quarta-feira, 27 de julho de 2016

Trechos: Origens africanas do Brasil contemporâneo

Trechos: Origens africanas do Brasil contemporâneo - Kabengele Munanga

(...)Em termos gerais, tem-se da África uma imagem muito simples e reducionista, ilustrada por expressões como “na África é tudo a mesma coisa; na África é tudo diferente”. Esqueceu-se que se trata de um continente com 56 países; uma superfície de 30 milhões de quilômetros quadrados e uma população de cerca de 600milhões de habitantes. (...)

(...) Não apenas o significado da palavra “África” tornou-se objeto de especulação científica, mas também o próprio povoamento do continente. Controvérsias sustentadas por motivos ora científicos, ora ideológicos, continuam a confundir as mentes. Com efeito, durante muito tempo, os historiadores ocidentais defenderam a tese asiática da origem dos povos africanos. Fundamentada na descoberta do Homem de Java, na China, em 1891, outrora considerada o berço da humanidade, essa tese também foi fortemente influenciada pelos filósofos da época, em especial por Hegel. Este dividia o mundo em povos históricos e não históricos. Os primeiros seriam responsáveis pelo progresso humano, enquanto a passividade dos outros os teria mantido à margem do desenvolvimento espiritual da humanidade. (...)

(...) A descoberta do Autralopithecus pelo dr Leakey no leste da Tanzânia, em 1924, gerou as primeiras dúvidas quanto à origem asiática do primeiro homem e do homem africano. A partir do momento em que as novas descobertas científicas colocam o berço da humanidade no continente africano, as teorias que explicam o povoamento africano a partir da Ásia deviam ser totalmente abandonadas. É a partir disso que se coloca a origem da humanidade na África, sustentada pela teoria monogenista da humanidade,e não mais na Ásia; ou seja,os primeiros elementos da cultura africana foram elaborados dentro do continente africano e não trazidos de fora.(...) P.20/21

(...)O Australopiteco passou por um longo processo evolutivo, seguido pelos estágios de Homo habilis e Homo erectus antes de atingir o estágio de Homo sapiens, de quem descende o homem moderno. Todos estes estágios evolutivos foram realizados no próprio continente africano, o que gera a dúvida quanto à presença anterior do ser humano em outros continentes. A tese migratória apoiada por evidências cronológicas comprova que os homens de outros continentes (por exemplo, o homem de Neandertal, Cro-Mignon, de Grimald etc.) são descendentes do australopiteco. Há cerca de 1,5 milhões de anos,os ancestrais humanos viviam num Éden que abrangia principalmente as savanas altas entre a Etiópia e o Cabo (África do Sul). A partir desse período, o Homo erectus, que já tinha cultura bastante desenvolvida, elaborada em utensílios acheulenses, espalhou-se sobre grande parte das áreas tropical e subtropical do mundo antigo,desde a África meridional até a Ásia e a Europa. (...)P.41/42

(...) Resumidamente, a espécie humana originou-se nos pés da montanha de Lua, no Vale da Grande Fenda, marcados por grandes lagos onde estão as nascentes do rio Nilo. Foi desse lugar que os homens e as mulheres partiram para povoar o próprio continente e o resto do mundo. Disso resultou a hipótese de que os primeiros seres humanos, por terem origem nos trópicos, em torno dos grandes lagos, apresentavam, certamente, no início, pigmentação escura. Foi pela adaptação em outros climas que a matriz original se dividiu mais tarde em populações diferentes chamadas raças, por causa de suas características distintivas quanto à cor da pele e outros traços morfológicos. P.43


Os africanos que povoaram o Brasil e suas contribuições

(...) Os bantos, os primeiros a chegar, deram o primeiro exemplo de resistência à escravidão na reconstrução do modelo africano do “quilombo”, importado da área geográfico-cultural Congo-Angola. Os escravizados foragidos das fazendas se agruparam em áreas não ocupadas e de difícil acesso, organizando ali novas sociedades que apelidaram de quilombos. De origem da língua umbundu de Angola, “quilombo é um aportuguesamento da palavra kilombo,cujo conteúdo remete a uma instituição sociopolítica e militar que resulta delonga história envolvendo regiões e povos de lunda, ovimbundu, mbundu, luba, kongo e imbangala ou jaja, cujos territórios se situam hoje nas repúblicas de Angola e dos dois Congo. É uma história de conflitos pelo poder, de cisão de grupos, de migrações em busca de novos territórios e de alianças políticas entre grupos alheios.
Em seu conteúdo, o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo afro-banto reconstruído pelos escravizados para se opor à estrutura escravocrata, pela implantação de outra estrutura política na qual se juntaram todos os oprimidos. (...)

(...) Durante todo o século XVII,Palmares rechaçou mais 35 expedições comandadas pelos holandeses e portugueses. Mas foi a última expedição comandada em 1692,após quase um século de sua existência,por Domingos Jorge velho, que, depois de dois anos de luta, colocou fim à república palmerina, quando seu líder máximo, Zumbi dos Palmares, foi traído e morto por um de seus chefes subalternos. Foi sem dúvida uma estrutura política inspirada nos moldes organizacionais banto, certamente liderada por banto e seus descendentes, como comprovado pelo próprio nome do quilombo e pelos nomes de seus maiores líderes; Ganga Zumba e Zumbi, que significariam feiticeiro,imortal (Ganga de Nganga, em diversas línguas bantu; e Zumba, em kikongo, imortalidade;e Zumbi,de Nzumbi ou Nzambi, significaria espírito ou deus em várias línguas bantu).

Além desse modelo de resistência política apenas superada pela revolta dos escravizados africanos no Haiti,todos os estudiosos unanimemente reconhecem que as contribuições bantu na língua portuguesa do Brasil são mais fortes que a dos sudaneses. Não apenas introduziram uma parte do léxico desconhecido em português original como influíram na fonética e no uso de algumas expressões idiomáticas e até mesmo na fonologia de algumas palavras. (...)p.93

(...)No campo da religiosidade,as contribuições dos povos da área ocidental, particularmente do chamado Golfo de Benin, se destacam. Eles legaram ao Brasil um panteão religioso organizado segundo o modelo cultural jêje-nago, conhecido como candomblé da Bahia. P.94

O objetivo deste livro é resgatar a história e a beleza da África antes da exploração e dominação brutal a que os africanos foram submetidos para justificar e legitimar a colonização estrangeira. Com textos e fotos, o autor busca arrancar a máscara bárbara imposta àquele continente, com o intuito perverso de divulgar ao mundo uma África rude, selvagem e desprovida de humanidade, e nos revelar sua verdadeira, desconhecida e harmoniosa face.
A África é tão complexa e diversa que sua história não poderia se esgotar nessas páginas. Porém, com este livro, espera-se atender às premissas da Lei nº 10.639/03, que propicia aos estudantes brasileiros um conteúdo adequado sobre as origens, as línguas, as culturas e as civilizações do imenso continente que vive em cada um de nós.

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