quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Considerações ao Livro de Malcolm X - O Fim da Supremacia Branca no Mundo

Comunidade com unidade 

O nosso principal inimigo ainda se faz tão presente em nossas vidas que fica até difícil não falar da importância de nos debruçarmos sobre história do povo preto, ou seja, na trajetória de guerreiras e guerreiros pretos ao longo do curso da humanidade. O que falaram, como lutaram, o que estudaram, como agiram, quais foram os tropeços e os legados, e em quais circunstâncias puderam demonstrar seu grande amor aos povos africanos, seja no continente ou na diáspora. É com o estudo da história que sabemos que as primeiras civilizações do mundo foram erigidas por pessoas Pretas, incluindo a noção de escrita, da medicina, da arquitetura, da religião, artes, ciências, etc. Também nessa mesma linha de estudo, podemos esmiuçar como a supremacia branca conseguiu reverter tudo isso em questão de poucos milênios e mais incisivamente depois do século XVI - modernidade, que levanta a ideia de desenvolvimento capitalista, industrialização, expansão e hegemonia cultural da Europa. 

Por que o inimigo se faz presente? A supremacia branca permanece com seu projeto de dominação muito bem estruturado e consolidado, processo que utilizou e utiliza atos violentos, extrema violência física por centenas de anos contra os povos africanos e não brancos. E para ser mais direto: Invasão, Colonização e Escravidão! Isso reflete talvez na maior destruição já vista neste planeta, brutalidade que gerou riqueza para os brancos e o inferno para os pretos. Culminando no maior assalto já presenciado na face da terra, pois os supremacistas brancos dispuseram de armamento pesado. Se fosse para eu descrever todos seus métodos utilizados eu me depararia com uma lista infindável de atos de terror. Que não é o caso, pois Malcolm X, por exemplo, fez isso muito bem neste livro e de forma sincera, verdadeira e radical. O que vale aqui é pontuar algumas reflexões desses quatro discursos do irmão X, que sintetizam seu pensamento no ano derradeiro de seu vinculo de liderança na Nação do Islã, em 1963. 

Agora, por mais que tenha sido combatido, o inimigo ainda se faz presente porque ele agiu em diversas frentes, se falamos a pouco de arma de destruição física, vale enfatizar da mesma maneira a arma de desmantelamento cultural. A arma cultural quando tem suas munições bem disparadas ela resguarda uma dominância de longa duração, pois age direto na mentalidade, nos costumes, nas religiões, nas relações sociais, linguísticas, no núcleo familiar, etc. Ocasionando, entre outras coisas, o encarceramento mental e o desvio espiritual. Ao estudarmos história, é bem comum encontrarmos fatos de dominações e ondas migratórias desde que mundo é mundo, mas jamais poderemos encontrar dominação de caráter tão genocida quanto essa perpetrada pelo mundo ocidental, pelo mundo branco, pelo mundo europeu! Contra o mundo africano. 

Agora, o que as pessoas pretas necessitam é primeiramente resgatar sua noção de povo. Para de forma consciente construir um projeto de nação independente, autônoma e separada das nações controladas pelo ocidente, visando a reestruturação e reorganização do povo africano no continente e na diáspora, e é aí que a importância da história entra em jogo. Mas também não pode ser qualquer história, não pode ser qualquer projeto. E é aí que se encontram outros desafios, que continuarão sendo enfrentados para que alcancemos a plena libertação da opressão e que possamos ter controle pleno sobre tudo o que tange a vida de nosso povo. 

Os países de passado colonial terão que ter conhecimentos profundos acerca dos povos colonizadores e escravistas, deve-se pesquisar atentamente o comportamento dos invasores, deve-se compreender quais foram os reais objetivos desses povos, qual a interação desses povos com o mundo: o natural e o humano. Deve-se esmiuçar o complexo desses povos, no caso o de superioridade e de universalizar seu modo de ser. Sendo assim, pode-se, de certa forma, chegar a como se ocorreu sua prevalência epistemológica. Chegando à visão critica do comportamento dos colonizadores fica desvendado o epistemicidio cometido em conjuntos de outras ações (violentas e não violentas) e a partir disso percebe-se que vozes foram silenciadas, que grandes feitos, descobertas, e avanços foram ‘pirateados’, e que, para além disto, grande parte do que foi produzido e contado historicamente, teve um viés do dominador, de tendência colonizadora. 

Então é preciso separar-se enquanto povo das garras do mundo europeu, do mundo branco! Separação física, mas também mental, espiritual, psicológica, epistemológica - auto nomeação, auto definição e atualização de nossa matriz cultural. E nesse ponto estamos por nossa própria conta, a responsabilidade recaí sobre nosso povo. É urgente que passemos da fase infantil, pois como o irmão Malcolm disse, ainda somos crianças para o homem branco! A partir do momento que os brancos precisam montar fábricas, escolas, negócios, governos para nosso povo e não conseguimos fazer isso por nós mesmos. Ainda somos crianças. “Porque uma criança é alguém que fica sentado e espera que seu pai faça por ele o que ele deveria fazer por si mesmo”. (sem deslegitimar as crianças, mas é verdade.) 

(...)Retomando o problema da História do negro no Brasil: que somos nós, pretos, humanamente? Podemos aceitar que nos estudem como seres primitivos? Como expressão artística da sociedade brasileira? Como classe social, confundida com todos os outros componentes da classe economicamente rebaixada, como querem muitos? Pergunto em termos de estudo. Podemos, ao ser estudados, ser confundidos com os nordestinos pobres? Com os brancos pobres? Com os índios?

Pode-se ainda confundir nossa vivência racial com a do povo judeu, porque ambos sofremos discriminação? Historicamente, creio não haver nenhuma semelhança entre os dois povos, mesmo se pensarmos em termos internacionais. Em termos de Brasil, nem em fantasia podemos pensar assim; o judeu no Brasil é um branco, antes de tudo judeu, isto é, poderoso como povo, graças ao auxilio mutuo que historicamente desenvolveram entre si.

Não será possível que tenhamos características próprias, não só em termos "culturais", sociais, mas humanos? Individuais? Creio que sim. Eu sou preta, penso e sinto assim.

(NASCIMENTO, Beatriz. Por uma história do homem negro. In: RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Kuanza, 2007). . 

A noção de povo é crucial para que possamos desenvolver um caminho rumo a liberdade e para que possamos ser um povo de Poder novamente. Separação é diferente de segregação, separação se dá por vontade própria, já a segregação por vontade alheia. Separação pode-se controlar seu território por si mesmo, a segregação o controle é estrangeiro. É viável o povo preto pensar na separação para consolidar sua união e liberdade, pois o futuro que o mundo branco nos reserva é de destruição, é de genocídio! Nesse ponto, mais uma vez, a ideia de Malcolm X continua atual. Toda a experiência histórica da chamada integração nos aponta isso. Genocídio! 

No Brasil não é diferente, a segregação existe e é exercida principalmente pelo poder econômico. Algumas manobras feitas desde o período da chamada abolição, restringiram o povo preto ao acesso (com base no fenótipo) à terra e ao trabalho, sem nem precisar de uma lei como Jim Crown. Mas nos resguardou a posição de cidadãos de segunda classe da mesma forma. Na parte cultural investiram no famigerado mito da democracia racial, de convivência em harmonia entre raças, colonização benevolente, onde na verdade cada um sabe seu lugar. E são manobras ousadas que só quem detém o Poder consegue incrustá-las tão facilmente. Um dos aspectos do processo de genocídio se exalta como um fato democrático: a miscigenação. E a história de Yacub, dita pelo Malcolm, não pode ser mais didática nesse sentido. 600 anos foram necessários para transformar o preto em branco. Hoje em dia quantas bisavós ou mesmo avós pretas não veriam ou veem seus netos ou bisnetos com pele clara? 

O advento da miscigenação a là brasil, por exemplo, não tem nada de democrático como muitas vezes possa parecer, pois direta ou indiretamente evidencia uma pessoa deslocada e sem orientação cultural e identitária buscando refugio em algum povo – de forma consciente ou inconsciente. E nunca será democrático uma ferramenta que foi utilizada politicamente para embranquecimento de um povo. E no caso do Brasil novamente, as primeiras interações inter-raciais foram feitas no período da escravidão. Chega de escravidão! 

Malcolm nos diz que vamos começar de forma pequena, mas em questão de tempo iremos nos elevar, a exemplo de um negócio próprio de um irmão que começou em um bairro e logo estava empregando dezenas de pessoas pretas. Então, comunidades com unidade se tornarão cidades, estados, Nações! E a cooperação entre diversas nações pretas no âmbito político, social, cultural e econômico se aproxima do Pan-Africanismo, unidade! Um só destino! A propósito, comunidade com unidade se inicia através da ligação de diversas organizações, coletivos, movimentos Pan-Africanos! Relações comunitárias! 

A agenda nesse caso é o que une essas organizações, baseadas em projetos autônomos de longa duração e para as gerações vindouras. Em adição, são Organizações que também não se abstém das ações necessárias no curto e médio prazo. Seja de assistência e apoio ao nosso povo, seja de apoio em cobranças, levantes, revoltas, atos inerentes ao nosso povo de forma consciente e organizada. Junto com os nossos irmãos e irmãs que vivem em favelas da diáspora africana ou com os irmãos e irmãs do continente que estejam em situação de refugiados. 

Ao priorizar a questão racial, nosso povo não assume uma posição sectária, pois o 'primeiro raça' não exclui outras pautas e questões que inclusive devemos discutir entre nosso povo, pelas nossas próprias referencias e definições. De pé, cabeça erguida e corpo ereto, pois o próprio irmão Malcolm disse que não devemos nos curvar já que não viemos das cavernas. 

Por fim, vale refletir essa característica tão africana no irmão Malcolm, a religiosidade. Somos um povo de espiritualidade e de crenças, assim, nesses discursos ele se posicionava pertencente a uma organização religiosa e de forma magistral conseguia emplacar sua posição política: o Nacionalismo Preto! 

Amandla Awethu! 

Carlos R. Rocha (Fuca) 

São Paulo, Junho de 2018


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