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segunda-feira, 21 de maio de 2018

Fannie Lou Hamer - Depoimento perante o Comitê de Credenciais, 1964


Fannie Lou Hamer* - Depoimento perante o Comitê de Credenciais, na Convenção Nacional Democrata 1964



22 de agosto de 1964

Sr. Presidente, e ao Comitê de Credenciais, meu nome é Sra. Fannie Lou Hamer, e moro no 626 East Lafayette Street, Ruleville, Mississipi, Condado de Sunflower, a casa do senador James O. Eastland e do senador Stennis.

Foi no dia 31 de agosto de 1962 que dezoito de nós viajamos vinte e seis milhas até o tribunal do condado de Indianola para tentar nos registrar para nos tornarmos cidadãos de primeira classe. Fomos recebidos em Indianola por policiais, patrulheiros da estrada, e eles só permitiram que dois de nós fizéssemos o teste de alfabetização/instrução na época. Depois que fizemos o teste e começamos a voltar para Ruleville, fomos detidos pela Polícia da Cidade e pelos Patrulheiros Estaduais e levados de volta para Indianola, onde o motorista do ônibus foi acusado naquele dia de dirigir um ônibus na cor errada.

Depois que pagamos a multa entre nós, seguimos para Ruleville, e o reverendo Jeff Sunny me transportou seis quilômetros na área rural, onde trabalhei como cronometrista e meeira por dezoito anos. Eu fui recebida lá por meus filhos, que me disseram que o dono da fazenda estava zangado porque eu tinha tentado me registrar.

Depois que me contaram, meu marido chegou e disse que o dono da fazenda estava bravo (raising Cain) porque eu tentara me registrar. E antes que ele parasse de falar, o dono da fazenda veio e disse: "Fannie Lou, Pap** lhe contou o que eu disse?"

E eu disse: "Sim, senhor".

Ele disse: "Bem, eu quero dizer que, se você não descer e retirar o seu registro, você terá que sair. Então, se você descer e retirar, você ainda pode ter que partir porque não estamos prontos para isso no Mississípi".

E eu me dirigi a ele e disse: "Eu não tentei me registrar para você. Eu tentei me registrar por mim."

Eu tive que sair naquela mesma noite.

Em 10 de setembro de 1962, dezesseis balas foram disparadas contra a casa do Sr. e Sra. Robert Tucker por mim. Naquela mesma noite duas garotas foram baleadas em Ruleville, Mississippi. Além disso, a casa do Sr. Joe McDonald foi baleada dentro.

E em 9 de junho de 1963, eu havia participado de uma oficina de registro de eleitores; estava voltando para o Mississípi. Dez de nós estávamos viajando pelo ônibus de Trailway Continental. Quando chegamos a Winona, Mississípi, que é o condado de Montgomery, quatro pessoas saíram para usar o banheiro, e duas das pessoas - para usar o restaurante - duas pessoas queriam usar o banheiro. As quatro pessoas que tinham entrado para usar o restaurante foram ordenadas a sair. Durante esse tempo eu estava no ônibus. Mas quando olhei pela janela e vi que elas tinham saído correndo, desci do ônibus para ver o que havia acontecido. E uma das senhoras disse: "Foi um policial rodoviário estadual e um chefe da polícia nos ordenou a sair."

Eu voltei pro ônibus e uma das pessoas que tinha usado o banheiro voltou pro ônibus também.

Assim que eu estava sentada no ônibus, vi quando eles começaram a pegar as cinco pessoas no carro de um policial rodoviário. Saí do ônibus para ver o que estava acontecendo e alguém gritou do carro em que os cinco trabalhadores estavam e disse: "Pegue aquele ali". E quando fui entrar no carro, o homem me disse que eu estava presa, ele me chutou.

Fui levada para a cadeia do condado e colocada na sala de reservas. Eles deixaram algumas pessoas na sala de reservas e começaram a nos colocar nas celas. Fui colocada em uma cela com uma jovem chamada Miss Ivesta Simpson. Depois que fui colocada na cela, comecei a ouvir sons de chutes e gritos. Eu podia ouvir o som de chutes e gritos horríveis. E eu podia ouvir alguém dizer: "Você pode dizer 'sim, senhor', 'nigger'? Você pode dizer 'sim, senhor'?"

E eles diziam outros nomes horríveis.

Ela dizia: "Sim, eu posso dizer 'sim, senhor'".

"Então, bem, diga."

Ela disse: "Eu não te conheço bem o suficiente".

Eles a espancaram, não sei quanto tempo. E depois de um tempo ela começou a orar e pediu a Deus que tivesse piedade daquelas pessoas.

E não demorou muito para que três homens brancos viessem à minha cela. Um desses homens era um policial rodoviário estadual e ele me perguntou de onde eu era. E eu disse a ele Ruleville.

Ele disse: "Vamos checar isso". E eles deixaram minha cela e não demorou muito para que eles voltassem. Ele disse: "Você é de Ruleville, tudo bem", e ele usou uma palavra de maldição. E ele disse: "Nós vamos fazer você desejar que estivesse morta".

Fui levada dessa cela para outra cela onde tinham dois prisioneiros negros. O patrulheiro estadual da estrada ordenou que o primeiro negro pegasse o porrete (blackjack). O primeiro prisioneiro negro me ordenou, por ordem do patrulheiro estadual, que eu deitasse o rosto em uma cama de beliche. E eu deitei meu rosto, o primeiro negro começou a me bater.

E fui espancada pelo primeiro negro até ele ficar exausto. Eu estava segurando minhas mãos atrás de mim naquele momento do meu lado esquerdo, porque sofri de pólio quando tinha seis anos de idade.

Depois que o primeiro negro bateu até que ele estivesse exausto, o patrulheiro estadual de estrada ordenou que o segundo negro pegasse o porrete.

O segundo negro começou a bater e comecei a agitar com os pés, e o patrulheiro estadual de estrada ordenou que o primeiro negro que tinha batido se sentasse nos pés - para impedir que eu agitasse com meus pés. Comecei a gritar e um homem branco se levantou e começou a me bater na minha cabeça e disse para me calar.

Um homem branco - meu vestido tinha subido - ele se aproximou e puxou meu vestido - eu puxei meu vestido para baixo e ele subiu meu vestido de volta.

Eu estava na prisão quando Medgar Evers foi assassinado.

Tudo isso por conta do desejo de nos registrar, de nos tornarmos cidadãos de primeira classe. E se o Partido Democrático da Liberdade não for estabelecido agora, eu questiono a América. Esta é a América, a terra dos livres e a casa dos bravos, onde temos que dormir com nossos telefones fora do gancho porque nossas vidas são ameaçadas diariamente, porque queremos viver como seres humanos decentes na América?

Obrigada!

fonte do depoimento: 




*Fannie Lou Hammer (1917 -1977), uma das lideranças do movimento por direitos civis, liderou a delegação do Partido Democrático da Liberdade do Mississípi à convenção do Partido Democrata de 64 exigindo ser reconhecida - o presidente Johnson convocou uma coletiva de imprensa "urgente" para que não houvesse cobertura televisiva de sua declaração. Mas a importância desse discurso fixou como denuncia na luta pelos direitos civis, mesmo com a tentativa de boicote de sua fala. Neste discurso ela também traçou um pouco da mudança de vida que ela teve a partir da campanha do SNCC de registrar o voto afro-americano.

**Perry "Pap" Hamer - marido dela desde 1944