(CDR
MC’s – É o Rap)
“Demagogia
nunca fiz, só falo o que vivo.”
(Quero Ver - Negreestyle)
Jovens de idade entre 18 e 25 anos; pardas
(leiam-se negras); com um ou dois filhos; não aceitas como são no sistema
público de educação; trabalhando sem carteira assinada e ganhando um salário
que acaba não cobrindo gastos básicos como alimentação e moradia; sem título de
eleitor (que, em tese, é o documento que garante a cidadania do indivíduo); sem
documento algum, alias, quando presa na maioria das vezes por tráfico, mas
também por furto e roubo. Tráfico aqui se entenda; pequeno porte, muitas vezes
para consumo próprio, e ainda muitas vezes essas mulheres são presas também por
tentar levar a droga no jumbo do marido em dias de visita. Ora, para tanto,
sabemos qual é a cartilha do gambé; humilha, bate, algema e sequestra em seu
navio negreiro “SOS Chevrolet Blazer”. Nunca questionam sobre como se produziu
uma situação e só mais tarde, quando algum pesquisador encontra-la para
produzir um TCC, é que ela terá sua versão exposta. Irei expor aqui algumas
evidências para que possamos caminhar com cada vez mais certeza de que essa não
é uma realidade só estadual ou nacional e sim mundial. Existe algo que é comum
no sentido estrutural no mundo em que vivemos? Sim, ele é capitalista, e para
essas mulheres “quantas prisões estão sendo forjadas” como diz Sankofa que reconhece
que elas “para o Estado é só um número e mais nada”. Exatamente isso, e como
esse Estado burguês insiste em garantir o lucro combatendo a consequência e não
a causa e situação perpetua.
Veja que curioso esse trecho inserido pela (SAP)
Secretaria da Administração Penitenciária em sua página na internet que fala
sobre a inauguração das penitenciárias femininas de Pirajuí (13/07/12), Tupi
Paulista (16/08/11) e Tremembé II = 768 vagas;
“A construção de unidades prisionais é uma responsabilidade que todos
precisam assumir: O Governo, as prefeituras e a sociedade. Ela envolve o
respeito às leis, a manutenção das ações de segurança pública e a proteção da
população”.
Secretaria
de Administração Penitenciaria SAP 2013.
Isso é sério? Querem mesmo que “todos” sejam
responsáveis por encarcerar mulheres nas circunstâncias expostas acima em nome
da lei, da manutenção das ações de segurança e da proteção da população? Sim,
ainda que as mulheres tenham sido ponta de lança das lutas em nossa história como
Dandara; que guerreou bravamente contra os colonizadores e se suicidou na
prisão por não aceitar a condição de escrava; Luísa Mahin, que também foi presa
por lutar nos levantes insurrecionais dos Malês e na Sabinada (meras notas de
rodapé de nossos livros de história de orientação eurocêntrica); até Maria da
Penha, “paraplégica pela violência doméstica”
como bem lembra as lutadoras do Rimação, essa que teve sua experiência
canalizada na luta pelos direitos das mulheres traduzida na lei 11.340 ainda
tão longe de se efetivar. Todas elas vítimas do um sistema “Rico, católico,
conservador e que ama as armas” como bem lembra o Rapper Pirata em “Boneca de
Porcelana”.
Fecho essa introdução deixando claro quem
melhor expôs para nós essa situação das mulheres. Foram anos e anos de pesquisa
acadêmica árdua de marxistas e folcaultianos que nos revelou o atual quadro?
Institutos de Pesquisa e suas ONGs estadunidenses de “Direitos Humanos”? Não,
quem primeiro nos apresentou esse quadro foi a ferramenta filha do
desenvolvimento de elementos culturais de raízes africanas que se difundiu por
todo o chamado “Novo Mundo” a partir holocausto negro iniciado no séc XV para
ganhar diversos moldes e culminar no que hoje chamamos de Rap. Ferramenta essa
inserida no bojo do Hip Hop que se traduz como porta voz dos que sofre a
situação tratada nesse escrito, mas também de tantas outras que fazem parte da
cartilha do genocídio do povo negro que é uma política oficial do Estado
Burguês aplicada antes em quilombos e hoje também nas periferias. O que os
pesquisadores, logicamente fundamentais, (considere um ao quadrado positivo
para os marxistas e um ao quadrado negativo para as ONGs) fizeram foi duvidar
demais, ai quando o demônio mostra a cara todo mundo se diz surpreso. Nada
disso diz respeito ao hoje, é como se o mano Yamada estivesse desafiando esses
que duvidam da nossa cultura como forma de entender a sociedade ao afirmar que
“quem duvidou de mim passou mal”. De fato, mais de vinte anos falando das fita,
eai? Continuam duvidando.
Drogas
“Aqui sou mais um réu, me põe em
julgamento”.
(Próximo Nível - Afavel)
Ao olhar por ai podemos notar que a relação
droga-mulher não é só coisa nossa. Columbia, no Canadá, por exemplo, vem
publicando relatórios a mais de dez anos apresentando essa relação. Até o
campeão mundial de pessoas encarceradas, EUA, não nega isso também. Eles tinham
mais de 1 milhão de mulheres em liberdade condicional no começo do século tendo
mais de 90 mil presas com as taxas aumentando progressivamente. Não é novidade
lá também o fato de que as mulheres são cada vez menos presas por outros
delitos como homicídio, sendo que as penas aumentam lá para a questão das drogas na medida em que aumentam também os
poderes arbitrários de seu Ministério Público, logo, três vezes mais mulheres
negras são presas em um país onde os negros em geral são uma minoria (13% da
população feminina dos EUA são negras, mas nas penitenciarias femininas compõem
48% do total). Adivinha a quem eles culpam por isso? Ora, nada mais nada menos
que a política de “Guerra as Drogas”, mais curioso ainda é que lá, e muito
provavelmente aqui também, todos os grupos étnico/raciais consomem drogas na
mesma proporção. Proporcionalmente também a taxa de crescimento de mulheres
encarceradas lá só entre 1986 (ano em que o então presidente Ronald Regan
assinou a Guerra as Drogas com um investimento de 2 bilhões de dólares) e 1996
foi de 888% para tráfico contra 129% para outros crimes, sendo que o período da
mulher presa acaba sendo maior mesmo com a de Lei de Informação (visa
desmantelar grandes redes de narcotráfico através da oferta de informações que
o réu possa dar em troca de uma redução da pena) pois elas, ocupando cargos
mais baixos no processo de circulação da droga acabam não tendo informações
relevantes. Para a mulher negra o martelo do juiz é uma tonelada mais pesado
afinal. Sendo que para, por exemplo, o crack, que a justiça estadunidense chama
de “droga do negro pobre”, basta a mulher portar algo em torno de dez a
cinquenta doses para ficar cinco anos encarcerada (ainda que dois terços do
consumo dessa droga seja realizado por brancos e latinos, os negros e negras
representam 82% das condenações) enquanto que para a cocaína, que essa mesma
justiça considera “uma droga utilizada pelos brancos dos estratos sociais mais
altos”, a dose para pegar cinco anos de prisão é mil vezes maior, o que provocou
o absurdo que é o negro cumprir em média 58,7 meses de prisão por tráfico
enquanto os brancos cumprem quase a mesma coisa, 61,7 meses, só que para crimes
violentos, ou seja, uma diferença de apenas
0,76% de pena para crimes extremamente distintos no que diz respeito o
critério de reclusão. Lembrando ainda que o país dos “Direitos Humanos” prende
95% dos réus por arbitrariedade do promotor, nem julgados são. Muitíssimo
curioso, pois suas ONGs de Direitos Humanos reduzem os problemas de arbitrariedade
de países Africanos como Guiné Equatorial e Angola argumentando que falta lá
autonomia ao judiciário, quando na verdade sua própria nação reproduz a tal
arbitrariedade mesmo tendo a tal autonomia, deixando explícito o caráter de
cor, classe e gênero que a justiça estadunidense aplica aos réus.
No Reino Unido, que reduziu, juntamente com
os países baixos, o número de presas flexibilizando o sistema penitenciário
para que cada vez menos mulheres fiquem em regime fechado freando a
superlotação dos presídios, ainda apresenta altos índices de mulheres em prisão
preventiva. O número de mulheres presas na Europa vem caindo, apesar de estar
longe do ideal, justamente por ações de redução de danos que discriminalizam o
usuário de drogas adaptando o porte para uso pessoal como é o caso da Holanda
que com a medida impulsionou a rede de saúde mental reduzindo ainda o número de
presos e presas por homicídio, mesmo com a presença de crimes desse tipo, entre
outros, que voltou a aumentar por lá como também, ao menos proporcionalmente,
no resto do mundo por questões da crise capitalista que vou trazer em outro
tópico
Se olharmos para o texto jurídico que
institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas de agosto de
2006 no Brasil, iremos notar o caráter repressivo para a questão onde a ótica
para elaborar uma política pública, por mais enfeites democráticos que forjem
no documento, mantêm-se plenamente restritivo só garantindo a inimputabilidade
(condição onde o réu não pode ser considerado culpado de uma ação) para cultivo
de substâncias psicoativas na utilização de forma ritualista-religiosa seguindo
as orientações dos demagogos das Nações Unidas uma vez em Viena na Convenção de
1971. Se nesse âmbito, o de construir um programa intersetorial com plena participação
social para responder uma questão crítica na sociedade, a visão é essa imagine
os quilos de legislações que partem do mesmo princípio. Pensando dessa forma é
muito difícil “Desenvolver, adaptar e implementar diversas modalidades de
tratamento, recuperação, redução de danos, reinserção social e ocupacional dos
dependentes químicos e familiares às características específicas dos diferentes
grupos: crianças e adolescentes, adolescentes em medida socioeducativa,
mulheres, gestantes, idosos, pessoas em situação de risco social, portadores de
qualquer comorbidade, população carcerária e egressos, trabalhadores do sexo e
populações indígenas, por meio da distribuição descentralizada de recursos
técnicos e financeiros” como prevê o substitutivo de 2010.
Esse ano já são quase 20 mil “infrações”
registradas por tráfico de drogas e mais de 4 mil só no mês de maio e só no
Estado de São Paulo, um número que só é absurdo pois basta ser negra e ser
usuária para ser traficante, negra e pobre então é duplamente qualificado para
os porcos.
Antes de prosseguir é preciso trazer outros
fatos relevantes para compreender o motivo da política retrógrada sobre drogas
pelo mundo.
O capital do narcotráfico é de algo em torno de 1 trilhão de dólares, o
equivalente ao PNB brasileiro (soma total de todos os bens e serviços
produzidos no país em doze meses), se colocássemos na conta as armas, demais
tipos de contrabando e a prostituição a cifra sobe muito além disso. Esse
dinheiro todo não tem outro destino que não os mercados especulativos, daí via
bolsa de valores caem direto nos bancos e nos famosos paraísos fiscais. O
próprio EUA, que lançou a “Guerra as Drogas” foi o mesmo que invadiu o
Afeganistão e derrubou o governo Talibã que havia erradicado o plantio da
papoula (base do ópio, droga que o país foi o maior produtor) e como num passe
de mágica o país voltou a exportar ópio. E você sabe que sentido faz isso?
Então, o dinheiro da venda do ópio afegão hoje serve para os EUA comprar armas
para invadir outros países. Logo aqui em cima temos a Colômbia que pediu para
os EUA construírem uma base lá com o argumento de enfrentar o narcotráfico, mas
por incrível que pareça, tinha um presidente que era ligado aos cartéis de
drogas na época, o senhor Álvaro Uribe. Até agora ninguém conseguiu provar que
o controle do narcotráfico mundial não seja apenas da Central de Inteligência
dos EUA (CIA), pelo menos depois da morte do colombiano Pablo Escobar em 1993.
Isso é só o começo, recentemente um jornalista italiano escreveu um livro
contando como que muitos bancos usaram o dinheiro do narcotráfico para evitar a
bancarrota em 2008.
Saúde
“A saúde é direito
de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”.
Constituição Federal de 1988
Nenhuma palavra sobre presos e presas na
Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde lançada em 2011, pelo então Ministro
da Saúde José Gomes Temporão. Porém, a recomendação da OMS (Organização Mundial
da Saúde) em 2003 afirma que "Os reclusos devem ter acesso aos serviços de
saúde disponíveis no país, sem discriminação em razão da sua situação jurídica",
mas ainda que estivesse algo específico no que diz respeito a pessoas
encarceradas sabemos que a situação da saúde entre presos e presas é
deplorável, e já o é não só em consequência das doenças preexistentes (25,8%
dos presos e 37,0% presas ingressam no sistema carcerário com alguma doença e
não tem nenhum acompanhamento clínico no Estado de São Paulo, destas presas
56,1% já vinham sendo acompanhadas antes de ingressarem no sistema carcerário,
sendo mais comuns problemas respiratórios dos mais variados; 25,0%, problemas
psiquiátricos 13,2% e hipertensão 11,0%), mas também pelas torturas físicas e
psicológicas que passam em todo o decorrer do processo que vai do flagrante até
a soltura, agressões essas executadas pela polícia.
Como se não bastasse toda a barbárie a qual
as mulheres passam no processo que vai da apreensão até a condenação ainda são
obrigadas a viver no limite dentro do sistema carcerário. No que diz respeito
aos materiais de higiene pessoal chega a ser gasto apenas algo em torno de 50
reais anualmente por presa para atender essa demanda, o que se traduz na já tão
comum utilização de miolo de pão ou sacolas plásticas substituindo a ausência
do absorvente, miolo de pão ou sacolas plásticas em lugares aonde uma presa
chega a ter apenas 2 metros de papel higiênico para utilizar anualmente, isso
em um Estado que gasta mais de 556 milhões de reais anualmente no sistema.
As pesquisas globais apontam que
praticamente em todos os países a maioria das mulheres encarceradas tem idade
fértil e já sofreram abuso sexual, e isso vale tanto para o Brasil como para o
Canadá. É interessante comparar aquele com esse país tão cheio das aparências,
pois lá a maioria das mulheres encarceradas o foi por envolvimento com drogas,
a maioria é aborígene (minoria étnico/racial que representa 13% da população
local e mais de 40% da população encarcerada), pobre, com péssimas condições de
moradia e são mães. Aqui, assim como lá, as mulheres encarceradas são um dos
grupos de maior prevalência no que diz respeito Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DST’s). A última pesquisa realizada
pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo nos presídios femininos mostrou
que a prevalência constatada de HIV foi de 4,8% e de sífilis, 5,7%. Segundo a
mesma, o índice de pessoas com o vírus da Aids (Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida) e outras DST’s é maior na população carcerária que em indivíduos
livres. Segundo os dados da Pastoral Carcerária, soropositivos perfazem 1,9%
(22 casos) da população carcerária, o que representa uma enorme desproporção
ante os dados para a população geral da região Sudeste do país, que é de 19,9
casos para cada 100 mil habitantes. Entre as atrocidades do sistema carcerário
de São Paulo consta inclusive o caso de uma presa que ficou definhando com uma
doença degenerativa em decorrência da ausência de um documento comprobatório da
referida patologia
Não é novidade a mulher encarcerada perder o
direito sobre seu próprio filho quando presa aqui e em diversos países
espalhados pelo mundo. O Canadá retira a guarda de mais de 20 mil mães ao ano em
decorrência do encarceramento. Número esse que é diretamente proporcional ao
número de presas que só veem aumentando no mundo. Essa situação provoca sérias
consequências para o desenvolvimento dessas crianças e torna mais traumático o
período de reclusão aumentando ainda a chance de reincidência. Com isso
segue-se a cartilha estadunidense optando por um Estado que cruza seus vastos
braços quando se faz necessário responder as demandas mais cruciais de
reintegração na sociedade que são; a condição digna de moradia e renda mínima;
promoção de acesso a uma rede mínima de sociabilidade e de luta contra o
estigma social; abertura das políticas públicas e do direito de liberdade
condicional. Em São Paulo ainda a maioria das presas grávidas não faz pré-natal
quando encarceradas, direito esse garantido mais pela construção social da
criança como capital social, ultrassexista e machista (que já começa no próprio
ambiente carcerário que na grande maioria das vezes abarca mulheres em um
espaço concebido por e para homens), do que pela responsabilidade do Estado
quanto à saúde da mulher (e não só da mulher quando mãe), ainda sim um direito
negado.
Quando uma mulher está no sistema carcerário
e precisa de atenção médica o discurso do Estado é automático; “faltam recursos
materiais e humanos”. Ora, ouvimos isso aqui, onde nem existe uma política
concreta para essa questão, assim como ouvimos também no Reino Unido, Canadá,
Cuba entre outros países que tem os melhores sistemas de saúde no mundo, mas
que até hoje “envidam” esforços sem conseguir responder a demanda, lembrando
que Noruega, Reino Unido, França e alguns lugares na Austrália já transferiram
a responsabilidade pela saúde das presas do Ministério da Justiça para o
Ministério da Saúde, medida essa que representa resultados ainda modestos.
Pensando as demandas cruciais no diz
respeito à saúde da mulher enquanto percorre o processo que vai do
encarceramento até a liberdade nosso perfil e o canadense parecem não diferir
muito, sendo;
• Vícios e Saúde Mental.
• HIV, hepatite e outras
infecções.
• Cuidados de saúde na prisão.
• Vida profissional e reinserção
na sociedade.
• Crianças, família e
relacionamentos.
Sendo que essas questões, que ainda não
foram superadas em nenhum lugar no mundo que eu tenha conhecimento (apesar de
que o Canadá reconhece a questão como problema fundamental e vem a anos lutando
contra a desumanização que o sistema carcerário impõe as mulheres), determinantes
claros da possibilidade ou não de reintegração e reincidência.
Capitalismo
“Pelo povo. por justiça, até fim,
até a glória”.
(Próximo Nível - Afavel)
Importante colocar aqui que ascenso do
encarceramento em escala mundial ocorre justamente no contexto em que surgiu o
“capital portador de juros”, fase do capitalismo que apareceu em resposta a
crise de 1970 (a década anterior foi a “fase de ouro do capitalismo”, de lá prá
cá só tivemos crises que são efeitos dessa fase aguda) que impôs a necessidade
de refundar o Estado, alterar as relações sociais e redesenhar as classes
sociais como um todo, é em síntese o que chamamos de neoliberalismo. Nos anos
1980 a direita radical chega ao poder nos Estados Unidos, Reino Unido e
Alemanha, e começaram a fazer prescrições neoliberais em resposta à crise;
corte de impostos diretos, desregulação de mercados laborais e financeiros,
debilitação de sindicatos, privatização de serviços públicos. Justamente nesse
período o Brasil sofreu com o aumento da inflação provocado pela fragilidade do
setor público o que criou um discurso da falência do mesmo. Foi o freio
do desenvolvimentismo (dentro do qual o proletariado forjou uma primeira agenda
social) e a sinalização ao que viria a culminar na adesão plena ao Consenso de
Washington em 1990.
A receita do Consenso é simples; combate à
inflação. O resultado foi a destruição da agenda social no mundo, ou seja, do
Estado de Bem Estar, e a constituição de um “”exército” de pessoas à margem.
Aqui, no biênio 1985/1986 período da saída do regime militar, a Escola Superior
de Guerra deixa um documento ao governo civil afirmando que a inserção de um
país de capitalismo dependente como o Brasil no modelo neoliberal exige um
reforço maior no aparato militar e carcerário em decorrência do inevitável
aumento da massa desempregada e sem proteção social que viria nos próximos
anos, ou seja, o Estado só poderia oferecer repressão e celas à população
desassistida.
É nesse mesmo biênio de 1985/1986 que são
instituídos grupos de trabalho para o processamento de uma agenda de ímpeto
reformista visando superar a óptica deixada pelos militares. Na formatação
desta agenda, as comissões que agrupavam setores ligados à assistência social,
saúde e previdência ganham maior espaço. Podemos evidenciar tal aspecto visto
que houve a inserção, por exemplo, das comissões referentes à assistência
social e previdência ao Ministério da Previdência e Assistência Social e sua
colaboração direta nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte,
resultando em avanços importantes com relação aos direitos trabalhistas e
principalmente quanto ao direito social, onde são apresentados pela primeira
vez os objetivos de universalidade e equidade, olhando universalidade no sentido
de cobertura e atendimento e equidade quanto à participação e custeio. Porém
muito disso acaba ficando mais do plano jurídico-legal tendo em vista a
conjuntura internacional que acabou barrando a consolidação plena do processo.
É extremamente importante reconhecer essa articulação mundial para entender
como a proposta materializada na Constituição Federal de 1988 era ousada para o
período.
Países aparentemente imunes ao desmonte
neoliberal como a Escócia e País de Gales só viram o número de pessoas
encarceradas aumentarem (País de Gales teve mais oscilações no período) já na segunda
metade da década de 1960. As mulheres sempre são as mais encarceradas
proporcionalmente sendo que entre 2011/12 houve um aumento acima de 60% para um
e de 2,3% para o outro. Se pegarmos só a Inglaterra, notaremos que lá houve queda,
porém essa queda ainda não chega a equiparar os números do período anterior a
década de 1960. Mesmo a Holanda que criou “escudos” para evitar a expansão do
encarceramento de mulheres (mecanismos jurídicos de renúncia de acusação,
sistemas de filas para evitar superlotação e flexibilização de licenças e
indultos) só deu certo até 1980, quando a crise econômica chegou a as taxas de
encarceramento triplicaram. Eles reconhecem que a fase atual do capitalismo
inviabiliza utilizar o sistema carcerário para outra coisa que não um depósito
de vítimas do colapso social e mesmo sendo um país que mantém apenas uma mulher
por cela e que a partir de 2003 liberou mais de 50 mil pessoas da prisão
preventiva para a condicional continua ainda ligado a influencia de sistemas
penais como o estadunidense e o inglês.
De modo geral as taxas de encarceramento não
aumentaram somente em decorrência de mais prisões mais também pela
desaceleração de processos e aumento indevido da pena para os encarcerados
desde 1970.
Por aqui, o aumento global nos últimos 5
anos é de algo em torno de 40%, a maioria dos presídios são violentos e
superlotados e já temos mais de 500 mil presos em nível nacional, destes 175
mil são presos e presas de caráter preventivo, número esse que justifica a
superlotação. Mesmo reconhecendo que a tortura no sistema carcerário é a práxis
na maioria dos países, o Brasil consegue se destacar com uma verdadeira cultura
da prática disseminada em cada centímetro quadrado dos cárceres do país, que
por pressão internacional escreveu um projeto de lei que cria o Mecanismo
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (uma equipe que faria auditorias
surpresa nos presídios para averiguar alegações de torturas e maus-tratos) que
aguarda votação no Senado Federal.
Vamos fechar aqui olhando para os números de
encarceramento dos famosos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)
os tais países em desenvolvimento e que estão cada vez mais distantes das
conquistas sociais dos países desenvolvidos, ainda considerando a agenda
reduzida no plano social global. Todos têm desigualdades de gênero em quase
todos os setores, logo, as mulheres jovens pobres sofrem a opressão do cárcere
dentro e fora do sistema. Esses números englobam tanto homens como mulheres,
lembrando o descrito acima quando é afirmado que, proporcionalmente, são mais
mulheres presas do que homens.
-Brasil = 500 mil, é o 4° colocado mundial, 1° na América do Sul e 2°
nas Américas.
-Rússia = 806 mil e100, é o 1° na Europa e o 3° no mundo.
-Índia = 384 mil e 753, só ficando atrás na China na Ásia, 5° mundo.
-China= 1 milhão 650 mil, é o 1° na Ásia e o 2° no mundo.
- África do Sul = 159 mil e 265, 1° na África
Esses países só perdem para o campeão mundial, o já citado EUA com mais de 2.292,133 pessoas presas.
É preciso considerar que
nosso capitalismo difere do vigente desde a última crise societária ocorrida na
segunda metade do século XX. O neoliberalismo forjou instrumentos para
desmantelar as conquistas do proletariado mundial, mas apresentou em seu
interior novos elementos para a resistência assistida hoje no século XXI. As
experiências do M15 na
Espanha, do Occupy Wall Street nos Estados Unidos, da Primavera Árabe no Magreb
e do MPL hoje em nosso país, apresentam uma resposta a nova configuração
imposta aos Estados e Sociedades nacionais, perspectivas essas que ganham cada
vez mais força a partir da criação do Fórum Social Mundial em 2001. Levando em
conta esse novo acúmulo, deve-se reconhecer avanços e recuos nesses movimentos
sem esquecer que historicamente ainda não obtemos uma alternativa de ação que supere
a do partido revolucionário. Aos Movimentos Sociais cabe travar a luta pela
orientação cultural da sociedade no neoliberalismo, ou seja, contra o individualismo,
a fragmentação social, a submissão e a desmobilização política, esses que são
pilares centrais dos valores culturais inseridos por esse sistema nas
sociedades modernas. Logo, é importante reconhecer que não estamos imunes neste
processo. Dos partidos aos “coletivos horizontais” o conflito entre o
individual e universal se perpetua, a autocrítica permanente teve ser o
instrumento mais fomentado durante o processo que se abre em nosso horizonte.
Não podemos superar
isso sem olhar para a agenda social e tampar os buracos (sou pessimista para o
Brasil, pois a agenda social brasileira é a mais golpeada que conheço). Nesse
momento eu já comprei que nem a socialdemocracia nem o PT e nem democracia
burguesa é capaz de responder o mínimo. É questão de tempo para saber se a
crise vai acabar com mais capitalismo ou com o cumprimento da missão histórica
do proletariado, onde as mulheres, principalmente as negras, terão um papel
fundamental na construção da nova sociedade socialista rumo ao comunismo que o
futuro nos reserva.
“Vamos à revolução, todos munidos de
informação.”
“(...) porque toda revolução começa com um livro e termina
com um fuzil na mão”.
Força
Ativa – Vamos à Revolução.
Miguel
Angelo – Fórum de Hip Hop MSP