sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Ngugi wa Thiong'o: Sobre Colonização, Linguagem e Memória. (+vídeo)

Em todas as relações entre dominantes e dominados num sistema colonial, cheguei à conclusão de que os dominantes sempre impuseram sua linguagem aos dominados. Eu ficava me perguntando o porquê.

 Isso me forçou a analisar todo o projeto colonial. E para mim, eu vi o colonialismo realmente como um processo de alienação. Como nos personagens do meu romance "Weep not, Child" (Não chore, criança), a terra foi tomada. Não apenas a terra, mas também a força de trabalho dos colonizados também é usurpada.

São recursos cruciais, terra e mão-de-obra dos colonizados. Isso me pertenceria, pois teríamos controle sobre. Agora não tenho controle sobre isso, o outro é quem controla. ok?

É alienação, mas de uma maneira que me faz olhar para mim e para meus recursos e ver minha terra e os produtos do meu corpo sendo controlados por outra pessoa. Mas não só isso. A própria linguagem,  qual o papel da linguagem?

A linguagem foi muito crucial na evolução econômica, política e psicológica de qualquer comunidade. A linguagem medeia os processos econômicos, políticos e psicológicos de qualquer comunidade. Sem linguagem não teríamos também a divisão do trabalho, que é a base da comunidade humana.

Por esta razão, os idiomas são muito importantes. Mas não apenas o idioma em si, a linguagem também é portadora de memória. Sem memória não podemos mediar nosso relacionamento com a natureza nem nossa relação um com o outro. Não podemos muito menos mediar nossa relação com nossos próprios corpos e nossas próprias mentes.

Portanto, enquanto houver um poder colonial, é necessário impor sua linguagem aos colonizados. Porque de certa forma, se você impõe um idioma sobre as pessoas, você está aplicando e consolidando todos os aspectos econômicos, políticos e sócio psicológicos dessa comunidade. Muito importante...

E o mais crucial, você também controla a memória dessa comunidade. A linguagem de fato faz parte de um vasto sistema de nomeações. Se você nomeia, você domina.

Nomeando você identifica, nomear é possível somente porque é nomeando que você identifica. E se você identifica, isola os diferentes elementos do ambiente.

Vocês se lembram, quem já conhece, o romance do Robinson Crusoé. Robinson Crusoé está naufragado em uma ilha e descobriu alguém chamado “Sexta-Feira”. E supõe-se no relacionamento deles que “Sexta-Feira” não tem linguagem.

Aí chega um momento em que Robinson Crusoe está ensinando uma linguagem a Sexta-Feira. Então a primeira coisa é a nomeação, ele diz: “seu nome é Sexta-Feira.” Note que ele não pergunta pra Sexta-Feira, “Qual é o seu nome?” Ele disse, “seu nome é Sexta-Feira. Eu te nomeio. E meu nome é Mestre.” Presumivelmente, sempre que alguém perguntar a Sexta-Feira, “Quem é aquele homem?” “Oh, ele é o Mestre.”

Veja, é Crusoé quem nomeia Sexta-Feira e também nomeia a si mesmo, e assim já estabelece uma subordinação na relação deles. Quem era Sexta-Feira? O que acontecerá então...

Sexta-Feira enterra suas memórias plantando a memória de Crusoé, no corpo que agora se chama “Sexta-Feira”. Mas possivelmente Sexta-Feira tinha um nome antes. No corpo de Sexta-Feira é plantada memória de Crusoé. E Crusoé é um inglês, o que está no corpo de Sexta-Feira agora é a memória Inglesa.

Então, seu corpo a partir de então carrega essa memória. Sempre que você o vê, será Sexta-Feira. Você não se direciona à pessoa que estava lá antes. Não importa o que ele era chamado. Ele agora é Sexta-Feira, nomeado por Crusoé.

Recentemente, em 2003, fui convidado pela Fundação Biko para dar uma palestra. Eu fui, Biko nasceu em Eastern Cape, uma área que produziu Mandela, Mbeki. Muitos dos intelectuais mais importantes da África do Sul e com um impacto muito grande no resto do continente.

Na cidade, todos os campos, onde a maioria deles nasceu. Viajando lá, primeiro vejo um lugar chamado “Queenstown”. Então, outro chamado “Kingstown” na mesma área. Depois eu vou para “Williams Town” ou algo assim. Eu vim para uma cidade chamada Berlin, Frankfurt? Os nomes das ruas eram os mesmos

Fico procurando em volta para ver algum outro nome que venha falar sobre qualquer um desses gigantes do pensamento africano oriundos daquela área. Nada!

A memória do lugar, a memória do que era, a memória do que teria sido produzido ali, essa memória é enterrada por outra. Presumivelmente, aquele lugar tinha nome antes e também produziu esse nome. Esse nome significava a memória desse lugar, agora enterrada pela memória europeia.

- Trecho de sua fala na Universidade de Oregon, em 2005. Vídeo completo: Planting African Memory: The Role of a Scholar




por Fuca Insurreição CGPP. 2020.

sábado, 17 de outubro de 2020

[Atualizado] John Henrik Clarke - Cristóvão Colombo e o Holocausto Afrikano - (PDF)

https://drive.google.com/file/d/1wwqL9M40gfPWPsRpA0fpI6hdu8pUDw_W/view?usp=sharing

Dr. John Henrik Clarke 

Cristóvão Colombo e o Holocausto Afrikano: escravidão e a ascensão do capitalismo europeu.  

(Livro pdf)

Este trabalho curto, mas oportuno, dá ao leitor um senso da urgência da história africana e mundial. Como muitos dos estudiosos Africano-centrados que foram professores do Dr. Clarke e sua fonte de inspiração, ele não apenas fornece análises e descrições precisas da história, mas também prescreve o que os povos africanos devem fazer para criar um novo futuro. 

"Jamais perdoar nem esquecer"

Traduzido por Carlos R. Rocha (Fuca)
Insurreição CGPP, 2020.
atualizado em 2021

trecho;

,,,"Lembro-me de que, quando menino em uma fazenda, ficava batendo a manteiga até chegar ao topo. E apurando as batidas no leite eu perguntei à minha bisavó: “Qual das batidas traz a manteiga?” “Todos elas meu filho”, disse ela. “Mas qual?” “Não apenas uma, mas todos elas.”

Temos que perceber que não é o esforço de qualquer um de nós que levará à liberdade, mas o trabalho coletivo de todos nós que somos sinceros. Isso resultará na liberdade e na libertação de nosso próprio povo e na doutrinação de nossos próprios filhos para que eles, por sua vez, assumam a responsabilidade e criem uma era em que você nunca terá que pedir liberdade novamente, porque nunca haverá qualquer necessidade para pedir isso. Desse dia em diante, sempre a teremos. Esta é a nossa missão e, por sua vez, o legado que precisamos deixar para nossos filhos e os ainda mais belos que irão nascer.

Nossa escravidão, o naufrágio e a ruína dos Estados soberanos da África começou no início da Era Colonial. Nossa escravidão e o estupro dos serviços de nossos países ajudaram a lançar as bases do capitalismo atual. Mais uma vez, os europeus desperdiçaram sua riqueza em guerras e conflitos estúpidos que poderiam ter sido evitados. Eles já provaram que têm uma missão em mente, independentemente de religião, política ou afiliação cultural e que essa missão é dominar o mundo e todos os seus recursos por todos os meios necessários. A nova justificativa para esse domínio é agora chamada de Nova Ordem Mundial. Todos os africanos e outros povos não europeus deveriam estar em alerta, porque uma nova forma de escravidão poderia ser mais brutal e mais sofisticada do que a escravidão da era de Cristóvão Colombo.

Os africanos e outros povos não europeus devem planejar e criar estratégias para uma Nova Ordem Mundial distintamente própria, que será desenvolvida por eles, para eles. A nossa missão não deve ser conquistar a Europa, mas conter a Europa dentro das suas fronteiras e fazer saber que tudo o que a Europa quiser de outras partes do mundo pode ser obtido através de um comércio honroso.

Se entendermos nossa missão, acho que tomaremos consciência de que estamos em posição de dar ao mundo uma nova humanidade que trará à existência um novo mundo de segurança e respeito para todos os povos.

As civilizações africanas do rio Nilo deram ao mundo sua primeira humanidade, seus primeiros sistemas de crenças, seu primeiro pensamento social e sua primeira filosofia. Com a restauração da nossa autoconfiança, precisamos dizer a nós mesmos: “Se fizemos uma vez, podemos fazer de novo” ".