Sul para forças armadas e policiais, quando a França constrói como parte de sua política de defesa uma força intervencionista que pode intervir, mais especialmente na África francófona, quando Welensky fala da Rodésia do Sul se juntando à África do Sul, tudo faz parte de um padrão cuidadosamente calculado, trabalhando para um único fim: a escravização contínua de nossos irmãos ainda dependentes e um ataque à independência de nossos Estados soberanos da África.

Temos alguma outra arma contra esse projeto além da nossa unidade? Nossa unidade não é essencial para proteger nossa própria liberdade, assim como conquistar a liberdade para nossos irmãos oprimidos, os combatentes pela liberdade?

Não é somente a unidade que pode nos fundir em uma força efetiva capaz de criar nosso próprio progresso e fazer nossa valiosa contribuição para a paz mundial? Que Estado africano independente reivindicará que sua estrutura financeira e instituições bancárias serão totalmente aproveitadas para o seu desenvolvimento nacional? Quem afirmará que seus recursos materiais e energias humanas estão disponíveis para suas próprias aspirações nacionais? Quem negará uma medida substancial de decepção e desilusão em seu desenvolvimento agrícola e urbano?

Na África independente, já estamos reexperimentando a instabilidade e frustração que existiam sob o domínio colonial. Estamos aprendendo rapidamente que a independência política não é suficiente para nos livrar das consequências do domínio colonial. O movimento das massas do povo da África pela liberdade desse tipo de domínio não foi apenas uma revolta contra as condições que ele impôs.

Nosso povo nos apoiou em nossa luta pela independência porque acreditava que os governos africanos poderiam curar os males do passado de uma maneira que nunca poderia ser realizada sob o domínio colonial. Se, portanto, agora que somos independentes, permitimos que existam as mesmas condições que existiam nos dias coloniais, todo o ressentimento que derrubou o colonialismo será mobilizado contra nós.

Os recursos estão lá. Cabe a nós reuni-los no serviço ativo de nosso povo. A menos que façamos isso com nossos esforços combinados, dentro da estrutura de nosso planejamento combinado, não progrediremos no ritmo exigido pelos acontecimentos de hoje e na disposição de nosso povo. Os sintomas de nossos problemas crescerão e os próprios problemas se tornarão crônicos. Será tarde demais para a Unidade Pan-Africana nos garantir estabilidade e tranquilidade em nossos trabalhos para um continente de justiça social e bem-estar material. A menos que estabeleçamos a Unidade Africana agora, nós, que estamos sentados aqui hoje, seremos as vítimas e mártires do neocolonialismo.

Temos diversas evidências de que os imperialistas não se afastaram de nossos assuntos. Há momentos, como no Congo, em que sua interferência se manifesta. Mas geralmente é encoberta por muitas agências, que se intrometem em nossos assuntos domésticos, e fomentam dissensões dentro de nossas fronteiras criando uma atmosfera de tensão e instabilidade política. Enquanto não acabarmos com as causas profundas do descontentamento, prestamos ajuda a essas forças neocolonialistas e nos tornaremos nossos próprios executores. Não podemos ignorar os ensinamentos da história.

Nosso continente é provavelmente o mais rico do mundo em minerais e materiais primários industriais e agrícolas. Somente no Congo, as firmas ocidentais exportaram cobre, borracha, algodão e outros bens no valor de 2, 773 bilhões de dólares em dez anos, entre 1945 e 1955, e da África do Sul, as empresas de mineração de ouro ocidentais obtiveram lucro, nos quatro anos, entre 1947 e 1951, de 814 bilhões de dólares.

Nosso continente certamente excede todos os outros em potencial de energia hidrelétrica, que alguns especialistas avaliam sendo 42% do total do mundo. Que necessidade existe para continuarmos abastecendo (hewers) as áreas industrializadas do mundo?

Dizem, é claro, que não temos capital, habilidade industrial, comunicação ou mercado interno, e que nem sequer podemos concordar entre nós sobre a melhor forma de utilizar nossos recursos.

No entanto, todas as bolsas de valores do mundo estão preocupadas com os minérios de ouro, diamantes, urânio, platina, cobre e ferro da África. Nosso capital flui em correntes para irrigar todo o sistema da economia ocidental. Acredita-se que 52% do ouro em Fort Knox neste momento, onde os EUA armazenam seu ouro, tenham se originado em nossas Costas. A África fornece mais de 60% do ouro do mundo. Grande parte do urânio para energia nuclear, de cobre para eletrônica, de titânio para projéteis supersônicos, de ferro e aço para indústrias pesadas, de outros minerais e matérias-primas para indústrias leves - o poder econômico básico das potências estrangeiras - vem do nosso continente.

Especialistas estimaram que somente a bacia do Congo pode produzir alimentos suficientes para satisfazer as necessidades de quase metade da população de todo o mundo.

Durante séculos, a África tem sido a vaca leiteira do mundo ocidental. Foi o nosso continente que ajudou o mundo ocidental a construir sua riqueza acumulada.

É verdade que agora estamos rejeitando o jugo do colonialismo o mais rápido possível, mas nosso sucesso nessa direção é igualado por um intenso esforço por parte do imperialismo de continuar a exploração de nossos recursos, criando divisões entre nós.

Quando as colônias do continente americano procuraram se libertar do imperialismo no século XVIII, não havia ameaça de neocolonialismo no sentido em que o conhecemos hoje. Os Estados americanos estavam, portanto, livres para formar e moldar a unidade mais adequada às suas necessidades e estruturar uma constituição para manter sua unidade sem qualquer forma de interferência de fontes externas. Contudo, estamos lidando com intervenções externas, então precisamos nos juntar na unidade africana que, por si só, pode nos salvar das garras do neocolonialismo.

Nós temos os recursos. Foi o colonialismo em primeiro lugar que nos impediu de acumular o capital efetivo; mas nós mesmos falhamos em fazer pleno uso de nosso poder na independência e mobilizar nossos recursos para decolar num desenvolvimento econômico e social completo e mais eficaz. Estamos muito ocupados cuidando de nossos Estados separados para entender completamente a necessidade básica de nossa união, enraizada em um objetivo comum, em um planejamento comum e em um esforço comum. Uma união que ignora essas necessidades fundamentais não passa de uma vergonha. É apenas unindo nossa capacidade produtiva e a produção resultante que podemos acumular capital. E assim que começarmos, o impulso aumentará. Com o capital controlado por nossos próprios bancos, atrelado ao nosso verdadeiro desenvolvimento industrial e agrícola, faremos o nosso avanço. Acumularemos máquinas e estabeleceremos siderúrgicas, fundições e fábricas de ferro; vincularemos os vários Estados do nosso continente com comunicações; surpreenderemos o mundo com nossa energia hidrelétrica; drenaremos brejos e pântanos, limparemos áreas infestadas, alimentaremos os subnutridos e livraremos nosso povo de parasitas e doenças. Está dentro da possibilidade da ciência e da tecnologia fazer até o Saara florescer em um vasto campo com vegetação verdejante para desenvolvimentos agrícolas e industriais. Utilizaremos o rádio, a televisão e os grandes jornais impressos para elevar nosso povo dos retrocessos sombrios do analfabetismo.

Uma década atrás, essas seriam palavras visionárias, as fantasias de um sonhador ocioso. Mas esta é a era em que a ciência transcendeu os limites do mundo material e a tecnologia invadiu os silêncios da natureza. Tempo e espaço foram reduzidos a abstrações sem importância. Máquinas gigantes fazem estradas, limpam florestas, escavam barragens; caminhões e aviões gigantes distribuem mercadorias; enormes laboratórios fabricam remédios; pesquisas geológicas complexas são feitas; poderosas centrais elétricas são construídas; colossais fábricas erguidas - tudo a uma velocidade incrível. O mundo não está mais se movendo pelos caminhos do mato ou pelos camelos e burros.

Não podemos nos dar ao luxo de acompanhar nossas necessidades, nosso desenvolvimento, nossa segurança ao andar de camelos e burros. Não podemos nos dar ao luxo de não derrubar os arbustos de atitudes obsoletas que obstruem nossa estrada para o caminho moderno da conquista recente e mais ampla da independência econômica e para elevar a vida de nosso povo ao mais alto nível.

Mesmo para outros continentes sem recursos da África, esta é a era que vê o fim das necessidades humanas. Para nós, é uma simples questão de apreender com certeza nossa herança usando o poder político da unidade. Tudo o que precisamos fazer é desenvolver com a nossa força unida os enormes recursos do nosso continente. Uma África unida fornecerá um campo estável de investimento estrangeiro, o que ajudará enquanto não se comportar de maneira adversa aos nossos interesses africanos. Pois esse investimento agregaria suas empresas ao desenvolvimento da economia nacional, ao emprego e ao treinamento de nosso povo e será bem-vindo à África. Ao lidar com uma África unida, os investidores não precisarão mais pesar com preocupação os riscos de negociar com os governos de um período que pode não existir no período seguinte. Em vez de negociar com tantos Estados separados ao mesmo tempo, eles estarão lidando com um governo unido que segue uma política continental harmonizada.

Qual é a alternativa para isso? Se vacilarmos nesta fase, e deixarmos o tempo passar para o neocolonialismo consolidar sua posição neste continente, qual será o destino de nosso povo que depositou sua confiança em nós? Qual será o destino dos nossos combatentes pela liberdade? Qual será o destino de outros territórios africanos que ainda não estão livres?

A menos que possamos estabelecer grandes complexos industriais na África - o que só podemos fazer com a África unida - devemos ter nosso campesinato à mercê dos mercados estrangeiros e enfrentar a mesma inquietação que derrubou os colonialistas? Que utilidade para o agricultor tem educação e mecanização, que utilidade tem mesmo o capital para o desenvolvimento; a menos que possamos garantir para ele um preço justo e um mercado pronto? O que os camponeses, trabalhadores e agricultores ganharam com a independência política, a não ser que possamos garantir a eles um retorno justo pelo seu trabalho e um padrão de vida mais alto?

A menos que possamos estabelecer grandes complexos industriais na África, o que o trabalhador urbano, e todos aqueles camponeses em terras superlotadas, têm ganhado com a independência política? Se eles permanecerem desempregados ou em ocupação não qualificada, o que lhes valerá as melhores instalações para educação, treinamento técnico, energia e ambição que a independência nos permite proporcionar?

Quase não existe Estado Africano sem problemas de fronteira com seus vizinhos adjacentes. Seria inútil enumerá-los aqui, porque eles já são familiares a todos nós. Mas deixe-me sugerir a Vossa Excelência que este resquício fatal do colonialismo nos levará à guerra um contra o outro à medida que nosso desenvolvimento industrial não planejado e descoordenado se expande, assim como aconteceu na Europa. A menos que consigamos deter o perigo através da compreensão mútua sobre questões fundamentais e através da Unidade Africana, que tornarão obsoletas e supérfluas as fronteiras existentes, teremos lutado em vão pela independência. Somente a Unidade Africana pode curar essa ferida inflamada de disputas de fronteiras entre nossos vários Estados. Excelências, o remédio para esses males está pronto em nossas mãos. Encara-nos de frente em todas as barreiras alfandegárias, grita para nós cada coração africano. Ao criar uma verdadeira união política de todos os Estados independentes da África, podemos enfrentar, esperançosamente, todas as emergências, todos os inimigos e todas as complexidades. Isso não é porque somos uma raça de super-homem, mas porque emergimos na era da ciência e tecnologia em que pobreza, ignorância e doença não são mais os mestres, mas os inimigos da humanidade. Surgimos na era do planejamento socializado, quando a produção e a distribuição não são governadas pelo caos, pela ganância e pelo interesse próprio, mas pelas necessidades sociais. Juntamente com o resto da humanidade, despertamos dos sonhos utópicos para buscar projetos práticos de progresso e justiça social.

Acima de tudo, emergimos em um momento em que uma massa de terra continental como a África, com sua população próxima de trezentos milhões, é necessária para a capitalização econômica e rentabilidade dos métodos e técnicas produtivas modernas. Nenhum de nós, trabalhando isoladamente ou individualmente, pode alcançar com êxito o desenvolvimento pleno. Certamente, nessas circunstâncias, não será possível prestar assistência adequada aos Estados irmãos que tentam, nas condições mais difíceis, melhorar suas estruturas econômicas e sociais. Somente uma África unida que funcione sob um governo da União pode mobilizar vigorosamente os recursos materiais e morais de nossos países separados e aplicá-los de maneira eficiente e energética para trazer uma rápida mudança nas condições de nosso povo.

Se não abordarmos os problemas na África com uma frente comum e um propósito comum, ficaremos discutindo entre nós até sermos colonizados novamente e nos tornarmos portagens de um colonialismo muito maior do que sofremos até então.

Devemos nos unir. Sem necessariamente sacrificar nossas soberanias, grandes ou pequenas, podemos, aqui e agora, forjar uma união política baseada na Defesa, Negócios Estrangeiros e Diplomacia, uma Cidadania comum, uma moeda africana, uma Zona Monetária Africana e um Banco Central Africano. Devemos nos unir para alcançar a libertação total do nosso continente. Precisamos de um sistema de Defesa comum com um Alto Comando Africano para garantir a estabilidade e a segurança da África.

Fomos encarregados dessa tarefa sagrada por nosso próprio povo, e não podemos trair sua confiança ao falhar com eles. Iremos zombar das esperanças de nosso povo se mostrarmos a menor hesitação ou atraso ao abordar realisticamente esta questão da Unidade Africana.

O fornecimento de armas ou outra ajuda militar aos opressores coloniais na África deve ser considerado não apenas como auxílio à derrota dos combatentes da liberdade que lutam pela independência africana, mas como um ato de agressão contra toda a África. Como podemos enfrentar essa agressão, exceto pelo peso total de nossa força unida?

Muitos de nós transformamos o não-alinhamento em um artigo de fé neste continente. Não temos desejo nem intenção de sermos atraídos pela Guerra Fria. Mas com a atual fraqueza e insegurança de nossos Estados no contexto da política mundial, a busca por bases de influência traz a Guerra Fria para a África com seu perigo de guerra nuclear. A África deve ser declarada uma zona livre de armas nucleares e das exigências da Guerra Fria. Mas não podemos tornar essa demanda obrigatória, a menos que a sustentemos com uma posição de força que pode ser encontrada apenas em nossa unidade.

Em vez disso, muitos Estados africanos independentes estão envolvidos em pactos militares com as antigas potências coloniais. A estabilidade e a segurança que esses dispositivos procuram estabelecer são ilusórias, pois as potências metropolitanas aproveitam a oportunidade para apoiar seus controles neocolonialistas por envolvimento militar direto. Vimos como os neocolonialistas usam suas bases para entrincheirar-se e atacar Estados independentes vizinhos. Tais bases são centros de tensão e potenciais pontos dos perigos de conflitos militares. Eles ameaçam a segurança não apenas do país em que estão localizados, mas também dos países vizinhos. Como podemos esperar tornar a África uma zona livre de armas nucleares e independente da pressão da Guerra Fria com esse envolvimento militar em nosso continente? Apenas contrabalanceando uma força de defesa comum com uma política de defesa comum baseada no nosso desejo de uma África livre da ordem estrangeira ou da presença militar e nuclear. Isso exigirá um Alto Comando Africano abrangente, especialmente se os pactos militares com os imperialistas forem renunciados. É a única maneira de romper esses vínculos diretos entre o colonialismo do passado e o neocolonialismo que nos interrompe hoje.

Não queremos nem visualizamos um Alto Comando Africano nos termos da política de poder que agora governa grande parte do mundo, mas como um instrumento essencial e indispensável para garantir a estabilidade e a segurança em África.

Precisamos de um planejamento econômico unificado para a África. Até que o poder econômico da África esteja em nossas mãos, as massas não podem ter nenhuma preocupação real e nenhum interesse real em salvaguardar nossa segurança, em garantir a estabilidade de nossos regimes e em dobrar suas forças para o cumprimento de nossos fins. Com nossos recursos, energias e talentos juntos, temos os meios, assim que demonstrarmos vontade, de transformar as estruturas econômicas de nossos Estados individuais da pobreza para a riqueza, da desigualdade para a satisfação das necessidades populares. Somente de forma continental poderemos planejar a utilização adequada de todos os nossos recursos para o pleno desenvolvimento de nosso continente.

De que outra forma manteremos nosso próprio capital para o nosso desenvolvimento? De que outra forma vamos estabelecer um mercado interno para nossas próprias indústrias? Pertencendo a diferentes zonas econômicas, como quebraremos as barreiras cambiais e comerciais entre os Estados africanos, e como os economicamente mais fortes entre nós poderão ajudar os Estados mais fracos e menos desenvolvidos?

É importante lembrar que o financiamento independente e o desenvolvimento independente não podem ocorrer sem uma moeda independente. Um sistema monetário apoiado pelos recursos de um Estado estrangeiro está ipso facto sujeito aos acordos comerciais e financeiros desse país estrangeiro.

De modo que temos tantas barreiras alfandegárias e cambiais como resultado de estarmos sujeitos aos diferentes sistemas monetários de potências estrangeiras, isso serviu para aumentar a diferença entre nós na África. Como, por exemplo, comunidades e famílias relacionadas podem negociar e apoiar-se mutuamente, se se encontram divididas por fronteiras nacionais e restrições de moeda? A única alternativa aberta a eles nessas circunstâncias é usar moeda contrabandeada e enriquecer criminosos e trapaceiros nacionais e internacionais que atacam nossas dificuldades financeiras e econômicas.

Atualmente, nenhum Estado africano independente tem a chance de seguir um curso independente de desenvolvimento econômico, e muitos de nós que tentamos fazer isso estamos quase arruinados ou tivemos que voltar ao rebanho dos antigos governantes coloniais. Esta posição não será alterada, a menos que tenhamos uma política unificada trabalhando no nível continental. O primeiro passo para nossa economia coesa seria uma zona monetária unificada, com, inicialmente, uma paridade comum acordada para nossas moedas. Para facilitar esse arranjo, Gana mudaria para um sistema decimal. Quando descobrimos que o arranjo de uma paridade comum fixa está funcionando com êxito, parece não haver razão para não instituir uma moeda comum e um único banco de emissão. Com uma moeda comum de um banco de emissão comum, poderemos caminhar com nossos próprios pés porque esse arranjo seria totalmente respaldado pelos produtos nacionais combinados dos Estados que compõem a união. Afinal, o poder de compra do dinheiro depende da produtividade e da exploração produtiva dos recursos naturais, humanos e físicos da nação.

Enquanto asseguramos nossa estabilidade por um sistema de defesa comum, e nossa economia está sendo orientada além do controle estrangeiro por uma moeda comum, Zona Monetária e Banco Central de Emissão, podemos apurar os recursos de nosso continente. Podemos começar a verificar se, na realidade, somos os mais ricos, ou não, como fomos ensinados a acreditar, os mais pobres entre os continentes. Podemos determinar se possuímos o maior potencial em energia hidrelétrica e se podemos aproveitá-lo e outras fontes de energia para nossas próprias indústrias. Podemos continuar planejando nossa industrialização em escala continental e construindo um mercado comum para quase trezentos milhões de pessoas.

O planejamento continental comum para o desenvolvimento industrial e agrícola da África é uma necessidade vital.

Tantas bênçãos devem fluir de nossa unidade; tantos desastres devem seguir nossa contínua desunião, que nosso fracasso em nos unir hoje não será atribuído no futuro apenas ao discurso falho e à falta de coragem, mas por nossa capitulação diante das forças do imperialismo.

A hora da história que nos trouxe a esta assembleia é uma hora revolucionária. É a hora da decisão. Pela primeira vez, o imperialismo econômico que nos ameaça é desafiado pela vontade irresistível de nosso povo.

As massas do povo da África estão clamando por união. O povo da África pede uma quebra das fronteiras que os mantem separados. Eles exigem o fim das disputas fronteiriças entre os Estados africanos irmãos - disputas que surgem das barreiras artificiais que nos dividiram. Foi o propósito do colonialismo que nos deixou com o irredentismo fronteiriço que rejeitou nossa fusão étnica e cultural.

Nosso povo clama por unidade para que não percam seu patrimônio no serviço perpétuo do neocolonialismo. Em seu fervoroso esforço pela unidade, eles entendem que apenas essa realização dará pleno significado à sua liberdade e à nossa independência africana.

É essa determinação popular que deve nos levar a uma União de Estados Africanos Independentes. Em atraso, há perigo para o nosso bem-estar, para a nossa própria existência como Estados livres. Sugeriu-se que nossa abordagem de unidade fosse gradual, que fosse feita por partes. Este ponto de vista concebe a África como uma entidade estática com problemas "congelados" que podem ser eliminados um a um e quando tudo tiver sido resolvido, podemos nos reunir e dizer: “Agora está tudo bem. Vamos nos unir”. Essa visão não leva em consideração o impacto das pressões externas. Também não toma conhecimento do perigo de que o atraso possa aprofundar nossos isolamentos e exclusividade; que pode ampliar nossas diferenças e nos separar cada vez mais na rede do neocolonialismo, para que nossa união se torne apenas uma esperança enfraquecida, e o grande projeto da redenção completa da África se perca, talvez, para sempre.

Expressa-se também que nossas dificuldades poderiam ser resolvidas simplesmente por uma maior colaboração por meio de associação cooperativa em nossas relações interterritoriais. Essa maneira de encarar nossos problemas nega uma concepção adequada de suas inter-relações e mutualidades. Nega a confiança num futuro para o progresso africano, na independência africana. Trai um senso de solução apenas na dependência contínua de fontes externas por meio de acordos bilaterais para formas econômicas e outras formas de ajuda.

O fato é que, embora estivéssemos cooperando e nos associando uns aos outros em vários campos de empreendimentos comuns, mesmo antes dos tempos coloniais, isso não nos deu a identidade continental e a força política e econômica que nos ajudariam a lidar efetivamente com os problemas complicados que hoje enfrentamos na África. No que diz respeito à ajuda externa, a África Unida estaria em uma posição mais favorável para atrair assistência de fontes estrangeiras. Há a vantagem muito mais convincente que esse acordo oferece, pois a ajuda virá de qualquer lugar para a África, porque nosso poder de barganha se tornaria infinitamente maior. Não dependeremos mais da ajuda de fontes restritas. Teremos o mundo para escolher.

O que estamos procurando na África? Estamos procurando acordos, concebidas à luz do exemplo das Nações Unidas (ONU)? Um tipo de organismo como a ONU cujas decisões são formuladas com base em resoluções que, em nossa experiência, às vezes foram ignoradas pelos Estados membros? Onde os agrupamentos são formados e as pressões se desenvolvem de acordo com o interesse do grupo em questão? Ou pretende-se que a África se transforme em uma organização perdida dos Estados, segundo o modelo da organização dos Estados americanos, em que os Estados mais fracos dentro dele podem estar à mercê dos mais fortes ou mais poderosos, política ou economicamente, ou à mercê de algumas nações ou grupos externos de nações poderosas? É este o tipo de associação que queremos para nós mesmos na África Unida da qual todos falamos com tanto sentimento e emoção?

Excelências, permita-me perguntar: este é o tipo de estrutura que desejamos para a nossa África Unida? E arranjos que no futuro poderiam permitir Gana ou Nigéria ou Sudão, Libéria, Egito ou Etiópia, por exemplo, usar a pressão que a influência política ou econômica superior dá, para ditar o fluxo e a direção do comércio de, digamos, Burundi ou Togo ou Niassalândia (Malawi) ou Moçambique?

Todos nós queremos uma África unida, unida não apenas em nosso conceito que a unidade pode denotar, mas unidos em nosso desejo comum de avançar juntos e lidar com todos os problemas que podem ser mais bem resolvidos apenas em uma base continental.

Quando o primeiro Congresso dos Estados Unidos se reuniu há muitos anos na Filadélfia, um dos delegados fez a primeira tarefa de unidade, declarando que eles haviam se encontrado em um "estado de natureza", em outras palavras, eles não estavam na Filadélfia como sendo da Virginia ou da Pensilvânia, mas simplesmente como americanos. Essa referência a si mesmos como americanos era naqueles dias uma experiência nova e estranha.

Posso me atrever a afirmar igualmente nesta ocasião, Excelências, que nos encontramos aqui hoje não como ganenses, guineenses, egípcios, argelinos, marroquinos, malianos, liberianos, congoleses ou nigerianos, mas como africanos. Os africanos uniram-se em nossa decisão de permanecer aqui até chegarmos a um acordo sobre os princípios básicos de um novo pacto de unidade entre nós, o que garante para nós e para o futuro um novo arranjo do governo continental.

Se conseguirmos estabelecer um novo conjunto de princípios como base de uma nova Carta ou Estatuto para o estabelecimento de uma Unidade Continental da África e a criação de progresso social e político para nosso povo, então, a meu ver, esta Conferência deve marcar o fim de nossos vários agrupamentos e blocos regionais. Mas se fracassarmos e deixarmos escapar essa grande e histórica oportunidade, devemos dar lugar a uma maior dissensão e divisão entre nós, pela qual o povo da África nunca nos perdoará. As forças e movimentos populares e progressistas na África nos condenarão. Estou certo, portanto, de que não devemos falhar com eles.

Já falei longamente, Excelências, porque é necessário que todos nós expliquemos não apenas um ao outro presente aqui, mas também ao nosso povo que nos confiou o destino da África. Portanto, não devemos deixar este local até que tenhamos criado ferramentas eficazes para alcançar a Unidade Africana. Para esse fim, proponho agora para sua consideração o seguinte:

Como primeiro passo, Excelências, uma Declaração de Princípios que nos una e à qual todos devemos ser fiéis e leais, e a definição dos fundamentos da unidade deve ser estabelecida. E também deve haver uma declaração formal de que todos os Estados Africanos Independentes aqui e agora concordam com o estabelecimento de uma União de Estados Africanos.

Como um segundo e urgente passo para a realização da unificação da África, um Comitê de Ministros das Relações Exteriores de toda a África será criado agora, e que antes de sairmos desta conferência, um dia deve ser fixado para que eles se encontrem.

Este Comitê deve estabelecer, em nome dos Chefes de nossos Governos, um corpo permanente de funcionários e especialistas para elaborar um mecanismo para o Governo da União da África. Este corpo de funcionários e especialistas deve ser composto por dois cérebros de cada Estado Africano Independente. As várias cartas dos agrupamentos existentes e outros documentos relevantes também podem ser apresentados aos funcionários e especialistas. Um praesidium (comitê) constituído pelo Chefe dos Governos dos Estados Africanos Independentes deve ser chamado a cumprir e adotar uma Constituição e outras recomendações que lancem o Governo da União da África.

Também devemos decidir sobre a alocação em que esse corpo de funcionários e especialistas funcionará como a nova sede ou capital do governo da União. Algum lugar central na África pode ser a sugestão mais justa em Bangui, na República Centro Africana, ou em Leopoldville, no Congo. Meus colegas podem ter outras propostas. O Comitê de Ministros das Relações Exteriores, funcionários e especialistas devem ter poderes para estabelecer:

1. Uma Comissão para formular uma Constituição para um Governo da União dos Estados Africanos;

2. Uma Comissão para elaborar um plano em todo o continente para um programa econômico e industrial unificado ou comum para a África; este plano deve incluir propostas para a criação de:

• Um mercado comum para a África

• uma moeda africana

• Zona Monetária Africana

• Banco Central Africano, e

• Sistema de Comunicação Continental;

3. Uma comissão para elaborar detalhes de uma política externa e diplomacia comuns;

4. Uma Comissão para elaborar planos para um Sistema Comum de Defesa;

5. Uma Comissão para fazer propostas para a Cidadania Africana Comum.

Essas comissões reportarão ao Comitê de Ministros das Relações Exteriores que, por sua vez, deverá submeter ao Praesidium, dentro de seis meses após esta Conferência, suas recomendações. A reunião do Praesidium em conferência na sede da União considerará e aprovará as recomendações do Comitê de Ministros das Relações Exteriores.

A fim de fornecer fundos imediatamente para o trabalho dos funcionários permanentes e especialistas da sede da União, sugiro que um Conselho especial seja criado agora para trabalhar um orçamento para isso.

Excelências, com estas etapas, eu afirmo, estaremos irrevogavelmente comprometidos com o caminho que nos levará a um governo da União da África. Somente uma África unida com direção política central pode fornecer material eficaz e apoio moral aos nossos combatentes da liberdade no sul da Rodésia, Angola, Moçambique, sudoeste da África, Bechuanalândia (Botsuana), Suazilândia, Basutolândia (Lesoto), Guiné Portuguesa, etc. e, é claro, na África do Sul.”

Fonte: https://face2faceafrica.com/article/read-kwame-nkrumahs-iconic-1963-speech-on-african-unity