Em todas as relações entre dominantes e dominados num sistema colonial, cheguei à conclusão de que os dominantes sempre impuseram sua linguagem aos dominados. Eu ficava me perguntando o porquê.
Isso me forçou a analisar todo o projeto
colonial. E para mim, eu vi o colonialismo realmente como um processo de
alienação. Como nos personagens do meu romance "Weep not, Child" (Não
chore, criança), a terra foi tomada. Não apenas a terra, mas também a força de
trabalho dos colonizados também é usurpada.
São recursos cruciais,
terra e mão-de-obra dos colonizados. Isso me pertenceria, pois teríamos
controle sobre. Agora não tenho controle sobre isso, o outro é quem controla.
ok?
É alienação, mas de
uma maneira que me faz olhar para mim e para meus recursos e ver minha terra e
os produtos do meu corpo sendo controlados por outra pessoa. Mas não só isso. A
própria linguagem, qual o papel da
linguagem?
A linguagem foi muito
crucial na evolução econômica, política e psicológica de qualquer comunidade. A
linguagem medeia os processos econômicos, políticos e psicológicos de qualquer
comunidade. Sem linguagem não teríamos também a divisão do trabalho, que é a
base da comunidade humana.
Por esta razão, os
idiomas são muito importantes. Mas não apenas o idioma em si, a linguagem
também é portadora de memória. Sem memória não podemos mediar nosso relacionamento
com a natureza nem nossa relação um com o outro. Não podemos muito menos mediar
nossa relação com nossos próprios corpos e nossas próprias mentes.
Portanto, enquanto houver
um poder colonial, é necessário impor sua linguagem aos colonizados. Porque de
certa forma, se você impõe um idioma sobre as pessoas, você está aplicando e
consolidando todos os aspectos econômicos, políticos e sócio psicológicos dessa
comunidade. Muito importante...
E o mais crucial,
você também controla a memória dessa comunidade. A linguagem de fato faz parte
de um vasto sistema de nomeações. Se você nomeia, você domina.
Nomeando você
identifica, nomear é possível somente porque é nomeando que você identifica. E
se você identifica, isola os diferentes elementos do ambiente.
Vocês se lembram,
quem já conhece, o romance do Robinson Crusoé. Robinson Crusoé está naufragado
em uma ilha e descobriu alguém chamado “Sexta-Feira”. E supõe-se no
relacionamento deles que “Sexta-Feira” não tem linguagem.
Aí chega um momento
em que Robinson Crusoe está ensinando uma linguagem a Sexta-Feira. Então a primeira
coisa é a nomeação, ele diz: “seu nome é Sexta-Feira.” Note que ele não
pergunta pra Sexta-Feira, “Qual é o seu nome?” Ele disse, “seu nome é Sexta-Feira.
Eu te nomeio. E meu nome é Mestre.” Presumivelmente, sempre que alguém perguntar
a Sexta-Feira, “Quem é aquele homem?” “Oh, ele é o Mestre.”
Veja, é Crusoé quem
nomeia Sexta-Feira e também nomeia a si mesmo, e assim já estabelece uma
subordinação na relação deles. Quem era Sexta-Feira? O que acontecerá então...
Sexta-Feira enterra
suas memórias plantando a memória de Crusoé, no corpo que agora se chama
“Sexta-Feira”. Mas possivelmente Sexta-Feira tinha um nome antes. No corpo de
Sexta-Feira é plantada memória de Crusoé. E Crusoé é um inglês, o que está no
corpo de Sexta-Feira agora é a memória Inglesa.
Então, seu corpo a
partir de então carrega essa memória. Sempre que você o vê, será Sexta-Feira. Você
não se direciona à pessoa que estava lá antes. Não importa o que ele era
chamado. Ele agora é Sexta-Feira, nomeado por Crusoé.
Recentemente, em
2003, fui convidado pela Fundação Biko para dar uma palestra. Eu fui, Biko
nasceu em Eastern Cape, uma área que produziu Mandela, Mbeki. Muitos dos
intelectuais mais importantes da África do Sul e com um impacto muito grande no
resto do continente.
Na cidade, todos os
campos, onde a maioria deles nasceu. Viajando lá, primeiro vejo um lugar chamado
“Queenstown”. Então, outro chamado “Kingstown” na mesma área. Depois eu vou
para “Williams Town” ou algo assim. Eu vim para uma cidade chamada Berlin,
Frankfurt? Os nomes das ruas eram os mesmos
Fico procurando em
volta para ver algum outro nome que venha falar sobre qualquer um desses
gigantes do pensamento africano oriundos daquela área. Nada!
A memória do lugar, a memória do que era, a memória do que teria sido produzido ali, essa memória é enterrada por outra. Presumivelmente, aquele lugar tinha nome antes e também produziu esse nome. Esse nome significava a memória desse lugar, agora enterrada pela memória europeia.
- Trecho de sua fala
na Universidade de Oregon, em 2005. Vídeo completo: Planting African Memory:
The Role of a Scholar