quarta-feira, 15 de março de 2017

INSURREIÇÃO

Esta postagem conta com trechos de dois livros, um de Clóvis Moura e outro de Décio Freitas, tratando das Insurreições de Escravizados e suas penas no Código Criminal do Império no Brasil.

Insurreição. 
Em consequência das sucessivas revoltas de cativos, o governo criou e inseriu, no Código Criminal do Império, a figura jurídica da "insurreição", para abranger delitos praticados especificamente por escravos. Com isso, estabelecia-se uma diferença jurídica entre delitos praticados por escravos e aqueles perpetrados por homem livres. As revoltas desses últimos "contra a segurança interna do Império e pública tranquilidade" denominavam-se conspiração e rebelião. Abaixo são transcritos os principais artigos:

Capitulo IV - Insurreição
Art. 113. Julgar-se-à cometido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força. Penas aos cabeças, de morte no grau máximo, de galés perpetuas no médio e por quinze anos no mínimo; aos mais, açoites. 
Ao criminosos autores: máximo - morte: médio - galés perpetuas; minimo - QUINZE anos de galés.
Ao criminosos por tentativa: máximo - galés perpetuas; médio - galés por vinte anos; mínimo - galés por dez anos.
Aos criminosos por cumplicidade de tentativa: máximo - vinte anos de galés; médio - treze anos e quatro meses, idem; minimo - seis anos e oito meses, idem.

Art. 114. Se os cabeças da insurreição forem pessoas livres, incorrerão nas mesmas penas impostas no artigo antecedente aos cabeças, quando são escravos.

Art. 115. Ajudar, excitar, aconselhar escravos a insurgir-se, fornecendo -lhes armas munições ou outros meios para o mesmo fim. Penas: de prisão com trabalho por vinte anos no grau máximo, por doze no médio e por oito no minimo. 
Aos criminosos: máximo - vinte anos de prisão com trabalho; médio - doze anos, idem; minimo - oito anos, idem.
Se não houver casa de correção: máximo - 23 anos e quatro meses de prisão simples; médio - Catorze anos, idem; minimo - nove anos e quatros meses, idem.
Aos criminosos por tentativa: máximo - treze anos e quatro meses de prisão com trabalho; médio - oito anos, idem; minimo - cinco anos e quatro meses, idem.
Se não houver casa de correção: máximo - 15 anos, seis meses e vinte dias de prisão simples; médio - nove anos e quatro meses, idem; minimo - seis e quatro meses, idem.

Como vemos, para as tentativas de mudança social e politica idealizadas pelos brancos livres a figura jurídica era uma, para os negros escravos era outra, com penas muito mais severas.

Moura, Clovis
Dicionário da Escravidão Negra no Brasil - Clovis Moura; editora da Universidade de São Paulo, 2013




O Código Criminal do império, promulgado pouco depois, em dezembro de 1830, preocupou-se em reprimir duramente as insurreição escravas. O preceito colonial que punia essas insurreições com a pena de morte foi mantido, ao mesmo tempo que o abolia quando a insurreição fosse de pessoas livres. A discriminação ilustra dramaticamente o conteúdo de classe da independência. Os senhores de escravos se reservaram o direito à insurreição, sem o risco de sofrerem a condenação de morte. No entanto, não teriam misericórdia quando os insurretos fossem os seus escravos. A discriminação se manifestava até mesmo na denominação dada ao crime. Quando se tratasse de pessoal livres, chamava-se "conspiração", "rebeldia" ou "sedição". Tratando-se de escravos, recebia o nome de "insurreição". Ambos os delitos, contudo, figuravam no mesmo capítulo, o dos "crimes contra a segurança interna do império e pública tranquilidade".

O Código julgava cometido o crime de insurreição "reunindo-se vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio da força". Aos cabeças aplicava-se a pena de morte ou galés. Consistiam estas em andarem os réus com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, e a trabalharem em obras públicas. Os demais escravos que houvessem participado do movimento, seriam punidos com açoites, à razão de cinquenta por dia. A simples tentativa seria punida com galés perpétuas. A pessoa livre não estava sujeita à pena de morte se pegasse em armas contra o governo, mas não se livraria dela se, de qualquer modo, participasse de uma revolta escrava. A pessoa livre se sujeitaria, ainda, a trabalhos forçados por vinte anos, se ajudasse ou aconselhasse escravos a se insurgirem, fornecendo-lhes armas, munições ou outros meios para o fim...


A Revolução dos Malês - Décio Freitas pag.66 e 67


Rainha Teresa de Quariterê

TERESA DE QUARITERÊ. Líder quilombola, rainha do quilombo Quariterê, que existiu no século XVIII. Foi por duas décadas a chefe incontestável desse ajuntamento de negros fugidos. Segundo se supõe, era procedente de Benguela, como também pode ter nascido no Brasil. O grupo tinha 79 escravos e trinta índios, instalados próximo ao rio Galera, não muito distante da fronteira de Mato Grosso com a Bolívia. Impôs tal organização ao grupo que o quilombo sobreviveu até 1770. Organizou um parlamento, um conselho da rainha e um sistema de defesa com armas trocadas com os brancos ou roubadas às vilas e povoados das redondezas. O controle de Teresa sobre os habitantes do quilombo era absoluto. Temendo deserções, que certamente culminariam em delações, punia severamente aqueles que tentassem abandonar o reduto. Pessoalmente, era vaidosa e se fazia assistir por um bom número de negras e índias. Durante o seu longo governo, Quariterê pôde contar com uma agricultura bem desenvolvida, que produzia algodão e alimentos, e com duas tendas de ferreiro e teares. Os tecidos ali fabricados eram vendidos fora do quilombo, do mesmo modo que os excedentes agrícolas. Em 1770, moradores da capitania de Mato Grosso, prejudicados com o número cada vez maior de deserções de escravos, organizaram uma expedição para atacar o quilombo, na qual prenderam 44 dos 79 negros, mataram o conselheiro e levaram a rainha Teresa como prisioneira. Esta, sentido-se vencida, ingeriu ervas venenosas e, talvez pela ação do veneno, morreu "enfurecida" quando era conduzida para Vila Bela.


Moura, Clovis
Dicionário da Escravidão Negra no Brasil - Clovis Moura; editora da Universidade de São Paulo, 2013