terça-feira, 30 de julho de 2013

Contradições do Desenvolvimento: algumas considerações sobre o plano Juventude Viva no Estado das Alagoas.

Contradições do Desenvolvimento: algumas considerações sobre o plano Juventude Viva no Estado das Alagoas.

“Seja bem vindo a um lugar que deus esqueceu;
Seja bem vindo a um capítulo da história que o demônio escreveu;
Os personagens aqui não são heróis não;
Na nossa história estão no cemitério ou na detenção;
Ou no meio do mato se transformando em carniça;
Com vários tiros no corpo, esperando o IML que virá um dia;
To com o passado na mente e eu me lembro;
De cadáveres ensanguentados, fulano sentando o dedo;
“Inúmeros enterros, quantos no IML por migalhas...”.
                                                          
    Facção Central - Um Lugar Em Decomposição








O Juventude Viva é um plano, ou seja, é o resultado de um acúmulo de projetos, pesquisas e demais papeis que diagnosticaram um determinado problema; os jovens negros são o maior alvo da violência no período atual (devemos considerar que todo esse acúmulo surge de um determinado ponto no tempo, e quando se diz “período atual” estamos dizendo apenas que o plano não visa corrigir um problema latente em toda a história do país, mas apenas minimizar uma sequela que para a governo federal, por assim dizer, não assume ser histórica, mas pontual ao menos oficialmente).

       O plano apresenta que o jovem negro, com idade entre 15 e 29 anos, é o principal alvo da violência tanto física como simbólica, principalmente na esfera institucional, e se propõe a combater esse quadro através de uma articulação local permeada por uma intervenção estatal no território com a oferta de equipamentos de cultura e demais serviços públicos de toda ordem que são desenhados de acordo com a realidade de cada território. Textualmente, é inovador e bem avançado no sentido de reconhecer, com limitações naturais que dizem respeito à produção geracional do racismo, o lócus a qual esse jovem negro de baixa escolaridade está exposto. Podemos dizer que é um plano típico das demandas da atual conformação político-social do país, dialogando com o rearranjo eleitoral do pós 2002 (chegada de Lula ao poder, levando em conta a alternativa da burguesia e do capital internacional que apostaram no PT como aparelho burocrático gerencial do Estado brasileiro e no consequente bloqueio a luta de classes que tal conjuntura geraria), o reformismo conservador e a permeabilidade que setores antes excluídos politicamente que passam a disputar com a burocracia cutista e petista pela concepção das políticas sociais.
      

            O exposto acima serve apenas para seguirmos daqui tendo uma ideia mínima do que se supõe quando pensamos em plano. Ideia mínima, pois não é nenhuma novidade que até isso é negligenciado pela imprensa capitalista quando vende a desinformação como informação. De qualquer maneira, a concepção quanto ao que viria ser o Juventude Viva esta em disputa e não pretendo  aqui trabalhar com a ideia de que ele é um só onde quer que esteja.

            No segundo semestre de 2012, o governador de Alagoas Teotônio Vilela Filho (PSDB) se reuniu em Brasília com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e com a Secretaria-geral da presidência. Alagoas foi o primeiro estado a implantar o Juventude Viva, sendo visto como uma espécie de enclave para o Brasil Mais Seguro, esse último, um plano que, mesclado entre outros com o Juventude Viva, iria nortear o Programa Nacional de Segurança Pública.

            Interessante nesses encontros intersetoriais é como cada secretaria vive de defender a sua existência. Quando o problema é violência, por exemplo, o discurso é tipo assim;

Secretaria da Cultura – A violência deve ser enfrentada com esporte, lazer, educação, saúde e cultura.

Secretaria do Estado da Mulher (essa é bem interessante, pois é também da Cidadania e dos Direitos Humanos)- A violência deve ser enfrentada com esporte, lazer, educação e saúde focando a mulher.

Secretaria da Defesa Social - A violência deve ser enfrentada com esporte, lazer, educação e saúde focando a assistência social.

            Funciona assim da micro à macropolítica, mas na macro costuma ser um efeito direto de uma pressão de base eleitoral – “fragmentação da sociedade contemporânea” - e de conjuntura econômica do capital, pois esse rearranjo que é promovido entra e saí governo não altera nada que não seja a concepção da implantação de uma política, importante quando falamos de Juventude Viva, mas inútil do ponto de vista da luta de classes.

            Bom, neste encontro referido acima, Vilela afirma que o Alagoas tem problemas sérios com a violência em decorrência da taxa de pobreza absoluta que atinge metade da população, enxergando o problema como basicamente socioeconômico. É através não só da ação policial, mas também através do trabalho social, educação, saúde e esportes que essas pessoas irão adentrar as portas da cidadania, são suas colocações.

            Apesar de reconhecer a intersetorialidade do programa (o fato de estar ali já fala um pouco sobre isso) ressaltou que estava atendendo um pedido da presidenta Dilma, que também foi quem o convenceu a implantar o Brasil Mais Seguro. Imagino que Dilma usou uma técnica típica do que alguns chamam de lulismo; “Antes ter, apesar das contradições, do que não ter”, o que soa bem do ponto de vista de quem deseja uma ação prá ontem quanto à situação atual, mas que por outro lado nada mais é que a expressão das necessidades matérias do PT em se manter no poder em um momento onde setores da própria burguesia digladiam pelo mesmo deixando translúcido o avanço das contradições do regime burguês. Mas o que vem a ser política para o que chamam de “o outro projeto para o Brasil”? O que viria a ser política para os tucanos? Quem não faz ideia do que é a política, na sua forma oficial, para o PSDB, aqui vai uma dica;

“A política, como meu pai, o ‘Velho Menestrel das Alagoas’, o velho Teotônio Vilela apregoava, ela é a política como um instrumento. Uma ferramenta para promover o bem comum, do contrário é politicagem. E o PSDB existe para fazer essa política, assim que o presidente Fernando Henrique fez no Brasil, assim que os governadores que o PSDB tem elegido por todo esse país, entre eles, Aécio Neves em Minas Gerais. Mudando uma história para melhor; de gestão, de organização, dos serviços sociais. É o Estado, em parceria com a sociedade, construindo um futuro comum”.
                                                                                              Teotônio Vilela Filho (PSDB)

            Vilela é presidente de seu partido e um aparente fã da retórica. Sabemos dos fatos, que tudo o que foi dito acima é anos luz da realidade. Talvez a única informação relevante, não por isso inédita, é que Aécio Neves sai contra Dilma na corrida eleitoral do ano que vem.

Até aqui, vimos que nesse pequeno fragmento do contexto onde habita a disputa por um plano ou política nada foi dito sobre seu objeto, ou seja, o negro jovem que perfaz o perfil que mais paga a conta da violência. Muito pelo contrário, Alagoas tem um fascitoide burocrata filho de outro que era um autêntico dono de fazenda, membro da UDN depois da ARENA e estrategicamente do MDB no pós-ditadura civil-militar (contradições nítidas em “Menestrel das Alagoas” de Milton Nascimento). Deixemos as querelas e vamos olhar o Alagoas por dentro das Alagoas.


Alagoas mata negro a rodo. Em 2010, das 2.286 vítimas da violência, 81% eram negras, o que corresponde a taxa de 80, 5 por 100 mil habitantes, um índice três vezes maior que o do país (lembrando que aquela altura o Brasil era o quinto colocado no ranking por essa taxa sem o corte étnico/racial). A maioria, do sexo masculino, com idade entre 15 e 29 anos. A cada um branco morto, morriam 18 negros (1.700%), 26 se pegarmos apenas a cidade de Maceió. Nas Alagoas é onde morrem mais negros, mas curiosamente é onde morrem menos brancos.

E como esses jovens negros morrem? Por arma de fogo na maioria das vezes, 200% (2000 - 2010) foi o crescimento da incidência fazendo esse corte entre as mortes por causas externas, que é o que se trata aqui. Passou de 9° para 1° nesse ranking nacional com um taxa global de 55.3 para cada 100 mil habitantes. Não tenham dúvidas quanto a forma em que se enquadra a arma de fogo, homicídios.

Em 2011 a taxa de mortalidade se mantém maior entre os jovens, mantendo homicídios por arma de fogo como causa principal com a taxa ainda maior que a do ano anterior, ou seja, manteve sua posição no ranking. Os municípios mais problemáticos são; Arapiraca, Maceió, Marechal Deodoro, Pilar, Rio Largo e São Miguel dos Campos com uma taxa pouco superior a 100 para cada 100 mil habitantes, ou seja, quase 10 vezes acima do que a OMS chama de limiar da epidemia de violência (acima de 10 para cada 100 mil habitantes). Se realizarmos um corte étnico/racial aqui, teremos 200 para cada 100 mil habitantes, só contando jovens negros. Logo, entre 2002 – 2011, a taxa de homicídios entre brancos caiu 30,8% e entre negros subiu 212,9%. Lembre-se do que coloquei acima, morrem cada vez mais negros e cada vez menos brancos nas Alagoas.

Aparentemente a Secretaria de Estado da Defesa Social não curte dizer qual a cor de quem tá morrendo, apesar disso, pode-se trabalhar com o mínimo mesmo. O relatório 2012 mostram 1.644 mortes por arma de fogo culminando em uma taxa de 52.3 para cada 100 mil habitantes, um leve recuo aparente. Digo aparente, pois para essa Secretaria de Defesa Social essas pessoas são apenas nome, nome da mãe, idade, causa, cidade, bairro e mês, ou seja, no máximo metade de uma folha A4, sabe lá as circunstâncias de tais mortes quanto mais seu número real. Das 1.644 mortes, 1.238 está na faixa etária entre 15 e 29 anos sendo as ocorrências distribuídas entre: arma de fogo (PAF), arma branca, espancamento, asfixia, arma de fogo + arma branca, esganadura, queimadura, estrangulação, não identificado, sem informação e outra que não consegui identificar “pardo”, todos entrando no critério de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI). Portando temos uma taxa de 139 para cada 100 mil habitantes nessa faixa etária. Apesar da carência de informações, o relatório Relação de Vítimas de Crimes Violentos e Intencionais-Janeiro a Novembro de 2012, é bem desanimador. Para fechar vamos para 2013.
Usando a mesma base, podemos encontrar 779 mortes por PAF, no período de janeiro a maio, o que representa 83.73% dos CVLI. De todas CVLI, 95.02% ocorreram em pessoas do sexo masculino e em 54.49% atingiu a faixa-etária entre 18 e 29 anos (esse critério de faixa etária é interno da policia, por isso não é do entre 15 e 29 anos utilizado até agora), logo já estamos com uma taxa de 106 para cada 100 mil habitantes nessa faixa etária.
“(...) através não só da ação policial” disse o governador Teotônio Vilela. Tão só é o que os números dizem.
Segundo o deputado federal Paulão (PT-AL), os focos do Juventude Viva é o analfabetismo, qualificação de mão de obra, acesso ao mercado de trabalho, microcrédito na zona rural e programas preventivos para a questão do crack. Descreveu bem a articulação no alto escalão: a Secretaria de Juventude - vinculada à presidência da república - é quem coordena o programa através de uma articulação interministerial com educação, saúde, assistência social, trabalho e seppir. Nem o negro, antes petista, Paulão focou com vontade na questão do jovem negro por outro lado. Só garantiu as benesses do cargo com a propaganda interminável do governo federal que fez “o milagre dos peixes” com a ativação do consumo pelo microcrédito e todo o pacote das políticas a toque de caixa que eles vivem de decorar. Porém o que nos interessa é saber o que muda, mesmo que cedo para saber, em Maceió, Arapiraca, Marechal Deodoro e Rio Largo, é lá que o Juventude Viva está, ou deveria ao menos.

A cidade mais importante de Alagoas fechou o período descrito para 2013 (janeiro a maio) com uma redução muito sensível, sendo maior para o mês de janeiro e caindo exatas 20 mortes até maio (sensível, pois o mês de março superou a taxa dos dois anos anteriores quanto ao mês) totalizando 368 mortes (CVLI) no período, logo 2.44 por dia, ocorrendo preferencialmente aos sábados e domingos.  O perfil é o mesmo, 95.11% do sexo masculino e 53.53% na faixa etária entre 18 e 29 anos, 83.42% por PAF sendo que as ocorrências são em 48.10% dos casos em locais públicos e em 43.75% na casa ou nas imediações da casa da vítima. Apesar disso tudo a taxa de mortalidade por CVLI entre 18 e 29 anos caiu para 93 para cada 100 mil habitantes.

Considerada a segunda mais importante cidade do estado e vizinha da região metropolitana de Marechal Deodoro, Arapiraca obteve uma redução de apenas 12 mortes no período descrito acima. Com muitas oscilações computou 73 mortes (CVLI), sendo 80.82% por PAF, 56.16% em locais e vias públicas e 31.51% em casa ou imediações. Foram 0.48 mortes/dia com uma distribuição mais homogênea entre os dias da semana. 98.63% ocorreram entre o sexo masculino e em 52.05% (38) dos casos na faixa etária entre 18 e 29 anos, temos uma taxa de 77 mortes para cada 100 mil habitantes na faixa etária referida. Do ponto de vista quantitativo, a situação ainda é aguda e a cidade tende a não superar, em tempo, o quadro.

Pegando todas as faixas etárias e trabalhando com inferências justificadas com o perfil das cidades citadas teríamos 30 mortes para cada 100 mil habitantes (21 mortes no período) em Rio Largo e 53 mortes para cada 100 mil habitantes em Marechal Deodoro (25 mortes no período).

Reconhecendo a pobreza de qualquer análise qualitativa que poderíamos fazer com os números acima para o Juventude Viva, fica no ar saber até que ponto o plano pode avançar em um momento em que o país insiste na política macroeconômica do modelo neoliberal e aprofunda cada vez mais suas contradições internas. Cabe ao Movimento Social buscar conectar cada realidade particular concreta, ou seja, suas formações sociais, estrutura econômica, estrutura ideológica, ideias predominantes nas massas, estruturas de poder e suas contradições internas com o plano Juventude Viva no sentido de utiliza-lo como combustível às lutas que inevitavelmente acompanharão às contradições deste novo período. Mas focar cada território não significa colocar a cabeça dentro da terra como um avestruz para encontrar respostas, mas se atentar para articulação nacional e internacional a qual o território de insere.    


 MIGUEL ANGELO



segunda-feira, 29 de julho de 2013

Distrito Grajau

                        Distrito Grajau

                                                                                                                        Miguel Angelo

O distrito do Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo, é o terceiro maior distrito em tamanho territorial (92 km²) e o mais populoso da cidade (360.787 mil hab.) (PREFEITURA DE SÃO PAULO 2010) com uma taxa de crescimento populacional de 0,79 entre 2000 e 2010 (IBGE 2010), é considerado um distrito predominantemente pobre; tem apenas 39% de seus domicílios ligados a rede geral de esgotamento sanitário; está entre os distritos com maior necessidade de saúde (ATLAS DA SAÚDE 2011); tem uma renda per capita de R$ 450,7, sendo o 4% mais pobre no lado sul; e em média 8,18% das mulheres são mães antes dos 18 anos de idade (SEADE 2013). A ocupação é dos anos 50 e 60 (séc. XX). Com a instalação do polo industrial de Santo Amaro ocorre o aumento da oferta de emprego e de terras abaixo custo culminando em um aumento populacional no lado sul; entre 1991 a 2000 aumentou 180% a ocupação na área urbana e em torno 410% a ocupação na área rural, tendo 73 favelas, o terceiro distrito, proporcionalmente, com mais favelas e mais moradores por domicílio (6) na zona sul, (SEHAB/ HABI  2008) ; havia em 2000 mais de 3 mil famílias sem habitação no distrito (SEADE 2000) . É considerado um distrito ilegal, já que boa parte dos moradores não possui escritura de posse e irregular por estar encima de uma área de manancial. Logo, existe um conflito que se põe já no primeiro momento, de fundação mesmo do território. (COLETIVO IMARGEM 2007).  Nos últimos anos, como em boa parte do país, observou-se uma melhoria dos indicadores de saúde, tais como uma queda de 59,9% na mortalidade de jovens, de 83,3% nas mortalidades por agressão, de 19,3% na mortalidade infantil, de 25,4% na fecundidade e de 1% na taxa de mortalidade por AIDS e demais doenças infecciosas no período de 2000 a 2010 (SEADE 2013).
Apenas algo em torno 40% dos negros no Grajaú trabalha com carteira assinada (Ministério do Trabalho e Emprego. Relação Anual de Informações Sociais – Rais 2010), o analfabetismo atinge mais de 25% da população, com uma queda de 10% nos últimos dez anos, porém ainda é o terceiro distrito da região no ranking do analfabetismo e ainda tem menos de 10% das crianças entre 0-6 anos matriculadas em estabelecimentos escolares e creches. Tem apenas um Hospital  com apenas 240 leitos disponíveis para a população.

O conflito, constitutivo da organização do Distrito, amplia-se, portanto, considerando a construção político-social do local, empobrecido, situado na transição urbano-rural e marcado pela violência.

A cena cultural é forte com presença marcante do rap, graffiti, pixo, skate, por exemplo, que, entre outros, dão um caráter super original ao Hip Hop local; bonés, camiseta e calça larga, cabelo trançado, Black ou dred contrastam com outros estilos presentes como o punk. Em um lugar onde o Estado parece não estar a cultura local que funciona como enclave aos excluídos que, como eu, acabam por ter fortalecida a autoestima e perspectiva.
Cocainha e BNH é a vanguarda do rap do distrito que, tanto no rap como no pixo entre outros, dão vida ao ambiente. Com o surgimento do VAI (Valorização de Iniciativas Culturais- Projeto da Secretaria Municipal de Cultura) o cenário pegou mais fogo ainda e a galera vem produzindo realidades cada vez mais inovadoras nas nossas quebradas. Longe de ser uma panaceia, o projeto faz parte de uma estrutura que cada ator, e são muitos, precisava para mostrar sua arte com elementos marcantes de uma cultura local territorializada que dialoga diretamente com a comunidade, é como se a profecia de Milton Santos estivesse se concretizando;
No fundo, a questão da escassez aparece outra vez como central. Os ‘de baixo’ não dispõem de meios (materiais e outros) para participar plenamente da cultura moderna de massas. Mas sua cultura, por ser baseada no território, no trabalho e no cotidiano, ganha a força necessária para deformar, ali mesmo, o impacto da cultura de massas. Gente junta cria cultura e, paralelamente, cria uma economia territorializada, uma cultura territorializada, um discurso territorializado, uma política territorializada. Essa cultura da vizinhança valoriza, ao mesmo tempo, a experiência da escassez e a experiência da convivência e da solidariedade. E desse modo que, gerada de dentro, essa cultura endógena impõe-se como um alimento da política dos pobres, que se dá independentemente e acima dos partidos e das organizações. Tal cultura realiza-se segundo níveis mais baixos de técnica, de capital e de organização, daí suas formas típicas de criação. Isto seria, aparentemente, uma fraqueza, mas na realidade é uma força, já que se realiza, desse modo, uma integração orgânica com o território dos pobres e o seu conteúdo humano. Daí a expressividade dos seus símbolos, manifestados na fala, na música e na riqueza das formas de intercurso e solidariedade entre as pessoas:; E tudo isso evolui de modo inseparável, o que assegura a permanência do movimento”.
                                               MILTON SANTOS- POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO 2001
Uma das paradas mais incríveis do Grajaú é isso, tipo sair no role e se deparar com os manos mandando um free-stile. A viva pulsa em meio às contradições provocadas pelo desenvolvimento capitalista que o país vem passando, mas só AO VIVO prá saber.
Sabendo da incapacidade em falar sobre todas as ações no graja, deixou aqui um fragmento de meu Diário de Campo de uma pesquisa que venho desenvolvendo atualmente visando conhecer melhor esse mundo que é nosso distrito;
11/5/2013
Estive acompanhado da jornalista Beatriz Marinelli no lançamento do CD do grupo arte rima em uma praça entre a Rua Alba Valdez e a Rua Juvenal Crem, é o famigerado “Miolo da Favela” no Jd Reimberg. O evento foi organizado pelo coletivo Xemalami e apoiadores, e teve ainda a apresentação do grupo Monkey’s THC, um espaço para a prática de xadrez e exposição de produções possibilitadas por atores locais. Foi promovido um desafio também com premiação e tudo.
O coletivo Xemalami - Xeque Mate La Mission – foi criado em 2000 no distrito do Grajaú, e é herdeiro de vastas articulações anteriores como o Pacto Latino, um dos pioneiros da cena Hip Hop por essas bandas. Importante lembrar que o Xemalami começa apenas como um coletivo de xadrez é em 2005 que irá se tornar também um grupo de rap. Mas é esse elemento basilar, o xadrez, que norteia as articulações do coletivo, é a concepção para além do esporte, diria que como proposta a produção de novos significados a partir dos encontros. Em 2007 o coletivo escreveu para o VAI (Valorização de Iniciativas Culturais- Projeto da Secretaria Municipal de Cultura) propondo realizar um desafio de xadrez na rua, com tabuleiro e peças em maior escala. Desde então o coletivo mantém suas ações. Hoje, com ou sem os incentivos de editais. Drezz, membro mc do coletivo, me falou um pouco sobre o espaço;
“A ideia hoje é promover os grupos de rap que vem fortalecendo conosco. Vai ter um desafio de xadrez feminino e a apresentação dos Monkey’s THC que é os mano de Parelheiros, que vão lançar um promo (famigerado demo tape) e o art rima que acabou de gravar seu primeiro CD. Tá bem difícil agilizar as paradas por agora, fizemos um corre pra descolar as duas extensões pra garantir o som, deve até uns mano que colou com grana mesmo prá fortalecer, quatrocentos conto e pá. Mas tamo levando, né? Rola uma articulação com a escola ali (apontou na direção do EMEI Grajaú, fica a alguns metros da praça onde estávamos), mas é bem difícil, tem uns preconceitos e muitas vezes os caras não querem reconhecer nosso trabalho (em outra oportunidade, Drezz havia dito que o trabalho com o xadrez vinha potencializando o desempenho das crianças em matemática e o interesse na escola), a ideia é fazer uma ponte, tá ligado?”

Comentei sobre a fala do prefeito no dia 22 último sobre essa questão, o reconhecimento dela e a proposta de fortalecer a disputa pelo espaço local, no encontro com setores do movimento Hip Hop. Meneou a cabeça ceticamente;

“Vamos continuar, independente vamos continuar” e prosseguiu;

“Olha ali, o mano ali tá mandando uma pintura prá expor ô”

Um jovem, não mais que vinte e cinco anos, pintava uma árvore em uma espécie de tela banner, o curioso daquilo foi visualizar ali uma pintura que me lembrava mais um quadro a óleo do que um grafitti, bem diferente das intervenções com spray que observei no Campeonato de Skate na semana passada.

“Agora passa um pano ali”.

Apontou na direção inversa onde observei um tabuleiro de xadrez com as peças sob um suporte de madeira.

“Aquela parada ali veio da África do Sul, o irmão ali trouxe só pra expor aqui pra gente. Passa um pano lá depois, é o mesmo jogo, mas a simbologia é outra”.

Achei a informação primordial, me aproximou da compreensão que o coletivo tem do xadrez “para além dos muros, para além do esporte” como pensam. Posteriormente fomos observar de perto, Renan falou um pouco sobre;

 “Um mano trouxe da Cidade do Cabo, ta ligado?”.

            Beatriz me mostrou o detalhe das peças. Realmente cada peça apresentava um desenho bem diferente daquele observado no modelo ocidental.

“Então, ele é todo detalhado mesmo, na parte de baixo também tem a representação dos maiores animais da cultura de lá. Aqui ô, esse Búfalo, o Guepardo... são da cultura de lá”.

Para financiar o evento os apoiadores montaram pequenas mesas onde comercializavam trufas, artigos hippies e bebidas alcoólicas. Compramos duas cervejas e nos sentamos na grama enquanto uma Dj da região mesclava gangsta rap, com reggae e ragga. Beatriz me chamou a atenção quanto à força que identidade visual tinha no ambiente “Olha aquelas meninas ali, parecem iguais”.

Drezz pegou o microfone para dar inicio ao desafio de xadrez; “Cola ai, cola ai, cadê as mina?”. Uma criança se apresentou prontamente, usava um boné aba reta, camiseta e calça larga, e o clássico tênis Adidas, tínhamos a observado pouco antes jogando com um garoto aparentemente da mesma idade. Drezz prosseguiu; “Aeee, não têm mais ninguém? Ae, cadê as mina pra fortalecer? Aqui ô, vai rolar uns prêmios também. Vai rolar uma camiseta bem loca que as mina ali fortaleceu, e esse boné aqui. Tem um CD do art rima e dos Monkey’s THC também”.

Um tabuleiro de escala maior, em torno de um metro em meio, foi colocado de pé. As peças se fixavam nele como se fossem imãs de geladeira, assim todos poderiam acompanhar a partida enquanto Drezz narrava demonstrando amplo conhecimento das regras e jogadas. Por fim a única “mina” que se prontificou a jogar, também ganhou sozinha demonstrando como dar um mate em duas jogadas.

Enquanto os The Monkeys THC se preparavam, Drezz passava ao público a proposta do evento; “O nosso objetivo aqui é ocupar o espaço público, tá ligado? Mostrar que mesmo em um sistema capitalista perverso que nos oprime podemos lutar através das transformações aqui mesmo, na solidariedade e companheirismo para com o outro, tá ligado? Isso também é revolução”.

Um dos integrantes do art rima, veio até nós com o cd do grupo;

“Então mano, tamo ai com esse trabalho, é o primeiro, com quatorze faixas e pá”.

Peguei prontamente o cd enquanto comentava o quanto me impressionei com o trabalho do grupo na semana anterior. Questionei o valor;

“Cinco conto mano, são catorze faixas com produção do Esze”.

Esze Doins é um produtor local, produz uma grande parcela dos grupos do distrito e é integrante do grupo Clube do Berro.

O material era bem simples, uma mídia gravavel não impressa com uma capa em papel cartão com uma arte bem elaborada que consistia de um jovem negro com feição preocupada e correndo, tênis manchado de tinta spray, calças Jens, camisa polo listrada e de mochila, de um lado escapava o spray de uma mão e um microfone de outra, da mochila, com o zíper principal aberto, era visível um rolinho de pintor, usava Black Power e dos olhos brotavam um feixe de luz vermelho, cor em contraste com o roxo de fundo, abaixo à esquerda o nome do grupo com o título do trabalho “Rumo da Vida”.

Peguei, ele agradeceu e pediu para ficarmos até a apresentação do grupo em uma hora, já era em torno de 21: 30h, não prometi justificando que era uma boa caminhada até o ônibus, fora a Beatriz que estava a umas 2 horas da Vila Maria, onde reside.

“Pode pá, mas cola no Niggaz dia 24, firme?”

Niggaz é um evento em memória do graffiteiro da região Alexandre da Hora, falecido em Maio de 2003 aos 21 anos. 

Assenti positivamente, ainda tínhamos uns trinta minutos de campo. Drezz anunciou os Monkeys THC e resolvemos nos adiantar até tenda na frente da qual se apresentam os grupos.

Chamou-me a atenção o grupo possuir um baixista, um baixista punk, Jens rasgado nos joelhos, tênis All Stars, na correia do baixo havia um suástica sendo atravessado por uma faixa vermelha indicando anti nazismo. Chamou-me atenção também parte do conteúdo de determinada canção, Loucomotiva, que fazia uma critica comportamental se contrapondo à pregação do funk carioca, famigerado proibidão;

"Enquanto vários faz os corre prá que tudo de certo, o outro só ti atrasa mesmo pagando veneno. Deixa de se Zé e acorda prá vida. Vida que eu falo não é rolê, droga e as novinha."

Beatriz me chamou a atenção também para outra canção, Malacocaco. Questionou-me o significado de malaco e macaco para aquela música. De imediato coloquei respondi malaco como esperto, vivido, e macaco ali pra mim se referia a uma pessoa que possui as qualidades do mesmo, inteligência, desconfiança etc. Porém, ao escutar novamente aquela canção vi que aparentemente a coisa era um passo além de significar os termos ser um Malacocaco era uma espécie de evolução adaptativa para viver na selva de pedra. No rap já ouvi teorizações negativas e positivas tanto para malaco como para macaco, Malacocaco era novo, mas não a ideia de que o periférico e o playboy são espécies que diferem, veja que interessante a teorização do rapper Eduardo em seu livro “A guerra não declarada na visão de um favelado”;

“As noções de valores ao ser despertada durante o processo evolutivo, criou um bifurcação que dividiu os Homo sapiens. Essa divisão, na minha modesta opinião, mais do que provocar uma desagregação fundamentada em condições econômicas, deu origem a dois conjuntos de humanos biologicamente dessemelhantes: as pessoas normais e os maníacos por papel moeda! Seguindo o conceito de Darwin, aqueles que se tornaram compulsivos por riquezas, passaram às suas futuras gerações o maldito vício por posses, já os que não foram dominados pela avidez patológica por dinheiro, transmitiram aos seus descendentes um desejo de consumo extremamente mais moderado. Este racha evolutivo fez com que os cativos da penúria se tornassem pessoas infectadas pela ganância primária, aquela que almeja comer bem, se vestir bem, morar bem, etc, ao tempo em que os nobres se transformaram em corpos gangrenados pela cobiça desenfreada por supremacia. Nós, os habitantes das favelas e bairros periféricos, nos mantivemos na condição de Homo sapiens, enquanto os corrompidos pelo tilintar das pepitas de ouro, involuíram para uma nova categoria, a qual eu tenho a desonra de batizar neste livro com o nome de: HOMO MONEY!” (TADDEO 2013)
           

            22h, hora de partir, dia pós dia a periferia e sua convulsão cultural me afeta subvertendo pré-conceitos e barreiras físicas e psicológicas.







Em A IDEIA DE PROGRESSO, essa ideia é problematizada, não no sentido de negação – pensando o termo utilizado no sentido de excluir essa possibilidade, mas;

“... o desenvolvimento dos conhecimentos pré-históricos arqueológicos tende a desdobrar no espaço formas de civilização que éramos levados a imaginar como escalonadas no tempo. Isto significa duas coisas: inicialmente, que o “progresso” - se é que esse termo ainda convém para designar uma realidade bem diferente daquela à qual nos dedicáramos inicialmente – não é nem necessário, nem contínuo; procede por saltos, pulos, ou, não consistem em sempre ir além da mesma direção; acompanham-se de mudanças de orientação, um pouco à moda do cavalo do xadrez, que tem sempre diversas progressões à sua disposição, mas nunca no mesmo sentido”. Raça e História – Claude Lévi – Strauss

Este distrito situado na Zona Sul abrange os bairros de:
Bororé, Cantinho do Céu, Chácara Cocaia, Chácara das Corujas, Chácara do Sol, Chácara Gaivotas, Chácara Lagoinha, Chácara Santo Amaro, Cidade Luz, Cipó do Meio, Colônia,  Condomínio Jequirituba,Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima,Grajaú,Jardim Almeida Prado, Jardim Alvorada, Jardim Arco-íris, Jardim Belcito, Jardim Borba Gato,Jardim Campinas,Jardim Castro Alves, Jardim das Pedras, Jardim dos Manacás,Jardim Edda, Jardim Edi,Jardim Eliana,Jardim Ellus, Jardim Icaraí, Jardim Itajaí, Jardim Itatiáia, Jardim Jaú, Jardim Labitary, Jardim Lucélia, Jardim Marilda, Jardim Marisa, Jardim Mirna,Jardim Monte Alegre, Jardim Myrna, Jardim Myrna II,Jardim Noronha, Jardim Nossa Senhora Aparecida, Jardim Nova Tereza, Jardim Novo Horizonte, Jardim Novo Jaú, Jardim Novo Lar, Jardim Orbam, Jardim Planalto Jardim, Recanto do Sol, Jardim Reimberg, Jardim Sabiá Jardim Sabiá II,Jardim Salinas, Jardim Samara, Jardim Samas,Jardim Santa Bárbara, Jardim Santa Fé, Jardim Santa Francisca,Jardim Santa Francisca Cabrini, Jardim Santa Tereza, Jardim São Bernardo, Jardim São Judas Tadeu, Jardim São Pedro, Jardim São Remo, Jardim Shangrilá, Jardim Sipramar, Jardim Tanay, Jardim Três Corações, Jardim Varginha, Jardim Zilda, Parada Cinquenta e Sete, Parque América, Parque Brasil, Parque Cocaia, Parque Deizy, Parque Grajaú, Parque Manacá, Parque Novo Grajaú, Parque Planalto, Parque Residencial Cocaia, Parque Residencial dos Lagos, Parque São José, Parque São Miguel,Parque São Paulo, Parque Shangrilá, Recanto Marisa, Residencial Palmares, Sítio Cocaia, Toca do Tatu, Vila Brasília, Vila Morais Prado, Vila Narciso, Vila Nascente, Vila Natal.



domingo, 28 de julho de 2013

Impresso em Negrito - Poema



Quando me vi sendo avaliado nos mínimos detalhes do corpo
Nunca senti tanto desprezo moral
Fui usado como mercadoria irracional, coisa brutal
E apos uma longa e cruel viagem, é uma pena eu não estar morto.

Eu vi vários morrerem, jogados aos mar, estavam doentes
Mesma raça mas de grupos diferentes, várias intrigas
Sem espaço, com bichos, insetos, pragas, brigas.
Quando escolhido, cortaram os laços com meus entes

Com um pedaço de aço quente me marcaram, fui pro abrigo
O trabalho era duro, 16 horas por dia em uma fazenda
A revolta veio, queria liberdade, queria igualdade, queria renda
A minha fuga falhou, mas os capangas capricharam no castigo

Anos mais tarde, minha mão de obra tornou-se inviabilizada
Enfim, fui libertado porem possuía completamente nada

Precisaram de novos consumidores...
E assim somos para a burguesa, somo meros consumidores,
Pagamos pelo que nós mesmos produzimos , somos explorados.

Chega de escravidão, basta de exploração! Chegar de mortes em negrito.

Aos direitos dos Negros.


(Carlos R. Rocha)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Curso o Método em Marx com José Paulo Netto - Videos

O Professor José Paulo Netto ministrou, em 2002, o Curso O Método em Marx na pós-graduação em Serviço Social da UFPE. O Curso foi gravado originalmente em Fitas VHS. A versão para DVD, dos 5 dias de aula (manhã e tarde), resultou em 2 DVDs por aula, num total de 10 DVDs. retirado do site: http://www.cristinapaniago.com/jos%C3%A9_p_netto_-_curso_o_m%C3%A9todo_em_marx_-

 Aula 1 DVD 1 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 1 DVD 2 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 2 DVD 1 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 2 DVD 2 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 3 DVD 1 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 3 DVD 2 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 4 DVD 1 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 4 DVD 2 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 5 DVD 1 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

 Aula 5 DVD 2 Curso o Método em Marx com José Paulo Netto

sábado, 13 de julho de 2013

Projeto Nova Luz: o discurso midiático/social e científico sobre a ação política na Cracolândia - MSP


Projeto Nova Luz: o discurso midiático/social e científico sobre a ação política do município de São Paulo na região da “Cracolândia”.



  Introdução

O espaço urbano passa por um constante processo de transformação, ora de caráter social ora político, a cidade forma seus próprios núcleos, a classificando e fragmentando (SANTOS 2009). Munido de um processo histórico de desigualdade social e a ausência de políticas públicas, tais núcleos transformam-se em guetos, alojando uma população excluída socialmente (COIMBRA JR, 2000).  Tal situação ilustra-se em diversas cidades do mundo, tal como Lisboa, Amsterdã e São Paulo, que em comum apresentam guetos sociais de consumo de drogas ilícitas e diferentes políticas públicas para tal situação (RODRIGUES, 2006).
Destaca-se neste caso, a cidade de São Paulo, da qual em seu processo de transformação urbanístico tornou o centro da cidade um núcleo de excludentes sociais e de baixo valor político-econômico (ALMEIDA, 2011). Tal situação tornou a região palco do consumo e venda de drogas ilícitas, com destaque ao crack, responsável pela denominação da região de Cracolândia.
Apenas recentemente, através do projeto de revitalização do centro histórico, denominado Nova Luz, de autoria da prefeitura do município em parceria com o governo do estado de São Paulo, a região tornou-se alvo de destaque tanto pelas alterações urbanísticas no projeto, como as ações tomadas pelos órgãos públicos à população local, em destaque aos usuários de crack (OLIVEIRA, 2011).
Tais ações de caráter político e policial foram motivadoras de inúmeras críticas tanto de pesquisadores e profissionais da área social, formadores de opinião tal como revistas e jornais e de próprios órgãos públicos, demostrando em todos os casos diferentes visões quanto às ações tomadas pelos órgãos públicos aos usuários de crack da região da Cracolândia.

Discursos da Geografia
                                           
Os discursos descritos contidos nos artigos desde campo apresentaram posição contrária à totalidade da ação da Prefeitura em parceria com o Governo do Estado.
Para ALVES (2008) a proposta do Projeto nova luz esta inserido em um contexto mundial de requalificação dos centros históricos e/ou tradicionais. Possui apelo pela recuperação do aparelho cultural ali presente e apresenta uma articulação conjunta do poder público e iniciativa privada. A ação na Cracolândia é fomentada pela ideia de degradação do meio causada pelos atores que ali residem como os transeuntes, vendedores ambulantes e até moradores, pessoas essas de baixo poder aquisitivo que possuem a estigma de suspeitos. Construído esse consenso de meio como reflexo dos atores pelos interesses público/privado. Contraditoriamente ao discurso dos interessados, ocorre mais destruição do tal patrimônio pela lógica do capital demonstrando que na verdade a requalificação idealizada é sócio-cultural-econômica.
A construção do consenso para a ação de transformação do meio vem pela moralização que emana do estado, o que é também um discurso de professores de Geografia que assistem estes processos em outros lugares, aspecto apresentado por FERREIRA (2010): “a Lapa foi arrasada, assim como a Cracolândia. Os conteúdos são diferentes, mas ambos os espaços estigmatizados”. O Projeto Nova Luz soma, neste ponto de vista, desejos eleitorais e financeiros privados que deseja entregar o espaço à elite que escoou dali no passado, essa seria a tal “revitalização” de devolveria ao “povo” o espaço que lhe é de direito.

O impacto do projeto na dinâmica do tráfico de drogas apresentada por FERREIRA (2010) (“De acordo com a polícia militar, responsável pela segurança pública na área, já está ocorrendo uma intensa transferência dos negócios relativos aos comércios de narcóticos da Cracolândia para o entorno, particularmente Santa Cecília e a área do Largo do Arouche. Nota-se que o processo de deterioração para a futura revitalização já se encontra em andamento”) é semelhante à dinâmica do usuário de crack descrita por ADORNO E RAUPP (2008) no que diz respeito às rotas no contexto, ou seja, dispersão em pequenas Cracolândias.  

 Discurso da Medicina

Ação é necessária, porém o método é tido como inconstitucional.

A Cracolândia é um desafio para a sociedade que deve ser enfrentado de maneira interdisciplinar e com participação social, foi com a total ausência disso que a Prefeitura em parceria com o Governo do Estado agiu no contexto do projeto Nova Luz: “A iniciativa açodada da administração pública não levou em consideração princípios primários de pluralidade. Reduziu com isso, a complexidade do tema da toxicomania no espaço urbano a um assunto estritamente policial. E, mesmo no campo da segurança pública, o assunto foi reduzido à esfera da criminalidade a ser banida a qualquer custo, ignorando procedimentos humanitários e integrados”.

O usuário de crack, por possuir um transtorno mental, merece o respeito da sociedade. Só a abordagem multissetorial poderia dar fomento à discussão desde usuário, tendo em vista que “... mesmo na esfera sanitária, está longe de ser atingido o consenso a respeito da atuação pública no uso, abuso e dependência de substâncias”.

Assim, condutas não devem ser tomadas sem o julgamento individualizado de caso por caso sendo que “... as discussões sobre a pertinência ou não da ação involuntária tornam-se ociosas se não levarem em consideração os diagnósticos sociais e clínicos corretos para sustentar cada modalidade de tratamento”. É reforçado o fato de que ação está muito imatura, o que levanta a hipótese de que a operação na Cracolândia é o que é para obter resultados antes do término do mandato do prefeito Gilberto Kassab, e é colocado que as propostas supracitadas nada mais são do que o exercício da defesa aos direitos humanos e à saúde contidos na Constituição de 1988. A questão é um problema, mas precisa de mais amadurecimento na sociedade, é possível agir quando o saber médico-científico e multiprofissional prevalecer “Não há, portanto, espaço para o voluntarismo terapêutico ou higienista”.

 Discurso da Economia

Projetos como o Nova Luz são necessários, porém o modelo de implantação é criticado.

A ação na Luz é vista com aspecto interessante do poder público que reconhece que a inserção de equipamentos de cultura como a Sala São Paulo e o Museu de Língua Portuguesa não podem resolver o problema do tráfico de drogas que assola a região assim como as desigualdades sociais gritantes que tornam a questão mais complexa. MORAES (2012) Coloca que projetos como o Nova Luz são amplamente formulados em decorrência do bom desempenho internacional dessas políticas de revitalização dos centros urbanos que começam em meados da década de 90 (séc. XX) abastecidos pela lógica neoliberal:

“Dentro de tal quadro, um dos casos mais citados e alardeados é caso da cidade de Bilbao. Ao longo dos anos 90, a cidade deu conta de alterar totalmente seu perfil, deixando para trás o passado da cidade portuária e industrial e tornando-se destino turístico e cultural...”.

A experiência supracitada teria então dado uma nova lógica de transformação urbana, uma que “está sempre atrelada a projetos grandiosos e aportes gigantescos de recursos” uma lógica que o Nova Luz segue a risca.

O autor, porém apresenta críticas a ações mal elaboradas dando exemplo da própria Bilbao considerada “creative-clad” que não insere na lógica da implantação do equipamento de cultura o desenvolvimento local e sim o utiliza como “roupagem criativa”, ainda dá outros exemplos como o “creative-class” que “... são aquelas que buscam intervir na cidade a partir da constituição de ambientes pró-atividade, estimulando a vinda e instalação de profissionais criativos nas áreas urbanas delimitadas pelas autoridades.” E ainda o modelo “creative-clash” que “... o objetivo não é o de atrair agentes externos à área, mas sim o de fomentar produtores criativos do próprio local”. Projetos da magnitude do Nova Luz precisam vir acompanhados de “um aporte ampliado de estudos, dados interdisciplinares e índice socioeconômicos” para que não tenha como resultado “imposições arbitrárias na delimitação e na implementação dessas iniciativas”, especulação imobiliária e expulsão de moradores e comerciantes locais.  

  Discurso da Antropologia

Definida como gentrificação, a ação na Cracolândia através do Nova Luz é integralmente criticada no discurso.

Para FRÚGOLI E SPAGIARI (2011) o que prevalece na Luz são “representações estigmatizadas” especialmente no discurso da “imprensa e televisão”. O Nova Luz se resume para o autor “na criação de espaços potencialmente sujeitos a aumentos consideráveis dos preços imobiliários”, mas é apresentado como uma revitalização espacial em resposta a degradação em marcha desde 1990. Sua pesquisa de campo mostra muito mais que as “representações estigmatizadas” que ele julga algo inerente ao objetivo da mídia de “criminalização da pobreza”. A ação do Nova Luz na Cracolândia, segundo o autor, permite apenas, sendo um grupo itinerante, sua dispersão e constituição de pequenas  “cracolândias” nas regiões do entorno dificultando o trabalho de redução de danos praticados por uma ONG com os usuários. Está ONG identifica uma transição na forma de a Cracolândia ser vista pela prefeitura, de um problema social (gestão de Marta Suplicy) para um problema de saúde (Gilberto Kassab) que só piorou a situação tendo em vista que isso vende a ideia de solução através da internação dos usuários, “o que manteve a ação repressiva da polícia”. Esse é um dos argumentos para se fazer impor o objetivo supracitado do projeto.

O fenômeno de dispersão de usuários que era realizado de tempos em tempos ora pelo poder público ora pela iniciativa privada, agora é realizado em conjunto tanto por esses atores como por outros do próprio meio como os comerciantes que utilizam a segurança privada para afastar os usuários.

Ainda FRÚGOLI E SKLAIR (2009), através de uma abordagem etnográfica identifica um discurso social que seria antagonista do midiático/político que leva a crer que “... não vêm sendo interpretadas por tais atores sociais como mudanças significativas, embora o poder local venha tentando transformar ou converter, ao menos no plano semântico o espaço da ‘Cracolândia’ em ‘Nova Luz’”.

Neste discurso a ação na Cracolândia através do Nova Luz é classificado como gentrificação que consiste, segundo HOFFMANN (2007) “num conjunto de processos de transformação do espaço urbano que ocorre, como ou sem intervenção governamental, nas mais variadas cidades do mundo. No entanto, o processo tem um sério impacto sobre os antigos habitantes do recém renovado centro da cidade”, pois “cada processo de renovação da cidade até agora tem levado a transformação quase completa da população”.

 Discurso do Jornal Folha de São Paulo

Material permite inferir que o jornal se mostra parcialmente favorável ao projeto, sendo favorável a revitalização da área, porém dando ênfase a maneira como ele vem sendo criticado pelo método.

A primeira matéria selecionada data de 25/01/2012 e possui o titulo “Mais de um século de espera”, afirma que a região conhecida como Cracolândia é “Assolada por uma crise de Saúde Pública” e que ações públicas são “criticadas por uma suposta ‘higienização’ do local” que aguarda mais de um século pela transformação da Cracolândia em Nova Luz. A ação da polícia militar é criticada por ter como resultado “... a migração dos viciados para bairros mais próximos”. O ator social escolhido para participar da matéria é um síndico de um prédio da região que está ansioso por um projeto que a prefeitura divulga há 20 anos “mas não sai do papel”.

Na segunda matéria de título “Justiça suspende de novo revitalização na região da Cracolândia” de 28/01/2012 dá ênfase ao fato de não ser “... a primeira vez que a reurbanização é brecada pela justiça” sendo que “Em abril do ano passado o TJ (Tribunal de Justiça) o pedido de liminar de uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) impetrada pela Associação de Comerciantes da Santa Efigênia”. Desta vez foi cassada a lei de concessão urbanística com o argumento de que o projeto não foi discutido com a população. Como atores sociais aparecem o juiz na ação que argumenta sua decisão também em decorrência da falta de transparência com os gastos públicos no projeto e a ação da polícia militar: “Ninguém discute a necessidade do Estado de retomar o espaço público da Cracolândia (...). No entanto, essa retomada não pode ser marcada somente pelo desenvolvimento econômico e financeiro, pela exclusão social e pela migração de bairro de moradores de rua e viciados”. O outro ator social, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, por nota, afirma que “... causa estranheza a decisão, uma vez que o TJ e a Procuradoria-Geral de Justiça já se pronunciaram pela constitucionalidade da lei”.

  Discurso do Jornal O Estado de São Paulo

Material parece apresentar certa pobreza quanto o real contexto da Cracolândia e do projeto Nova Luz que em nenhum momento é criticado, só justificado. Na segunda matéria é possível identificar ainda certo mal-estar com a suspensão do projeto.

A primeira matéria utilizada foi veiculada em 12/01/2012 de título “A presença do fotojornalista na Cracolândia paulistana” que consiste em imagens tiradas em 2010/2012 focando a degradação da área e o consumo indiscriminado de crack por menores e adultos, com subtítulos como “A revitalização da degradada região é o foco do projeto Nova Luz, plano urbanístico da prefeitura para recuperar, em parceria com a iniciativa privada, esse pedaço do centro paulistano” e “Menino consome crack na Cracolândia, em São Paulo”.

Já na segunda matéria “Justiça de SP suspende o projeto urbanístico na Nova Luz” ocorre a descrição da suspensão com uma ênfase na frase “cabe recurso da decisão” e o enfoque diferente da Folha de São Paulo na questão do projeto colocando que “A decisão também suspende o processo que trata da elaboração do processo urbanístico para a área e seu estudo de viabilidade econômica”.

  Discurso do Jornal O Globo

O material permite dizer que a Cracolândia é um problema de segurança pública, portanto a ação policial através do projeto Nova Luz é o mais importante para o veículo. Não há criticas ao projeto em si, pelo contrário, a posição é totalmente favorável, principalmente ao método.

Primeira matéria utilizada foi veiculada em 13/01/2012 com o título de “PM volta a dispersar usuários de crack em São Paulo” e fala de flagrante em usuários de crack que se reuniram na Rua Helvétia para passar a noite. O ator social escolhido foi o Secretário de Segurança Pública que disse “... que a ação na Cracolândia não tem dia para acabar”. Foram apresentados dados da ação da polícia na área que ora é chamada de Nova Luz ora Cracolândia. Ao final da matéria o Secretário ainda comenta da proibição de balas de borracha e bombas e efeito moral na ação: “Os usuários da Cracolândia são tão passivos que nem condições de resistir eles têm. Não há necessidade de intervenção com o uso de força.”. 

A segunda matéria utilizada “TJ-SP suspende reurbanização de área que engloba a Cracolândia” de 27/01/2012 além do “cabe recurso” já identificado no jornal Estado de São Paulo há um “... local ocupado pela policia militar (PM) desde o começo do ano para afugentar dependentes e traficantes de drogas”. Aparece como ator social a secretária de Justiça que apresenta dados da ação policial na Cracolândia considerando um sucesso: “A Cracolândia acabou. A Cracolândia não existe mais.”.

  Discurso da Revista Carta Capital

O material coletado permite inferir o compromisso da revista em responder as posições favoráveis ao projeto Nova Luz de maneira crítica. Seu enfoque foi no intuído, desta maneira, de desacreditar o projeto sem apresentar o amplo contexto no qual se insere e sim o objetivo lucrativo do mesmo.

A primeira notícia utilizada foi veiculada em 17/01/2012 como título de “’O projeto Nova Luz não convenceu o capital privado’” onde a revista através de um arquiteto e urbanista da USP (Universidade de São Paulo) avalia de maneira negativa o projeto que “... até hoje não conseguiu atrair o mercado imobiliário para a região” e esse seria o motivo da ação ostensiva da polícia “... uma última tentativa da prefeitura de Gilberto Kassab (PSD) de mostrar serviço ao tentar solucionar o problema dos viciados em crack, instalados há anos no bairro (...) é o último ano da gestão, não vão conseguir nada”. A matéria continua descrevendo a proposta do projeto que “... existe a mais de 30 anos e nunca foi realmente implantado”. A ação policial ainda é chamada de “saneamento com relação aos viciados” de maneira geral tanto como o projeto, quanto a ação policial isoladamente só tiveram saldos negativos sendo que, “Assim, o plano corre o risco de cair em uma atividade eleitoreira, com grande aparição na mídia, mas sem melhorias concretas, com um trabalho a longo prazo”. Ainda no final da matéria o ator social afirma: “Essa gestão sairá totalmente desmoralizada em relação à Luz”.

Em 27/01/2012 a matéria “Justiça suspende projeto de revitalização da Nova Luz” o discurso não difere em muito dos outros aqui apresentados: “Na prática, isso paralisa o projeto, mas cabe recurso da prefeitura.”.

 Discurso da Revista Caros Amigos

O material explana, através da fala de especialistas, os conflitos existentes entre os atores sociais, demonstrando as irregularidades na execução do projeto como sanador dos problemas sociais da região.

A primeira matéria, veiculada no dia 17/01/2012, intitulada “Churrascão da Cracolândia: veja protesto e leia manifesto” ilustra o protesto, organizado por movimentos sociais em decorrência dos processos repressivos na região, com a participação de frequentadores e moradores. A matéria também divulga um manifesto organizado por diferentes entidades do movimento social onde demonstram indignação quanto à política de repressão policial adotada pela prefeitura do município e governo do estado ao usuário de crack, como também sua política de combate às drogas e a especulação imobiliária, concluindo em uma denúncia em defesa ao individuo.

A matéria de Raquel Rolnik, intitulada “Pinheirinho, Cracolândia e USP: Em vez de política, polícia!” veiculada no dia 27/01/2012 faz um comparativo entre as abordagens políticas e policiais na reintegração de posse do terreno a qual se encontrava o bairro de Pinheirinho, em São José dos Campos, da reitoria da Universidade de São Paulo e a ação policial no centro paulistano para conter o tráfico de drogas. Segundo Rolnik, todos esses fatos têm em comum “os conflitos na gestão e ocupação do território”, da qual demandariam políticas de curto, médio e longo prazo devido a sua complexidade, porém a resposta utilizada foi o uso da truculência policial e a limpeza social para atores ocultos nos conflitos sociais.

As convergências e divergências nas posições da academia e da imprensa.

O material coletado permite inferir que o discurso cientifico é contrário a ação política da prefeitura do município em parceria com o governo do estado de São Paulo sobre a Cracolândia. O discurso Geográfico e o Antropológico parecem contrários a todo o projeto Nova Luz, focando o ponto da especulação imobiliária e a ação da polícia como maiores agravantes. O discurso Médico e o Econômico são contrários ao método, porém reconhecem a necessidade do projeto cada um com seu viés, ou seja, “tratamento” e “lucratividade”.


No discurso midiático/social começam a aparecer apoiadores a ação sobre a Cracolândia sendo que o jornal Estado de São Paulo justifica o projeto por um viés de recuperação de um patrimônio social e O Globo no viés mais voltado para a questão do “saneamento para com os usuários de crack”, sempre defendendo e otimizando a segurança pública que é a única a ter voz nas matérias colhidas. O jornal Folha de São Paulo, que possui uma posição aparentemente neutra, foi o veículo que mais se aproximou de contextualizar a ação, aspectos como a “migração de usuários para outros bairros” pactuam com os discursos da Geografia e Antropologia. Outro ponto considerado positivo foi à presença de um ator social autóctone, o que não nos ocorre em outros veículos da chamada “grande mídia”, que apostou em representantes da justiça (O Globo) e na própria posição (Estado de São Paulo), e na dita mídia alternativa que se utilizou de especialistas para defender seu ponto de vista. Carta Capital não se preocupou em incutir seus valores, algo presente em Estado de São Paulo e O Globo, como observado na apresentação das matérias, parece se focar em contra argumentar os outros veículos listados. Talvez seu discurso pactue em determinados momentos com o discurso econômico que prima à lucratividade aliada à justiça social, porém se reduz a este aspecto negligenciando o que de fato está contido no evento deixando muito vaga a ideia “saneamento para com os usuários de crack” a quem não teve contado com o que foi publicado sobre a mesma questão em outros veículos de informação.




Miguel Angelo Sena da Silva Junior
Yago Matos Alves

Farah Jorge Farah