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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Convite: Podcast Garvey Vive! – quinto episódio (23/02/2022)

Salve Povo Preto, anota na agenda aí.

Podcast Garvey Vive! – quinto episódio

No quinto episódio do Podcast Garvey Vive! vamo trocar uma ideia com os manos Fuca, ativista pan-africano e rapper, e Miguel Lil X, ativista e rapper também. O tema deste encontro é a discussão proposta pelo mais velho Chinweizu em seu artigo “Marcus Garvey e o Movimento de Poder Negro”, com traduções para o português do irmão Fuca e também pela AI-Brasil.

O episódio vai ao ar dia 23/02, às 20:30 no canal do YouTube da Afrocentricidade Internacional- Divisão Brasil. Garvey vive!

Um só Destino! ️🖤💚



Nesse link, bora! 
https://www.youtube.com/watch?v=1ElZujP9dQU

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Abdias Nascimento sobre Marcus Garvey em 05/06/1997 - Pronunciamento no senado.

O SR. ABDIAS NASCIMENTO (PDT-RJ. pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, SRªS E SRS. senadores, Sob a proteção de Olorum, inicio este pronunciamento.

 

Acontecimento mais relevante da história deste milênio, a invasão do Continente Africano por europeus a partir do século XVI, com a escravização e migração forçada de milhões de seus filhos e a transformação dos restantes em súditos coloniais, alterou para sempre a face do planeta. Pode-se afirmar, sem medo de exagero, que o transplante de enormes contingentes de africanos para o outro lado do Atlântico não apenas moldou a face das sociedades americanas, mas constituiu o principal motor de processos fundamentais, como a Revolução Industrial e a ascensão do capitalismo, responsáveis pela configuração do mundo, tal como hoje o conhecemos. Dentre as consequências negativas desse fato histórico encontram-se os principais vetores da instabilidade de que padece não apenas a África mesma, mas igualmente boa parte das Américas, sem esquecer a própria Europa. Questões como o racismo e a xenofobia, que têm nos descendentes de africanos no Novo e no Velho Mundo seus alvos preferenciais, encontram-se nas raízes de problemas como a violência urbana, as crianças de rua, a favelização das metrópoles. Ao mesmo tempo, as sequelas do colonialismo se espelham com clareza no empobrecimento e nas sangrentas lutas fratricidas que nos acostumamos a associar a determinadas regiões da África, frutos da atomização e do artificialismo que presidiram à imposição das atuais fronteiras dos países africanos pelos centros político-militares europeus de força.

Com todo o sofrimento e toda a dor que constituíram parte integrante desse processo cruel, a história da resistência africana na própria África e nas Américas é também uma saga repleta de heroísmo, bravura, determinação e criatividade. Qualidades que possibilitaram que um povo dominado pelo poder das armas, reforçado por toda espécie de ideologia mistificadora, conseguisse impor boa parte de sua cultura, de seus valores, de sua arte, de sua religião aos seus dominadores, a despeito da suposta superioridade por estes autoproclamada. Tudo isso não aconteceu de graça, mas em resultado de uma luta tão multifacetada quanto as próprias estratégias de dominação elaboradas pelos escravizadores europeus e seus descendentes. Uma luta a um tempo nos planos material e ideológico, envolvendo não somente as armas convencionais de cada época e lugar em que tem sido travada, mas igualmente a palavra e o pensamento, tendo por meta a derradeira conquista das consciências e mentes de europeus, africanos e seus descendentes. Objetivo último dessa luta: a supremacia final, para uns, ou a plena liberdade, para outros.

Uma das noções mais antigas entre os povos africanos escravizados nas Américas é a de que sua liberdade não se resgataria com simples apelos emotivos ao coração do dominador. Mais do que isso, a percepção de que uma África unida, livre da hegemonia europeia, constituiria uma fonte de força e apoio aos negros em todo o mundo. Essa visão, raiz mais profunda daquilo que viria a ser conhecido como pan-africanismo, encontra-se presente, mesmo que de forma incipiente, no ideário dos principais movimentos de luta organizada contra a escravidão nas Américas. Estava presente em Palmares, que congregava africanos de todas as origens, assim como seus descendentes, em busca da mesma liberdade por que lutaram os maroons do Caribe, os revoltosos da Centro-América e os revolucionários libertadores do Haiti.

O pan-africanismo é a teoria e a prática da unidade essencial do mundo africano. Não há nenhuma conotação racista nessa unidade, que se baseia não em critérios superficiais, como a cor da pele, mas na comunidade dos fatos históricos, na comunidade da herança cultural e na identidade de destino em face do capitalismo, do imperialismo e do colonialismo. O pan-africanismo reivindica a unidade do Continente Africano e a aliança concreta e progressista com a diáspora unida, que incorpora populações asiáticas, como os dravídicos da Índia e os aborígenes australianos, saídos do Continente Africano há dezenas de milhares de anos. E também a nova diáspora negra na Europa, constituída, fundamentalmente nos últimos 30 anos, pela migração procedente da África e do Caribe.

O primeiro registro histórico de uma reivindicação de caráter tipicamente pan-africano data de meados do século XVIII, na forma de uma petição em que escravos da colônia inglesa que um dia se transformaria nos Estados Unidos da América pleiteavam a volta à África depois de libertados. A mesma ideia presidiu à fundação em 1787, por um grupo de afro-americanos, da cidade de Freetown - que mais tarde viria a ser a capital da Serra Leoa -, revertendo um projeto originalmente racista e paternalista que só ganhou força quando ressuscitado e recuperado por africanos e descendentes oriundos do Caribe e da América do Norte.

O século XIX assistiu ao crescimento e consolidação do ideal pan-africano, impulsionado, nos Estados Unidos, por nomes como Prince Hall, John Russworm, o Bispo McNeil Turner e o grande ativista Edward Blyden. O mesmo ideal que, sob diferentes formulações, propelia ao mesmo tempo os movimentos anticoloniais africanos. Na África do Sul, por exemplo, desde a sua criação, no início deste século, o Congresso Nacional Africano, que décadas mais tarde concretizaria o sonho aparentemente utópico de um governo de maioria negra, incorporou integralmente ao seu programa o ideal pan-africano. Como se percebe no profético discurso do nacionalista sul-africano Isaka Seme, proferido em 1905 na Columbia University:

O gigante está acordando! Dos quatro cantos da terra os filhos da  África marcham em direção à porta dourada do futuro, carregando o registro de proezas de valor realizadas.

Dentre os inúmeros intelectuais e ativistas dedicados à causa pan-africana nestes últimos dois séculos, um nome se destaca: o de Marcus Garvey, responsável pela fundação do principal movimento internacional negro em toda a história - a UNIA (Universal Negro Improvement Association, Associação Universal para o Avanço Negro), organização que chegou a ter 35 mil militantes inscritos nos Estados Unidos, 52 filiais em Cuba, oito em Honduras, oito na África do Sul, 47 no Panamá e 25 na Costa Rica -, onde tive a oportunidade de visitar o casarão histórico em que funcionou seu quartel-general para a região, ainda preservado na Província de Limón. Além de sucursais no Brasil, Equador, Nigéria, Porto Rico, Austrália, Nicarágua, México, Barbados, Serra Leoa, Inglaterra e Venezuela. 

Marcus Garvey nasceu em St. Ann's Bay, na Jamaica, a 17 de agosto de 1887. Filho de um pedreiro do mesmo nome, descendente dos aguerridos maroons, que desafiaram - por vezes com sucesso - a ordem colonial britânica na Jamaica e em todo o Caribe, cedo demonstrou uma aguda inteligência e uma inquietação em face de problemas sociais e raciais que iria acompanhá-lo até a morte. Já aos 16 anos, como aprendiz de gráfico, seu primeiro emprego, o jovem Garvey iniciava sua atuação como ativista político, participando de uma greve de sua categoria. Pouco depois, publicou seu primeiro jornal, The Watchman (O Vigilante), em que expunha suas ideias e preocupações sobre temas vinculados a raça e classe.

Essas preocupações o levariam em frequentes viagens ao exterior, nas quais a visão dos descendentes de africanos ocupando em toda parte a base da pirâmide social acabaria consolidando suas posições ideológicas e forjando os elementos essenciais de sua plataforma anti-racista, antiimperialista e anticolonialista. Assim foi no Panamá, porto de destino de milhares de jamaicanos atraídos pelos empregos oferecidos com a construção do Canal, mas discriminados em favor dos operários brancos. Também no Equador, na Nicarágua, em Honduras, na Colômbia e na Venezuela, onde os negros, empregados na mineração ou nas plantações de tabaco, pareciam incapazes de melhorar as humilhantes condições em que viviam. 

Em 1912, Marcus Garvey, aos 25 de idade, chega a Londres, onde vai trabalhar, estudar e desenvolver-se na percepção de novas dimensões da luta negra. A capital do Império Britânico, ainda nos picos de seu poderio, era o ponto focal da efervescente atividade intelectual e política que marcou o período imediatamente anterior à Primeira Guerra Mundial. Um ano antes, em 1911, a cidade abrigara um Congresso Mundial sobre Raça, organizado sob os auspícios do Movimento Inglês de Cultura Ética - o mesmo Congresso em que o representante brasileiro declarou candidamente estar o Brasil resolvendo seu problema racial por meio da miscigenação, que acabaria com os negros dentro de um século. À miscigenação, acrescente-se, devemos somar as péssimas condições de vida que ajudariam a liquidar o povo afrodescendente neste país. A literatura, as atitudes e os debates relativos a esse Congresso ainda eram motivo de acesas polêmicas quando Marcus Garvey chegou a Londres. Igualmente importante era a nova literatura anticolonial produzida na África Ocidental.

As ideias do jovem Garvey sobre a redenção africana ganharam contornos definitivos quando se associou ao intelectual nacionalista Duse Mohammed Ali, um egípcio de ascendência sudanesa que publicava o jornal mensal The African Times and Orient Review. O período londrino completou a educação política de Marcus Garvey. Ele estava pronto para a sua tarefa. Em 1914, retornou à Jamaica e fundou uma organização, que denominou Associação Universal para o Avanço Negro e Liga das Comunidades Africanas. Dois anos depois, encorajado pelo líder afro-americano Booker T. Washington, desembarca em Nova York. No Harlem, toma contato com as especificidades da questão racial nos Estados Unidos. Os negros do Sul fugiam para o Norte, deixando atrás de si o sistema aparteísta do Jim Crow, os linchamentos, a falta de direitos políticos, a servidão e a miséria. No Norte, ganhavam melhores salários nas fábricas, que agora tinham de alimentar a máquina de guerra, mas eram obrigados a viver em casas caindo aos pedaços, em bairros miseráveis, e seus filhos frequentavam escolas precárias, tanto nas instalações quanto no ensino. Os poucos que ousavam usar estratagemas para comprar residências em bairros de brancos viviam apavorados pela possibilidade de bombas racistas explodirem em suas casas ou de suas famílias serem ameaçadas na rua.

Não existia nessa época uma organização verdadeiramente negra em Nova York. As que havia eram multirraciais, dirigidas por brancos e mestiços de pele clara. Garvey começou sua pregação discursando nas esquinas do Harlem. Logo precisou ocupar espaços maiores, na medida em que crescia o público interessado em sua mensagem positiva, que falava de uma ação internacional em favor do negro. Essa reação estimulou Garvey a instalar nos Estados Unidos a sua UNIA, que se distinguia das demais organizações por ser exclusivamente negra e defender um programa ousado e radical. Categorizando a luta negra como de direitos humanos, e não somente de direitos civis, o que implicitamente estabeleceria seu caráter internacional, já em 1920 Marcus Garvey articulava a distinção fundamental assinalada por Malcolm X nos anos 60, contribuindo para elevar a luta negra a um patamar superior ao do integracionismo liberal.

Garvey compreendeu três necessidades básicas do negro em todo o mundo: a de dignidade e auto-respeito como povo unido; a de uma África independente e unida como base de força central; e a de instituições autônomas para impulsionar a vida das comunidades negras. Além disso, como nenhum outro, antes ou depois dele, Marcus Garvey percebeu a importância das comunidades negras das Américas Central e do Sul para a luta pan-africanista internacional, inspirada no lema "A África para os africanos, na própria pátria e no exterior".

Em 1920, no auge do prestígio de Garvey, a UNIA organizou a I Convenção dos Povos Africanos do Mundo, com a presença de 25 mil representantes e delegados de todos os continentes. O produto mais importante dessa Convenção foi a Declaração de Direitos dos Povos Negros do Mundo, que condenava o colonialismo, afirmava o "direito inerente do negro de governar a África", instituía o vermelho, o preto e o verde como as cores simbólicas do pan-africanismo, e exigia o fim dos linchamentos e da discriminação racial nos países da diáspora africana, bem como o ensino da História Africana nas escolas públicas.

A independência econômica era outro fator enfatizado no programa da UNIA. Garvey exortava seus seguidores a "comprar de negros", a preferir negociantes de sua própria raça. Atendendo o apelo de Booker T. Washington à auto-suficiência, a UNIA iniciou diversos projetos na área empresarial, incluindo a Corporação de Fábricas Negras, destinada a ajudar empresários da comunidade. O que é mais importante, Garvey fundou a Black Star Steamship Line, para funcionar como laço comercial e espiritual entre os negros de todos os lugares que seus navios alcançassem. Para surpresa de seus críticos, entre 1919 e 1925 Garvey juntou dinheiro suficiente para adquirir quatro navios e estabelecer ligações comerciais com o Caribe.

Embora os navios da Black Star Line transportassem tanto carga quanto passageiros, o objetivo não era um retorno físico de todos os negros à África, que ele sabia ser impossível, mas antes um retorno de caráter simbólico e espiritual. Garvey acreditava, contudo, ser dever dos descendentes de africanos contribuir, com seu trabalho, conhecimento e tecnologia, para o fortalecimento do Continente-Mãe, tendo em vista uma futura derrubada de fronteiras e a criação de uma nação unificada. Nesse sentido, chegou a estabelecer negociações com o Governo da Libéria. 

Se granjearam uma legião de seguidores, as ideias de Garvey também o fizeram colecionar desafetos, entre brancos e negros, à direita e à esquerda do espectro político. Creio não ser preciso enfatizar o perigo que ele representava para o establishment, com suas ideias de autonomia, dignidade e auto-respeito. Problemas com a administração da Black Star Line acabaram fornecendo o pretexto para que o FBI o prendesse, em 1923, sob falsas acusações, o que causou uma gigantesca passeata de protesto, que reuniu 150 mil pessoas, de várias nacionalidades, nas ruas do Harlem. Deportado para a Jamaica em 1927, Garvey foi recebido pelo povo de Kingston, a capital, como um verdadeiro chefe de estado - mas como uma ameaça pela elite, branca e negra. Essa oposição, materializada sob a forma de dificuldades jurídicas, não o impediu de se eleger, na capital, para um cargo correspondente ao de vereador, nem de publicar um novo jornal, The New Jamaican (O Novo Jamaicano).

Em 1935, ano em que a Itália de Mussolini invade a Etiópia, então a única nação independente da África, provocando um acirramento das discussões sobre colonialismo e racismo, Garvey retorna à Inglaterra, onde passará seus últimos anos. Seu propósito era cobrar diretamente do Império Britânico a redenção do Continente Africano. Os ingleses não se preocuparam muito. O Império vivia seu último período de esplendor, dominação e arrogância. Não estava, assim, inclinado a dar ouvidos a esse súdito da Coroa que agia como um cidadão, exigindo os direitos básicos da cidadania. Era também a época da Grande Depressão, cujas consequências se abatiam com maior impacto sobre os descendentes de africanos. Garvey viveu seus últimos anos na pobreza, embora sem perder o orgulho de maroon que o projetara mundialmente nas décadas precedentes. Em janeiro de 1940, um ataque de paralisia o pôs de cama, e alguns jornais publicaram que ele havia morrido na miséria. Cartas e telegramas choveram sobre seu escritório. A secretária evitava que essa correspondência chegasse a suas mãos, mas ele acabou tendo acesso a ela. As manchetes falando de sua morte causaram-lhe um choque do qual não se recuperou, vindo a falecer no dia 10 de junho de 1940. Hoje, decorridos 57 anos de sua morte, sua mensagem ao mundo continua válida:

Ó África, acorda

A aurora está chegando

Não mais és maldita

Ó bondosa Terra-Mãe 

De longe teus filhos e filhas

Se dirigem de volta a ti

Sobre as águas ressoam seus gritos

De que a África será livre.

A filosofia de Garvey não é perfeita, nem fornece uma base adequada para a moderna teoria e prática da luta africana. Em consequência, é fácil e legítimo levantar críticas construtivas às suas ideias e ao seu movimento. Mas não se pode negar o legado que ele deixou como fundamento essencial à organização política do negro. Seu espírito continua vivo, apesar dos incansáveis esforços de seus adversários em destruí-lo. Em seu livro The Black Jacobins (Os jacobinos negros), o intelectual antilhano C.L.R. James - que em vida foi meu amigo e apoiou as reivindicações do Movimento Negro brasileiro ao VI Congresso Pan-Africano, realizado em 1974 na Tanzânia - observa que dois caribenhos, "usando a tinta da Negritude, inscreveram seus nomes de maneira indelével na história de nosso tempo". James está se referindo a Aimé Césaire e Marcus Garvey. Para ele, Garvey está na vanguarda do grupo de negros radicais do século XX cujas ideias e programas ainda reverberam nos movimentos de libertação de nossos dias. Isso se deve, em grande medida, ao trabalho incansável daquela que por décadas o acompanhou na luta e que, depois de sua morte, dedicou a existência à preservação de sua memória e à divulgação de suas ideias. Estou falando de sua viúva, Amy Jacques Garvey, por quem tive a honra de ser recebido em minha passagem pela Jamaica, em 1973. 

O garveísmo inspirou muitos líderes africanos, como o ganês Kwame Nkrumah, apóstolo do pan-africanismo, bem como a jovem liderança que, nos anos 60, faria avançar a um ponto sem precedentes a luta dos afro-americanos. Sua preocupação com a auto-imagem dos negros, com o valor do ensino da História Africana, com a unidade dos povos da África e da diáspora, mas sobretudo sua disposição de homem simples e prático, capaz de traduzir para as massas negras despossuídas a mensagem do pan-africanismo, e de tomar medidas práticas para concretizá-la - tudo isso fez de Marcus Garvey um homem que merece a admiração e o respeito, não apenas dos africanos e seus descendentes, mas de todos aqueles comprometidos de coração com a mudança efetiva das relações sociais e raciais.

Axé, Marcus Garvey!

https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/-/p/texto/206794

 


quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Em memória STOKELY CARMICHAEL 29/06/1941 - 15/11/1998

Em memória STOKELY CARMICHAEL 29/06/1941 - 15/11/1998


Stokely Carmichael (Kwame Ture), referência máxima pro povo preto. Uma trajetória brilhante de uma vida dedicada à luta. Um amadurecimento ideológico invejável mesmo antes dos 30 anos de idade e a conduzir grandes movimentos como o Black Power (Poder Preto). Incentivo irrestrito aos estudos pretos e principalmente da história do continente Africano e sua diáspora, para assim definir e seguir uma ideologia coesa visando a emancipação, refortalecimento e reorganização da África para os Africanos, sendo sua evolução máxima o Pan-africanismo. Bastante influenciado por Frantz Fanon, Malcolm X e posteriormente por Kwame Nkrumah, seus discursos e atos eram inflamados e violentos inspirando outros grandes movimentos e lideres como Steve Biko. Com certeza Kwame Ture não injetou a droga talidomida da integração e viveu o amor incondicional pelos Africanos. Casou-se duas vezes, sua primeira esposa foi a cantora sul africana Miriam Makeba e a segunda a médica Marlyatou Barry, da Guiné.



Na década de 60 foi perseguido por Edgar Hoover que tinha medo de surgir um novo messias do nacionalismo preto e mais à frente espalhou, como estratégia de divisão dos movimentos (inclusive o Partido dos Panteras Negras), que Stokely era um agente infiltrado da CIA. Nos anos 70, Ture se mudou para a Guiné, viveu por quase três décadas no continente Africano e fez sua passagem aos 57 anos devido um câncer de próstata. Hoje faz 19 anos de sua morte, mas suas ideias seguirão com nosso povo.

E Bora pro evento, no dia 03/12/2017, o coletivo Ujima Povo Preto vai organizar uma roda de conversa acerca das contribuições do irmão Kwame Ture. só colar https://www.facebook.com/events/511106279253384/



Livros:

Black Power : The Politics of Liberation

Stokely Speaks: From Black Power to Pan-Africanism

Ready for Revolution: The Life and Struggles of Stokely Carmichael (Kwame Ture)




quarta-feira, 21 de junho de 2017

Discurso em Berkeley, Stokely Carmichael (Kwame Ture) 1966

Discurso em Berkeley, Stokely Carmichael (Kwame Ture) 

Universidade da Califórnia em Berkeley, Outubro de 1966 

Muito obrigado. É uma honra estar no gueto dos intelectuais brancos do ocidente. Nós queremos dizer algumas coisas antes de começarmos. A primeira é que, baseado no fato que o SNCC (Comitê Não Violento de Coordenação Estudantil), através da articulação deste programa pelo seu presidente, foi capaz de ganhar eleições na Geórgia, Alabama, Maryland, e devido a nossa presença aqui poderá ganhar uma eleição na Califórnia, em 1968 irei me candidatar para Presidente dos Estados Unidos...(breve pausa) Não posso me candidatar pelo fato de eu não ter nascido nos Estados Unidos. É a única coisa que me impossibilita. 

Queremos também dizer que, aqui é uma conferencia estudantil, como deve ser, realizada em um campus, e que nós não estamos sempre a ser pegos pela masturbação intelectual envolvendo a questão do negro. Essa é a função das pessoas que são anunciantes, mas que se intitulam repórteres. Oh, para meus companheiros e amigos da imprensa, meus críticos brancos autonomeados, eu estava lendo o Sr Bernard Shaw dois dias atrás, e veio uma importante citação, que eu acredito ser apropriada para vocês. Ele diz que “toda critica é uma autobiografia”. 

Os filósofos Camus e Sartre levantaram a questão da qual um homem pode ou não se auto condenar. O filosofo existencialista negro que é pragmático, Frantz Fanon, respondeu. Disse que não. Camus e Sartre não respondem a questão. Nós no SNCC tendemos a concordar com Fanon, que um homem não consegue condenar a si próprio. Se ele fizesse, ele teria que infligir punição sobre si mesmo. Um exemplo seria os nazistas, qualquer prisioneiro nazista que admitiu, depois de ser capturado e preso, ter cometido crimes, e ter matado pessoas, cometeu suicídio. Os que permaneceram vivos foram os que nunca admitiram que tivessem cometido tais crimes contra as pessoas, ou seja, acreditavam que os Judeus não eram seres humanos e mereciam a morte, ou que eles estavam apenas cumprindo ordens. Há outro exemplo mais recente, fornecido pelos funcionários e pela população - população branca - em Neshoba County, Mississipi – (onde fica a Filadélfia). Eles não condenaram o (Xerife) Rainey, seus adjuntos, e nem os outros 14 homens que mataram 3 seres humanos. Eles não puderam porque eles haviam elegido o Sr Rainey para fazer exatamente o que ele fez, então condená-lo seria praticamente condenar a eles também. 

Em uma visão muito maior, o SNCC diz que a América branca não pode se auto condenar por seus atos criminosos contra a América negra. Então os negros o fizeram - você está condenada! As instituições que funcionam neste país são claramente racistas. Elas foram construídas com base no racismo. E a questão é, como os negros podem se mover no interior deste país? E então, como é que as pessoas brancas que dizem que não fazem parte dessas instituições começam a se mover? E como, então, podemos começar a derrubar os obstáculos que temos na sociedade para vivermos como seres humanos? Como podemos começar a construir instituições que permitem que as pessoas se relacionem umas com as outras como seres humanos? Este país nunca fez isso. 

Várias pessoas ficaram irritadas porque nós dissemos que a integração era irrelevante quando iniciada por negros, e que na verdade era um subterfúgio insidioso para a manutenção da supremacia branca. Vemos que nos últimos seis anos ou mais, este país vem nos alimentando com uma "droga talidomida de integração", e alguns negros tem andado por uma rua dos sonhos conversando sobre sentar ao lado de pessoas brancas; mas isso não resolve o problema; em Mississippi não fomos para sentar ao lado de Ross Barnett (Ex-governador do Mississipi); não fomos para sentar ao lado de Jim Clark (Xerife de Selma, Alabama), fomos para tirá-los do nosso caminho, e as pessoas devem entender isto, nós nunca estivemos lutando pelo direito de integrar, lutávamos contra a supremacia branca. Agora, então, a fim de entender a supremacia branca, devemos rejeitar a noção falaciosa de que as pessoas brancas podem dar a liberdade a alguém. Nenhuma pessoa pode dar a alguém a sua liberdade. Um homem nasce livre. Você pode escravizar um homem depois que ele nasce livre, e é de fato o que este país faz. Ele escraviza os negros depois que eles nascem, de modo que o único ato que os brancos podem fazer é parar de negar aos negros a sua liberdade. 

Afirmo que cada projeto de lei dos direitos civis neste país foram feitos para as pessoas brancas, não para as pessoas negras. Por exemplo, eu sou negro, eu sei disso, eu também sei que enquanto eu sou negro, eu sou um ser humano e, portanto, eu tenho o direito de entrar em qualquer lugar público. Os brancos não sabiam disso. Toda vez que eu tentava entrar em algum lugar eles me barravam. Assim, alguém teve que escrever um projeto de lei dizendo para o homem branco, "Ele é um ser humano, não o pare". Esse projeto era para o homem branco, não para mim. Eu sabia disso o tempo todo. Eu sabia que podia votar e que isso não era um privilégio, que era meu direito. Toda vez que eu tentava eu era baleado, morto ou preso, espancado ou economicamente privado. Então, alguém teve que escrever um projeto de lei para dizer para as pessoas brancas que: "Quando um homem negro for votar, não incomodá-lo." Esse projeto de lei, novamente, foi para as pessoas brancas, não para o povo negro. E quando falamos sobre ocupação livre, eu sei que posso viver em qualquer lugar que eu queira viver. São as pessoas brancas em todo o país que são incapazes de me permitir viver onde eu quero viver. Vocês que precisam de um projeto de lei dos direitos civis, não eu. Eu sei que posso viver onde eu quero viver. As falhas para aprovar uma lei de direitos civis não existem por causa do Black Power, não é por causa do SNCC, não é por causa das rebeliões que estão ocorrendo nas grandes cidades. É a incapacidade dos brancos de lidarem com seus próprios problemas, dentro de suas próprias comunidades. 

Esse é o problema do fracasso do projeto de lei dos direitos civis. E assim, em um sentido mais amplo, devemos então perguntar: Como é que as pessoas negras se movem? E o que fazemos? Mas a questão em um sentido maior é: Como as pessoas brancas que são a maioria, e que são responsáveis por assegurar a democracia podem fazê-la funcionar? Eles falharam miseravelmente a este ponto. Eles nunca fizeram com que a democracia funcionasse, seja dentro dos Estados Unidos, Vietnã, África do Sul, Filipinas, América do Sul, ou em Porto Rico, onde quer que o americano tenha passado, não foi capaz de fazer a democracia funcionar, de modo que em um sentido mais amplo, não só condenar o país pelo que é feito internamente, mas devemos condená-lo por aquilo que ele faz externamente. Vemos esse país tentando dominar o mundo, e alguém tem que se levantar e começar a articular, pois este país não é Deus, e não pode governar o mundo. 

A atitude da supremacia branca, que você tem consciente ou subconscientemente, está correndo desenfreada na sociedade hoje. Por exemplo, missionários foram enviados para a África. Eles foram com o pensamento de que os negros eram automaticamente inferiores. Na realidade, o primeiro ato dos missionários, quando chegaram à África, foi a de nos fazer cobrir nossos corpos, porque eles ficavam excitados. Nós não poderíamos mais ficar com os peitos nus, porque eles ficavam excitados. Quando os missionários vieram para nos civilizar porque não éramos civilizados, educar-nos porque éramos sem instrução, e nos dar alguns estudos de alfabetização porque éramos analfabetos, eles cobraram um preço. Os missionários vieram com a bíblia, e nós tínhamos a terra. Quando eles partiram, eles tinham a terra, e nós ainda temos a bíblia. E essa tem sido a racionalização para a civilização ocidental e como ela se move através do mundo, roubar, saquear e estuprar todos em seu caminho. No raciocínio deles, o resto do mundo é incivilizado e são eles de fato civilizados. Mas na verdade, eles que são incivilizados. O que temos hoje é o que chamamos de "missionários modernos do Corpo da Paz", eles entram em nossos guetos e dizem sobre vantagens, avanços e sobre as fronteiras com a sociedade branca, porque eles não querem enfrentar o problema real, de um homem ser pobre por uma única razão: porque ele não tem dinheiro - Se você quer se livrar da pobreza, você dá às pessoas o dinheiro - E você não deveria me dizer sobre as pessoas que não trabalham, que você não pode dar às pessoas dinheiro sem trabalhar, porque se isso fosse verdade, você teria que começar a parar Rockefeller, Bobby Kennedy, Lyndon Baines Johnson, Lady Bird Johnson, toda a Standard Oil, a Corp Golfo, todos eles, incluindo, provavelmente, um grande número de pessoas do Conselho de Curadores desta universidade. Portanto, a questão não é se uma pessoa pode ou não trabalhar, é quem tem o poder? Quem tem o poder de fazer seus atos serem legítimos? Isso é tudo. E neste país, que o poder é investido nas mãos de pessoas brancas, eles fazem seus atos serem legítimos. É agora, portanto, a hora dos negros fazerem seus atos legítimos. 

Estamos engajados em uma luta psicológica neste país sobre se os negros terão ou não direito de usar as palavras que eles querem usar sem precisar da permissão dos brancos. Mantemos o uso da palavra "Black Power" - e deixe-os dirigir para isso, mas que não vamos esperar por pessoas brancas para sancionar Black Power. Estamos esperando cansados, toda vez que os negros tem que se mover neste país, eles são forçados a defender a sua posição antes. É tempo das pessoas brancas fazerem isso. Elas devem começar a se defender por que elas que são exploradoras e opressoras. Quando o país começou a se mover em termos de escravidão, a razão para um homem ser escolhido como um escravo era única - por causa da cor de sua pele. Se fosse negro era automaticamente inferior, não era humano e, portanto, apto para a escravidão, de modo que a questão de saber se somos ou não suprimidos individualmente é sem sentido, e é uma grande mentira. Somos oprimidos como um grupo, porque somos negros, não porque somos preguiçosos, não porque somos apáticos, não porque somos ignorantes, não porque fedemos e temos um bom ritmo. Nós somos oprimidos porque somos negros. 

E para sair dessa opressão devemos exercer o poder do grupo que se tem, e não o poder individual que este país define com os critérios segundo os quais um homem pode se incluir. Isso é o que é chamado no país de integração: "Você faz o que eu disser para você fazer e, em seguida, vamos deixá-lo se sentar à mesa com a gente." O que estamos dizendo é que temos que ser oposição a isso. Temos agora que estabelecer critérios e que, não será qualquer integração, vai ser uma coisa de mão dupla. Se você acredita na integração, você pode vir morar em Watts. Você pode enviar seus filhos às escolas no gueto. Vamos falar sobre isso. Se você acredita na integração, então vamos começar a adotar algumas pessoas brancas para viver em nosso bairro. Por isso, é claro que a questão não é de integração ou segregação. A integração é a capacidade do homem poder se mover por ele próprio. Se alguém quiser viver em um bairro branco e ele é negro, essa é a sua escolha. Deveria ser o seu direito, mas não, os brancos não iriam permitir, agora vice-versa: se um homem negro quiser viver nas favelas, os negros irão deixá-lo. Essa é a diferença. E é uma diferença em que este país faz com que uma série de erros lógicos quando eles começam a tentar criticar o programa articulado pelo SNCC. Agora vamos manter que não podemos nos dar ao luxo de nos preocupar com 6% das crianças neste país, as crianças negras, que lhe permitem entrar em escolas de brancos. Temos 94% que ainda vivem em barracos. Estaremos preocupados com os 94%. E vocês devem estar preocupados com eles também. A questão é: Será que estamos dispostos a nos preocupar com os 94 por cento? Estamos dispostos a nos preocupar com os negros que nunca vão chegar a Berkeley, que nunca vão chegar a Harvard, e não podem receber uma educação para que você nunca tenha a chance de conviver com eles e dizer: "Bem, ele é quase tão bom como nós somos, ele não é como os outros" A questão é: como pode a sociedade branca começar a se mover para ver os negros como seres humanos? Eu sou negro, logo existo. Não: eu sou preto e devo ir à faculdade para provar a mim mesmo. Eu sou negro, logo existo. Não me prive de nada e dizer que você deve ir para a faculdade antes de ter acesso a X, Y e Z. Isso é apenas uma racionalização para a própria opressão. 

Os partidos políticos neste país não atendem as necessidades das pessoas no dia a dia. A questão é: como podemos construir novas instituições políticas que se tornarão as expressões políticas do povo? A questão é: como vocês podem construir instituições políticas que começarão a atender às necessidades de Oakland, Califórnia? E as necessidades de Oakland, Califórnia, não é de 1000 policiais com metralhadoras não é isso, precisam menos disso tudo. A questão é: Como podemos construir instituições onde as pessoas podem obter empregos decentes, onde podem obter casas decentes, e onde eles podem começar a participar da política e das grandes decisões que afetam suas vidas? Isso é o que eles precisam, não tropas da gestapo, porque não estamos em 1942. 

Como podem os brancos passarem a fazer as principais instituições que têm neste país funcionarem da forma como deveriam funcionar? Essa é a questão real. E podem os brancos se moverem dentro de sua própria comunidade e começarem a derrubar o racismo onde de fato existe? São vocês que vivem em Cícero e nos impede de vivermos lá. São as pessoas brancas que nos impede de nos mover em Granada. São as pessoas brancas que nos condiciona a vivermos nos guetos deste país. São as instituições brancas que fazem isso. Elas devem mudar. Para a América realmente viver em um princípio básico das relações humanas, uma nova sociedade deve nascer. O racismo deve morrer, e a exploração econômica de povos não brancos ao redor do mundo também deve morrer. 

Existem vários programas no Sul, a maioria em comunidades brancas pobres. Estamos tentando organizar brancos pobres em uma base onde podem começar a se mover em torno da questão da exploração econômica e cassação política. Nós sabemos, nós ouvimos a teoria várias vezes, mas poucas pessoas estão dispostas a ir para lá. A pergunta é: pode o ativista branco não ser apenas uma geração Pepsi que ganha vida na comunidade negra, mas ser um alguém que está disposto a se mudar para a comunidade branca e começar a organizar, onde é necessária a organização? Pode fazer isso? A sociedade branca ou o ativista branco pode dissociar-se com dois palhaços que desperdiçam tempo aparando uns com os outros ao invés de falar sobre os problemas que enfrentam as pessoas neste estado? Você pode dissociar-se com aqueles palhaços e começar a construir novas instituições que irão eliminar todos os idiotas como eles. 

E a pergunta é: se vamos fazer isso quando e onde é que vamos começar, e como é que vamos começar? Devemos começar a fazer isso dentro da comunidade branca! Na nossa posição pessoal politica não achamos que o Partido Democrata representa as necessidades das pessoas negras. Sabemos que não. Mas, se de fato, as pessoas brancas realmente acreditam nisso, a questão é, se eles estão indo para mover-se dentro dessa estrutura, como eles vão se organizar em torno de um conceito de brancura com base na verdadeira fraternidade e com base de parar a exploração, a exploração econômica, de modo que haverá uma base de coalizão para os negros? Você não pode formar uma coalizão com base no sentimento nacional. Isso não é uma coligação. Se precisa de uma coalizão para corrigir e fazer as mudanças reais neste país, as pessoas brancas devem começar a construir essas instituições dentro da comunidade branca. E essa é a verdadeira questão, eu acho que, de frente para os ativistas brancos de hoje, eles podem, de fato, começar o movimento para derrubar as instituições que nos colocaram em um saco de enganações nesses últimos cem anos? 

Eu não acho que devemos seguir o que muitas pessoas dizem que devemos lutar para ser líderes de amanhã. Frederick Douglass disse que a juventude deve lutar para ser os líderes de hoje. E Deus sabe que precisamos ser líderes hoje, porque os homens que dirigem este país são doentes, são lixos. De modo que podemos em um sentido mais amplo começar agora, hoje, para começar a construir essas instituições e lutar para articular a nossa posição, de lutarmos para sermos capazes de controlar nossas universidades - Precisamos ser capazes de fazer isso - e lutar para controlar as instituições básicas que perpetuam o racismo, destruindo-as e construindo novas? Essa é a verdadeira questão que nós enfrentamos hoje, e isso é um dilema, pois nós, em maioria, não sabemos como trabalhar, e a desculpa que a maioria dos ativistas brancos encontram é a de correr para a comunidade negra. 

Agora afirmamos que não podemos ter pessoas brancas trabalhando na comunidade negra, queremos dizer em um fundo psicológico. O fato é que todos os negros muitas vezes questionam se eles são iguais aos brancos, porque cada vez que eles começam a fazer alguma coisa, os brancos querem mostrar-lhes como se fazer. Se queremos eliminar isso para a futura geração, então as pessoas negras devem ser vistas em posições de poder, fazer e articular para si, para si próprios. 

Isso não é para dizer que é um racismo inverso, é para dizer que se está movendo em uma terra saudável, é para dizer como filósofo Sartre diz: Um está se tornando "racista anti-racista". E este país não pode entender isso. Talvez seja porque está tudo preso em racismo. Mas eu acho que vocês têm no SNCC é um racismo antirracista. Somos contra racistas. Agora, se todo mundo que é branco ver a si mesmos como um racista e, em seguida, ver-nos contra ele, eles estão falando de sua própria posição a culpa, não a nossa, não a nossa. 

Agora a pergunta é: como podemos começar a mudar o que está acontecendo neste país? Eu afirmo, como no SNCC, que a guerra no Vietnã é uma guerra ilegal e imoral. Então, o que podemos fazer para acabar com essa guerra? O que podemos fazer para parar essas pessoas que, em nome do nosso país, estão matando bebês, mulheres e crianças? O que podemos fazer para parar com isso? Eu afirmo que não temos o poder em nossas mãos para mudar essa instituição, nem para recriá-la, nem para que eles aprendam a deixar o povo vietnamita em paz, o único poder que temos é o poder de dizer: "O inferno não!" (ou apenas NÃO) 

Nós temos que dizer a nós mesmos que existe uma lei maior do que a lei de um racista chamado McNamara. Há uma lei maior do que a lei de um idiota chamado Rusk. E há uma lei maior do que a lei de um palhaço chamado Johnson. É a nossa lei, é a lei de cada um de nós, é o direito de cada um de nós dizer que não vamos permitir que eles nos fazem de assassinos contratados. Não vamos matar ninguém a mando deles. E se decidirmos matar, iremos decidir a quem matar. E este país só será capaz de parar a guerra no Vietnã, quando os jovens que são destinados pro combate começarem a dizer: "Não, nós não vamos." 

O movimento da paz tem sido um fracasso porque não conseguiu sair dos campus universitários onde todos têm um 2s e não esta com medo de ser "selecionado". Como vocês podem sair dos guetos brancos deste país e começarem a articular uma posição com os alunos brancos que não querem ir. Não podemos fazer isso, é algo às vezes irônico que muitos dos grupos pacifistas têm começando a nos chamar de violentos e dizem que já não podem nos ajudar. Somos, de fato, a organização mais militante em busca da paz, dos direitos civis ou de direitos humanos contra a guerra no Vietnã neste país hoje. Não há uma organização que atendeu a nossa posição sobre a guerra do Vietnã, porque nós não apenas dizemos que somos contra a guerra do Vietnã, somos contra todo o esquema. Somos contra o projeto. Nenhum homem tem o direito de tomar um homem por dois anos e treiná-lo para ser um assassino. Um homem deve decidir o que quer fazer da sua vida. Torna-se claro para o povo negro, pois podemos facilmente dizer que qualquer um que luta na guerra no Vietnã é nada menos que um negro mercenário. Toda vez que um homem negro deixa o país onde ele não pode votar para supostamente entregar o voto para outra pessoa, ele é um mercenário negro. Toda vez que um homem negro deixa este país, leva um tiro no Vietnã em terra estrangeira, e retorna para casa e você não vai dar-lhe um enterro em sua própria terra natal, ele é um mercenário preto, um mercenário negro. E mesmo se eu fosse acreditar nas mentiras de Johnson, se eu fosse acreditar nas suas mentiras que estamos lutando para dar democracia ao povo do Vietnã, como um homem negro que vive neste país eu não iria lutar para dar isto a ninguém. De modo que temos que usar nossos corpos e nossas mentes da maneira que acharmos melhor. Temos que fazer como o filósofo Camus disse: "Não!" Este país é uma nação de ladrões. Ele roubou tudo o que tem, começando com os negros, começando com o povo negro. Como podemos começar a mudar este país do que ele é - uma nação de ladrões. Este país não pode justificar por mais tempo a sua existência, nos tornamos os policiais do mundo, os fuzileiros navais estão à nossa disposição para sempre levar a democracia, e se os vietnamitas não querem a democracia, então caramba, "Vamos apenas mandar-lhes pro inferno, porque eles não merecem viver, já que eles não querem o nosso modo de vida." 

Há, em seguida, em um sentido mais amplo, o que você faz no seu campus universitário? Vocês levantam questões sobre os cem estudantes negros que foram expulsos do campus duas semanas atrás? (Oitocentos? Oitocentos?) E como essa pergunta começa a se mover? Vocês começam a se relacionar com pessoas de fora da torre de marfim e da parede universitária? Vocês acham que são capazes de construir esses relacionamentos humanos do jeito que o país está agora? Vocês estão se auto enganando. É impossível para brancos e negros falarem sobre a construção de um relacionamento baseado na humanidade, quando o país está do jeito que está, quando as instituições são claramente contra nós. 

Pegamos todos os mitos deste país e descobrimos que eles são nada mais que pura mentira. Este país nos disse que se nós trabalhássemos duro teríamos sucesso, mas se isso fosse verdade teríamos que ser donos desse país. Donos de tudo! Nós é que colhemos o algodão por nada. Nós é que somos as criadas nas cozinhas de brancos liberais. Nós é que somos os zeladores, porteiros, os homens do elevador, nós que varremos o chão da faculdade. Sim, nós é que somos os que trabalham duro e os mais mal pagos, sim temos os menores salários. E isso não faz sentido para as pessoas começarem a falar sobre as relações humanas até que elas estejam dispostas a construir novas instituições. Os negros são economicamente inseguros. Liberais brancos são economicamente seguros. Vocês podem começar a construir uma coalizão econômica? Os liberais estão dispostos a partilhar os seus salários com os negros economicamente inseguros que eles tanto amam? Então, se vocês não estão, vocês estariam dispostos a começar a construir novas instituições que irão fornecer segurança econômica para os negros? Essa é a pergunta que queremos tratar. 

Temos que examinar seriamente as histórias que nos foram contadas, mas temos algo mais a fazer do que isso. Estudantes americanos são, talvez, os alunos menos politicamente sofisticados do mundo. Através de todos os países no mundo, enquanto estávamos crescendo, os alunos estavam levando as grandes revoluções de seus países. Nós não fomos capazes de fazer isso, eles têm sido politicamente conscientes da sua existência, na América do Sul, os nossos vizinhos, logo abaixo da fronteira tem um a cada 24 horas apenas para nos lembrar que eles são politicamente conscientes. E temos sido incapazes de compreendê-los porque sempre nos movemos no campo da moralidade e amor, enquanto outras pessoas estavam politicamente acabando com nossas vidas. E a pergunta é: como é que vamos avançar politicamente e parar de nos mover moralmente? Vocês não podem se mover moralmente contra um homem como Brown e Reagan. Vocês têm de mover-se politicamente para colocá-los fora do negócio. Vocês têm de mover politicamente. Vocês não podem se mover moralmente contra Lyndon Baines Johnson, porque ele é um homem imoral. Vocês têm de mover politicamente. E temos que começar a desenvolver uma sofisticação política - o que não é para ser um papagaio. "O sistema de dois partidos é o melhor sistema do mundo" Há uma diferença entre ser um papagaio e ser politicamente sofisticado. Temos que levantar questões sobre a necessidade de novos tipos de instituições políticas neste país, e nós do SNCC sustentamos que precisamos agora. Precisamos de novas instituições políticas no país. Qualquer hora Lyndon Baines Johnson pode dirigir um partido com Bobby Kennedy, Wayne Morse, Eastland, Wallace, e todos os outros gatos supostos-a-serem-liberais, há algo de errado com esse partido, eles estão se movendo politicamente, não moralmente. E que se esse partido se recusa a sentar negros do Mississipi e vai em frente e senta racistas como Eastland e sua camarilha, é claro para mim que eles estão se movendo politicamente, e que não se pode começar a falar em moralidade para pessoas desse tipo. 

Temos que começar a pensar politicamente e ver se podemos ter o poder de impor e manter os valores morais que nos são elevados. Devemos questionar os valores desta sociedade, e eu afirmo que os negros são as melhores pessoas para fazer isso porque fomos excluídos da sociedade. E a pergunta é, devemos pensar se queremos ou não nos tornar parte dessa sociedade. Isso é o que nós queremos fazer. E isso é exatamente o que o SNCC está fazendo. Estamos levantando questões sobre este país, eu não quero ser uma parte da American pie. A American pie significa estuprar África do Sul, bater no Vietnã , bater na América do Sul, violar as Filipinas, e violar todos os países em que já esteve dentro. Eu não quero o seu dinheiro de sangue, eu não quero isso - não quero fazer parte desse sistema. E a pergunta é: como é que podemos levantar essas questões? Como é que vamos começar a criá-las? Somos duma geração que crescemos achando que este país é a potencia mundial, que este país tem que ser o mais rico do mundo. Devemos questionar, qual origem dessa riqueza? Isso é o que estamos questionando, e se queremos ou não que este país continue a ser o país mais rico do mundo, com o preço de estuprar todos - toda a gente em todo o mundo. Isso é o que temos de começar a questionar. E isso porque as pessoas negras estão dizendo que agora não querem se tornar uma parte de vocês, somos chamados racistas reversos. Isso não é um máximo? 

Agora, vamos tocar na questão da não-violência, porque vemos que mais uma vez foi um fracasso da sociedade branca fazer o trabalho da não-violência. Eu sempre fui surpreendido com pregadores religiosos que vieram ao Alabama para me aconselhar a não ser violento, mas não têm a coragem de começar a falar com James Clark sobre a não-violência. É lá que a não-violência deve ser pregada - a Jim Clark, e não para o povo negro. Eles já foram não violentos muitos anos. A pergunta é: será que as pessoas brancas conseguem conduzir escolas não violentas em Cicero onde eles são responsáveis por essa realização, não entre os negros no Mississípi? Podem realizar-se entre as pessoas brancas em Granada? E aqueles grandalhões que chutam as criancinhas negras - vocês podem realizar as escolas não violentas lá? Essa é a questão que devemos levantar, não a de conduzir a não-violência entre as pessoas negras. Vocês podem me citar um homem negro que hoje matou alguém branco e ainda está vivo? Mesmo após a rebelião, quando alguns irmãos negros jogaram alguns tijolos e garrafas, dez mil deles tiveram que pagar o crime, porque quando o policial branco vem, quem é negro é preso, "Porque todos nós parecemos iguais." 

Nós, os jovens deste país, devemos começar a levantar essas questões. E temos que começar a nos mover para construir novas instituições que vão trabalhar com as necessidades das pessoas que delas necessitam. Vamos ter que falar para mudar a política externa deste país, um dos problemas com o movimento pela paz é que ele é muito preso no Vietnã, e que se retirar as tropas do Vietnã esta semana, na próxima semana teria que se arranjar outro movimento de paz para Santo Domingo. Como é que se começa a articular a necessidade de mudar a política externa deste país - uma política que é decidida acerca de uma raça, uma política em que as decisões são tomadas na base de obter a riqueza econômica a qualquer preço, a qualquer preço. 

Agora vamos articular que, portanto, temos que nos conectar com os negros em todo o mundo, e que essa conexão não seja apenas psicológica, mas muito real. Se a América do Sul se rebelasse hoje, e as pessoas negras atirassem para o inferno todas as pessoas brancas lá - como deveriam - em seguida, a Standard Oil desmoronaria. Se a África do Sul fizesse isso hoje, a Chase Manhattan Bank desmoronaria amanhã. Se Zimbabwe, que é chamado de Rodésia por pessoas brancas, fizesse amanhã, a General Electric faria desabar sobre a Costa Leste. A pergunta é: como é que vamos parar estas instituições que estão tão dispostas a lutar contra a "agressão comunista", mas fecha os olhos à opressão racista? Essa é a questão a levantar. Este país pode fazer isso? Não estamos falando de uma política de ajuda ou enviar pessoas do Corpo da Paz para ensinar as pessoas a ler e escrever e construir casas enquanto roubamos suas matérias-primas. Porque isto é tudo o que este país faz. O que os países subdesenvolvidos precisam são informações sobre como se tornarem industrializados, para que eles possam manter suas matérias-primas onde eles têm, produzi-las e vendê-las para este país pelo preço que deveria pagar, não para que nós produzíssemos e vendêssemos de volta pra eles, para lucrar e manter o envio de nossos missionários modernos, chamados filhos de Kennedy. E que, se os jovens vão participar desse programa, como vocês levantam essas questões em que você começa a controlar esse programa do Corpo de Paz? 

As premissas deste país são, se alguém é pobre, é por causa de sua própria praga individual, ou de não terem nascido no lado direito da cidade, ou eles tiveram muitos filhos, ou eles foram para o exército muito cedo, ou seus pais eram bêbados, ou eles não se preocupavam com a escola, ou que cometeram algum erro. Isso tudo é um monte de besteiras. A pobreza é bem calculada neste país, é bem calculada, e a razão pela qual o programa da pobreza não vai funcionar é porque as calculadoras de pobreza estão administrando isso. 

Como podemos, como juventude neste país, mover para começar a rasgar as coisas? Devemos entrar na comunidade branca. Estamos na comunidade negra. Nós desenvolvemos um movimento na comunidade negra. O desafio é que o ativista branco falhou miseravelmente para desenvolver o movimento dentro de sua comunidade. E a questão é, podemos encontrar pessoas brancas que vão ter a coragem de entrar em comunidades brancas e começar a organizá-las? Podemos encontrá-los? Eles estão aqui e eles estão dispostos a fazer isso? Essas são as perguntas que devemos levantar para o ativista branco. E nós nunca iremos ser pegos em dúvida sobre poder. Este país sabe o que é poder, sabe muito bem, e sabe o que é Black Power porque privou os negros durante 400 anos. Por isso, sabe o que é Black Power. Mas a questão é, por que as pessoas brancas neste país associam Black Power com violência? E a resposta é por causa de sua própria incapacidade de lidar com a "negritude". Se tivesse dito "Negro Power" ninguém iria ficar com medo, todo mundo iria apoiá-lo, ou se disséssemos poder para as pessoas de cor, todos iriam apoiar, é a palavra "Black" - é a palavra "Black" que incomoda as pessoas neste país, e isso é problema deles, não meu - o problema é deles. 

Agora há uma mentira moderna que queremos atacar e, em seguida, seguir em frente muito rapidamente, é a mentira que diz que todo o preto é ruim. Vocês são todos uma multidão universitária, vocês tiveram seus cursos de lógica básica, vocês sabem sobre premissa maior e premissa menor. Então, as pessoas foram me dizendo que todo preto é ruim. Vamos fazer a nossa premissa maior. 

Premissa maior: toda coisa e todo preto é ruim. 
Menor premissa ou especial premissa: Eu sou esse todo preto. 

Eu nunca vou cair nessas armadilhas, eu sou todo preto e eu sou tudo de bom, entenda isso. Qualquer coisa toda preta não é necessariamente ruim. Todo preto só é ruim quando você usar a força para manter os brancos fora. Agora é o que as pessoas brancas têm feito neste país, e eles estão projetando seus medos e culpas sobre nós, e não vamos tê-los, não vamos tê-los. Deixe que eles lidem com seus próprios medos e sua própria culpa. Deixe-os encontrar seus próprios psicólogos. Nós nos recusamos a sermos terapeutas para a sociedade branca por mais tempo. Temos enlouquecido tentando fazê-lo. Ficamos completamente loucos tentando fazê-lo. 

Eu olho para o Dr. King na televisão todos os dias, e eu digo a mim mesmo: "Agora há um homem que precisávamos desesperadamente neste país, há um homem cheio de amor, há um homem cheio de misericórdia, há um homem cheio de compaixão". Mas cada vez que vejo Lyndon na televisão, eu digo: "Martin, baby, você tem um longo caminho a percorrer." 

Como estamos dispostos a dizer "não" e retirar-nos desse sistema e dentro de nossa comunidade começar a função para construir novas instituições que falam das nossas necessidades. Em Lowndes County, desenvolvemos algo chamado a Organização de Liberdade Lowndes County, é um partido político, a lei do Alabama diz que se você tem um partido você deve ter um emblema, escolhemos como emblema uma pantera negra, um animal preto lindo que simboliza a força e a dignidade do povo negro, um animal que nunca contra-ataca até que ele esteja longe na parede, ele não faz nada, mas quando salta ele ataca e não para. 

Há um partido no Alabama chamado Partido Democrático Alabama, são todos brancos, tem como emblema um galo branco e as palavras "supremacia branca". Agora, os senhores da imprensa, porque eles são os anunciantes, e porque a maioria deles são brancos, e porque eles são produzidos por essa instituição branca, nunca chamou a (Lowndes County Freedom Organization) pelo seu nome? Mas sim, eles chamam de Partido dos Panteras Negras. Nossa pergunta é: por que não chamar o Partido Democrático do Alabama de "Partido Branco do Caralho"? 

Se tivéssemos que ser reais e honestos, teríamos que admitir que a maioria das pessoas neste país vê as coisas em preto e branco. Nós fazemos isso, todos nós fazemos, vivemos em um país que é voltado para isso. Os brancos teriam que admitir que eles têm medo de entrar em um gueto negro à noite, eles tem medo, isso é fato. Eles tem medo porque eles poderiam apanhar, ser " linchados", "saqueados", "cortados", etc, etc . Mas isso acontece com os negros no gueto todo dia, (por acaso), e os brancos têm medo disso. Então você treina um homem para fazer isso por você, um policial. Assim, a brutalidade policial vai existir em um alto nível por causa da incapacidade do homem branco de se unir e viver em boas condições com os negros. Este país é muito hipócrita e não podemos nos ajustar a sua hipocrisia. A única vez que eu ouço as pessoas falarem sobre a não-violência é quando as pessoas negras se movem em defesa contra os brancos. Os negros se cortam todas as noites no gueto, ninguém fala sobre a não-violência. Lyndon Baines Johnson está ocupado bombardeando o Vietnã, ninguém fala sobre a não-violência. Os brancos espancam os negros todo dia, ninguém fala sobre a não-violência. Mas assim que os negros começam a se mover, o duplo padrão (desejável para um grupo, mas deplorável para outro) vem a existir. Vocês não podem se defender. Vocês me mostram um homem negro que defende violência agressiva que poderia viver neste país. Os dois pesos novamente entra nisso. Não é ridícula e hipócrita para o camaleão político que se diz vice-presidente neste país dizer: "saqueamento nunca levou ninguém a lugar nenhum"? Não é hipócrita por Lyndon para falar sobre os saques, que você não pode realizar qualquer coisa por saques e você deve realizá-lo pelos meios legais? O que ele sabe sobre a legalidade? Pergunte Ho Chi Minh, ele lhe dirá. 

Temos que travar uma batalha psicológica sobre o direito dos negros para definir os seus próprios termos, e se organizem como eles devem fazer. Não sabemos se a comunidade branca permitirá essa organização, porque uma vez que sim eles também devem permitir a organização dentro de sua própria comunidade. Não faz diferença, porque vamos organizar o nosso caminho de qualquer maneira. Vamos fazê-lo. A questão é: como é que vamos fazer para facilitar essas questões, se vai ser feito com mil policiais com metralhadoras, ou se vai ser feito em um contexto em que as pessoas brancas afastem os policiais. Estariam as pessoas brancas que se dizem ativistas, prontas para começar a mudança nas comunidades brancas, em duas maneiras: a construção de novas instituições políticas e destruir as antigas que temos? E deslocar o conceito de recusa de jovens brancos a irem para o exército? Se sim, então podemos começar a construir um novo mundo. É irônico falar sobre a civilização neste país, este país é incivilizado. Ele precisa ser civilizado. E que temos de começar a levantar as questões da civilização: O que é? E quem faz isso? E por isso temos que exortá-los a lutarem para serem os líderes de hoje, não de amanhã. Temos que ser os líderes de hoje. Este país é um país de ladrões, ele está à beira de se tornar uma nação de assassinos. Temos que parar com isso. 

E então, por isso, num sentido mais amplo, há a questão do povo negro. Estamos em movimento para a nossa libertação. Estamos cansados de tentar provar coisas para os brancos. Estamos cansados de tentar explicar às pessoas brancas que não queremos prejudicá-los, estamos preocupados com a obtenção de coisas que queremos, as coisas que temos que ter para sermos capazes de viver. A pergunta é: será que as pessoas brancas podem permitir isso neste país? Será que as pessoas brancas superarão o racismo neste país? Se isso não acontecer, irmãos e irmãs, não temos escolha a não ser dizer muito claramente, "Saiam da frente, ou vamos passar por cima de vocês." 

Obrigado.

Stokely Carmichael (1941-1998) trabalhou no Comitê Não Violento de Coordenação Estudantil (SNCC) no início de 1960 e se tornou presidente do comitê em 1966. Seu discurso "Black Power" reacendeu o movimento do mesmo nome, e em 1967 ele e Charles Hamilton escreveram o livro Black Power. Em 1968 e 1969, ele serviu como Primeiro-Ministro Honorário do Partido dos Panteras Negras; ele também se mudou com sua esposa, a cantora africana Miriam Makeba, para a Guiné, onde se tornou um estudante e assessor dos presidentes Kwame Nkrumah e Sekou Touré e ajudou a organizar o Partido Revolucionário de Todo o Povo da África. Em 1978, ele mudou seu nome para Kwame Ture. 


Texto primeiramente traduzido a partir da transcrição do áudio do discurso, mas posteriormente revisado de acordo com o livro "Stokely Speaks" - Do Poder Preto ao Pan Africanismo. 20/06/2017

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Stokely Carmichael - Mensagem da Guiné





Stokely Carmichael - Mensagem da Guiné* 

Universidade de Libertação Malcolm X,** outubro de 1969. 

Irmãos e irmãs, sinto muito não poder estar com vocês na abertura da Universidade de Libertação Malcolm X, um evento que considero ser um dos mais importantes na nossa luta. Digo que é importante devido o que esta instituição significará para nós, a direção que deve e vai dar aos nossos irmãos e irmãs que estarão estudando aqui. E é um marco, é a primeira vez que nos reunimos entre nós, sentamos e planejamos os meios pelos quais nossos jovens nos Estados Unidos terão uma educação verdadeiramente negra, uma educação africana. Isso também serve para o Centro de Educação Negra, que abriu recentemente em Washington, D.C.; Eu entendo que é uma instituição irmã da Universidade de Libertação Malcolm X. 

Acompanhei de perto o desenvolvimento desta instituição através de amigos e colegas de trabalho que estão ajudando a desenvolver a escola; Eles enviaram todos os planos e informações sobre a escola, levei todas estas informações para o irmão Sékou Touré, presidente da Guiné, e para o irmão Kwame Nkrumah, o Presidente legítimo de Gana. Eles também sentem que esta universidade representa uma das instituições mais frutíferas e promissoras dentro dos Estados Unidos. E é claro que apoiam plenamente os conceitos subjacentes que guiaram e orientaram os vossos esforços - o conceito de que todos nós somos um povo africano, o conceito de que todos estamos a trabalhar para construir uma nação africana forte e unida onde quer que estejamos, o conceito de que devemos trabalhar para a unificação da África - ou seja, o conceito de pan-africanismo. 

Quando olho para trás nos últimos dez anos de nossa luta, dos direitos civis ao Poder Negro, e para onde estamos hoje, fica evidente para mim que todos os nossos esforços nos levaram gradualmente para onde nós temos de ir como povo. Muitos de vocês que estão presentes nas cerimônias de abertura do MXLU (ULMX), e muitos de vocês que ajudaram a desenvolver esta instituição, passaram muitos anos trabalhando e organizando nosso povo no sul, provavelmente um bom número trabalhou no SNCC (Comitê Não Violento de Coordenação Estudantil). Se olharmos para trás ao longo desses anos, lembramos que, ao passar por todos esses anos, sabíamos que o que estávamos trabalhando naquela época não era a resposta. Mas tivemos de trabalhar em programas como sit-ins (manifestação sentada, protesto não violento), “passeios pela liberdade”, “escolas de liberdade”, “organizações de liberdade” e “controle da comunidade”, apenas para desenvolver a consciência política em nosso povo e aumentar as contradições na sociedade americana. Tivemos que fazer nosso povo ver que os interesses dos Estados Unidos não são nossos próprios interesses. 

No início dos anos sessenta, quando estávamos lutando pelo direito de comer um hambúrguer ao lado dos brancos, a maioria de nós via os sit-ins apenas como estratégia e tática para despertar a consciência em nosso povo - para que o povo pudesse ver o que era a América realmente. Muitos de nós passaram a formar "organizações políticas independentes" e "escolas de liberdade", e sabíamos que, novamente, isso era apenas mais um passo para aumentar as contradições na América. Tivemos que convencer nosso povo de que não havia lugar no sistema político americano para nós. Avançamos então nas demandas dos negros, ao controle comunitário das empresas, da polícia e das escolas, e assim por diante, mas a maioria de nós reconheceu que isso não é possível nos Estados Unidos, não há como operarmos feito uma ilha independente cercados por uma polícia da comunidade branca hostil e forças militares. Todas essas experiências e lições nos ensinaram que devemos olhar apenas uns para os outros (em cada um de nós) para encontrar a solução de nossos problemas - nossa solução não pode ser encontrada na América, mesmo que aqueles de nós que vivem nos Estados Unidos possam permanecer ai fisicamente. Não podemos olhar para os nossos opressores, aqueles que nos oprimem, para nos libertar ou mesmo ajudar na nossa libertação. Pois eles desejam e devem servir ao seu próprio interesse, que sempre envolve oprimir-nos, o povo Africano. 

Agora, devemos reconhecer que os negros, seja em Durham, São Francisco, Jamaica, Trinidad, Brasil, Europa ou no continente mãe, são todos um povo africano. Somos africanos, não pode haver dúvida sobre isso. Viemos da África, nossa raça é africana. As coisas que sempre nos distinguem dos brancos, europeus, são coisas africanas. Todos nós sofremos a mesma opressão nas mãos dos brancos, quer seja em Lynchburg, Virginia; Money, Mississípi; Acra, Gana; ou Johanesburgo, África do Sul, nossa opressão tem sido a mesma, fomos colonizados e desumanizados. É também uma questão de termos interesses em comum. É do nosso interesse prosseguir uma luta implacável contra a Europa - e incluo a América (EUA) como parte da família europeia - americanos, brancos, europeus. Temos que travar esta luta contra o mundo europeu, uma vez que a Europa e a América devem, por definição, manter-nos oprimidos e alienados, se quiserem sobreviver. Para manter-se viva e para apoiar seu sistema racista e desumano, a América deve sugar a força vital da África e dos povos africanos, como ela também deve fazer na Ásia e na América Latina. 

Gostaria de ler algumas palavras do irmão Malcolm. Devemos ouvir Malcolm muito de perto, porque temos que entender nossos heróis. Não podemos deixá-los ser usados por outras pessoas, não podemos deixá-los ser interpretados por outras pessoas para dizerem outras coisas. Precisamos saber e entender o que nossos heróis estavam dizendo a nós - nossos heróis, não os heróis da esquerda branca ou o que vocês tenham. 

Malcolm disse, 

Você não pode entender o que está acontecendo no Mississípi se você não entender o que está acontecendo no Congo, e você não pode realmente estar interessado no que está acontecendo no Mississípi, se você não está também interessado no que está acontecendo no Congo. Ambos são os mesmos. Os mesmos interesses estão em jogo. As mesmas ideias são elaboradas. Os mesmos esquemas que estão em trabalho no Congo, estão em trabalho no Mississípi. A mesma estaca, nenhuma diferença. 

E o irmão Malcolm escreveu uma carta de Acra em 11 de maio de 1964: 

Após um estudo mais atento, pode-se facilmente ver um projeto gigantesco para manter os africanos aqui e os afro-americanos longe de se reunirem. Um funcionário africano me disse. "Quando se combina o número de pessoas de ascendência africana na América do Sul, Central e América do Norte, elas totalizam mais de 80.000.000. Pode-se facilmente compreender as tentativas de evitar que os africanos se unam com os afro-americanos". A unidade entre os africanos do ocidente e os africanos da pátria mudará bem o curso da história. Estando agora em Gana, a fonte do pan-africanismo, os últimos dias da minha turnê devem ser intensamente interessantes e esclarecedores. Assim como o judeu americano está em harmonia política, econômica e culturalmente com o judaísmo mundial, é hora de todos os africanos-americanos se tornarem parte integrante dos pan-africanistas mundiais, e embora nós possamos permanecer fisicamente na América enquanto lutamos pelos direitos que a Constituição nos garante, devemos retornar filosófica e culturalmente à África e desenvolver uma unidade de trabalho no quadro do pan-africanismo. 

Se reconhecermos e aceitarmos as verdades que o Irmão Malcolm estava tentando nos dizer, ficará claro para nós que para sobrevivermos como povo, iremos para a guerra contra a América e a Europa. Uma vez que farão tudo o que estiver no alcance deles para proteger os interesses deles, isto significa que devem oprimir-nos e manter-nos num estado semi-humano. Nós, por sua vez, nunca seremos um povo forte, orgulhoso e livre a menos que libertem a África e tiremos da América o que a América está tentando proteger. Agora estamos numa guerra fria com a América e a Europa. Quando começarmos a avançar militarmente em todas as frentes, será uma guerra de corrida total, África versus Europa. Isso pode não parecer agradável para alguns de nossos irmãos e irmãs, mas é uma questão de quem vai sobreviver - eles ou nós. Eu acho que a lei natural da sobrevivência vai responder isso, mesmo para aqueles de nós que recuam e não querem enfrentar o que está por vir. Lembro-me do que o Irmão Malcolm disse em Chicago, em 1962: "O que é uma boa notícia para alguns é uma má notícia para os outros". 

Para que possamos realizar o que devemos realizar e ir para onde devemos ir, vamos precisar de técnicos qualificados e politizados para nos ajudar a construir uma nação. Quando os estudantes saírem da Universidade de Libertação Malcolm X, eles estarão em posição de oferecer suas habilidades e serviços para o nosso povo, onde for mais necessário, na América, na África, nas Índias Ocidentais (que são na verdade ilhas africanas), Nova Escócia. Onde quer que vocês trabalhem, estarão contribuindo seus esforços para a construção de uma nação africana forte. 

O desenvolvimento desta instituição é um exemplo vivo do desenvolvimento e crescimento da nossa luta, porque aqueles de vocês que foram os fundadores e deram direção a esta escola, todos compreenderam claramente a nossa luta. Através de anos de trabalho árduo, organização e aprendizagem, finalmente chegamos ao círculo completo para reconhecer o fato de que somos um povo africano, que devemos construir uma nação, que devemos treinar e desenvolver quadros de jovens, irmãos e irmãs, que terão as habilidades para nos ajudar a fazer isso. 

O desafio que isso apresenta ao MXLU (ULMX) é esmagador. Nosso povo tem esperado quatro séculos para que saíssem essas pessoas - todo o nosso povo tem esperado tanto tempo; Alguns não sabiam que estavam esperando por isso, e alguns ainda não sabem. Muitos são muito lentos em reconhecer este fato, mas eventualmente virão em torno - a repressão, a opressão e a depressão da América verão isso. 

Vocês nunca devem se sentir isolados ou fracos se vocês forem atacados de fora de nossa comunidade ou de dentro. Os ataques externos virão de europeus, brancos, que reconhecem que finalmente aprendemos a verdade sobre o que devemos fazer; Eles sabem que isso soletra sua morte e inaugura seus funerais. Os ataques de dentro virão de nossos irmãos e irmãs que estão onde muitos de nós estávamos há alguns anos. Mas eles virão. É trabalho de vocês, é nosso trabalho, trazê-los para casa. 

Aqui em Guiné, estou trabalhando muito perto do Dr. Kwame Nkrumah. Estamos tentando ajudar as massas de Gana que estão se esforçando para trazer Nkrumah de volta para Gana, e para iniciar novamente um governo pan-africanista revolucionário naquele país, que servirá como uma base de terra de língua inglesa para o nosso povo nas Américas. O movimento deve começar agora e é necessário que vocês nos deem todo o apoio necessário. Nos últimos anos, vimos a América se mover contra Gana e Mali derrubando seus governos. Vimos o irmão Malcolm e o irmão Patrice Lumumba assassinados pela América. Vimos nossos postos avançados revolucionários diminuir a quase nada - tudo nas mãos dos Estados Unidos da América e de suas irmãs europeias. 

A Guiné, um dos últimos postos avançados do governo revolucionário africano na África Ocidental, está sendo isolada e assediada pela América e pela Europa. Houve cinco tentativas de golpes e tentativas de assassinato contra o Presidente Sekou Touré. Se tal golpe for bem-sucedido, os irmãos Sekou Touré e Nkrumah serão exterminados - sim, exterminados. Não podemos deixar que isso aconteça com dois dos maiores líderes. Eles levaram o irmão Malcolm e nós não fizemos nada. Eles levaram Patrice Lumumba e nós não fizemos nada. Levaram também Pierre Mulele, também do Congo, e não fizemos nada. Nós não podemos sentar e permitir que eles matem os irmãos Sekou Touré e Nkrumah. Temos de nos mover para lhes dar proteção e tirar parte da pressão sobre a Guiné. Uma maneira de começar a fazer isso é certificar-se de que o Dr. Nkrumah volte para Gana e restabeleça outra base revolucionária na costa oeste da África. Está claro em minha mente que este é um passo muito necessário para a construção da nossa nação, para a libertação total do nosso povo. 

Não há muito mais que eu possa dizer a vocês sem entrar em uma discussão muito longa. Por causa do meu trabalho neste lado do oceano, na terra mãe, eu não poderei estar com vocês hoje em Durham, pelo menos não fisicamente. Vou manter-me em contato com o progresso e desenvolvimento de vocês. Como nós enquanto povo sempre conseguimos fazer, vamos encontrar as formas de comunicação, interferência com o correio, telefonemas e telegramas via "homem". Num futuro próximo, espero ter alguns panfletos escritos para que possamos aprofundar a discussão sobre a qual levei ligeiramente em consideração hoje. Na verdade, foi uma honra cumprimentá-los hoje, da Guiné. Nunca pense que a Guiné ou a África está longe ou que eu os deixei, estamos muito mais perto do que vocês possam imaginar. Nós estamos juntos, e trabalharemos para o dia em que voltaremos a caminhar na face da terra como um povo orgulhoso, livre, forte e poderoso - não com apenas algumas migalhas lançadas para nós da América ou do controle nos nossos guetos. Seremos um povo unificado em todo o mundo e no continente. "Voltar à África" não será apenas um sonho, mas será uma realidade. Vamos mudar o curso da nossa história, vamos chegar ao caminho para a libertação total, e estou certo de que a Universidade de Libertação Malcolm X vai se tornar uma força motriz em nossa luta. 

Com amor eterno para o povo negro, onde quer que estejamos. 

Stokely 

(Entregue por Howard Fuller em nome de Stokely Carmichael) 

*Carta extraída do Livro "Stokely Speaks." Do original "Message from Guinea". Tradução livre Carlos Rodrigo (Fuca - Insurreição CGPP) 

**A Universidade de Libertação Malcolm X foi uma instituição educacional experimental inspirada pelos movimentos do Poder Negro e do Pan Africanismo, localizada em Durham e Greensboro, Carolina do Norte. Howard Fuller (também conhecido como Owusu Sadaukai), Bertie Howard e vários outros ativistas afro-americanos na Carolina do Norte fundaram a escola, que funcionou do dia 25 de outubro de 1969 até o dia 28 de junho de 1973. Uma das principais razões pro fechamento da escola foi os conflitos políticos que danificaram a reputação da escola, dificultando o financiamento. Devido aos contratempos financeiros, a escola funcionou por apenas três anos. (adaptação Wikipédia) 


Stokely Carmichael (1941-1998) trabalhou no Comitê Não Violento de Coordenação Estudantil (SNCC) no início de 1960 e se tornou presidente do comitê em 1966. Seu discurso "Black Power" reacendeu o movimento do mesmo nome, e em 1967 ele e Charles Hamilton escreveram o livro Black Power. Em 1968 e 1969, ele serviu como Primeiro-Ministro Honorário do Partido dos Panteras Negras; ele também se mudou com sua esposa, a cantora africana Miriam Makeba, para a Guiné, onde se tornou um estudante e assessor dos presidentes Kwame Nkrumah e Sekou Touré e ajudou a organizar o Partido Revolucionário de Todo o Povo da África. Em 1978, ele mudou seu nome para Kwame Ture.