quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Fichamento: MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo


Fichamento: MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Outubro de 1995, 29.

Parte 1: Panorama das modificações da democracia representativa (§1-8)
A democracia representativa está passando por uma crise nos países ocidentais, pois tal modelo criou, ao longo dos tempos, um abismo entre representantes e representados, algo que por anos a representação política esteve bem ancorada na confiança exercida pelos governados perante seus governantes. O autor vai tratar das modificações conhecidas da democracia representativa, duas mais evidentes, tidas a partir do século XIX, tem relação ao direito ao voto através de um sufrágio ampliado, e o crescimento dos partidos de massa, onde os programas políticos se tornaram os principais conteúdos para competição eleitoral, dois elementos que não existiam na fundação do governo representativo das revoluções inglesa, americana e francesa, na qual se tinha uma lógica que a divisão entre facções poderia ser uma ameaça ao sistema emergente.
Enquanto para uns esse modelo de partidos significava uma crise de representação, para outros passa a existir uma reaproximação dos representantes aos representados, pois os representados se formavam através de uma militância de base. Mas, de modo geral, o surgimento desse novo modelo, que pôs em crise o parlamentarismo, foi tido como um progresso da democracia representativa, até porque se assemelhava mais à democracia do autogoverno da antiguidade.
Adiante, com base na crise atual, o autor propõe que esteja surgindo outro modelo, que põe em crise os outros dois tratados até então, que coloca em questão o caráter das modificações do parlamentarismo ao partidarismo.

Parte 2: Os 4 princípios do governo representativo (§9-39)
Nesta parte, o autor destaca a existência de quatro princípios práticos do governo representativo examinado desde sua origem até seus desdobramentos.
A: Os representantes são eleitos pelos governados (§10-13)
Primeiramente, o autor nota que há uma certa incompatibilidade entre democracia e representação periódica, apesar da democracia representativa romper com a conquista do poder pelo direito divino, de nascimento, de riqueza ou de saber, e reforçar o poder de escolha dos governados. Mesmo assim esse sistema não exime a diferença de status e função entre o povo e o governo, ou seja, o povo não governa a si mesmo e delega a função aos representantes. Com isso, os fundadores do governo representativo não viam problema se o poder fosse continuamente exercido pelas elites por meio da representação, por isso adotou-se as eleições ao invés de cogitar sorteios. De certa maneira, o povo fica relegado a escolher a que tipo de elite votar tendo como controle o não voto na próxima eleição.

B: Os representantes conservam uma independência parcial diante das preferências dos eleitores (§14-22)
Esse princípio se dá primeiro pela não existência dos mandatos imperativos, onde os governantes devem fazer estritamente a vontade dos representados, ao contrário disso eles devem governar para a nação e não apenas para o grupo que os elegeram. Em segundo, pela não existência de um sistema permanente para revogação dos governantes, assim o único mecanismo para avaliar os representantes é a não reeleição, mas cabe então o julgamento através dos desejos e perspectivas do povo, que mesmo não cumpridos consegue-se avaliar e confiar no patriotismo do governante e que ele pôde tomar decisões mais aptas sem a influência de “paixões desordenadas”.
Com isso a representação se torna um sistema superior tanto pela consolidação de um processo decisório mais racional e menos passional como pela questão de uma maior divisão do trabalho do povo e todos os entraves de disponibilidade de tempo na sociedade moderna.

C: Independência da opinião pública sobre os assuntos políticos sem o controle do governo (§23-30)
O autor demonstra que com base em dois elementos pode se estabelecer o que significa liberdade de opinião pública
C1.1- Se faz necessário que os governados tenham acesso à informação política para exercerem o direito de formar opinião sobre assuntos políticos.
C1.2- O segundo elemento da liberdade de opinião pública é a liberdade para expressar opiniões políticas. Está associado à liberdade de expressão política a liberdade de religião. Em sua dimensão política, isso representa a contrapartida da ausência de direito de instrução aos representantes, que mesmo não sendo obrigados a seguir estritamente a vontade dos governados, não se pode negar as reivindicações organizadas coletivamente.

 D: As decisões políticas são tomadas após debate (§31-39)
Os representantes são dotados de ampla liberdade de expressão dentro da assembleia, sendo que, a liberdade deve se dá conforme a lei, e o debate é o caminho mais adequado para determinar a verdade. Apesar do debate não estar de tal forma presente no pensamento dos fundadores do governo representativo em comparação com as análises posteriores, é evidente que a representação sempre esteve ligada à discussão. Assim, o governo representativo foi interpretado e justificado, desde sempre, como um sistema político em que a assembleia desempenha um papel decisivo, garantindo, a priori, a diversidade social e a validade de uma decisão consentida pela maioria ao final dos debates.

Parte 3: Os três tipos de representação (§40-97)
A: O governo representativo do tipo parlamentar (§40-47)
A1: Eleição dos representantes pelos governados - O governo é eleito com base na confiança dos eleitores, essa confiança tem caráter pessoal e decorre de uma identidade dos cidadãos junto aos representantes. O governo do tipo parlamentar tem como característica a contínua seleção de uma elite, chamada de “os notáveis”, pois eram os que tinham maiores recursos para disputar o poder.
A2: Independência parcial dos representantes – O governo é livre para votar e agir de acordo com suas convicções pessoais, não precisa se ater aos compromissos externos ao parlamento.
A3: Liberdade de opinião pública – Por parte dos representados, exercer a liberdade somente através do voto pode restringir a amplitude de uma opinião pública, sendo que algumas manifestações devem ser feitas fora do momento das eleições. Então, pode acontecer a não coincidência das expressões eleitorais e não eleitorais da opinião. E, por vezes, o povo chega “as portas do Parlamento”, o que pode gerar conflitos.
A4: Decisões políticas tomadas após debates – A princípio a discussão pode ter um caráter mais relevante nesse modelo, pois os representantes não devem ter opiniões pré-estabelecidas anteriormente aos debates, a opinião nesse modelo pode ser consentida após os debates.

B: A democracia de partido (§48-67)
B1: Os representantes são eleitos pelos governados – Em decorrência da ampliação do sufrágio, passa a se distanciar a relação de representantes e representados a partir da criação do partido de massa. Isso implica no enfraquecimento político dos notáveis, e na ascensão de uma outra elite, talvez a que tivesse pertencido a classe operária outrora. O sentimento de pertencimento e identidade social determina muito mais as atitudes eleitorais do que a análise do programa do partido, então existe ainda uma relação de confiança, só que não mais numa pessoa e sim num partido.
B2: Independência parcial dos representantes – Neste caso os representantes não administram seus mandatos conforme suas convicções pessoais, eles estão submetidos às determinações de um partido político. Os programas dos partidos são definidos pelos líderes do partido.
B3: A liberdade de opinião pública – Grande parcela da opinião pública é influenciada pelas ações do partido político, que desencadeia numa orientação pública em prol do governo, no caso em favor dos representantes que detém maioria no governo.
B4: Decisões políticas tomadas após debates – As orientações já são pré-estabelecidas pelo próprio partido, não havendo a possibilidade de alterações pós debate. Com isso, a relação de consenso se dá entre partidos.

C: A democracia do público (§68-97)
C1: Os representantes são eleitos pelos governados – Neste modelo percebe-se a quebra de vínculos originados pelas características sociais, econômicas e culturais para determinação do voto dos eleitores. Nisso, os votos podem variar de eleição para eleição sem que as condições sociais tenham mudado de fato.
C1.1: A personalização da escolha eleitoral – As pessoas votam de modo diferente dependendo da personalidade dos candidatos. Os partidos ainda têm papel fundamental, mas são submetidos ao carisma e decisão do representante. Esse representante deve ter por característica a comunicação e uma boa imagem. Deve enfatizar as propostas simples e claras para que o público possa compreender e obter maior confiança em suas propostas.
C1.2: Os termos gerais da escolha eleitoral – Neste quesito cria-se, propositalmente, por parte dos candidatos, um antagonismo evidente entre um programa e outro, no intuito de definir bem os adversários, e por vezes, focar mais em combate-los do que apresentar ou esclarecer suas próprias propostas. O autor compara fazendo uma metáfora ao teatro, pois na democracia do público os representantes políticos são atores que incitam um princípio de divisão no interior do eleitorado. Aqui um eleitorado que não participa da política sendo apenas um espectador.
C2: A independência parcial dos representantes – Nesse momento, em que a imagem do representante muito significa para sua eleição, fica assegurada, então, a independência parcial do representante, até porque não se teve um compromisso claro com o programa do partido.
C3: A liberdade da opinião pública – Devido o avanço dos meios de comunicação e da tecnologia, a opinião pública percebeu um declínio de influência dos partidos na imprensa de opinião, agora as pessoas escolhem sua fonte de informação conforme a sua inclinação partidária. Com isso ocorre a não coincidência entre expressões eleitorais e não eleitorais da opinião. Nesse modelo ocorre também as pesquisas de opinião enviesadas de acordo com o interesse de cada partido.
C4: As decisões políticas são tomadas após debates – No que tange às discussões em assembleia, a democracia de público se assemelha à democracia de partido, as decisões são tomadas nos grupos de cada partido. A novidade nesse tipo de representação está na identificação de eleitores flutuantes, que possuem maior acesso a informação e podem se instruir razoavelmente para trocar de candidato e de partido se julgarem necessário.
Vale frisar, portanto, que a crise da representatividade do governo se configura pelo afastamento das questões políticas do povo, e de tal forma tal representação não está caminhando nos trilhos da democracia.

Fuca, Insurreição CGPP