domingo, 2 de novembro de 2025

A relevância contemporânea do pan-africanismo no século 21- Mueni wa Muiu

Mueni wa Muiu

O pan-africanismo se desenvolveu no novo mundo diante da discriminação racial e da desumanização dos povos africanos* [*A autora usa African decent=afrodescentes, usarei povos africanos, compreendida a diáspora africana também]. Os seguintes ativistas e intelectuais africano-americanos e afro-caribenhos foram os principais atores em sua criação: W.E.B Du Bois, Paul Robeson, CL.R. James, George Padmore e Marcus Garvey. As primeiras reuniões do congresso pan-africano, organizadas por W.E.B Du Bois em Londres, Paris, Bruxelas e Londres, bem como em Bruxelas e Lisboa, favoreceram a independência gradual dos países africanos. Algumas mães do pan-africanismo incluem Amy Jacques Garvey, Amy Ashwood Garvey, Shirley Graham Du Bois, Audley Moore e Dara Abubakari. [1] Existem certos fatores comuns que unem as pessoas de ascendência africana com base no pan-africanismo, que incluem o sofrimento comum sob a escravidão, colonialismo, neocolonialismo, bem como fatores culturais e políticos. Embora as culturas dos povos africanos na África, Ásia, Europa e América do Norte possam ser diferentes, com base na classe econômica, eles vivenciam algumas condições semelhantes, como pobreza e discriminação. Por causa da pobreza, da discriminação étnica, racial ou religiosa e da guerra, alguns africanos são forçados a viver em condições desumanas. De que forma a ideologia do pan-africanismo pode ser utilizada como uma arma para melhorar as condições enfrentadas pelos povos africanos? Apenas o pan-africanismo radical pode ser relevante no século 21. Por “radical” queremos dizer um pan-africanismo que leva ao fortalecimento econômico, controle dos recursos dentro do continente, paz e unidade africana. O fortalecimento econômico da maioria dos povos africanos interromperá a migração para os países ocidentais. Também proporcionará oportunidades para que os jovens africanos tenham sucesso enquanto vivem com dignidade. Este capítulo examinará a relevância do pan-africanismo no século 21, concentrando-se nos conflitos, na migração forçada e na pobreza, bem como na educação.

O pan-africanismo é relevante diante dos conflitos, migração forçada e pobreza?

A África tem uma área de 11,7 milhões de milhas quadradas. O continente é tão grande que caberiam nele as seguintes áreas e ainda haveria mais espaço: Argentina, China, Índia, Nova Zelândia e EUA. Com base nas estimativas de 2017, a população da África era de 1,2 bilhão, com 94 pessoas por milha quadrada. Devido ao seu tamanho e recursos, a África é subpovoada. Com sua pequena população espalhada em 55 países, alguns países africanos carecem de recursos para abastecer seus próprios cidadãos e muito menos seus vizinhos. Além disso, quando um conflito irrompe em um país, alguns desses países dificilmente podem sustentar a população refugiada sem o apoio internacional. O pan-africanismo é relevante neste cenário porque, quando usado de forma eficaz, pode fornecer soluções para conflitos e migração forçada. Como os países africanos não estão unidos, cada país faz sua própria política externa. Como resultado, desenvolveram-se Estados clientes que devem sua lealdade a países/empresas que colocam os líderes no poder, e não à maioria da população. Enquanto as eleições são realizadas para introduzir novos líderes, as raízes econômicas dos conflitos nunca são abordadas, por exemplo, na República Democrática do Congo, Somália e Sudão. Diante do conflito, da migração forçada e da guerra, as políticas eleitorais defendidas pela democracia liberal não oferecem soluções de longo prazo. As formas indígenas africanas de governança baseadas na participação e no consenso seriam eficazes na solução das questões que levam ao conflito. Na maioria desses países, as lealdades ainda são baseadas na comunidade, clã ou grupo, e não nos Estados. As soluções para os problemas só podem ser eficazes se as pessoas entenderem e se identificarem com os métodos utilizados. Uma vez que o atual sistema estatal africano é muito frágil para resistir a qualquer desafio, devem ser buscadas alternativas viáveis ao Estado. Tais alternativas incluem entidades que a maioria da população entende, são leais, com base em formas indígenas e modernas de governança. Para esse fim, a governança será baseada em um “consenso negociado participativo”. [2] As novas entidades serão fundamentais para deter a intromissão estrangeira, os Estados clientes, bem como a desorganização e a violência que são a norma em algumas regiões do continente.

Historicamente, o Estado africano foi criado para fins extrativistas (mão-de-obra, mercados e matéria-prima) para atender às necessidades econômicas dos países colonizadores. Essa tendência foi ainda mais fortalecida pelas relações neocoloniais que os países africanos mantêm com esses países. Os direitos humanos para o povo africano nunca estiveram na agenda, sejam quais forem as potências coloniais que controlam os países. Essa falta de respeito pelas vidas africanas é revelada sempre que os conflitos irrompem. No estado em que se encontram, os países africanos não têm uma política comum quando lidam com questões de conflito, migração forçada ou xenofobia. Sem unidade, esses países ficam vulneráveis, pois cada um tenta esculpir sua própria política externa. Às vezes, os países africanos competem uns contra os outros pelos favores de países estrangeiros. Por exemplo, a África do Sul pós-apartheid e Ruanda competem pelo favor internacional contra outros países africanos. Uma vez que não existe uma política externa africana comum que delineie os ideais do continente, os Estados clientes podem desempenhar um papel letal no prolongamento do conflito. Como resultado, grandes populações são deslocadas internamente enquanto diferentes mercenários lutam por seus recursos. Esta competição também se estende a alguns líderes africanos que competem entre si, seja pelo favor de seus antigos colonizadores, novos aliados ou das minorias dentro de seus países. Alguns desses líderes acreditam que os países que governam pertencem a eles e seus aliados, em vez de servir a seus cidadãos. Esses egos agem como uma ruptura na unidade africana diante do conflito, porque alguns desses líderes são movidos pela arrogância e vingança. Como há tanta competição, medo, ganância e ciúme entre alguns líderes, os conflitos são prolongados, resultando em morte e sofrimento em massa. A desunião da África une diversos elementos, sejam empresas, países ou mercenários, para explorar seus recursos enquanto seu povo vive aterrorizado. Apenas uma frente unida dentro de um tipo radical de pan-africanismo pode dar aos líderes africanos uma visão comum para o continente.

A África é um continente rico em recursos, seja em minerais, terra ou água. No entanto, o acesso a esses recursos resultou em grandes conflitos e guerras na República Democrática do Congo, na República Centro-Africana e na Líbia. Como os países africanos não estão unidos, é fácil que países individuais sejam destruídos. Em meio ao caos e à violência que se segue, diferentes mercenários exploram os recursos africanos enquanto a escravidão se torna a norma, como é o caso da Líbia. Países como a Líbia são usados como “lições” para que outros países africanos obedeçam a seus mestres neocoloniais. Outros conflitos são rotulados como “étnicos”, “religiosos” ou “terroristas”, como em Camarões, República Centro-Africana, Somália e Sudão. Como resultado dos vários conflitos, diversas organizações se mudaram para essas áreas onde se tornaram fontes de terror constante. A característica comum sobre os conflitos africanos é que eles são uma importante fonte de negócios, seja para organizações não-governamentais ou mantenedores da paz. Outra característica comum é que não são encontradas soluções de longo prazo para esses conflitos, apesar do grande número de atores envolvidos.

Para que as pessoas pensem, criem e inovem, elas precisam viver em condições pacíficas. A ideia básica do pan-africanismo não pode triunfar em condições de terror constante. Esses conflitos forçaram os cidadãos a deixarem suas casas e irem para campos de refugiados, enquanto outros morreram tentando entrar na Europa. Alguns africanos no continente foram forçados a sair de áreas rurais ricas em recursos para favelas por causa de conflitos por água, gado ou terra. Como então podemos falar de pan-africanismo diante da migração em massa? Para tornar o pan-africanismo relevante para o período contemporâneo, ele deve ser aproveitado para resolver os problemas que causam essas guerras. A União Africana não pode ser viável se não for capaz de resolver os problemas que forçam os africanos a deixarem suas casas. Que tipo de organização permanece muda e inativa diante de tanto sofrimento de seu povo? Para ser eficaz, a UA deve romper com sua dependência de financiamento estrangeiro enquanto desenvolve a sua própria visão. Uma UA autossuficiente desempenhará um papel crítico no pan-africanismo porque marginalizará elementos divisivos no continente. Também protegerá os interesses dos membros de seus cidadãos, e não os da elite e seus aliados.

Somente uma forma radical de pan-africanismo que capacita as comunidades rurais a aproveitar os recursos dentro de suas fronteiras pode ser relevante diante do conflito. O conflito sobre os recursos é reduzido quando as comunidades locais têm oportunidades de participar da criação de riqueza com base nos recursos da região. Em alguns casos, a etnicidade é usada (seja por alguns políticos ou outras entidades) como uma ferramenta de divisão resultando em conflito. Algumas pessoas dizem “Sou pobre porque fulano é rico” ou “Fulano é rico porque aquele grupo étnico é composto de pessoas corruptas” etc. Se ninguém cessar esse ciclo de pensamento, é provável que surja um conflito. Uma vez que as pessoas são encorajadas a serem criadoras de oportunidades e inovadoras, elas param de culpar os outros por seu fracasso. A educação será fundamental para transformar essa mentalidade de dependência. Ao fornecer oportunidades para todos, independentemente da etnia ou origem, o pan-africanismo capacitará economicamente as pessoas de ascendência africana. Sem coexistência pacífica entre diversos povos, o pan-africanismo é irrelevante. O pan-africanismo radical deve ser usado como arma para desalojar os vários atores que se apoderaram das áreas ricas em recursos da África. Na dimensão política, o pan-africanismo radical será baseado na democracia participativa consensual.

Educação transformadora para o pan-africanismo radical no século 21

Por “educação transformadora” queremos dizer currículos que equipam as crianças de ascendência africana com as habilidades de que precisam para resolver os problemas em suas comunidades. Esses estudantes são transformadores de suas comunidades. Também prepara a criança para triunfar em diferentes condições e ambientes. A educação transformadora atua como uma ponte entre a criança, a cultura e o meio ambiente. Ela usa todos os aspectos da cultura africana presente e passada, bem como membros de sua comunidade. Por exemplo, durante a hora da história, as crianças leem livros e também ouvem histórias dos membros mais velhos da comunidade. Com base na educação transformadora, o universitário é capacitado para utilizar os recursos da comunidade, inclusive os saberes dos mais velhos. Por exemplo, quando novas culturas são introduzidas, o estudante de agricultura consulta os mais velhos para entender quais se dão bem na área, em vez de tratá-las como irrelevantes. Para que o desenvolvimento seja bem-sucedido, a educação transformadora prepara o aluno para ser igual aos membros da comunidade, em vez de tratá-los como inferiores. Os membros da comunidade devem confiar nele como um deles. Com base nesse treinamento, a educação transformadora prepara os estudantes para serem servidores da comunidade, em vez de membros alienados e distantes que pensam que são superiores. Como servidores da comunidade, os estudantes são ativos em todos os aspectos de seu desenvolvimento. A educação transformadora é voltada para a melhoria das condições na comunidade. Melhora as dimensões culturais, físicas e espirituais dos membros da comunidade. “Pois o verdadeiro desenvolvimento significa o crescimento e desenvolvimento das pessoas.” [3]

O “crescimento” das pessoas significa que elas vivam com dignidade: acesso à educação, alimentação, cuidados de saúde, abrigo e segurança. Para esse fim, a educação transformadora oferece oportunidades para que os membros da comunidade saiam da pobreza. Os estudantes que passaram por um currículo transformador compartilham seus conhecimentos e habilidades com o restante da comunidade (atualmente, apenas o Egito exige que os alunos compartilhem seus conhecimentos com outras dez pessoas). Essa experiência permite que os estudantes aprendam com outros membros da comunidade enquanto compartilham seu conhecimento de livros. Também cria um vínculo entre os estudantes e a comunidade. Cria visionários que têm a responsabilidade moral de melhorar as condições enfrentadas pela maioria dos membros de suas comunidades. Por exemplo, no continente, os alunos podem ser críticos ao informar os membros de suas comunidades para não venderem suas terras, pois são a fonte de sua alimentação e sustento. Uma vez que algumas pessoas vendem suas terras, elas se tornam sem-teto, seja nas cidades rurais ou nas favelas da cidade. Desesperados, essas pessoas e seus filhos tornam-se criminosos, alcoólatras ou assassinos. Sem pessoas saudáveis de ascendência africana, o pan-africanismo é irrelevante no século 21. A relevância do pan-africanismo no século 21 dependerá do tipo de educação que as crianças africanas recebem. Embora no continente africano a maioria dos africanos não vivencie humilhações diárias baseadas na supremacia branca, eles ainda têm que viver sob condições determinadas pela maioria dessas organizações internacionais. As condições de empréstimo estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial determinam a natureza da educação a que as crianças africanas são expostas. As condições neocoloniais que os países africanos enfrentam também determinam a pedagogia que é usada para ensinar as crianças africanas. Em grande parte, as pessoas de ascendência africana na Europa e na América do Norte não podem decidir sobre a educação que será ministrada a seus filhos, a menos que as eduquem em casa. Pessoas de ascendência africana enfrentam diariamente os instrumentos da supremacia branca que moldam suas perspectivas. Essas observações não significam que africanos e afrodescendentes não tenham opções. Eles têm.

A educação transformadora quebra barreiras entre pessoas com educação ocidental/tradicional, ou entre África/diáspora, rural/urbano, África/África do Sul. Isso resulta em um graduado que está ciente de si mesmo e dos outros. Enquanto a educação colonial alienava o estudante de seus pais, a educação transformadora fortalece esse vínculo ao permitir que as crianças também sejam ensinadas em línguas africanas. A linguagem e a cultura moldam a maneira como os membros da sociedade interagem uns com os outros. Também molda sua cultura e processo de pensamento. O uso da linguagem continua sendo o maior obstáculo em uma educação que transforma a comunidade. Em algumas áreas, os pais ficam orgulhosos quando seus filhos não falam uma palavra em seu idioma. A educação transformadora não pode ter sucesso sem uma política linguística uniforme que privilegie as línguas africanas. Ao educar as crianças africanas sobre outras partes da África e da diáspora, a educação transformadora cria um senso de empatia nesses alunos. Como resultado, acaba com a xenofobia na África do Sul, onde outros africanos matam “Ngweregwere” (africanos de outras partes do continente) com base na crença de que estão “tirando” suas oportunidades econômicas. A educação do apartheid ensinou aos sul-africanos que eles eram melhores do que os africanos do resto do continente.

A educação transformadora visa capacitar os aspectos emocionais, físicos e espirituais da criança africana. Semelhante aos sistemas indígenas africanos, onde as crianças aprenderam por meio da experiência, a educação transformadora privilegia a aprendizagem experiencial. As crianças aprendem fazendo algo. Equilibra o conhecimento do livro com o trabalho físico sem privilegiar o primeiro. É um cruzamento entre os ideais de Frantz Fanon, W.E.B Du Bois, Booker T. Washington, Julius Nyerere e Steve Biko. A educação transformadora prepara a criança africana como membro da comunidade, país e continente, e não como indivíduo. Leva em consideração a preservação da comunidade, o meio ambiente e o desenvolvimento espiritual, como faziam as formas indígenas de educação. Na educação transformadora, a criança aprende sobre novas ideias aplicando-as a questões reais. Nenhuma comunidade pode se desenvolver sem inovadores e filósofos que ajudem a curvar seu desenvolvimento futuro. A educação transformadora é baseada na humildade e no sacrifício. De acordo com a educação transformadora, cada membro da comunidade deve contribuir com base em sua capacidade, porque não há esmolas. Com base na educação transformadora cada membro da comunidade contribuirá para a criação de uma horta comunitária. Cria um cidadão responsável que é moralmente obrigado a retribuir à comunidade. A educação transformadora não privilegia o conhecimento do livro sobre o trabalho físico ou o trabalho de escritório sobre a agricultura. Com base na educação transformadora, somos o que comemos. O estudante é ensinado através da experiência como fazer escolhas alimentares saudáveis, não apenas comprando os alimentos, mas também plantando-os. Ao usar a educação transformadora, muitas doenças que afligem os povos africanos, como diabetes, pressão alta e obesidade, podem ser eliminadas.

Que tipo de educação pode resultar em pan-africanismo radical? Por “radical” queremos dizer um pan-africanismo que não visa apenas unir todas as pessoas de ascendência africana, mas também que as capacita econômica, cultural e politicamente. Esse tipo de pan-africanismo requer pessoas de ascendência africana que tenham os meios materiais para contribuir para o empoderamento dos africanos, seja na diáspora ou no continente. Sem africanos dispostos a retribuir às suas comunidades, o pan-africanismo radical não pode triunfar. Em tal cenário, a educação é crítica porque é o fator chave na formação de uma perspectiva de vida. Qualquer forma de educação que encoraje a dependência seja de líderes, família ou país não leva à libertação. O tipo de educação a que as crianças africanas são expostas ainda cultua a alienação cultural e ambiental. Ele marginaliza as contribuições da África para a civilização e cultura mundial. Um graduado dessa forma de educação anseia por riqueza material sem ter a curiosidade intelectual de criá-la. Como resultado, a capacidade intelectual e a inovação são marginalizadas. Esta forma atual de educação também aliena a criança africana das áreas pobres e rurais. Sem empatia com os pobres e as comunidades nas áreas rurais, o adulto africano não pode retribuir. Este africano vê o seu papel como crítico apenas como consumidor de bens materiais, mas nunca como um inovador que pode transformar as condições enfrentadas pela maioria do povo. Essa pessoa de ascendência africana não tem nada a oferecer à sua comunidade, exceto críticas. Como observou Frantz Fanon, em uma condição neocolonial, a burguesia do país em desenvolvimento desempenha um papel de intermediário. Todos os seus esforços são direcionados partindo do ex-país colonial que “terá tomado todas as precauções ao estabelecer convenções comerciais neocolonialistas”. [4] Uma educação transformadora pode capacitar a criança de ascendência africana como inovadora e empreendedora que aproveita a tecnologia para competir no nível doméstico e também no setor global. Como um criador de riqueza e oportunidade, uma criança que passou por uma educação transformadora olha além do interesse próprio enquanto protege os recursos do continente. Essa criança é uma visionária.

Como então a educação pode se tornar um agente transformador para fortalecer os povos africanos? Tal educação será crítica nas seguintes áreas: em casa, na sala de aula, na comunidade e na esfera política. Isso não significa que não haja grandes desafios ao lidar com aspectos da educação. Mas, apesar de desafios como alcoolismo, famílias desfeitas, aspectos da modernidade que rebaixam os mais velhos da comunidade e a pobreza, a educação ainda pode ser transformada. Quando falamos de educação em casa, começamos com o conhecimento de que a criança afrodescendente não é “menos que” as outras. Esta criança aceita suas características africanas. O movimento crescente de africanos aceitando seus cabelos naturais é encorajador. É essa autoestima que capacitará a criança de ascendência africana a competir e ter sucesso em todos os níveis, não apenas em modelagem ou esportes, mas também em línguas e civilizações africanas, história, literatura, inovação, bem como em matemática e ciências.

O maior desserviço prestado à criança africana está na sala de aula. A maioria dos currículos de educação, seja no continente ou na diáspora, não ensina a criança africana sobre a civilização africana e sua contribuição para o mundo. Um currículo completo deve levar em conta a tríplice herança baseada nas três elites: sistemas indígenas africanos, muçulmanos e cristãos. Em alguns casos, apenas a elite educada com base nos valores ocidentais é privilegiada. Além disso, algumas escolas no continente são operadas por organizações não governamentais que têm agendas concorrentes. O Estado africano, seja por causa da guerra, pobreza ou negligência, é incapaz de desenvolver currículos educacionais viáveis para o fortalecimento de seus cidadãos. O Estado também enfrenta grandes desafios em face da globalização e da democracia liberal que minam a maioria de suas responsabilidades anteriores. Por exemplo, com mais privatizações, escolas que eram operadas por Estados foram privatizadas. Algumas dessas escolas são administradas como empresas, onde os responsáveis não são qualificados para serem educadores. Além disso, eles não têm um objetivo comum no que diz respeito à cultura, história e meio ambiente dos países envolvidos. A ênfase no individualismo também minou o papel da comunidade na administração de suas escolas. Nestes currículos, a civilização ocidental é privilegiada como gênese de todo o conhecimento.

Uma educação transformadora também deve mudar o currículo. Uma vez que a criança africana começa a vida a partir de uma posição de confiança e autoestima, qualquer desafio pode ser enfrentado. Esse tipo de educação resulta em uma criança africana que pode simpatizar com as condições dos membros menos afortunados da comunidade. Produz um graduado que não é alienado da comunidade. Tal graduado tem o dever moral de retribuir à comunidade em bens materiais, oportunidades e serviços. O graduado de uma educação transformadora também sente empatia pelos membros menos afortunados da comunidade. Sem uma base sólida em tecnologia e um currículo que se concentre na inovação e não na memorização, a educação não pode ser transformadora para desempenhar o papel crítico necessário para o século 21. Essa educação equipará as crianças africanas com as habilidades necessárias para administrar os recursos dentro de suas fronteiras. É interessante notar que as escolas de minas não são visíveis no continente que é rico em coltan, diamantes, ouro, petróleo e platina, para citar alguns. A educação transformadora é mais crítica no século 21 diante da globalização, do neocolonialismo e do individualismo. Seja por meio de reuniões comunitárias, igrejas, mesquitas ou mídias sociais, a educação transformadora pode inculcar um sentimento de vergonha nos membros da comunidade que aceitaram a desumanização como um fato da vida. É esse senso de comunidade que também pode radicalizar o pan-africanismo.

Que papel a educação transformadora pode desempenhar no nível da comunidade? Tomemos o exemplo da gentrificação que está ocorrendo na maioria das cidades norte-americanas. Um membro da comunidade que passou por educação transformadora pode realizar projetos na comunidade que capacitam seus membros. Por exemplo, alguns empreendedores estão se envolvendo em projetos de gentrificação sem supervalorizar as propriedades fora do alcance dos residentes locais. Eles também estão oferecendo oportunidades de trabalho para os membros da comunidade, preservando sua composição cultural e histórica. Em vez de trabalhar contra membros da comunidade, tais projetos trabalham com o apoio da comunidade, portanto, fortalecendo-os. Nas áreas rurais do Quênia, alguns membros da comunidade também estão envolvidos em projetos semelhantes, nos quais renovam prédios antigos usando talentos locais para fortalecer a comunidade. Há poder intelectual suficiente entre os membros da diáspora africana e os do continente para se engajar em projetos semelhantes. Os membros da diáspora africana têm um papel crítico a desempenhar na educação transformadora. Uma das maiores crises que o continente enfrenta é a fuga de grandes intelectos e especialistas nascidos na África, seja para a Ásia, Europa ou América do Norte. Esses africanos podem contribuir por meio de projetos inovadores em casa, transferências monetárias (o que já está acontecendo) ou criando escolas no continente onde compartilham seus conhecimentos (já acontecendo) enquanto ensinam as gerações mais jovens usando a educação transformadora.

Conclusão

Os pais e mães fundadores do pan-africanismo abriram caminhos para as liberdades políticas. As gerações presentes e futuras devem abrir os caminhos para o fortalecimento econômico, que são os principais obstáculos ao desenvolvimento econômico. A globalização aumentou a exploração econômica, deixando a maioria das pessoas no continente em condições desesperadoras. Mesmo na África do Sul, onde a democracia liberal foi promovida como o melhor exemplo de preservação de direitos na “nação arco-íris”, foi um fracasso terrível. Os direitos econômicos para a maioria dos africanos ainda são um sonho distante. A maioria desses africanos ainda nasce e morre em condições deploráveis nos subúrbios. Em vez de o fim do apartheid resultar no fortalecimento econômico para os africanos, apenas liberou capital estrangeiro na África do Sul para explorar o resto do continente. Sob o disfarce da globalização, essas empresas deslocaram os negócios locais. Um pan-africanismo radical seria fundamental para oferecer oportunidades para que as empresas locais triunfassem com base em seus produtos. Isso forneceria oportunidades para mais inovação, como os sistemas de transferência de dinheiro Mpesa (Quênia), a serem desenvolvidos em todo o continente. Crianças de ascendência africana, quer vivam nas favelas do Cairo (Egito), Kibera (Quênia), Crossroads (África do Sul) ou Detroit (EUA), se beneficiariam com a educação transformadora, pois todos retribuem e são economicamente fortalecidos. Para isso, a pobreza, a desumanização e a violência deixam de ser o destino da criança africana porque cada um de nós se envergonha dessas condições e faz alguma coisa. Para que a democracia seja viável, ela também deve implicar liberdade e direitos econômicos. A maioria da população também deve desfrutar dos benefícios da liberdade política ao viver com dignidade. A democracia liberal privilegia a liberdade política sobre os direitos econômicos. No entanto, são os direitos econômicos dentro de uma estrutura de pan-africanismo radical que levarão às soluções dos problemas enfrentados pelos povos africanos.

Se o pan-africanismo for usado como uma ferramenta para unir as pessoas de ascendência africana, ao mesmo tempo em que as capacita economicamente, três desenvolvimentos são essenciais. A primeira é eliminar as fronteiras coloniais, permitir a liberdade de movimento e financiar a União Africana. A cláusula que foi herdada pela União Africana (UA) da Organização da Unidade Africana (OUA) que respeita as fronteiras coloniais deve ser eliminada. Para arruinar o reduto do neocolonialismo no continente, as observações de Frantz Fanon são relevantes no período contemporâneo como eram então:

Colocar a África em movimento, colaborar na sua organização, no seu reagrupamento, segundo princípios revolucionários. Participar do movimento coordenado de um continente; essa, definitivamente, é a tarefa que escolhi… tendo levado a Argélia aos quatro cantos da África, temos agora de voltar com toda a África para a Argélia africana, rumo ao norte, rumo à cidade continental de Argel. É isso que eu quero: grandes canais de comunicação através do deserto. Reduzir o deserto, negá-lo, unir a África e criar o continente... Pegar o absurdo e o impossível, negar o caminho errado e lançar um continente no ataque à muralha do poder colonial. [5]

É mais fácil viajar pelo continente com um passaporte estrangeiro do que com o passaporte de um país africano. Todos os africanos e descendentes de africanos devem ter liberdade de movimento dentro do continente. Sem liberdade de movimento, as pessoas não podem aprender umas com as outras, ter empatia e contribuir plenamente para o desenvolvimento do continente. A liberdade de movimento só será mutuamente benéfica quando a educação transformadora se tornar a norma tanto no continente quanto na diáspora. A livre circulação também é crítica para quebrar as barreiras da ignorância, bem como os conflitos étnicos. Para esse fim, permite que uma identidade africana triunfe sobre todas as outras formas. Deve-se notar a este respeito que a adição pela UA da sexta zona que representa a diáspora africana abriu caminhos para o desenvolvimento. Outros países devem seguir o exemplo de Gana, permitindo que os afrodescendentes se estabeleçam sem comercializar sua história de sofrimento como “turismo”. Países como o Quênia também permitiram que outros africanos se estabelecessem, desde que obedecessem às suas leis. Esses desenvolvimentos permitem que os afrodescendentes compartilhem habilidades, aprendam uns com os outros e conheçam mais sobre o continente. A livre circulação também aumentará a receita, pois os vistos são eliminados e o turismo é estimulado. Desde que as pessoas de ascendência africana obedeçam às leis do país em particular, devem poder viver em paz. Sem paz não há vida. “Paz” não significa ausência de guerra. É a capacidade dos povos africanos de viver com dignidade.

Uma vez que nenhum grupo de pessoas pode desenvolver outro grupo ou povo, se a União Africana pretende ser viável, tem que ser financiada pelos países africanos. É ingênuo imaginar que uma organização financiada por fontes estrangeiras sem nenhum programa radical para fortalecer a maioria das pessoas possa ser uma ferramenta pan-africanista eficaz. Por último, os países africanos devem unir-se. Quanto mais a maioria da população do povo se conscientizar das condições que enfrenta, das causas desses problemas, bem como dos meios de mudar essas condições, mais preparados estarão para transformar suas vidas para melhor. Uma vez que as pessoas estejam conscientes de sua condição, nenhuma figura carismática, religião ou quantidade de ubuntu as impedirá de eliminar as condições que as escravizam. Afinal, para o pan-africanismo ser relevante, ele deve ser radical assim como qualquer governo do continente:

…deve governar pelo povo e para o povo, pelos excluídos e para excluídos. Nenhum líder, por mais valioso que seja, pode substituir a vontade popular; e o governo nacional, antes de se preocupar com o prestígio internacional, deve primeiro devolver sua dignidade a todos os cidadãos, preencher suas mentes e seus olhos com coisas humanas e criar uma perspectiva que é humana porque nela habitam homens conscientes e soberanos. [6]

Notas

1. Guy Martin. African Political Thought. (New York: Palgrave McMillan 2012): 57; Ver também, Ashley Farmer. “Mothers of Pan-Africanism: Audley Moore and Dara Abubakari” Women, Gender, and Families of Color (Vol.4, #2, Fall 2016): 274–295; Rosemary Onyango “Echoes of Pan Africanism in Black Panther” Africology: The Journal of Pan African Studies, (Vol.11, nº9, August 2018):39–43; “Pan-Africanism” em The Columbia Encylopedia, por Paul Lagasse e Columbia University. (8th ed) (Online) Columbia University Press, 2018. http://www.credoreference.com.; Wayne Edge. Global Studies: Africa. (Dubuque, IA: McGraw-Hill/Dushkin, 2006):3.; Guy Martin. “The West, Natural Resources and Population Control Policies in Africa in Historical Perspective,” Journal of Third World Studies 22, nº 1 (Spring 2005): 69–107.

2. Claude Ake. The Feasibility of Democracy in Africa. (Dakar: CODESRIA,2000):32; Ver também Kwame Nkrumah. Africa Must Unite. (London: Panaf, 1963): xvi.; Julius Nyerere. Man and Development Binadam na Maendeleo. (London: Oxford University Press, 1974):4.

3. Nyerere: 1974, 8.

4. Franzt Fanon. The Wretched of the Earth (New York: Grove Press, 1963): 179; ver também Ngugi wa Thiong’o. Decolonising the Mind: The Politics of Language in African Literature. Nairobi: Heineman, 1981; Mueni wa Muiu & Guy Martin “Challenges in Post-Apartheid South Africa: Economy, Health & Land” African Studies & Research Forum (ASARF) North Carolina Central University, Durham, NC (28–30, March 2019) 23rd Annual conference; Mueni wa Muiu & Guy Martin. A New Paradigm of the African State: Fundi wa Afrika: 195–205.

5. Franzt Fanon. “Cette Afrique a Venir” citado em D.Macey. Frantz Fanon: A Life. (London: Granta Books, 2000):439–440; ver também Neville, Alexander. “New meanings of Panafricanism in the era of globalization” The Fourth Annual Frantz Fanon Distinguished Lecture, DePaul University, Chicago, 8 October 2003):1; Daniel J. Naidoo, V. & Naidu, S. “The South Africans have arrived: PostApartheid Corporate expansion into Africa” em Daniel J. Habib & Southall R. (eds). State of the Nation. South Africa 2003–2004 (Cape Town: HSRC Press, 2002).

6. Frantz Fanon: The Wretched of the Earth (New York: Grove Press 1963): 205.

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Extraído do capítulo 35 do livro Routledge Handbook of Pan-Africanism, editado por Reiland Rabaka. 2020.


Mueni wa Muiu é graduada pela University of the District of Columbia (Political Science) e Howard University (African Studies and Political Science) em Washington D.C. Os artigos de Muiu foram publicados no African Journal of International Aairs, Journal of Third World Studies, Journal de Estudos Africanos e Asiáticos e em Pesquisa Social. Dois dos livros de Muiu foram publicados por Palgrave McMillan: The Pitfalls of Liberalism and Late Nationalism in South Africa e A New Paradigm of the African State: Fundi wa Afrika (com Guy Martin). Muiu é Professora Associads de Ciência Política na Winston Salem State University, Carolina do Norte.

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