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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Dra. J. Nozipo Maraire em Zenzele - Breve nota


Nascida no ano de 1964 em Mangula, Zimbabue (na época ainda Rodésia). J. Nozipo Maraire fez o ensino primário em seu país de origem, mas depois foi estudar no exterior. Nos primeiros anos da luta pela independência, sua família se mudou para fora do país e retornou no auge da guerra nos anos 1970. Muitos de seus familiares estavam diretamente envolvidos pela libertação das garras dos brancos, tanto os internos quanto os externos (rodesianos e britânicos).

Maraire viveu na Jamaica, Canada e nos Estados Unidos. Graduou-se em Biologia pela Universidade de Havard, fez Medicina pela Universidade de Columbia e se especializou em neurocirurgia em Yale.  Focada em levar algo de retorno para África, tem projetos de construir um hospital em Harare e trabalha no desenvolvimento de aplicativos de incentivo a jovens neurocirurgiões, além de prestar seus serviços de Médica. Coadunando com seus escritos, ou melhor dizendo, com seu grande livro "Zenzele: Uma carta para minha filha", que em 1996 ganhou prêmio de destaque.

O livro, um romance biográfico, rememora vivências, tradições e vários aspectos da comunidade familiar africana. A autora idealiza, protesta, e dispara a voz de uma jovem mulher africana que não pretende se desvencilhar das origens de nosso povo e se posiciona firmemente anticolonialismo. Com momentos de amor, de sonhos, de liberdade, de cultura, assim como de ódio e de racismo, os capítulos fluem numa leveza indescritível. Por fim, ficam alguns trechos que separei.
(Fuca -2018)




(...) Toda a geração que viveu o período da independência partilhou a visão comum de uma vida melhor. Infelizmente, muitos de nós traduziram isso como uma definição material de sucesso. Desenvolvemos todos os sintomas da Síndrome Pós-Colonial, endêmica a África: aquisição, imitação, e pobreza de imaginação. Simplesmente nos apressamos em garantir para nós o que os colonialistas haviam possuído. Compramos as casas deles, frequentamos as escolas deles, praticamos os esportes deles e cortejamos a companhia deles. Negamos nossa própria cultura, contribuímos para manter a distância, em alguma aldeia esquecida, nossas primitivas origens. E assim nos acreditamos finalmente sofisticados, integrados à corrente dominante da cultura cosmopolita.  (p.33)

(...) 
– Mamãe, o que você acha que significa ser uma mulher africana?

- É ser forte, Zenzele. É estar em paz consigo mesma. Você deve ouvir sempre uma voz interior e não permitir que outros a sufoquem. É medir palavras; equilibrar cuidadosamente suas tarefas com seus dons; de certa forma é ser desprendida, servir a outros, sem deixar de conhecer e defender incansavelmente seus direitos. Lembre-se de que foi uma mulher africana, Mbuya Nehanda, que desencadeou a luta zimbabuana pela independência, quando combateu a Companhia Britânica da África do Sul, na década de 1890. Pense em Cleópatra e Nefertiti. Veja as mulheres da África do Sul. As estudantes de Soweto, as combatentes de Maputo, as mjibas, jovens combatentes do Zimbábue. Mulheres fortes e heroicas, que descobriram o equilíbrio entre causa, cultura e vida pessoal. Ser uma mulher africana é o que você fizer de tudo isso, Zenzele. Mas nunca esqueça que, para a maioria, também significa pular da cama antes dos outros, aquecer a cozinha, trabalhar no campo sob um calor abrasador, andar vários quilômetros por caminhos poeirentos, carregando água na cabeça, madeira nos braços e um bebê nas costas.  (p.59) 


*uma fala do pai de Zenzele

(...) – Nunca vou esquecer aquela época, anos atrás, quando eu era dirigente da União dos Estudantes Africanos, organismo ativo, dedicado e eclético que representava praticamente todos os países, do Lesoto ao Mali. Estávamos no apogeu da Consciência Negra e do poderoso Movimento da Negritude de Senghor. Nenhuma das mulheres se atreveria a trançar o cabelo com apliques louros ou a usar lentes de contato azuis, como agora fazem aqui, num esforço para passarem por brancas. Como se a palidez fosse uma espécie de passaporte para a terra prometida da assimilação. Não, certamente não. Na época, preto era bonito. Dashiki e afro eram emblemas do afrochique. Escutávamos James Brown e Aretha Franklin, líamos Fanon, Nkrumah, Davis, Baldwin, Angelou, e ostentávamos distintivos de negros nas jaquetas jeans desbotadas. Nossos irmãos e irmãs americanos davam aos filhos os nomes de Omaju, Kumati, e se reuniam em jantares improvisados com o que havia em casa. Mantinham a cabeça erguida e falavam de poder negro. Tínhamos unidade, tínhamos visão. Agora, tudo o que lemos ou vemos é sobre integração, assimilação e mobilidade social. Aquela época foi outra coisa. (p.94)


Mjiba
Por este termo coloquial, o povo da aldeia designava as jovens revolucionárias. Eram mulheres de uma nova geração, que usavam calças como homens e sabiam fazer pontaria com igual firmeza. Mulheres que matavam. Fortes e saudáveis, corriam pelos matos, brandindo fuzis AK-47 e metralhadoras. Mulheres que se esgueiravam para a aldeia nas parcas horas de descanso e rodeavam a fogueira junto com os companheiros homens, armas pousadas ao lado, atraindo-nos com canções revolucionárias. Às costas não carregavam bebês de nariz escorrendo, mas a esperança de uma geração diferente, sob a forma de montes de munição, mapas, códigos e suprimentos para abastecer a batalha que nos iria finalmente levar à independência. Para a imagem tradicional que fazíamos das mulheres, pareciam tão estranhas quanto esquimós. Eram um produto da luta armada. Moldavam também sua própria identidade. Eram temidas e admiradas, pois, dizia-se, em combate podiam ser mais aguerridas do que todos. As tropas rodesianas chamavam-nas de bobcats, porque as mulheres chonas eram ferozes como leoas acossadas. (p.197)


Fuca CGPP