Thomas HOBBES, Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, caps. XIII a XV; XVII a XXI.
Capítulo XIII
O autor postula que a natureza fez os homens iguais, seja
pelo aspecto corporal ou espiritual analisados cada um conjuntamente em termos
de capacidade. Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança
dos homens em atingir seus fins. No entanto, se dois homens desejam a mesma
coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, fica implícito
que eles se tornarão inimigos. Então, no caminho para atingir seus fins, que é
o da própria conservação, os homens antecipam uma dominação através de uma
força comum. Consequentemente esse aumento do domínio sobre os homens, sendo
necessário para a conservação de cada um, deve ser por todos admitido.
Na natureza do homem encontramos três causas principais de
discórdia. Primeiro, a competição, ou seja, a busca pelo lucro com o uso de
violência; segundo, a desconfiança, que abrange o aspecto da segurança, da
defesa; e terceiro, a glória, que remete aos assuntos da reputação.
Assim, novamente, se não há um poder comum, os homens tendem
a atingir uma condição de guerra. Por guerra o autor desvela que não consiste
apenas na batalha em si, mas também no lapso de tempo durante o qual se sabe
sobre a vontade de travar uma batalha, o ato de lutar. Contudo, é na batalha em
si que não há lugar para desenvolvimento da indústria, do cultivo, da
navegação, do comércio, e os homens passam a viver de forma embrutecida, pois,
em tal condição, não se tem a distinção entre o bem e o mal, entre o justo e o
injusto, ou seja, onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há
injustiça.
Com isso, a noção de justiça e injusta não faz parte das
faculdades do corpo e do espírito, pois um homem sozinho, que não vive em
sociedade, não teria essa percepção, assim como não haveria a noção de
propriedade, domínio e posse, apenas aquilo que o homem é capaz de manter.
Por fim, Hobbes trata das paixões que direcionam os homens para a paz e enfatiza o medo da morte e, além disso, o desejo de condições para se ter uma vida confortável, com a esperança de atingi-la através do trabalho. Ao tratar da razão, sugere-se normas que garantiriam a paz em um comum acordo, que são as leis de natureza.
Capítulo XIV
É definido por Hobbes o direito de natureza (jus naturale),
que é a liberdade de cada homem para usar seu próprio poder para a preservação
de sua vida. Já a liberdade é a ausência de impedimentos externos, que
contrasta com uma lei de natureza (lex naturalis), sendo este um preceito ou
regra geral que proíbe um homem de agir de maneira que possa destruir sua vida
ou os meios de preservá-la.
Adiante, o autor diferencia o direito e a lei: o direito consiste
na liberdade de fazer ou omitir; já a lei determina ou obriga a uma dessas duas
coisas.
A primeira e fundamental lei de natureza é a busca pela paz
utilizando os meios necessário para conquista-la. A segunda lei de natureza é a
concordância entre os homens em renunciar a seu direito a todas as coisas, pela
paz e defesa de si mesmos, e assim possuir a mesma liberdade que os outros
possuem.
Cada homem renuncia parte de seus direitos no intuito de
estabelecer um poder comum, (o Estado). Para tanto, é necessário algo como um
contrato, que representa a transferência mútua de direitos.
Se não há a possibilidade de cumprir o contrato – seja um pacto ou convenção - ou a suspeita de tal risco, ocorre que o ato se torna nulo.
Capítulo XV
As outras leis
Nesse capítulo o autor continua tratando das lei de
natureza, e enfatiza que essas leis agem na busca da paz e da conservação da
vida de forma racional. Sua efetividade depende de uma instituição comum e de
coerção (Estado), que garante a obediência de todos que celebraram o pacto. As outras
leis seguem elencadas a seguir:
A terceira lei refere-se ao cumprimento dos pactos: A
justiça origina-se do cumprimento de pactos válidos, que só são viáveis sob um
poder soberano capaz de impor coerção.
A quarta lei postula que quem recebeu algum benefício não deve
fazer o doador se arrepender. Em suma, isso gera a relação entre gratidão e
ingratidão.
Quinta lei: cada um se esforce por acomodar-se com os
outros. Aqueles que não puderem ser corrigidos deverão ser expulsos da
sociedade. Os que respeitam essa lei são os sociáveis.
A sexta lei refere-se ao ato de perdoar ou se arrepender
acerca de ofensas do passado, isso garante a possibilidade de paz no futuro.
A sétima lei refere-se à função de uma punição, esta deve
buscar a correção ou dissuasão, não apenas uma vingança visando a satisfação
pessoal.
A oitava lei revela que ninguém deve declarar ódio ou
desprezo por outra pessoa. Isso gera conflito e violência e contrariam a paz.
A nona lei postula que todos são iguais por natureza; a
desigualdade é criação das leis civis.
A décima lei diz que ninguém pode exigir para si o que nega
aos outros.
A décima primeira lei trata do fato de se ter equidade nos
julgamentos, pois um juiz deve ser imparcial a fim de se ter a manutenção da
paz.
A décima segunda lei trata das coisas indivisíveis, ou seja,
revela que cada homem deve possuir o que é de seu pertencimento, conforme o
princípio da equidade. Contudo, tais bens indivisíveis são compartilhados ou
distribuídos proporcionalmente
A décima terceira lei revela que o sorteio (arbitrário ou
natural) resolve disputas por posse sem violência, ou seja, deve haver sorteio
justo.
A décima quarta lei postula que as partes devem aceitar a
presença de um terceiro mediador como um meio de alcançar a paz e ter uma
decisão justa.
A décima quinta lei trata sobre o fato de que as controvérsias
devem ser resolvidas por juízes/árbitros neutros para que não se ocorra o
estágio de guerra, para isso é imprescindível que os árbitros não tirem
proveito pessoal de qualquer situação.
Com isso, Hobbes ainda trata sobre a proibição de se ter juízo
em causa própria, pois com tal fato ocorre uma parcialidade em benefício
próprio. Ademais, o autor versa acerca da credibilidade a testemunhas em
disputas que envolvem fatos.
Por fim, é cravado pelo autor uma síntese disso tudo: "Faz aos outros o que gostarias que te fizessem".
Capítulo XVII
Em continuidade, o autor evidencia que o Estado, do ponto de
vista interno, garante que os homens sigam as leis de natureza. No entanto, do
ponto de vista externo, não consegue garantir a ausência de conflitos entre
Estados vizinhos, por exemplo.
Consequentemente, o Estado precisa pensar em garantir
segurança e proteção, ou seja, é responsável por manter um número suficiente de
homens dentro de um objetivo em comum. Esse objetivo deve permanecer mesmo em
tempos de paz, caso contrário as diferenças podem surgir e gerar conflitos.
O Estado possui um soberano detentor de poder sobre todas as pessoas. O poder pode ser entregue de maneira natural - sucessão de pai para filho ou através da guerra, gerando um Estado por aquisição.
Capítulo XVIII
A seguir o autor desvela que a instituição soberana, segundo o Capítulo XVIII, tem doze direitos obtidos pela multidão subordinada, quando passa a representa-la. Esses direitos não podem ser transferidos, são essenciais e inseparáveis ao soberano, caso contrário pode começar uma guerra civil. Independentemente do tipo (espécie) de poder exercido.
Em primeiro lugar, os súditos não têm o direito de mudar a
forma de governo sem a permissão do soberano.
2. O poder soberano não pode ser legitimamente confiscado ou
retirado dos detentores.
3. A minoria deve acatar a escolha do soberano feita pela maioria.
4. O soberano não pode cometer injúria contra seus próprios
súditos.
5. Os súditos não têm o direito de punir ou matar o
soberano.
6. Compete ao soberano julgar sobre os meios necessários para
a paz e a defesa do Estado. O soberano tem o direito de determinar quais
opiniões e doutrinas são propícias ou contrárias à paz pública.
7. O soberano estabelece as regras de propriedade (o
"meu" e o "teu").
8. A autoridade judicial reside no soberano.
9. O direito de fazer guerra e paz com outras nações pertence
ao soberano.
10. A escolha de todos os conselheiros, ministros e
funcionários é prerrogativa do soberano.
11. O soberano tem o direito de recompensar e punir os
súditos.
12. A concessão de títulos de honra e a determinação da ordem de precedência cabem ao soberano.
Capitulo XIX
Nesse capítulo o autor versa sobre alguns conceitos já
apresentados e também promove o desdobramento de alguns. Com isso, Hobbes diz
que a diferença entre os governos reside na diferença do soberano, ou seja, na
pessoa ou assembleia que representa todos os membros da multidão. Identifica-se
três únicas espécies de governo, baseadas no detentor da soberania:
Monarquia: o representante é um só homem.
Democracia: a soberania reside na assembleia geral dos
súditos, onde todos participam.
Aristocracia: a soberania reside numa assembleia composta
por certas pessoas designadas.
Quando é gerado um Estado por aquisição, pode ser pelo
Domínio paterno, baseado no consentimento dos filhos. Este é definido por
pactos, não pela questão biológica. Pode ser pelo Domínio despótico, resultado
de uma batalha, onde há o pacto de submissão do vencido ao vencedor. Ambos têm
os mesmos direitos que o soberano por instituição, pois derivam do medo e do
consentimento.
Portanto, seja por instituição ou aquisição, a soberania é absoluta e irrevogável. Ademais, pactos coercitivos são válidos, pois sem isso nenhum Estado seria estável.
Capítulo XX –
"Do domínio paterno e despótico"
Compara-se uma grande família que não faz parte de um Estado
a uma pequena monarquia, com o pai ou senhor como soberano sobre seus filhos e
servos. No entanto, uma família não é propriamente um Estado a menos que tenha
poder suficiente para não ser subjugada senão pelos azares da guerra. Se um
grupo de pessoas é demasiado fraco para se defender, cada indivíduo pode buscar
sua própria segurança pela fuga ou submissão.
Em suma, o Capítulo XX explora as formas de soberania
adquiridas pela força, detalhando o domínio paterno baseado no consentimento e
o domínio despótico originado de um pacto entre vencedor e vencido. Hobbes
enfatiza a semelhança nos direitos e consequências dessas formas de soberania
com a soberania por instituição, todas fundamentadas na necessidade de um poder
absoluto para garantir a paz e a segurança, e busca apoio para suas ideias em
exemplos bíblicos.
Hobbes também desmistifica a ideia de que existem outras
formas de governo além das três mencionadas, como as monarquias eletivas ou
limitadas. Ele afirma que monarcas eletivos não são soberanos, mas ministros do
soberano, e o mesmo se aplica aos monarcas com poder limitado. Províncias
submetidas a uma democracia ou aristocracia de outro Estado são, na verdade,
governadas monarquicamente.
No que diz respeito à sucessão, o autor explica que em uma
democracia, não há lugar para questões de sucessão, pois a assembleia soberana
é imortal. Em uma aristocracia, quando um membro da assembleia morre, a eleição
de um substituto compete à própria assembleia, que detém o direito de escolher
seus conselheiros.
A maior dificuldade em relação ao direito de sucessão ocorre
na monarquia. Hobbes argumenta que o direito de designar o sucessor pertence ao
monarca em exercício. A morte do soberano deixa a multidão sem um
representante, incapaz de eleger um novo monarca, o que levaria ao retorno à
condição de guerra. Portanto, a escolha do sucessor é sempre deixada ao juízo e
vontade do monarca atual. Essa designação pode ser feita por palavras expressas
em testamento ou por sinais tácitos considerados suficientes.
Por fim, Hobbes aborda a objeção de que um monarca poderia
vender ou dar seu direito de governar a um estrangeiro. Embora reconheça que
isso pode levar à opressão, ele argumenta que o problema reside na falta de
habilidade dos governantes, e não necessariamente na sujeição a um estrangeiro.
Ele cita o exemplo dos romanos, que buscaram integrar as nações conquistadas, e
do rei Jaime, que visava à união da Inglaterra e da Escócia, para mostrar que a
integração pode mitigar esse inconveniente. Ele conclui que a decisão de um monarca
sobre a sucessão por testamento é legítima, assim como é considerada legítima a
possibilidade de o direito de sucessão recair sobre um estrangeiro através do
casamento.
Ao passo que esses tratados circulam entre capítulos, agora no
presente capítulo XX, Hobbes acrescenta o elemento da integração prática ao
dizer que a mera submissão a estrangeiros não invalida uma soberania, desde que
haja consentimento e mecanismos de coesão, isto é, a legitimidade reside no
consentimento, não na origem do soberano.
Outro elemento tratado é o da obediência ao poder
estabelecido, e nisso o autor se vale de exemplos bíblicos para exemplificar
essa necessidade.
Logo de início, o autor apresentou que uma família autônoma
e poderosa assemelha-se a uma monarquia, com o pai/senhor como soberano.
Ainda, os grupos fracos, que não estão aptos para
autodefesa, não são Estados, pois os membros apenas buscam segurança enquanto
indivíduos.
Há, em acréscimo, a distinção entre estado de natureza e o
Estado. No estado de natureza, a mãe inicialmente detém o poder sobre os
filhos, a menos que um pacto marital transfira o domínio ao pai. Em Estados, a
lei civil favorece o domínio paterno, refletindo a origem patriarcal da maioria
das sociedades.
Aqui, novamente, o Capítulo XX explora as formas de soberania adquiridas pela força, detalhando o domínio paterno baseado no consentimento e o domínio despótico originado de um pacto entre vencedor e vencido.
XXI
A liberdade dos súditos não é absoluta, mas consiste na ausência de impedimentos externos dentro dos limites permitidos pelo soberano. Ela coexiste com a obediência ao poder soberano, pois a segurança coletiva exige restrições à liberdade natural. A verdadeira liberdade reside nas ações não reguladas pelas leis e na possibilidade de desobediência legítima apenas em situações extremas de autopreservação.
4. Conclusões do
autor (objetivas):
Liberdade como espaço regulado: A liberdade dos súditos
depende do "silêncio da lei" – onde não há proibição, há permissão.
Desobediência justificada: Só é legítima em situações de
autopreservação extrema, nunca para desafiar a autoridade soberana.
Invalidade de concessões perigosas: O soberano não pode
ceder direitos essenciais à segurança sem renunciar à soberania.
Soberania como alma do Estado: Sem o poder soberano, o
Estado perde coesão retornando ao estado de guerra.
Proteção como fundamento da obediência: A obrigação política
é condicional à capacidade do soberano de garantir paz e defesa.
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