Fichamento: MANIN, B. As
metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Outubro de 1995, 29.
Parte 1:
Panorama das modificações da democracia representativa (§1-8)
A democracia representativa
está passando por uma crise nos países ocidentais, pois tal modelo criou, ao longo
dos tempos, um abismo entre representantes e representados, algo que por anos a
representação política esteve bem ancorada na confiança exercida pelos
governados perante seus governantes. O autor vai tratar das modificações
conhecidas da democracia representativa, duas mais evidentes, tidas a partir do
século XIX, tem relação ao direito ao voto através de um sufrágio ampliado, e o
crescimento dos partidos de massa, onde os programas políticos se tornaram os
principais conteúdos para competição eleitoral, dois elementos que não existiam
na fundação do governo representativo das revoluções inglesa, americana e
francesa, na qual se tinha uma lógica que a divisão entre facções poderia ser uma ameaça ao sistema emergente.
Enquanto para uns esse modelo
de partidos significava uma crise de representação, para outros passa a existir
uma reaproximação dos representantes aos representados, pois os representados
se formavam através de uma militância de base. Mas, de modo geral, o surgimento
desse novo modelo, que pôs em crise o parlamentarismo, foi tido como um
progresso da democracia representativa, até porque se assemelhava mais à
democracia do autogoverno da antiguidade.
Adiante, com base na crise
atual, o autor propõe que esteja surgindo outro modelo, que põe em crise os
outros dois tratados até então, que coloca em questão o caráter das
modificações do parlamentarismo ao partidarismo.
Parte 2:
Os 4 princípios do governo representativo (§9-39)
Nesta parte, o autor destaca
a existência de quatro princípios práticos do governo representativo examinado
desde sua origem até seus desdobramentos.
A: Os representantes são eleitos pelos
governados (§10-13)
Primeiramente, o autor nota
que há uma certa incompatibilidade entre democracia e representação periódica,
apesar da democracia representativa romper com a conquista do poder pelo
direito divino, de nascimento, de riqueza ou de saber, e reforçar o poder de
escolha dos governados. Mesmo assim esse sistema não exime a diferença de
status e função entre o povo e o governo, ou seja, o povo não governa a si
mesmo e delega a função aos representantes. Com isso, os fundadores do governo
representativo não viam problema se o poder fosse continuamente exercido pelas
elites por meio da representação, por isso adotou-se as eleições ao invés de
cogitar sorteios. De certa maneira, o povo fica relegado a escolher a que tipo
de elite votar tendo como controle o não voto na próxima eleição.
B: Os
representantes conservam uma independência parcial diante das preferências dos
eleitores (§14-22)
Esse princípio se dá primeiro
pela não existência dos mandatos imperativos, onde os governantes devem fazer
estritamente a vontade dos representados, ao contrário disso eles devem
governar para a nação e não apenas para o grupo que os elegeram. Em segundo,
pela não existência de um sistema permanente para revogação dos governantes,
assim o único mecanismo para avaliar os representantes é a não reeleição, mas
cabe então o julgamento através dos desejos e perspectivas do povo, que mesmo
não cumpridos consegue-se avaliar e confiar no patriotismo do governante e que ele
pôde tomar decisões mais aptas sem a influência de “paixões desordenadas”.
Com isso a representação se
torna um sistema superior tanto pela consolidação de um processo decisório mais
racional e menos passional como pela questão de uma maior divisão do trabalho
do povo e todos os entraves de disponibilidade de tempo na sociedade moderna.
C:
Independência da opinião pública sobre os assuntos políticos sem o controle do
governo (§23-30)
O autor demonstra que com
base em dois elementos pode se estabelecer o que significa liberdade de opinião
pública
C1.1- Se faz necessário que
os governados tenham acesso à informação política para exercerem o direito de
formar opinião sobre assuntos políticos.
C1.2- O segundo elemento da
liberdade de opinião pública é a liberdade para expressar opiniões políticas.
Está associado à liberdade de expressão política a liberdade de religião. Em
sua dimensão política, isso representa a contrapartida da ausência de direito
de instrução aos representantes, que mesmo não sendo obrigados a seguir
estritamente a vontade dos governados, não se pode negar as reivindicações
organizadas coletivamente.
D: As
decisões políticas são tomadas após debate (§31-39)
Os representantes são dotados
de ampla liberdade de expressão dentro da assembleia, sendo que, a liberdade
deve se dá conforme a lei, e o debate é o caminho mais adequado para determinar
a verdade. Apesar do debate não estar de tal forma presente no pensamento dos
fundadores do governo representativo em comparação com as análises posteriores,
é evidente que a representação sempre esteve ligada à discussão. Assim, o
governo representativo foi interpretado e justificado, desde sempre, como um
sistema político em que a assembleia desempenha um papel decisivo, garantindo,
a priori, a diversidade social e a validade de uma decisão consentida pela
maioria ao final dos debates.
Parte 3:
Os três tipos de representação (§40-97)
A: O
governo representativo do tipo parlamentar (§40-47)
A1: Eleição dos
representantes pelos governados - O governo é eleito com base na confiança
dos eleitores, essa confiança tem caráter pessoal e decorre de uma identidade
dos cidadãos junto aos representantes. O governo do tipo parlamentar tem como
característica a contínua seleção de uma elite, chamada de “os notáveis”, pois
eram os que tinham maiores recursos para disputar o poder.
A2: Independência parcial
dos representantes – O governo é livre para votar e agir de acordo com suas
convicções pessoais, não precisa se ater aos compromissos externos ao parlamento.
A3: Liberdade de opinião
pública – Por parte dos representados, exercer a liberdade somente através
do voto pode restringir a amplitude de uma opinião pública, sendo que algumas
manifestações devem ser feitas fora do momento das eleições. Então, pode
acontecer a não coincidência das expressões eleitorais e não eleitorais da
opinião. E, por vezes, o povo chega “as portas do Parlamento”, o que pode gerar
conflitos.
A4: Decisões políticas
tomadas após debates – A princípio a discussão pode ter um caráter mais
relevante nesse modelo, pois os representantes não devem ter opiniões
pré-estabelecidas anteriormente aos debates, a opinião nesse modelo pode ser
consentida após os debates.
B: A
democracia de partido (§48-67)
B1: Os representantes são
eleitos pelos governados – Em decorrência da ampliação do sufrágio, passa a
se distanciar a relação de representantes e representados a partir da criação
do partido de massa. Isso implica no enfraquecimento político dos notáveis, e
na ascensão de uma outra elite, talvez a que tivesse pertencido a classe
operária outrora. O sentimento de pertencimento e identidade social determina
muito mais as atitudes eleitorais do que a análise do programa do partido,
então existe ainda uma relação de confiança, só que não mais numa pessoa e sim
num partido.
B2: Independência parcial
dos representantes – Neste caso os representantes não administram seus
mandatos conforme suas convicções pessoais, eles estão submetidos às
determinações de um partido político. Os programas dos partidos são definidos
pelos líderes do partido.
B3: A liberdade de opinião
pública – Grande parcela da opinião pública é influenciada pelas ações do
partido político, que desencadeia numa orientação pública em prol do governo,
no caso em favor dos representantes que detém maioria no governo.
B4: Decisões políticas
tomadas após debates – As orientações já são pré-estabelecidas pelo próprio
partido, não havendo a possibilidade de alterações pós debate. Com isso, a
relação de consenso se dá entre partidos.
C: A
democracia do público (§68-97)
C1: Os representantes são
eleitos pelos governados – Neste modelo percebe-se a quebra de vínculos
originados pelas características sociais, econômicas e culturais para
determinação do voto dos eleitores. Nisso, os votos podem variar de eleição
para eleição sem que as condições sociais tenham mudado de fato.
C1.1: A personalização da
escolha eleitoral – As pessoas votam de modo diferente dependendo da
personalidade dos candidatos. Os partidos ainda têm papel fundamental, mas são
submetidos ao carisma e decisão do representante. Esse representante deve ter
por característica a comunicação e uma boa imagem. Deve enfatizar as propostas
simples e claras para que o público possa compreender e obter maior confiança
em suas propostas.
C1.2: Os termos gerais da
escolha eleitoral – Neste quesito cria-se, propositalmente, por parte dos
candidatos, um antagonismo evidente entre um programa e outro, no intuito de
definir bem os adversários, e por vezes, focar mais em combate-los do que
apresentar ou esclarecer suas próprias propostas. O autor compara fazendo uma
metáfora ao teatro, pois na democracia do público os representantes políticos
são atores que incitam um princípio de divisão no interior do eleitorado. Aqui
um eleitorado que não participa da política sendo apenas um espectador.
C2: A independência parcial
dos representantes – Nesse momento, em que a imagem do
representante muito significa para sua eleição, fica assegurada, então, a
independência parcial do representante, até porque não se teve um compromisso
claro com o programa do partido.
C3: A liberdade da opinião
pública – Devido o avanço dos meios de comunicação e da tecnologia, a
opinião pública percebeu um declínio de influência dos partidos na imprensa de
opinião, agora as pessoas escolhem sua fonte de informação conforme a sua
inclinação partidária. Com isso ocorre a não coincidência entre expressões
eleitorais e não eleitorais da opinião. Nesse modelo ocorre também as pesquisas
de opinião enviesadas de acordo com o interesse de cada partido.
C4: As decisões políticas são
tomadas após debates – No que tange às discussões em assembleia, a
democracia de público se assemelha à democracia de partido, as decisões são
tomadas nos grupos de cada partido. A novidade nesse tipo de representação está
na identificação de eleitores flutuantes, que possuem maior acesso a informação
e podem se instruir razoavelmente para trocar de candidato e de partido se
julgarem necessário.
Vale frisar, portanto, que a
crise da representatividade do governo se configura pelo afastamento das
questões políticas do povo, e de tal forma tal representação não está
caminhando nos trilhos da democracia.
Fuca, Insurreição CGPP
Fuca, Insurreição CGPP