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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Convite: Podcast Garvey Vive! – quinto episódio (23/02/2022)

Salve Povo Preto, anota na agenda aí.

Podcast Garvey Vive! – quinto episódio

No quinto episódio do Podcast Garvey Vive! vamo trocar uma ideia com os manos Fuca, ativista pan-africano e rapper, e Miguel Lil X, ativista e rapper também. O tema deste encontro é a discussão proposta pelo mais velho Chinweizu em seu artigo “Marcus Garvey e o Movimento de Poder Negro”, com traduções para o português do irmão Fuca e também pela AI-Brasil.

O episódio vai ao ar dia 23/02, às 20:30 no canal do YouTube da Afrocentricidade Internacional- Divisão Brasil. Garvey vive!

Um só Destino! ️🖤💚



Nesse link, bora! 
https://www.youtube.com/watch?v=1ElZujP9dQU

terça-feira, 27 de julho de 2021

Lançamento da Obra: Descolonização Mental, de Ngũgĩ wa Thiong’o

Segue lançamento: Descolonização Mental.

Uma série de magníficos ensaios de não ficção do escritor queniano Ngūgï wa Thiong'o. Sem dúvida um livro essencial para as pessoas pretas! E publicado por uma Editora Preta Independente. 

Vendas: R$25,00 + frete

Pelo whats: 11 - 9.7870.3640

Pelo instagram: https://www.instagram.com/editorafilhosdaafrica/

A Editora Filhos da África tem como objetivo a circulação de obras pretas e a construção de uma escola de formação para o povo preto - 11 978703640.


 *** 

Orelha do livro nesta edição, 2021.

Segundo o escritor queniano Ngũgĩ wa Thiong’o: “O controle econômico e político de um povo nunca pode ser pleno sem o controle cultural, e aqui a prática de estudos literários, independentemente de qualquer interpretação e manejo individual ajustou bem o objetivo e a lógica do sistema como um todo. Afinal, as universidades e faculdades construídas nas colônias após a guerra pretendiam produzir uma elite nativa que mais tarde ajudaria a sustentar o Império”.

Isto é, para o autor desta obra-prima, as culturas brancas, e mais ainda as línguas e as literaturas europeias, impostas durante a colonização e deixadas pelos europeus após as lutas de libertação nacional, ainda hoje são instrumentalizadas pelas antigas metrópoles coloniais, com o auxílio das elites africanas que servem ao neocolonialismo e ao imperialismo, para cumprir uma função primordial na lógica de dominação externa e interna dos povos africanos, principalmente dos camponeses, trabalhadores explorados e demais excluídos da terra, ao promoverem e reproduzirem a colonização mental.

Para Ngũgĩ wa Thiong’o, a descolonização territorial e econômica da África e dos africanos só será efetiva e autêntica no momento em que ocorrer anteriormente a descolonização mental (a rejeição dos valores brancos/europeus/ocidentais) e a manutenção, resgate e adoção orgânica e política dos valores africanos, principalmente da linguagem e de todas as manifestações culturais oriundas desta faculdade humana.

Neste livro, Thiong’o estabelece uma crítica contundente aos autores africanos que não abandonaram a linguagem do colonizador, e ao mesmo tempo exalta a cultura tradicional do povo africano, conclamando intelectuais e escritores a fazer, por meio de suas produções intelectuais e artísticas, o mesmo.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Trechos do livro: Quando a África Despertar – Hubert Harrison

Este livro, apesar de pequeno, abrange muitos assuntos de uma perspectiva radical, comprometida e com os pés no barro, pois aborda temas como a primeira guerra europeia da perspectiva racial tanto quanto fala sobre as contradições do movimento ‘compre preto’; desmascara o movimento organizado dos trabalhadores brancos e também incentiva a valorização da mulher preta e do jovem preto; trata sobre nosso elo imperecível com a África tanto quanto não deixa de salientar que temos problemas a tratar aqui; resolve a questão cunhada em nosso tempo como ‘colorismo’ e também critica as velhas lideranças pretas; defende a política preta de Raça Primeiro e nos mostra que o mundo não-branco age sempre a partir da raça; advoga a rebelião preta para cessar com a invasão estadunidense no Haiti e também faz resenhas de livros, entre tantos outros assuntos de seu tempo e além. (pág.30)

(...)

No plano pessoal, Hubert Harrison deixou sua esposa irene e seus cinco filhos para trás. No campo político, Harrison deixou um escopo bem definido para a nova movimentação preta. Como legado à posterioridade, deixou as ferramentas de luta política preta utilizada por um amplo espectro de lutadores pretos, desde o movimentos pelos direitos civis radicais e moderados até Malcolm X e sua notável utilização das ruas do Harlem como púlpito. Ao movimento Pan-Africanista Nacionalista, deixou bem fundamentado o conceito Raça Primeiro, da autodeterminação preta, da cooperação entre povos de cor do mundo, da excelência cultural e intelectual preta e da autodefesa armada preta. (P.34)

(Prefácio: Ammit Garvey em Quando a África Despertar- Hubert Harrison, Editora Filhos da África, 2020) 

***

(...)

Uma cura para a Ku-Klux.

Foi na cidade de Pulaski, no condado de Giles, Tennessee, que a Ku-Klux Klan original foi organizada na última parte de 1865. A guerra mal havia sido declarada oficialmente terminada quando os covardes "caipiras", que não podiam vencer os ianques, começaram a se organizar para tirar vantagem dos Negros. Eles aprovaram leis declarando que qualquer homem preto que não pudesse mostrar trezentos dólares deveria ser declarado vagabundo; que todo vagabundo deve ser posto a trabalhar nos serviços públicos de suas cidades; que três Negros não deveriam se reunir a menos que um homem branco estivesse com eles, e outros métodos foram usados conforme necessário para manter a "supremacia branca". Quando o congresso nacional se reuniu em dezembro de 1865, olhou para essas tensões leves com um olhar hostil e, já que nada menos que a re-escravização dos Negros poderia satisfazer os "caipiras", mantiveram eles fora do congresso até que concordassem em fazer algo melhor. Descobrindo que eles eram teimosos, o congresso aprovou a 14ª e 15ª emendas e colocaram os estados “caipiras” sob regime militar até que aceitassem as alterações. O resultado foi que o Negro obteve o voto como proteção contra “as pessoas que o conhecem melhor”.

Enquanto isso, a Ku-Klux, depois do rompante sob a liderança daquele traidor, o general Nathaniel B. Forrest, foi derrubada - nocauteada, como se pensava. Hoje, depois que o Negro foi despojado da proteção do voto pela conivência de republicanos brancos em Washington e democratas brancos no sul, a Ku-Klux ousa levantar sua cabeça feia em seu estado ancestral do Tennessee. Desta vez, eles querem aumentar o excelente tipo de democracia que todos os editores covardes sabem que os Negros estavam recebendo quando lhes era pedido para que fossem patrióticos. A Ku-Klux irá matá-los e submetê-los à tortura e terrores antes que eles mostrem suas feridas e solicitem o voto como recompensa.

Nesta crise, o que os "líderes" Negros têm a dizer em nome do seu povo? Onde está Emmet Scott? Onde estão o Sr. Moton e o Dr. Du Bois? O que a NAACP fará além de escrever cartas frenéticas? Tememos que eles nunca possam ultrapassar o nível da apelação. Mas suponha que o Negro comum do Tennessee decida participar do jogo? Suponha que ele deixe saber que, ao tirar a vida de qualquer soldado ou civil Negro, dois “caipiras” morrerão? Suponha que ele os informe que será tão caro matar Negros quanto é matar pessoas reais? Então, de fato, a Ku-Klux seria enfrentada em seu próprio terreno. E porque não?

Todas as nossas leis, mesmo no Tennessee, declaram que linchamento e racismo são crimes contra a pessoa. Todas as nossas leis declaram que as pessoas individualmente ou em grupos têm o direito de matar em defesa de suas vidas. E se a Ku-Klux impede os oficiais da lei de fazer cumprir essa lei, cabe aos Negros ajudar os oficiais, fazendo cumprir a lei por conta própria. Por que eles não deveriam fazer isso? Chumbo, aço, fogo e veneno são tão potentes contra os “caipiras” quanto aos alemães, e vale lutar pela democracia no Tennessee tanto quanto nas planícies da França. Se os Negros do sul não reconhecerem essa verdade, ninguém mais a reconhecerá por eles. (pp. 77,78,79)

Quando a África Despertar - Hubert H. Harrison

Capítulo III - O Negro e a Guerra.

Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2020. 1ª edição. 215 Páginas.

 [agora em A nova consciência da Raça]

 (...)

Nos bons e velhos tempos, os brancos derivavam seu conhecimento do que os Negros estavam fazendo através daqueles Negros mais próximos deles, geralmente seus próprios expoentes selecionados da atividade dos Negros ou do seu ponto de vista branco. Uma ilustração clássica desse tipo de conhecimento foi fornecida pelo Partido Republicano; mas a Igreja Episcopal, a Liga Urbana ou o Governo dos EUA também serviriam. Hoje o mundo branco é vagamente, mas inquietantemente, ciente de que os Negros estão acordados, diferentes e desconcertantemente incertos. No entanto, o mundo branco pelo qual estão cercados mantém seu método tradicional de interpretar a massa pelo Negro mais próximo de si em afiliação ou contrato. O partido socialista insiste em pensar que a “inquietação” agora aparente nas massas Negras se deve à propaganda que seus adeptos apoiam e acredita que essa revolta funcionará em grande parte nos moldes do pensamento político socialista. Os grandes jornais, preocupados principalmente com a tarefa escolhida de serem os mensageiros mentais da multidão, gritam “propaganda bolchevista” e se lisonjeiam por terem encontrado a verdadeira causa; enquanto os agentes não confiáveis do governo a encaram como “deslealdade”. A verdade, como sempre, pode ser encontrada nas profundezas; mas aí estão todos impedidos de passar pela preguiça mental, pelo desprezo tradicional e fraqueza com que homens brancos na América, de estudiosos como Lester Ward a palpiteiros como Stevenson, decidem considerar uma população de cor de doze milhões.

Em primeiro lugar, a causa do “radicalismo” entre os Negros americanos é internacional. Mas é necessário estabelecer distinções claras desde o início. A função da igreja cristã é internacional. Assim como a arte, a guerra, a família, a alienação e a exploração do trabalho. Mas nada disso possui o direito especial de ampliar o manto de seu próprio “internacionalismo” peculiar para cobrir o caso atual do descontentamento dos Negros – embora isso tenha sido constantemente tentado. O fato internacional ao qual os Negros na América estão reagindo agora não é a exploração de trabalhadores pelos capitalistas; mas a sujeição social, política e econômica dos povos de cor pelos brancos. Não é a linha de classe, mas a Linha de Cor, que é a expressão incorreta, embora aceita, a Linha Pétrea da inferioridade racial. Esse fato é um fato na consciência dos Negros e também nas dos outros. A Linha de Cor Internacional é ambos, a prática e a teoria, dessa doutrina que sustenta que os melhores quadros da África, China, Egito e Índias Ocidentais são inferiores aos piores quadros da Bélgica, Inglaterra e Itália e devem manter suas vidas, terras e liberdades sob os termos e condições que a raça branca decidir conceder.

Hubert Harrison - Quando a África Despertar.

Capítulo VI.

 [mais sobre Raça Primeiro]

(...)

Agora que seu partido encolheu consideravelmente em apoio popular e apreço popular, eles estão dispostos a defender nossa causa. (...) Enquanto eles estavam se recusando a diagnosticar nosso caso, nós mesmo o diagnosticamos e, agora que prescrevemos a cura – Solidariedade Racial – eles vêm até nós com sua prescrição – solidariedade de classe. É tarde demais, senhores! ... E se você é simplório o bastante para acreditar que aqueles, dentre nós, que atendem aos seus interesses à frente dos nossos, têm algum monopólio do intelecto ou da informação ao longo das linhas da aprendizagem moderna, então vocês são, realmente, monumentais idiotas. (...) Falamos Raça Primeiro, porque vocês insistiram o tempo todo em Raça Primeiro e classe depois quando não precisavam de nossa ajuda. ...pp.139-130(...)

Durante a recente guerra mundial [1914-1918], ensinou-se aos Negros da América que, enquanto os brancos falavam em patriotismo, religião, democracia e outros temas, eles permaneciam leais a um conceito acima de todos os outros, e esse era o conceito raça. Mesmo no meio da guerra e nos campos de batalha da França, havia “raça primeiro” entre eles. p.132(...)

Mas vamos nos aproximar de casa. (...) Você encontrará um Harlem Negro Renascido, com empresas e arranjos culturais...

Todas essas coisas são produtos recentes do princípio de “Raça Primeiro.” Entre elas, a maior é a Universal Negro improvement Association (Associação Universal para o progresso do Negro), com seus órgãos associados, a Black Star Line (Linha Estrela Preta) e a Negro Factories Corporation (Corporação de Fábricas do Negro). Nenhum movimento entre os Negros americanos, desde a abolição da escravidão, alcançou essas proporções gigantescas. (p.134)

 (Quando a África Despertar – Hubert Harrison, Editora Filhos da África, 2020.)

  [orientação de busca constante por conhecimento]

Orientamos às massas de nosso povo: Leia! Adquira o hábito de leitura; gaste seu tempo livre não treinando tanto os pés para dançar, como treinando a cabeça para pensar. E, desde o início, trace a linha entre livros de opinião e livros de informação. Sature suas mentes com estes últimos e você formará suas próprias opiniões, que valerão dez vezes mais do que as opiniões das maiores mentes da Terra. Vá para a escola sempre que puder. Se você não puder ir durante o dia, vá à noite. Mas lembre-se sempre de que a melhor faculdade é aquela em sua estante de livros: a melhor educação é aquela em sua mente. (...) e se nós, da raça Negra, pudermos dominar o conhecimento moderno – do tipo que conta – seremos capazes de conquistar, por nós mesmo, os inestimáveis presentes da liberdade e do poder, e seremos capazes de defende-los contra o mundo. Hubert Harrison. P.184.

 



 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Quênia: vídeo homenagem Dedam Kimathi e trecho de Ngũgĩ wa Thiong'o, (1986).


(...) A questão da terra é básica para a compreensão da história e da política contemporânea do Quênia, como na verdade é da história do século XX onde as pessoas tiveram suas terras tomadas pela conquista, pelos tratados desiguais ou pelo genocídio de parte da população. A organização militante Mau Mau, que liderou a luta armada pela independência do Quênia, foi oficialmente chamada de Exército por Terra e Liberdade do Quênia. A peça de teatro, Ngaahika Ndeenda, em parte se baseou muito na história da luta por terra e liberdade; particularmente no ano de 1952, quando a luta armada liderada por Kimathi começou e os regimes coloniais britânicos suspenderam todas as liberdades civis ao impor um estado de emergência; e em 1963, quando a KANU [União Nacional Africana do Quênia] sob Kenyatta negociou com sucesso o direito de arvorar uma bandeira nacional, de cantar um hino nacional e de chamar as pessoas a votar em uma assembleia nacional a cada cinco anos. A peça mostrou como aquela independência, pela qual milhares de quenianos morreram, havia sido sequestrada. Em outras palavras, mostrou a transição do Quênia de uma colônia com os interesses britânicos dominantes, a uma neocolônia com as portas abertas aos interesses imperialistas mais amplos, do Japão à América do Norte. Mas a peça também retratou as condições sociais contemporâneas, particularmente para os trabalhadores das fábricas e das plantações multinacionais. (...)

(...)

Os participantes [da peça] foram mais específicos sobre a representação da história, sua história. E eles foram rápidos em apontar e argumentar contra qualquer posicionamento incorreto das várias forças - até as forças inimigas - trabalhando na luta contra o imperialismo. Eles comparavam notas de sua própria experiência real, seja na fabricação de armas nas florestas, no roubo de armas do inimigo britânico, no transporte de balas pelas linhas inimigas ou nas várias estratégias de sobrevivência. Terra e liberdade. Independência econômica e política. Esses eram os objetivos da luta e eles não queriam que Ngaahika Ndeenda distorcesse isso. As armas de imitação para a peça em Kamirithu foram feitas pelas próprias pessoas que costumavam fazer armas de verdade para os guerrilheiros Mau Mau nos anos cinquenta. Os trabalhadores estavam ansiosos para que os detalhes da exploração e as duras condições de vida nas fábricas multinacionais fossem revelados...

(Ngũgĩ wa Thiong'o, 1986)

No vídeo uma homenagem ao grande guerrilheiro Dedan Kimathi Waciuri (outubro 1920 – Fevereiro 1957) com músicas nativas dos Mau Mau. Emocionante!

https://www.youtube.com/watch?v=zqK8hky6A30


sexta-feira, 19 de março de 2021

África Difícil – Raimundo Souza Dantas – Breve Nota/trechos

 I- África Difícil

- Experiência Africana de um Embaixador Negro, livro publicado em 1965.

- Relato pessoal em forma de diário no período de dois anos em que foi embaixador do Brasil em Gana.

- Sendo Gana o epicentro das lutas revolucionárias pela independência, um período de mudanças rápidas onde exigia uma constante transformação, Gana encarava bem essa época conseguindo avanços em diversos setores e aspectos, apesar de ainda, no geral, ser pouco para os desafios postos de pobreza e subdesenvolvimento da maioria da população ganense.

- Mas a busca era constante por autonomia e formas autênticas de resolução de seus problemas (Gana). A tentativa existia mesmo tendo que recorrer em alguns aspectos aos ‘ex-colonizadores’. Pois, novamente, o desenvolvimento deveria ocorrer num curto espaço de tempo, sendo uma experiência única também para a África Preta.

- Inegável a presença de ajuda estrangeira, o autor destaca algumas presenças, Israel, Eua, França, Alemanha e Rússia. Evidenciando um certo distanciamento no convívio com os africanos desta última.

(...) “Contudo, não é pequena a influência comunista na África, embora já tenha sido maior. Dizia-se, por exemplo, que países como Gana, do grupo dos revolucionários agressivos, marcados pela influência comunista, pressagiavam dependência crescente face à Moscou, Pequim e Havana, apesar de sua ambição de vestir conforme figurino próprio. O exemplo de Gana, de cujo processo fui testemunha por mais de dois anos, prova que a influência em questão diminuiu muito, bastante mesmo, merecendo uma retificação no que tange ao julgamento das tendências dominantes. Vejamos os fatos históricos: apesar do decantado neutralismo, Gana realmente esteve muito mais voltada para o mundo comunista. Houve momentos em que os observadores consideraram Nkrumah completamente irrecuperável, exatamente na época em que iniciava eu a missão diplomática de que me honrarei para sempre. Foi nos fins de 1961, o dirigente voltava de longa viagem pelo mundo socialista, tendo se demorado na Rússia e na China, onde deu largas à sua admiração pela rapidez do progresso naquelas áreas. Retornou à Gana profundamente impressionado, mas muito vacilou, embora tenha assumido algumas posições e adotado soluções bastante características. O seu partido, o CPP, enveredou por uma ação socializante e mais ampla possível. Como se sabe, a base comunitária africana favorece, por si só, um sistema de vida mais próximo ao socialismo, mas está muito longe de facilitar o comunismo. Dessa realidade comunitária aproveitaram-se os ideólogos do CPP, para desencadear sua ação de propaganda de um ideário radical. Reconheceu porém Nkrumah, após vacilações e recuos, a impossibilidade de promover o desenvolvimento de seus país seguindo semelhante caminho. Recentemente, informações que nos chegaram, muito precárias, como tudo que sobre a África colhemos de terceiros, porque manipuladas ou distorcidas, dão conta de retificações levadas a efeito por Nkrumah, retificações essas sob o argumento de que Gana não possui atualmente os meios de realizar o socialismo. Assim é que, entre outras, adotou recentemente medidas econômicas liberais, fazendo inclusive o elogio do capitalismo. Conforme essa nova orientação, Gana terá uma economia mista, não pensando impor qualquer limitação aos investimentos privados. Justificando-se, acentua o líder ganense que, antes de promover o socialismo, para o qual o seu país não possui ainda os meios necessários, prefere preocupar-se agora em possibilitar os fundamentos reais sobre os quais poderá erigi-los, que são a modernização da agricultura e a industrialização de Gana. O que prova tudo isso é que os africanos buscam mesmo, cometendo erros e acertos, de experiência em experiência, ao longo de sua revolução, a conquista de um equilíbrio, repito, para substituir o que lhe foi destruído pelas forças e a prática colonialistas. (...)” pp.19-20.

 

II- Missão Condenada: Diário

- O autor inicia seu relato pelo seu retorno à África relembrando sua primeira estada em 1961. Agora de volta, em fevereiro de 1963, após a renúncia de Jânio Quadros, transformando em pesadelo o que outrora fora conquista. Foram 14 meses duros na África. Eis sua volta de férias.

- Adiante o autor relata sua rotina de embaixador, suas pretensões de leituras e releituras além de possibilidade de dedicação à escrita literária, apesar de parco tempo livre. Na sua volta de 2 meses de férias percebe uma atmosfera diferente em Acra.

- “Sem data — Encontro Acra diferente, sem a atividade e a animação que lhe davam ares de grande capital; Parece vencida, para não dizer morta. Como que existe um esmorecimento geral, perdeu o dinamismo, não mais existe a vitalidade antiga. O ritmo é outro, tudo marcha lentamente. A Acra de hoje não é nem a sombra daquela cidade movimentada, alegre, espírito triunfal, de quando aqui cheguei pela primeira vez. Talvez seja consequência dos momentos difíceis passados com o clima de terror inaugurado por elementos da oposição fantasma a Nkrumah, os quais atentaram vezes seguidas contra a sua vida, no ano passado. Predomina a incerteza, algum medo, existe sem dúvida retraimento e aguarda-se modificações de métodos e linguagem. Mas, não nos precipitemos.” (p.30)

 

- Acra certamente era a capital das lutas e o autor compara a cidade com Dakar e Lagos, mas certamente menos moderna, depois da comparação diz um ponto que acho interessante.

“Acra, pois, feia e desarmônica, é mais genuína do que outras capitais, além de ser mais representativa, sendo como foi, e como ainda o é, o grande centro irradiador do nacionalismo africano, cenário das conferências e dos encontros que mais influíram no aceleramento do processo de descolonização. Não é uma cidade sem história, tem um passado que lhe empresta orgulho e substância. Muito antes dos europeus se instalarem em suas praias, com os seus castelos e fortes, o que começou a ocorrer no Século XIV, Acra já tinha história, era um dos centros mais importantes do período pré-colonial, ainda agora insuficientemente conhecido, pois muitos historiadores europeus consideram a história africana apenas a partir da presença dos ocidentais no Continente Negro. Para eles a África não tem História a não ser a partir da colonização, considerando-a antes daquele período apenas como terra de tribos incapazes de progresso, em perpétuas guerra de destruição, A verdade, porém, é muito outra. Graças aos esforços de pesquisadores da História africana, destacando-se entre eles estudiosos nascidos na própria África, começamos a conhecer as grandes civilizações que se desenvolveram no Continente Negro, seus períodos de grandeza e de declínio.”

(...)

 

- “13, fevereiro — Compareci esta tarde à minha primeira recepção diplomática, após reassumir o posto. Foi no Alto Comissariado do Canadá, onde encontrei praticamente os personagens de sempre. Conheci porém o famoso Martin Appiah Danquah, o cérebro da política cacaueira de Nkrumah. É um homem simpático, sorridente como todo ganense. Falou de seu desejo de nova visita ao Brasil, dizendo guardar boas recordações da Bahia. Esteve ele em Itabuna e Ilhéus, correndo parte da zona cacaueira. Conversamos longo tempo, perguntando-me ele, a certa altura, se era verdade o que diziam sobre os meus antepassados. Queria, aliás, saber ao certo se realmente os meus bisavós foram ewes ou ashantis, respondo-lhe eu ignorar se procediam mesmo de uma das duas raças.

— De qualquer forma, deve sentir-se em casa, não? — indagou, com uma gargalhada”

 

- Contudo, apesar da ancestralidade, o autor se vê oriundo duma civilização diferente, apesar de reconhecer certos laços.

- O autor continua seu diário onde perpassa pelos eventos diplomáticos, onde visita um professor que de certa maneira se opõe a Nkrumah, outro lhe pergunta se há discriminação racial no Brasil e seu gesto mesmo não muito enfático na resposta demonstra que sim, e isto de certa maneira o atormenta, relatando desanimo em sua missão por diversas vezes e por variados motivos.

- Apesar de citar o temperamento difícil de Vivaldo Costa de Lima, relata seus avanços nos estudos culturais e religiosos, mas destaca os africanos Nana Kobina Nktsia, da Universidade de Gana e Kofi Antubam, do Achinota College.

 

***

- E já em outro encontro...

 

“O professor Ciril Fiscian relembrou-me a homenagem prestada pela comunidade ‘Tá-bom’ ao Embaixador do Brasil e respectiva família, dizendo não ter comparecido por motivo de doença. Vale a pena rememorar a recepção, pelo significado de que se revestiu. Tudo correu assim: um ganense falando excelente português, cujo nome me escapa no momento, procurou-me certa manhã na Chancelaria, para informar-me do desejo da comunidade brasileira em Acra. Combinamos, para o dia seguinte, encontro com um personagem devidamente credenciado do chamado povo ‘Tá-bom’, o Reverendo G. K. Nelson, capelão do Exército de Gana, que me ofereceu breve informe sobre a fundação e desenvolvimento da nossa comunidade”... p.44 (...)

 

- página 47 – discurso Nelson...

 

"Excelências. Em nome do Chefe, da Rainha e do povo que formam esta comunidade, em Acra, sinto-me honrado em dar as boas-vindas ao Senhor Embaixador R. Souza Dantas, do Brasil, a esta comunidade e também a Gana.

"Já é por demais sabido que a comunidade brasileira de Acra se compõe de descendentes dos imigrantes brasileiros que saíram da Bahia e aqui chegaram em 1836. E como não poderia deixar de ser, foi logo desde o início nossa grande vontade, ao oferecer uma homenagem ao Senhor Embaixador, aproveitar a ocasião para render sincero tributo ao Nii Ankrah de Obtoblohum. Pois foi ele o nosso grande anfitrião, vez que hospedou em seu palácio os nossos antepassados que pisaram pela primeira vez em solo ganense (na ocasião a antiga Costa do Ouro).

"Nossos bisavós, por sua vez, logo adquiriram a amizade e logo se tornaram merecedores da grande estima do povo Ga, pois que muito ajudaram este povo financeiramente e na luta contra os outros povos da terra.

"Nossos antepassados também contribuíram de maneira decisiva para o engrandecimento da vida social de Acra e de Gana, e foram eles que introduziram aqui muitos hábitos civilizados, como, por exemplo, o uso das roupas europeias, o querosene.

"É bem verdade que nenhum de nós aqui presente já visitou o Brasil, mas isso não importa: continuamos a considerar o Brasil a nossa terra-mãe, e esperamos ansiosamente, Senhor Embaixador, por esta oportunidade de congraçamento, em Gana. E digo mais: nós nos sentimos no dever de lhe oferecer esta recepção, vez que o Senhor Embaixador é o representante legítimo de um país que nós consideramos, como já disse, nossa terra-mãe.

"E esperamos assim que, enquanto o Senhor Embaixador permanecer em Gana, possa contar com a nossa sincera ajuda a qualquer momento, mas logicamente, sem infringir de leve sequer, a nossa lealdade ao Governo de Gana. E esperamos, também, que o Senhor Embaixador possa ajudar a qualquer membro desta comunidade, se aparecer ocasião para tal.

"Senhor Embaixador: o Chefe, a Rainha e os membros da comunidade brasileira em Acra lhe desejam uma estada feliz em Gana. Muito obrigado, Fortunato Antônio Nelson, Nii Azumah III”.

 

 

- página 50 – 25, fevereiro...Lendo Os Condenados da Terra...

 

25, fevereiro — Leitura de Les Damnés de Ia Terre. Muito se escreverá ainda sobre o processo de descolonização, mas acredito que nenhum outro livro como este de Frantz Fanon. Além de terrificante, pelos aspectos que passa em revista e analisa, como também pelos problemas que examina, é uma verdadeira apologia da violência. Para Frantz Fanon, a violência é a única arma viável contra o colonialismo. Através da introspecção e da observação, cheio de cólera e paixão, êle apresenta um quadro que se poderia dizer apocalíptico. Para ele, só há um valor, só uma arma, só um princípio: a violência. Afirma que a violência dos colonialistas só pode ser vencida pela violência. Livro terrível, que arrepia e arrebata. Realmente, a atmosfera da descolonização foi a da violência, continua sendo a da violência, será a da violência, mesmo quando ela pareça ausente.”

 

-  página 52 – 1º março..

 

1º, março — Começam a enfeitar a cidade, para as comemorações da Independência. As mesmas decorações dos anos anteriores, mal apercebidas pelo povo. Mas não será de outra natureza, essa indiferença? A verdade é que alguma coisa mudou. A vida torna-se cada vez mais cara, a miséria cada vez maior. Contudo, Gana é o país mais bem aparelhado, aquele que oferece melhores perspectivas. As dificuldades passarão, pois além de ser bastante rico, imensas as suas possibilidades de desenvolvimento econômico, os seus dirigentes empenham-se, com energia, comandados por Osagyefo, em plantar uma indústria verdadeiramente africana. Para isso, porém, tornam-se necessários sacrifícios imensos. Entre os projetos em realização, o que maiores sacrifícios têm reclamado é o da barragem do Rio Volta, que fornecerá energia para uma indústria nascente e diversificada.”

 

***

- página 65 – li entre outros...

 

“Li, entre outros documentos, breve depoimento de Silvanus Olympio, Presidente da República do Togo. Fala aquele descendente de brasileiro, com um toque quase patético, sobre o que, na sua opinião, deveria ser a unidade africana. Avistei-me com Silvanus Olympo por três vezes, em Lomé, por ocasião das festividades comemorativas da Independência do Togo, em 1962, às quais compareci como representante do governo de meu país, na qualidade de Embaixador. Deram-se assim os três encontros: o primeiro, na mesma tarde em que cheguei a Lomé (era a minha segunda viagem à capital togolesa). Foi em seu gabinete de trabalho, no Palácio Governamental, quando o sondei sobre a possibilidade de uma viagem sua ao Brasil, dando-lhe ao mesmo tempo ciêncía do interêsse do meu país em manter relações diplomáticas com o seu, aquele da área atlântica onde a comunidade brasileira é mais numerosa. A segunda vez foi no desfile da Independência e, o terceiro, no banquete oferecido no Benin Hotel. Falando para a esposa, dissera ele, sorrindo para minha mulher, ao ser-lhe ela apresentada:

- Veja você como nos parecemos todos. Em tudo, mas em tudo mesmo. Na côr, no gosto pela vida, na gentileza. Em tudo, em tudo mesmo. Somos irmãos, estamos apenas separados pelo oceano — e riu, o seu riso simpático e aberto.

No Rio, oito meses depois, num tórrido fim de tarde de janeiro, escutei pelo rádio a notícia de sua morte, assassinado por um dos que sustentaram o golpe de Estado que o derrubou do poder.”

(...)

 

- página 72 – 13 de março...

 

13, março — Grande sensação na cidade de Acra. Os responsáveis pelos atentados à bomba, ocorridos no ano passado, estão em julgamento. Os nomes de Adamafio e Ako-Adjei aparecem como autores e animadores do plano de derrubada do regime de Osagyefo. São aqueles dois antigos Ministros, e mais o Secretário administrativo do Partido da Convenção Popular, Coffie Grable, acusados diretamente, constando o processo, inclusive, haver o primeiro fornecido as bombas para os atentados contra Nkrumah. Enquanto lia o relato da Suprema Corte, tinha presente ao espírito a figura arrogante, antipática e grosseira do antigo Ministro das Informações, Adamafio. Lembro-me da primeira visita que lhe fiz, acompanhado de homens de negócios do Brasil. Recebeu-nos éle com manifesta má-vontade, sequer levantou-se. Ouviu-nos com impaciência, passando um olhar indiferente pelos planos que lhe foram exibidos, para terminar desencorajando-nos com a seguinte frase:

— Dentro de um ano seremos uma República Socialista e então enxotaremos todos os estrangeiros exploradores de Gana. Por conseguinte, não há muita oportunidade para negócios desse tipo.

Ê um personagem antipático e antipatizado. O povo tinha-lhe horror — e ninguém mostrou surpresa na madrugada em que correu a notícia de sua prisão, como traidor. Ninguém entendeu foi estar Ako-Adjei envolvido na trama. Quase todos mostraram-se perplexos. Com desprezo, alguns tentaram explicar a sua traição:

— Trata-se de um intelectual.

Acredita-se que os implicados nos atentados, em atendimento ao que exigem as multidões do CPP, serão condenados à morte.”

(...)

 

- pág 90 – 24 abril...

“..decisão de deixar o posto. Espero fazê-lo em agosto. Impossivel ficar mais tempo. As divergências são grandes. Seria inútil permanecer. Não concordo em que sejamos apenas informantes. Nossa presença deveria ser marcada pela agressividade, através uma ação positiva. Da maneira que vamos, transformamo-nos numa repartição puramente burocrática. Para que serve a presença do Embaixador? Apenas para mostrar-se nos coquetéis e nas recepções?”

(...)

 

- pág. 95 sem data... final do diário e retorno...

 

Sem data — Penso regressar em definitivo, ao Brasil, dentro de mais um mês. Já tenho inclusive os termos da carta ao Presidente Goulart, solicitando exoneração do honroso posto. Pretendo acentuar que não foi feito muito, tendo como objetivo o incremento de nossas relações comerciais, apesar das inúmeras solicitações no sentido de providências que, sem dúvida, reconheço não poderiam ser tomadas sem maiores estudos, relacionados com problemas de trocas, pagamentos, tarifas e fretes. É meu dever registrar que a nossa Embaixada jamais esteve devidamente aparelhada para funcionar eficazmente. Nada foi, realmente, feito para o incremento de nossas relações comerciais, tarefa que requereria atuação agressiva, na base de esquema inspirado no esforço coordenado e conjunto das diversas representações brasileiras nos países africanos, com o auxílio dos vários órgãos oficiais e privados que, direta ou indiretamente, influem no processo da produção exportável e sua comercialização. Não penso em escusar-me pelas coisas que deixaram de ser feitas, mesmo sem contar com a devida aparelhagem, mas não poderei deixar de referir-me ao que poderia ter sido a nossa ação em Gana, caso realmente tivéssemos tido condições de realizar tudo quanto foi planejado. Sei que não farei nenhuma carta nesses termos. Vai ser um pedido de exoneração puro e simples, alegando motivos de saúde. A verdade é que tudo não passou de um drama, que infelizmente não sei se o poderei dar aqui como encerrado para sempre.

Mas esse é o meu desejo. Mais do que isso, é o meu propósito.

(Acra, Gana, África Ocidental)”

 

***

Notas e trechos

Fuca, Insurreição CGPP

 

Perfil – Raimundo Souza Dantas

Fonte:  http://www.acordacultura.org.br/herois/heroi/raimundodantas

Nasceu em Estância/SE, em 11 de fevereiro de 1923. Filho de família humilde, de mãe lavadeira e pai pintor de parede. Raimundo desde muito cedo teve de trabalhar, aprendendo vários ofícios. Foi aprendiz de ferreiro e de marceneiro, e, ainda em Estância, foi entregador de embrulhos de uma casa comercial. Aos dezesseis anos foi trabalhar numa tipografia. Foi nessa tipografia que começaria o seu processo de alfabetização. Mudou-se para Aracaju passando a trabalhar na tipografia onde eram publicados os jornais de Estância e da própria capital sergipana.

Foi nessa época, já nas oficinas do Correio de Aracaju, ouvindo várias leituras de textos de Jorge Amado, Machado de Assis e Marques Rebelo, feitas com o auxílio do amigo Barbosa, um amante da literatura moderna, que consolidou seu letramento. Com ajuda do amigo Armindo Pereira, passaria a escrever no periódico Símbolo.

Aos dezoito anos (1941), chegou ao Rio de Janeiro onde começou a trabalhar no semanário Diretrizes, depois passou a colaborar nos periódicos Vamos Ler, Carioca e Diário Carioca, onde atingiu o posto de redator. Em 1944 escreveu seu primeiro livro, o romance, “Sete Palmos de Terra”, com uma linguagem simples e repleta de recordações de Estância.

No Rio, tornou-se amigo de grandes escritores, como Graciliano Ramos. No ano seguinte, em 1945, lançava seu segundo livro, de cunho autobiográfico, e fundava o Comitê Democrático Afro-brasileiro, com Solano Trindade, Aladir Custódio e Corsino de Brito. Essa associação lutava pela inserção da população afro-brasileira no processo de redemocratização, através da luta pela melhoria das condições de trabalho e de educação.

Já como jornalista consagrado casou-se com Idoline com quem no ano seguinte teve seu primeiro filho, Roberto. Em 1949 publicaria mais um livro, desta vez para a Campanha de Educação de Adultos do Ministério da Educação e Saúde, onde relatava toda a sua trajetória de vida.

Foi nomeado oficial de gabinete do governo de Jânio em 1961, para em seguida ser designado a Gana como o primeiro embaixador negro do Brasil, em já nos anos 70, assumiu a embaixada da Argentina (1976).

Entre as duas nomeações, trabalhou no serviço público federal como técnico de assuntos educacionais, cabendo-lhe organizar no MEC o Setor de Relações Públicas. Foi membro do Conselho Nacional de Cinema, INC, e integrou a comissão para criação de serviços educacionais nos Museus; participou também do Conselho Estadual de Cultura, no Rio de Janeiro.

Obras publicadas: Sete palmos de Terra, 1944. Agonia, 1945. Bernanos e o problema do romancista católico, 1948. Solidão nos campos 1949. Vigília da Noite, 1949. Um Começo de Vida, 1949. Reflexões dos 30 anos, 1958. África Difícil, 1965.

Faleceu no Rio de Janeiro em 2002.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Mogobe Ramose: Sobre a Legitimidade e o Estudo da Filosofia Africana – breve nota

Este artigo de Mogobe Ramose tem como objetivo assegurar a legitimidade da Filosofia Africana assim como de Filosofias próximas que sofreram a deslegitimação a partir dos ideais do Ocidente de colonização, escravidão e o violento racismo. E ainda evidencia essas filosofias silenciadas como libertadoras, a exemplo da Filosofia Ubuntu.

O Significado da Dúvida.

O autor revela que dois pilares, em suma, ancoravam a colonização: a religião que através do cristianismo visava converter o mundo ou todo o dito novo mundo. E segundo, a ideia filosófica de que somente o Ocidente seria dotado de racionalidade, tal alegação personificada na afirmação aristotélica “o homem é um animal racional”, ou depois por Papa Paulo III que declarava que “todos os homens são animais racionais”. Não considerando assim, nessa afirmação, os africanos, os ameríndios, os australasianos e, muito menos, as mulheres como seres humanos racionais. Isso se caracteriza na negação Ontológica dos Africanos, a negação da humanidade e, portanto, a dúvida sobre a existência de uma Filosofia Africana.

Sobre o Significado de Filosofia.

O autor aponta que etimologicamente a filosofia significa amor à sabedoria, e é o ser humano que está associado à busca dessa sabedoria.  Sendo assim, ela é onipresente e pluriversal. Pode-se então dizer que a Filosofia Africana remonta de tempos imemoriais até nossos dias. E mais, ela surge através do fundamento e da perspectiva pertencente à autoridade. “O exercício desta autoridade situa a questão no contexto de relações de poder. Quem quer que seja que possua a autoridade de definir, tem o poder de conferir relevância, identidade, classificação e significado ao objeto definido.” (Ramose:2011, p8) Desse modo, o poder do ocidente, através da brutalidade do colonialismo, estabeleceu a perspectiva ocidental como universal.

Pluriversalidade e Exclusão Filosófica.

Dessa forma, o autor propõe uma mudança de paradigma e trata de pluriversalidade ao invés de universalidade. E que essa universalidade se faz na prática de uma particularidade a fim de excluir outras, eliminando a pluriversalidade do ser. Neste trecho se postula que, “Ontologicamente, o Ser é a manifestação da multiplicidade e da diversidade dos entes. Essa é a pluriversalidade do ser, sempre presente. Para que essa condição existencial dos entes faça sentido, eles são identificados e determinados a partir de particularidades específicas. Assim, a particularidade assume uma posição primária a partir da qual o ser é concebido. Essa assunção da primazia da particularidade como modo de entender o ser é frequentemente mal colocada como a condição ontológica originária do ser. O mal-entendido se torna a substituição da pluriversalidade original ineliminável do Ser. (Bohm, 1980, 30-31).”

Contudo, a particularidade é uma premissa para a filosofia apenas se for reconhecida como uma forma de compreender e interagir com a pluriversalidade do ser, e não para excluir outras filosofias.

As Implicações da Exclusão Filosófica.

- Anular a validade da particularidade como o ponto de partida da filosofia.

- Esta exclusão está em busca de outros fins que não a própria filosofia. Trata-se de uma tentativa de reivindicar para os protagonistas da exclusão o direito de ser o solo determinante do significado da experiência, do conhecimento e da verdade para todos.

-A obrigação moral de reconhecer a legitimidade da necessidade ontológica de continuar sendo (ser-sendo) para contrapor a morte ontológica programada pelo poder da universalidade.

-esse reconhecimento ontológico é o convite para estudar outras filosofias a fim de atingir a pluriversalidade do ser na filosofia.

- “A quinta implicação derivada da filosofia da exclusão é que títulos como A História da Filosofia (Copleston), Filosofia, História e Problemas (Stumpf and Fieser, 2002) deveriam ser ajustados por especificidades como em Uma História Crítica da Filosofia Ocidental (O’Connor, 1964). A atenção voltada para a história da filosofia deveria sempre lembrar cuidadosamente da dívida da filosofia grega para com o antigo Egito africano. Ela deveria também levar em consideração o mercado escravocrata transatlântico que separou forçosa e fisicamente povos da África de sua terra natal e seus parentes. A diáspora africana é, portanto, parte integrante da história da filosofia Africana.”

Filosofia Africana.

Aqui o autor indica que o uso da terminologia África (ou Africana) não se dá sem ressalvas quanto à sua origem estrangeira. E ao afirmar que não há bases ontológicas para negar a existência de uma filosofia africana e que a definição de filosofia perpassa uma narrativa de poder epistemológico, então se difere o filosofo profissional, que nasceu na África mas que possui um pensamento calcado nas epistemologias do Ocidente, como não sendo uma filosofia africana. Em suma, a filosofia não está dissociada do contexto histórico-intelectual em que ela pertence e nem do contexto social em que ela nasceu. E que o objetivo primordial da filosofia é a libertação humana.

O Reino Político na África

Antes de abordar a filosofia ubuntu, Ramose trata da questão do Reino político trazida por Kwame Nkrumah, que ao enunciar e enfatizar a consolidação do “reino político,” Nkrumah estava de fato tratando da necessidade da liberdade econômica da África colonizada, ou seja, independência econômica, para além da independência nominal de Gana e de outros países africanos. Em suma, criou-se um outro cenário no qual as riquezas e recursos naturais, minerais e humanos ainda estavam sob o domínio estrangeiro do colonizadores, mas agora de uma forma indireta. O que foi denominado de Neocolonialismo.

Com isso, deve-se ter ressalvas aos ‘pós’ no campo intelectual, a exemplo filosofia “pós-colonial”, (pois ainda se está, na verdade, no contexto de neocolonialismo.)

Filosofia Ubuntu

Ubuntu é um gerundivo (gerundive) abstrato que exprime a filosofia praticada pelos povos da África falantes do Bantu. Ele compartilha o caráter de gerundivo (gerundive)– isto é, a ideia de tornar-se, Ser (be-ing) e ser como manifestações do movimento como princípio do Ser- (be-ing)- com os verbos egípcios antigos, wnn(unen) “existir”, d d (djed) “ser estável”, “durável” e hpr (kheper) “tornar-se” (Obenga, 2004, 37-39). Como os antigos verbos egípcios referidos, a concepção filosófica ubuntu do mundo é que “Coisas não tem a fixidez e inflexibilidade que acreditamos que elas tenham. As coisas são mutáveis e em movimento na Terra, no céu, em baixo d’água, etc. A Terra e o céu, eles mesmos se movem” (Obenga, 2004, 39; Ramose, 1999, 50-53). Um dos problemas com as muitas definições e descrições do ubuntu é que ele é apresentado como uma filosofia da paz, ou mais especificamente, da submissão e infinita capacidade de perdoar (Daye, 2004: 160-65) sem considerar a violência como uma condição de possibilidade herdada ontologicamente para a sobrevivência dos adeptos da filosofia ubuntu. Esta omissão na realidade descaracteriza o ubuntu tornando-o suscetível a experiências de pensamento, por vezes muito estranhas que o retratam sem qualquer fundamento em sua antropologia, cultura e história. Esta tendência é dominante na África do Sul. 
(Ramose:2011, p16) 


Sobre a Legitimidade e o Estudo da Filosofia Africana

(On the legitimacy and study of African Philosophy)  

M. B. Ramose, University of South Africa, Pretoria 

Tradução: Dirce Eleonora Nigro Solis/ Rafael Medina Lopes/ Roberta Ribeiro Cassiano

RAMOSE, M. B. Ensaios Filosóficos, Volume IV - outubro/2011

“Mogobe Ramose obteve primeiramente o título de bacharel em Artes na University of South Africa. A isto se seguiram os títulos de bacharel, licenciado e doutor em Filosofia obtidos na Leuven University (Katholieke Universiteit Leuven) na Bélgica. Possui também o título de mestre em Relações Internacionais da London University. Suas áreas de especialidade e principais interesses são Filosofia Africana, Filosofias da religião e do direito, defesas étnicas e filosofia das relações internacionais. Possui uma publicação vasta nas áreas mencionadas e seus trabalhos continuam a atrair a atenção de muitos estudiosos. Lecionou em duas universidades europeias e quatro universidades africanas, incluindo dois seminários católicos. Atualmente é professor extraordinarius na University of South Africa.”


nota por Fuca, insurreição cgpp. 2020.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

(Livro) Chancellor Williams: O Renascimento da Civilização Africana (pdf)

Baixar em pdf: https://drive.google.com/file/d/1FkBk1qJM0UBXYFY7-RY9vGkBMWoJb99W/view

O RENASCIMENTO DA CIVILIZAÇÃO AFRICANA
Chancellor Williams

Este livro [edição de 1961] é uma afirmação da Educação e uma defesa da Democracia Cooperativa como forma de vida para a nova África. Contém também um relatório sobre estudos sociais e as dimensões filosóficas e espirituais da vida africana e suas perspectivas para o futuro. Assim como em seu livro mais proeminente, A Destruição da Civilização Preta, Chancellor Williams fornece estratégias e táticas perspicazes para organizações, ativistas e acadêmicos sérios que trabalham na agenda do Renascimento Africano.

A ideia de unidade Pan-Africana, a união de um bilhão de pessoas africanas no mundo, não é apenas fantasia. Essa demanda surge em um momento em que a própria sobrevivência cultural e econômica do povo africano está em jogo. O impulso para tornar a unidade cultural, a continuidade histórica e a cooperação econômica do mundo africano uma realidade é a mensagem que o Chancellor Williams apresenta neste livro.

Chancellor Williams (1898-1992) foi escritor, professor universitário, historiador e o autor de "A Destruição da Civilização Preta: Grandes Questões de uma Raça, entre 4500 a.C. e 2000"."




terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Guia de Estudos Pretos Para Uma Educação Positiva -Baba Zak A. Kondo (pdf)

https://drive.google.com/file/d/1ynF46TSSlVqdDbRIFzfzp46313Q-JvWX/view?usp=sharing

Baba Zak A. Kondo - Guia de Estudos Pretos para uma Educação Positiva - (pdf aqui)

"Este ensaio argumenta que os estudantes pretos devem lutar para libertar as massas de nosso povo neste país no âmbito econômico, político, espiritual, cultural e social. Para fazer isso, no entanto, eles devem primeiro libertar suas mentes. Este ensaio ajuda nossos estudantes a libertar suas mentes. Além disso, identifica e define as responsabilidades e deveres dos estudantes pretos de hoje."



Este ensaio visa combater a deseducação dos estudantes pretos. A deseducação é definida neste texto como mulheres e homens pretos sendo ensinados a se odiar e/ou a se ver como brancos. Essas criaturas ou ‘Negroes’ são anormais, antinaturais, autodestrutivos e prejudiciais aos pretos em todo o mundo. Os ‘Negroes’ negam aos pretos o direito inalienável de serem únicos, bonitos, independentes e orgulhosos de nossa herança cultural.

Como estudante de ensino superior por vários anos, vi mais ‘Negroes’ do que gostaria de me lembrar. Meus encontros com esses ‘Negroes’ me levaram a trabalhar diligentemente para diminuir seu número neste país. Para fazer isso sistematicamente, devemos começar a educar nossos estudantes em casa enquanto eles são crianças e suas mentes ainda estão vivas e férteis. Além disso, devemos estabelecer escolas pretas independentes como a Ujamaa Shule, em Banneker City (Washington, D.C) e ter um papel ativo na tomada de decisões no sistema de escolas públicas neste país.

Para educar adequadamente nossos filhos, devemos ensiná-los sobre nossas raízes e culturas Afrikanas. Devemos ensiná-los a se amar, a se valorizar e a acreditar em si mesmos. Devemos incutir valores positivos em favor dos Afrikanos que enfatizem sinceridade, confiança, virtude, justiça, orgulho, coletividade, autodeterminação e condição de povo. Esses valores devem ser incorporados à educação de nossos filhos. Pais, educadores, líderes, acadêmicos, políticos, organizadores, pensadores sérios e empresários pretos devem cuidar para que essa incorporação seja realizada e concluída com sucesso.

Mas o que fazemos nesse ínterim com os estudantes pretos do ensino médio, da faculdade e de pós-graduação neste país? Devemos dar-lhes orientação adequada e encorajá-los a se tornarem irmãos e irmãs positivos e sérios. Somente irmãos e irmãs positivos e sérios podem fazer uma mudança qualitativa na vida dos pretos nos EUA e no exterior.

Este ensaio argumenta que os estudantes pretos devem lutar para libertar as massas de nosso povo neste país no âmbito econômico, político, espiritual, cultural e social. Para fazer isso, no entanto, eles devem primeiro libertar suas mentes. Este ensaio ajuda nossos estudantes a libertar suas mentes. Além disso, identifica e define as responsabilidades e deveres dos estudantes pretos de hoje.

A maioria dos brancos e seus satélites ‘Negroes’ acharão este ensaio desnecessário na melhor das hipóteses, e antibranco na pior. Nenhuma das constatações será precisa. A mentalidade doentia e a ação nojenta do preto “educado” neste país mais do que provam a necessidade de um ensaio dessa natureza. Chamar este ensaio de antibranco desvia completamente sua mensagem. Este ensaio é pró-preto, não antibranco. Os estudantes são encorajados a amar e a servir ao povo preto, não a odiar e prejudicar os brancos. Espero que vocês, estudantes pretos, aceitem este esforço com o espírito positivo e fraterno como o que se oferece.

Z.A.K.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

AGYEI AKOTO - Nacionalismo Afrikano: Teoria e Prática de uma Educação Afrikano-Centrada (pdf)

NACIONALISMO AFRIKANO: 

TEORIA E PRÁTICA DE UMA EDUCAÇÃO AFRIKANO-CENTRADA

KWAME AGYEI AKOTO

O livro traduzido está disponível no link abaixo (arquivo pdf).

https://drive.google.com/file/d/1VcrgZxnAxkO5JT7hYgonFHud5iDZZGMo/view?usp=sharing

Por Fuca, Insurreição Cgpp.

arquivo pdf (aqui)





Apresentação da edição de 1992, por MARIMBA ANI 

As formulações conceituais de Agyei Akoto têm o benefício de seus mais de 20 anos de experiência como Pan-Afrikanista Nacionalista. Como resultado, finalmente temos uma declaração evidente do paradigma Nacionalista Afrikano. Neste trabalho, ele delineia evidentemente o processo e a estratégia de Construção da Nação [Nacionalismo Afrikano] e sua relação inextricável com a educação Afrikano-centrada. 

Numa altura em que o nosso diálogo é determinado pelas definições da academia europeia e pelos meios de comunicação controlados pelos europeus, a perspectiva de Akoto é revigorante e autenticamente enfocada no Povo Afrikano. 

É evidente que ele não está se dirigindo aos não-Afrikanos, nem é prejudicado pela dependência de concepções eurocêntricas. Ele escreve com autoridade e compromisso com o povo Afrikano, livre da ambivalência ideológica que tem atormentado os Afrikanos na diáspora e no continente por muitas décadas. 

Dra. MARIMBA ANI (Dona Richards) 
Autora de Let the Circle Be Unbroken
Professora no departamento de Estudos Pretos e Porto-riquenhos 
Hunter College (Faculdade Hunter)


Trecho do conteúdo.

(...) Alguns anos atrás, nas últimas semanas de setembro de 1989, o professor John H. Clarke transmitiu uma mensagem à Sociedade Ankobia, de Washington, D.C., dizendo que independentemente do que possamos empreender, “se não se trata da construção da nação [Afrikana], então não se trata de nada.” É uma declaração que pode ser tomada literalmente. 

A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é a aplicação consciente e focada dos recursos, energias e conhecimentos coletivos de nosso povo na tarefa de libertação, e de desenvolver o espaço físico e psíquico que identificarmos como nosso. Envolve o desenvolvimento de comportamentos, valores, linguagens, instituições e estruturas físicas que elucidem nossa história e cultura, que possam projetar e concretizar o presente e assegurar a futura identidade e independência da nação. 

A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é a projeção deliberada, intensamente dirigida, focada, e enérgica da cultura nacional e da identidade coletiva. A construção da nação (Nacionalismo Afrikano) é ocasionada pela geração e liberação de enormes quantidades de energia, não muito diferente de uma gravidez e um novo nascimento, ou de uma tempestade de primavera e o novo cultivo que se segue. 

Com qualquer uma das analogias, é fundamental que os termos e condições que ocasionam o surgimento dessa nova realidade sejam claros e inequívocos. Essas condições, termos e linguagem descritiva devem ser definidos pelos criadores dessa nova realidade. Essa nova realidade, para nós, é uma consciência nacional e cultural renovada. 

O surgimento desta nova consciência, esta realidade renovada e Afrikano-centrada, marca o renascimento da personalidade Afrikana e a revitalização da nacionalidade Afrikana. Isso é a construção da nação (Nacionalismo Afrikano). (...)



sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Ngugi wa Thiong'o: Sobre Colonização, Linguagem e Memória. (+vídeo)

Em todas as relações entre dominantes e dominados num sistema colonial, cheguei à conclusão de que os dominantes sempre impuseram sua linguagem aos dominados. Eu ficava me perguntando o porquê.

 Isso me forçou a analisar todo o projeto colonial. E para mim, eu vi o colonialismo realmente como um processo de alienação. Como nos personagens do meu romance "Weep not, Child" (Não chore, criança), a terra foi tomada. Não apenas a terra, mas também a força de trabalho dos colonizados também é usurpada.

São recursos cruciais, terra e mão-de-obra dos colonizados. Isso me pertenceria, pois teríamos controle sobre. Agora não tenho controle sobre isso, o outro é quem controla. ok?

É alienação, mas de uma maneira que me faz olhar para mim e para meus recursos e ver minha terra e os produtos do meu corpo sendo controlados por outra pessoa. Mas não só isso. A própria linguagem,  qual o papel da linguagem?

A linguagem foi muito crucial na evolução econômica, política e psicológica de qualquer comunidade. A linguagem medeia os processos econômicos, políticos e psicológicos de qualquer comunidade. Sem linguagem não teríamos também a divisão do trabalho, que é a base da comunidade humana.

Por esta razão, os idiomas são muito importantes. Mas não apenas o idioma em si, a linguagem também é portadora de memória. Sem memória não podemos mediar nosso relacionamento com a natureza nem nossa relação um com o outro. Não podemos muito menos mediar nossa relação com nossos próprios corpos e nossas próprias mentes.

Portanto, enquanto houver um poder colonial, é necessário impor sua linguagem aos colonizados. Porque de certa forma, se você impõe um idioma sobre as pessoas, você está aplicando e consolidando todos os aspectos econômicos, políticos e sócio psicológicos dessa comunidade. Muito importante...

E o mais crucial, você também controla a memória dessa comunidade. A linguagem de fato faz parte de um vasto sistema de nomeações. Se você nomeia, você domina.

Nomeando você identifica, nomear é possível somente porque é nomeando que você identifica. E se você identifica, isola os diferentes elementos do ambiente.

Vocês se lembram, quem já conhece, o romance do Robinson Crusoé. Robinson Crusoé está naufragado em uma ilha e descobriu alguém chamado “Sexta-Feira”. E supõe-se no relacionamento deles que “Sexta-Feira” não tem linguagem.

Aí chega um momento em que Robinson Crusoe está ensinando uma linguagem a Sexta-Feira. Então a primeira coisa é a nomeação, ele diz: “seu nome é Sexta-Feira.” Note que ele não pergunta pra Sexta-Feira, “Qual é o seu nome?” Ele disse, “seu nome é Sexta-Feira. Eu te nomeio. E meu nome é Mestre.” Presumivelmente, sempre que alguém perguntar a Sexta-Feira, “Quem é aquele homem?” “Oh, ele é o Mestre.”

Veja, é Crusoé quem nomeia Sexta-Feira e também nomeia a si mesmo, e assim já estabelece uma subordinação na relação deles. Quem era Sexta-Feira? O que acontecerá então...

Sexta-Feira enterra suas memórias plantando a memória de Crusoé, no corpo que agora se chama “Sexta-Feira”. Mas possivelmente Sexta-Feira tinha um nome antes. No corpo de Sexta-Feira é plantada memória de Crusoé. E Crusoé é um inglês, o que está no corpo de Sexta-Feira agora é a memória Inglesa.

Então, seu corpo a partir de então carrega essa memória. Sempre que você o vê, será Sexta-Feira. Você não se direciona à pessoa que estava lá antes. Não importa o que ele era chamado. Ele agora é Sexta-Feira, nomeado por Crusoé.

Recentemente, em 2003, fui convidado pela Fundação Biko para dar uma palestra. Eu fui, Biko nasceu em Eastern Cape, uma área que produziu Mandela, Mbeki. Muitos dos intelectuais mais importantes da África do Sul e com um impacto muito grande no resto do continente.

Na cidade, todos os campos, onde a maioria deles nasceu. Viajando lá, primeiro vejo um lugar chamado “Queenstown”. Então, outro chamado “Kingstown” na mesma área. Depois eu vou para “Williams Town” ou algo assim. Eu vim para uma cidade chamada Berlin, Frankfurt? Os nomes das ruas eram os mesmos

Fico procurando em volta para ver algum outro nome que venha falar sobre qualquer um desses gigantes do pensamento africano oriundos daquela área. Nada!

A memória do lugar, a memória do que era, a memória do que teria sido produzido ali, essa memória é enterrada por outra. Presumivelmente, aquele lugar tinha nome antes e também produziu esse nome. Esse nome significava a memória desse lugar, agora enterrada pela memória europeia.

- Trecho de sua fala na Universidade de Oregon, em 2005. Vídeo completo: Planting African Memory: The Role of a Scholar




por Fuca Insurreição CGPP. 2020.