quarta-feira, 8 de julho de 2020

SEKOU TOURÉ: O LÍDER POLÍTICO CONSIDERADO COMO REPRESENTANTE DE UMA CULTURA, (1959).

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PALAVRAS DE INDEPENDÊNCIA DA ÁFRICA: AZIKIWE, TOURÉ, NYERERE E MACHEL https://drive.google.com/file/d/1HwCv8MfNHPKrZbPV9Ag1IIjRhXMnrcGU/view?usp=sharing


Em 2 de outubro de 1958, Sekou Touré, proclamou a independência da Guiné-Conakry e se tornou seu primeiro presidente. Um ano depois, ele fez um discurso em Conakry, a capital na qual destacou o papel dos líderes políticos na reflexão e desenvolvimento da cultura de suas nações.


Como a cultura não é uma entidade ou um fenômeno separado ou separável de um povo, os líderes políticos que têm, de maneira livre e democrática, adquirido a confiança dessas pessoas com o objetivo de direcioná-las ao longo do caminho escolhido, são ao mesmo tempo a expressão das aspirações de seu povo e os representantes ou defensores dos valores culturais do povo.

A cultura de um povo é necessariamente determinada por suas condições materiais e morais. As pessoas e o seu ambiente constituem um todo.

Todo povo livre e soberano se encontra em condições mais favoráveis à expressão de seus valores culturais do que um povo colonizado, privado de toda liberdade, cuja cultura sustenta as consequências nefastas de seu estado de sujeição. Quer se trate de um povo livre ou de um povo colonizado, o líder político que realmente conserva a expressão autêntica de seu povo é aquele cujo pensamento, senso de existência, conduta social e objetos de ação estão em perfeita harmonia com as características do seu povo.

Se ele tende, em espírito conservador, a garantir a manutenção de um antigo equilíbrio econômico, social e moral, ou de maneira revolucionária substituir as velhas condições por novas condições mais favoráveis ao povo, o líder político é, pelo próprio fato de sua comunhão de ideias e ação com seu povo, o representante de uma cultura. Essa cultura pode ser reacionária ou progressista, de acordo com a natureza dos objetivos estabelecidos para a ação do movimento político com o qual o povo se comprometeu.

Esse homem, antes de se tornar o líder de um grupo, de um povo ou de um grupo de povos, inevitavelmente fez uma escolha entre o passado e o futuro. Dessa maneira, ele representará e defenderá os valores existentes, ou sustentará e dará impulso ao desenvolvimento e enriquecimento constante de todos os valores de seu povo, incluindo os valores culturais, que, por seu conteúdo e forma, expressarão a realidade das condições de existência das pessoas ou a necessidade que elas sentem de uma transformação.

Em consequência, qualquer que seja o caráter fundamental de uma cultura, reacionária ou progressista, o líder político que é escolhido livremente por um povo, mantém um vínculo natural entre ação e cultura própria do seu povo, pois, de qualquer forma, ele não poderia agir efetivamente sobre as pessoas se deixasse de obedecer às regras e valores que determinam seu comportamento e influenciam seu pensamento.

Por que os grandes pensadores do capitalismo não são aceitos pelos povos que escolheram outras formas de evolução? Os líderes das democracias populares não podiam representar uma cultura capitalista em essência pelo bom motivo de seus povos terem escolhido o sistema socialista.

A cultura árabe é igualmente diferente da cultura latina devido ao fato de que os povos árabes e latinos obedecem a pensamentos e regras de vida diferentes.

Além do estado material e técnico em que um povo se encontra, seu estado mental, filosófico e moral dá à sua cultura uma forma de expressão e um significado que lhes são próprios, bastante independente na medida em que eles têm uma influência decisiva no contexto cultural geral.

Os imperialistas usam valores culturais, científicos, técnicos, econômicos, literários e morais para manter seu regime de exploração e opressão. Os povos oprimidos usam igualmente valores culturais de natureza contrária aos primeiros, a fim de ter condições melhores de luta contra o imperialismo e se livrar do sistema colonial. Se o conhecimento científico, as técnicas modernas e a elevação do pensamento ao nível de princípios humanos superiores para o aperfeiçoamento da vida social, são necessários para o enriquecimento de uma cultura, elas ainda assim mantêm a capacidade de serem usadas para fins contraditórios.

É nesse ponto que o valor cultural de um povo deve ser identificado como um valor contributivo que se pode representar no desenvolvimento da civilização universal, no estabelecimento entre seres humanos de relações concretas de igualdade, solidariedade, unidade e fraternidade.

Assim, os verdadeiros líderes políticos da África, cujos pensamentos e atitudes tendem para a libertação nacional de seus povos, só podem ser homens fundamentalmente comprometidos contra todas as formas e forças de descaracterização da cultura africana. Representam, pela natureza anticolonialista e pelo conteúdo nacional de sua luta, os valores culturais de sua sociedade, mobilizados contra a colonização.

É como representante desses valores culturais que eles lideram a luta pela descolonização de todas as estruturas de seu país.

Mas a descolonização não consiste meramente em se libertar da presença dos colonizadores: deve ser consolidada pela total libertação do espírito de "colonizado", ou seja, de todas as más consequências, morais, intelectuais e culturais, do sistema colonial.

A colonização, para usufruir de uma certa segurança, sempre precisa criar e manter um clima psicológico favorável à sua justificativa: daí a negação dos valores culturais, morais e intelectuais dos povos dominados. É por isso que a luta pela libertação nacional só é completa quando, uma vez desvinculado do aparato colonial, o país toma consciência dos valores negativos deliberadamente injetados nas vidas, pensamentos e tradições... a fim de extirpá-los nas condições de sua evolução e florescimento. Essa ciência de descaracterizar o povo colonizado às vezes é tão sutil em seus métodos que consegue progressivamente falsificar nosso comportamento psíquico natural e desvalorizar nossas próprias virtudes e qualidades originais, com vistas à nossa assimilação. Não é por acaso que o colonialismo francês alcançou seu auge no período da famosa e agora destruída teoria da "mentalidade primitiva" e "mentalidade pré-lógica" de Lévy-Bruhl. Ao modificar certas formas de suas manifestações, embora aparentemente tente se adaptar à evolução inevitável dos povos oprimidos, a colonização nunca gerou, sob os aspectos mais diversos e sutis, nada além de um complexo de superioridade moral, intelectual e cultural em relação aos povos colonizados. E essa política de despersonalização é ainda mais bem-sucedida, pois a natureza do grau de evolução do colonizado e do colonizador é diferente. É ainda mais profundamente enraizado onde a dominação é duradoura.

Nas formas mais variadas, o "complexo colonizado" prejudica a evolução e se imprime em nossos próprios reflexos. Assim, o uso de um boné e óculos de sol, considerado um sinal da civilização ocidental, testemunha essa despersonalização que contraria a corrente de nossa evolução.

No entanto, é errado pensar que um povo, uma raça, uma cultura possuam por si próprios todos os valores morais, espirituais, sociais ou intelectuais: acreditar que a verdade não é necessariamente encontrada em outro lugar do que no próprio contexto nacional, racial ou cultural de alguém é uma utopia.

Já dissemos que descobertas humanas, aquisições intelectuais, a expansão do conhecimento não pertencem exclusivamente a ninguém. Elas são o resultado de uma soma de descobertas universais, aquisições e expansões nas quais ninguém tem o direito de reivindicar um monopólio.

Os imigrantes nos Estados Unidos não deixaram para trás nas fronteiras de seus respectivos países tudo o que adquiriram no campo intelectual. Eles não tiveram que reinventar navios, ferramentas de ferro ou pólvora. Eles os usaram para suas próprias necessidades antes que certos poderes coloniais pensassem em reivindicar sua descoberta e os direitos de propriedade sobre eles.

Não é porque ele simboliza a presença colonial que o gendarme (policial) francês na guarnição em Dakar ou Argel é o "proprietário" do processo de liberação do átomo. E, no entanto, é dessa forma e por abordagens intelectuais semelhantes que o colonialismo estabeleceu o princípio de sua superioridade.

Nossos livros escolares nas escolas coloniais nos ensinam sobre as guerras dos gauleses, a vida de Joana D'Arc ou Napoleão, a lista de departamentos franceses, os poemas de Lamartine ou as peças de Moliere, como se a África nunca tivesse tido história, passado, existência geográfica, vida cultural. Nossos alunos só ganhavam reconhecimento se tivessem de acordo com essa aptidão política de assimilação cultural integral.

O colonialismo, através de suas diversas manifestações, gabando-se de ter ensinado nossa elite em suas escolas de ciência, técnica, mecânica e eletricidade, consegue influenciar vários de nossos intelectuais a tal ponto que acabam encontrando nisso a justificativa para o domínio colonial. Alguns chegam a acreditar que, para adquirir o verdadeiro conhecimento universal da ciência, eles devem necessariamente desconsiderar os valores morais, intelectuais e culturais de seu próprio país, a fim de se sujeitarem e assimilarem uma cultura que muitas vezes lhes é estranha em milhares de aspectos. E, no entanto, não é o conhecimento que leva à prática da cirurgia ensinada da mesma maneira em Londres, Praga, Belgrado e Bordéus? O procedimento para calcular o volume de um corpo não é idêntico em Nova York, Budapeste e Berlim? O princípio de Arquimedes não é o mesmo na China e na Holanda? Não existe química russa ou japonesa, apenas química pura e simples.

A ciência que resulta de todo conhecimento universal não tem nacionalidade. Os conflitos ridículos que se enfurecem com a origem desta ou daquela descoberta não nos interessam, porque nada acrescentam ao valor da descoberta.

Mas, por mais que possa dissimular, o colonialismo trai suas intenções na organização e natureza da educação que afirma dispensar em nome de algum humanismo ou outro, não sei o quê. A verdade é que, de início, tinha de satisfazer as suas necessidades de papeis subalternos, balconistas, guarda-livros, datilógrafos, mensageiros, etc.

O caráter elementar da educação dispensada é testemunha suficientemente eloquente do objeto em vista, o poder colonial tomou muito cuidado, por exemplo, para não criar faculdades administrativas reais para que jovens africanos pudessem ser formados executivos genuínos, ou para ensinar a história real da África e assim por diante.

O que teria acontecido no dia seguinte à independência da Guiné, se não tivéssemos criado, durante o período da Lei Geral, nosso próprio colégio administrativo? A vida administrativa da República da Guiné nos mostraria, ao nível de governo, uma infinidade de problemas que só poderíamos ter resolvido de maneira empírica.

Essa determinação de manter as populações em constante estado de inferioridade marca tanto os programas quanto a natureza da educação colonial. Desejava-se que o professor africano fosse e continuasse sendo um professor de qualidade inferior, a fim de manter a qualidade do ensino na África em um nível inferior. Por outro lado, um obstáculo foi colocado no caminho das autoridades africanas atingirem um posto mais alto, insistindo na equivalência de diplomas. Esse desvio foi tão bem administrado que alguns de nossos colegas sindicais, embora anticolonialistas, lutaram furiosamente contra esses problemas de valor equivalente a pergaminhos, em vez de atacar diretamente as razões fundamentais dessa política fraudulenta.

Professores específicos, médicos específicos! O que o sistema colonial precisava era de homens para produzir, homens para criar, trabalhadores, lenhadores no Médio Congo ou na Costa do Marfim, camponeses no Sudão ou Daomé, e assim por diante. Os colonos da África Ocidental Francesa e da África Equatorial Francesa, as poderosas empresas coloniais do Congo Belga e da Rodésia não se instalariam na África se não fosse a riqueza da África em seu solo e na mão de obra contida, considerada como instrumento para explorar essa riqueza. E foi para resistir aos grandes flagelos endêmicos que ameaçavam o equilíbrio quantitativo da população, reduzindo a mão de obra que o poder colonial criou o corpo de médicos africanos, com a determinação de transformá-los em um corpo subordinado, de 'médicos trabalhadores' [médicos de suporte].

Assim, no nível do conhecimento puro, no nível do conhecimento universal, a educação oferecida na África era deliberadamente inferior e limitada às disciplinas que permitiriam uma melhor exploração da população. Além disso, o ensino primário e secundário era constantemente direcionado à descaracterização e dependência cultural.

Devemos denunciar o falso sentimentalismo que consiste em acreditar em nós mesmos em dívida com a contribuição de uma cultura imposta em detrimento da nossa. O problema deve ser tratado objetivamente. Quantos de nossos jovens estudantes, mesmo sem perceber, julgam a cultura africana avaliando-a de acordo com a hierarquia de valores estabelecida neste campo pela cultura do poder colonial?

O valor de uma cultura só pode ser avaliado em relação à sua influência no desenvolvimento da conduta social. Cultura é a maneira pela qual uma determinada sociedade dirige e utiliza seus meios de pensamento.

Marx e Gandhi não contribuíram menos para o progresso da humanidade do que Victor Hugo ou Pasteur.

Mas enquanto aprendíamos a apreciar essa cultura e a conhecer os nomes de seus intérpretes mais eminentes, estávamos perdendo gradualmente as noções tradicionais de nossa própria cultura e a memória daqueles que a lançaram sobre ela. Quantos de nossos jovens estudantes que podem citar Bossuet, ignoram a vida de El Hadj Omar? Quantos intelectuais africanos inconscientemente se privaram da riqueza de nossa cultura, de modo a assimilar os conceitos filosóficos de um Descartes ou um Bergson?

Enquanto argumentarmos exclusivamente à luz dessa aquisição externa, enquanto continuarmos a julgar e a fazer nossas determinações de acordo com os valores da cultura colonial, não seremos descolonizados e não conseguiremos transmitir aos nossos pensamentos e ações um conteúdo nacional, ou seja, um avanço a serviço de nossa sociedade. Tão verdadeira é que toda cultura digna desse nome deve ser capaz de dar e receber; só podemos considerar as culturas estrangeiras como uma contribuição necessária para o enriquecimento de nossa própria cultura.

O ambiente determina o indivíduo, é por isso que o camponês em nossas aldeias tem características mais autenticamente africanas do que o advogado ou médico nas grandes cidades. De fato, o primeiro, que preserva mais ou menos intacta sua personalidade e a natureza de sua cultura, é mais sensível às necessidades reais da África.

Não há acusação contra o intelectualismo, mas é importante demonstrar a despersonalização do intelectual africano, uma despersonalização pela qual ninguém pode responsabilizá-lo, porque é o preço que o sistema colonial exige para lhe ensinar o conhecimento universal que lhe permite ser engenheiro, médico, arquiteto ou contador. É por isso que a descolonização no nível individual deve operar mais profundamente sobre aqueles que foram treinados pelo sistema colonial.

É em relação a essa descolonização que o intelectual africano fornecerá ajuda eficaz e inestimável à África. Quanto mais ele perceber a necessidade de se libertar intelectualmente do complexo de colonizado, mais descobrirá nossas virtudes originais e mais servirá à causa africana.

Nossos esforços incessantes serão direcionados para encontrar nossas próprias formas de desenvolvimento, se desejamos que nossa emancipação e nossa evolução ocorram sem que nossa personalidade seja alterada. Toda vez que adotarmos uma solução que seja autenticamente africana em sua natureza e concepção, resolveremos nossos problemas facilmente, porque todos os que participam não ficarão desorientados ou surpresos com o que têm que alcançar, e perceberão sem dificuldade a maneira pela qual devem trabalhar, agir e pensar. Nossas qualidades específicas serão usadas ao máximo e, a longo prazo, aceleraremos nossa evolução histórica.

Quantos rapazes e moças perderam o gosto pelas nossas danças tradicionais e o valor cultural de nossas canções populares. Todos se tornaram entusiastas do tango ou da valsa, ou de algum cantor de encanto ou realismo.

Essa inconsciência de nossos valores característicos inevitavelmente leva ao nosso isolamento de nossa própria base social, cujas menores qualidades humanas nos escapam. Dessa maneira, terminamos desconsiderando o significado real das coisas que nos cercam e nosso próprio significado.

Em contraste, os camponeses e artesãos africanos não estão de forma alguma envolvidos pelo sistema colonial, cuja cultura, hábitos e valores eles não conhecem.

É necessário enfatizar que, apesar de sua boa vontade, sua disciplina e sua fidelidade ao ideal de liberdade e democracia, apesar de sua fé no destino de seu país, os colonizados que foram educados pelo colonizador têm seu pensamento mais manchado pela marca colonial do que as massas rurais que evoluíram em seu contexto original.

A África é essencialmente um país de governo comunitário. A vida coletiva e a solidariedade social dão aos seus hábitos um fundo de humanismo que muitos povos podem invejar. É também por causa dessas qualidades humanas que um ser humano na África não pode conceber a organização de sua vida fora da família, da aldeia ou da sociedade de clãs. A voz dos povos africanos não tem características, nem nome, nem toque individual. Mas nos círculos que foram contaminados pelo espírito dos colonizadores, quem não observou o progresso do egoísmo pessoal?

Quem nunca ouviu a defesa da teoria da arte pelo bem da arte, a teoria da poesia pela causa da poesia, a teoria de todo homem por si mesmo?

Considerando que nossos artistas anônimos são a maravilha do mundo, e em todos os lugares nos pedem nossas danças, nossas músicas, nossas canções, nossas estatuetas, para que seu profundo significado seja mais conhecido, alguns de nossos jovens intelectuais pensam que basta conhecer Prévert, Rimbaud, Picasso ou Renoir para ser cultos e capazes de levar nossa cultura, nossa arte e nossa personalidade para um plano superior. Essas pessoas apreciam apenas as aparências das coisas, elas julgam apenas por meio de seus complexos e mentalidade de "colonizadas". Para elas, nossas canções populares são valiosas apenas na medida em que se encaixam harmoniosamente nos modos ocidentais estranhos ao seu significado social.

Nossos pintores! Eles gostariam que eles fossem mais clássicos; nossas máscaras e estatuetas! Puramente estético; sem perceber que a arte africana é essencialmente utilitária e social.

Mecanizados e reduzidos a uma certa forma restritiva de pensamento, habituados a julgar à luz de valores alheios, educados para apreciar de acordo com o espírito, pensamento, condições e vontade do sistema colonial, ficam atordoados toda vez que denunciamos o caráter nefasto de seus comportamentos. Mas se eles se interrogarem, à luz, não de seu conhecimento teórico do mundo, mas alcançando a autoconsciência, sobre os verdadeiros valores de seu povo e sua pátria, se perguntassem se essa conduta contribui para toda a África que tem seus objetivos de libertação e progresso, de paz e dignidade, eles se julgariam e apreciariam nossos problemas.

Eles não percebem que a menor das nossas manifestações artísticas originais representa uma participação ativa na vida de nosso povo. Eles se separam da cultura do povo, da arte da vida real.

Em todas as coisas há forma e substância, e o que é de principal importância na arte africana é seu conteúdo efetivo e vivo, o pensamento profundo que a anima e a torna útil para a sociedade.

Intelectuais ou artistas, pensadores ou pesquisadores, suas capacidades não têm valores, a menos que realmente coincida com a vida das pessoas, a menos que estejam integrados de maneira fundamental à ação, pensamento e aspirações das populações.

Se eles se isolarem de seu próprio ambiente por sua mentalidade especifica de colonizados, eles não terão influência, não terão valor para a ação revolucionária que as populações africanas empreenderam para se libertar do colonialismo, serão párias e estranhos em seu próprio país.

Essa descolonização intelectual, essa descolonização de pensamentos e conceitos pode parecer infinitamente difícil. Com efeito, existe uma soma de hábitos adquiridos, de comportamento descontrolado, um modo de viver, uma maneira de pensar, cuja combinação constitui uma espécie de segunda natureza que certamente parece ter destruído a personalidade original dos colonizados.

Não são abordagens intelectuais, nem mesmo um trabalho sustentado e paciente de readaptar os anseios que alcançará o objetivo. Só será suficiente se houver reintegração no contexto social, um retorno à África pela prática cotidiana da vida africana, a fim de se readaptar aos seus valores básicos, suas atividades apropriadas, sua mentalidade particular.

O funcionário, que vive constantemente entre outros funcionários, não abandonará seus maus hábitos coloniais, porque eles representam uma prática diária para si e para os círculos em que ele vive. Ele não conseguirá se definir em relação à revolução africana, continuará a se definir em relação a si mesmo como um funcionário que vive em círculos administrativos. Ele terá reduzido seus objetivos humanos apenas a uma carreira administrativa.

O artista que está orgulhosamente convencido de que basta que ele seja conhecido para expressar a personalidade africana em suas obras, continuará sendo uma inteligência colonizada, uma inteligência escravizada pelo pensamento colonial.

Tomemos o exemplo dos balés de nosso camarada Keita Fodeiba, que há vários anos viajam pelo mundo para revelar, por meio desse modo tradicional de expressão, a dança Africana, os valores culturais, morais e intelectuais da nossa sociedade. E, no entanto, não foi na Ópera de Paris ou na Ópera de Viena que esses artistas foram iniciados. Sua iniciação coreográfica apenas parte da educação autenticamente africana e da consciência nacional de nossos valores artísticos. A trupe é uma tropa anônima na qual não há primeira ou segunda estrela. Os cantores conhecem apenas as canções populares da África quando as aprenderam em sua vila longínqua. O valor da trupe de nosso camarada Keita Fodeiba é sua autenticidade, e terá feito mais para revelar os valores sociais e coreográficos da África do que jamais será feito por todas as obras de inspiração colonial que foram escritas sobre esse assunto. E isso porque nenhum autor foi capaz de interpretar e entender o significado interno da dança, que é, na África, parte da vida social e intelectual do povo.

Não basta escrever um hino revolucionário para participar da revolução africana; é necessário agir na revolução com o povo, e assim, os hinos surgem automaticamente.

Para exercer uma ação autêntica, é necessário ser uma parte viva da África e do seu pensamento, um elemento dessa energia popular que está totalmente mobilizada para a libertação, para o progresso e para a felicidade da África. Não há lugar neste combate, nem para o artista ou para o intelectual, que não esteja ele próprio comprometido e totalmente mobilizado com o povo na grande luta da África e da humanidade sofredora.

O Povo da África, ainda ontem marcado pela inadequação dos outros, ainda excluído dos empreendimentos universais, rejeitado de um mundo que o tornara inferior pela prática de dominação, esse Povo, privado de tudo, apátrida em seu próprio país, sentado nu e empobrecido com sua própria riqueza, de repente está ressurgindo no mundo, para reivindicar a plenitude de seus direitos humanos e sua parte completa na vida universal.

Essa atitude não deixa de prejudicar a imagem caricaturada que a conquista colonial projetara aqui e ali, do Preto condenado, segundo eles, à incapacidade congênita. Não é o menor dos erros de certas civilizações calarem-se em considerações egocêntricas ao julgar o que lhes é estranho e não poderia satisfazer seus critérios especiais ou sua tradição histórica, nem corresponder à sua hierarquia de valores convencionais.

É uma responsabilidade muito pesada, assumida pelas civilizações de conquista, que elas orientaram suas forças para a destruição das sociedades humanas cujos valores eles não tinham nem capacidade nem poder de apreciar objetivamente. Contemplando as ruínas dessa destruição, o mundo do pensamento e o mundo da pesquisa estão hoje em comunhão no mesmo esforço ansioso para tentar arrebatar das civilizações destruídas o segredo dos valores desconhecidos que lhes permitiram se desenvolver segundo um processo intelectual, cujo conhecimento universal se perde para sempre.

O crime de Fernando Cortez em torturar o último imperador dos Astecas parece menos o delito de um homem do que um erro irremediável por parte das civilizações de conquista.

Ao julgar à luz de seu próprio ambiente adequado, ao determinar de acordo com os valores de sua própria cultura, as civilizações de conquista, longe de incentivar o desenvolvimento dos valores humanos, reduziram suas possibilidades de expressão e, com um objetivo definido, as sujeitaram parcialmente à exploração feroz e à opressão generalizada.

Mas o reino da força e da posse fraudulenta está agora fadado ao desastre, pois não existe mais influência externa, pressão estrangeira que possa curvar um povo às leis de desapropriação e dominação. No lento progresso do universo humano, que é sancionado proporcionalmente ao desenvolvimento da consciência universal, a força bruta e a influência ilegítima estão se tornando cada vez mais à margem dos valores positivos do homem.

A África que ainda ontem ainda era o brinquedo e a tomada de apetites sem limites, testemunha muda da lenta degradação das mais nobres mentalidades sociais, hoje está totalmente comprometida com o caminho de sua liberdade, sua dignidade e sua completa restauração. Ontem dominada, mas não conquistada, a África está determinada a entregar sua mensagem especial ao mundo e a contribuir para o universo humano como fruto de suas experiências, de todos os seus recursos intelectuais e dos ensinamentos de sua própria cultura.

A personalidade moral da África, há muito negada por meio das mais grosseiras falsificações históricas, quase precede a crescente manifestação da personalidade africana, que as forças de conquista e dominação não podem mais reduzir impunemente.

O negro, onde quer que esteja, qualquer que seja sua região natal, finalmente se libertou do peso de uma inferioridade factícia infligida a ele pela dominação, a partir do momento em que ele reapareceu em toda a sua autenticidade, legitimamente orgulhoso da capacidade de recuperar o controle sobre seu destino e de toda a responsabilidade por sua história.

Na verdade, não poderia haver confusão entre a aparente submissão dos povos africanos e sua profunda determinação de escapar da despersonalização. "Sujeitar-se para salvar a si mesmo", "aceitar para suportar", essa tem sido a filosofia dura do negro, arrancado de suas origens ou privado de seu livre arbítrio.

Nenhuma maldição pesará tanto sobre um povo como aquela nascida de uma coalizão de raça e interesses para alcançar no mesmo empreendimento, escravização ou destruição, exploração ou ruína.

Mas o domínio do homem, crescendo e se estendendo além dos limites do mundo, não podia tolerar aquelas propriedades fechadas que as nações feudais se apropriavam a si mesmas sob o signo da força: o homem de hoje requer toda a terra, uma total solidariedade e uma participação plena em suas obras e empreendimentos. Em parte por necessidade e em parte por determinação consciente, o homem continua a eliminar as heresias individualistas e racistas das quais o mundo negro foi a última vítima trágica.

Os portões do futuro não se abrirão diante de alguns privilegiados, nem de um povo eleito entre os povos, mas cederão ao impulso combinado de povos e raças quando os esforços de todos os povos aliados pela necessidade de uma fraternidade universal forem unidos e se completarem.

Por mais próximo que seja, e por mais poderosas esperanças humanas por um futuro frutífero e ilimitado, a reconciliação universal não pode se tornar efetiva até que os povos excluídos alcancem sua total independência, exerçam toda a sua dignidade e garantam seu pleno florescimento. Para atender a seus requisitos e não abdicar de nenhuma de suas responsabilidades humanas, a África está recorrendo incansavelmente as suas próprias fontes, a fim de aperfeiçoar sua autenticidade e enriquecer a seiva nutritiva a partir do qual surgiu ao longo dos obscuros milênios da história.

Harmonizar os recursos de seu pensamento com as leis impiedosas de um mundo liderado e dirigido pelas necessidades de um desenvolvimento constante, recorrendo às disciplinas duras do conhecimento concreto, tanto quanto às suas próprias riquezas morais e espirituais, o negro está empenhado em manter intactos os valores e as perspectivas de uma cultura original que sobreviveu a todas as vicissitudes extremas que marcaram seu destino. É tão supérfluo indagar o que pode ou não ter sido bom quanto tentar determinar oportunidades perdidas. Somente o erro, analisado objetivamente de acordo com suas causas e efeitos, traz à mente um enriquecimento constante e proporciona ao homem a conquista positiva da experimentação.

A cultura negra, preservada de qualquer alteração profunda, flui para a vida universal, não como elemento antagônico, mas com o desejo ansioso de ser um fator de equilíbrio, um poder para a paz, uma força de solidariedade a favor de uma nova civilização que ultrapasse as grandes esperanças da humanidade e se forme em contato com todas as correntes de pensamento.

O futuro não pode ser concebido como uma reiteração do passado, um campo fechado reservado exclusivamente para as sociedades humanas que são secretamente iniciadas ou arbitrariamente privilegiadas.

O futuro será a soma de culturas e civilizações que não medem sua contribuição especial ou conduzem uma barganha em relação a seus valores singulares. Para alcançar objetivos sucessivos, não é demais para cada um unir seus esforços aos de outros, entregar ao mundo seus recursos intelectuais e seu conhecimento científico e técnico, pois nenhum povo, nenhuma nação pode se mover e crescer, exceto com e pelos outros. Qualquer doutrina de isolamento cultural e celularização, quer seus motivos sejam uma superioridade orgulhosa ou um egoísmo inaceitável do grupo, oculta um erro fatal em consequência do qual a partícula isolada sucumbirá.

Sem querer responder ao desafio antinatural do ideal racista, que insolentemente afirma aproveitar-se, sozinho apenas, da seiva e os frutos do mundo, o negro está convencido de que sua mera presença o habilita a uma participação plena e completa nas obras humanas, não como um elemento desnaturado ou ultrapassado, mas no caráter de um novo poder, de uma força intelectual não explorada, cujas potencialidades são relevantes para os empreendimentos universais de progresso, justiça e solidariedade humana.

No domínio do pensamento, o homem pode reivindicar ser o cérebro do mundo, mas no plano da vida concreta, onde toda intervenção afeta o ser físico e espiritual, o mundo é sempre o cérebro do homem, pois é nesse nível que se encontra a totalidade dos poderes e unidades de pensamento, as forças dinâmicas de desenvolvimento e perfeição, é aí que a fusão de energias opera e que, a longo prazo, a soma dos valores intelectuais se concretizam. Mas quem pode alegar excluir um grupo particular de pensamento, uma forma particular de pensamento ou uma família humana em particular sem, por esse mesmo fato, se colocar além dos limites da vida universal?

O direito à existência se estende à presença, concepção, expressão e ação. Qualquer anulação deste direito fundamental deve ser estabelecida como um débito na conta da humanidade.

É, de resto, uma missão difícil que o negro se propôs a fazer, escolheu ser ao mesmo tempo o instrumento intelectual da reabilitação de uma raça, e o mensageiro de uma cultura despojada de seu direito à liberdade de expressão, e cujo conteúdo profundo e significado real foram falsificados pelas múltiplas interpretações que o mundo exterior lhe deu.

Mas esta ação empreendida pelos mensageiros de nossa cultura não pode ser isolada do movimento geral pela reconquista dos direitos de expressão e meios de desenvolvimento do povo da África, totalmente mobilizados na luta por sua dignidade e liberdade, ao lado da igualdade entre povos.

O processo de participação do negro em realizações universais deriva, em primeiro lugar, da personalidade africana, que não pode ser validamente reconstituída pelo intermediário de vontades ou forças externas à África, ou fora dos fatores de independência e unidade sobre os quais repousa o destino do mundo negro. Os compromissos culturais que a dominação estabeleceu por meio de contato e restrição, impõem uma reconversão completa ao homem da África, de modo que sua personalidade autêntica, todas as possibilidades de seus valores singulares e os meios de empregar seus recursos humanos podem reaparecer.

Na independência de sua jovem soberania, é assim que o povo da Guiné se une unanimemente pela libertação total e unidade efetiva do povo africano, a fim de acelerar sua marcha rumo ao progresso técnico, econômico e cultural em uma sociedade em perfeito equilíbrio social e em um mundo de civilização humana real.

 

Fonte: BlackPast, B. (2009, August 10) (1959) Sekou Touré, “The Political Leader Considered as the Representative of a Culture”. Retrieved from https://www.blackpast.org/global-african-history/1959-sekou-toure-political-leader-considered-representative-culture/

-       J. Ayo Langley, Ideologies of Liberation in Black Africa, 1856-1970 (London: Rex Collings, 1979).




quarta-feira, 1 de julho de 2020

NNAMDI AZIKIWE, “ZIK”: DISCURSO NA CONFERÊNCIA DE PAZ BRITÂNICA, (1949)

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O líder da independência nigeriana Nnamdi Azikiwe compareceu na Sessão Plenária da Conferência de Paz Britânica realizada em Londres, em 23 de outubro de 1949. Ele usou essa ocasião para falar sobre a Nigéria e a África. Ele também aproveitou a oportunidade para lembrar aos defensores da paz que tentar impedir a guerra entre as potências ocidentais e o bloco soviético deveria ser apenas metade da agenda deles. Se quisessem criar um mundo permanentemente pacífico, Zik argumentou, eles também deveriam apoiar as lutas pela independência que estavam sendo travadas na África.

 

Dê uma olhada no mapa da África, e notará que seu contorno apresenta uma forma que lembra um osso de presunto. Para algumas pessoas, este osso de presunto foi projetado pelo destino da talha do imperialismo europeu; para outras, é um ponto de interrogação, que pergunta se a Europa cumprirá seus ofícios éticos de paz e harmonia. No entanto, o paradoxo da África é que sua riqueza e seus recursos estão entre as causas principais das guerras. Desde a Conferência de Berlim, o continente africano foi dividido e dominado por exércitos de ocupação sob o disfarce de administradores e guardiões políticos, representados pelos seguintes países europeus: Grã-Bretanha, França, Bélgica, Portugal, Espanha, Itália e também a União da África do Sul.

Quando as potências dos Aliados tocaram o sino para a Primeira Guerra Mundial, a África desempenhou um papel de liderança não apenas como fornecedora de homens, materiais e dinheiro, mas como um teatro de guerra em que o colonialismo alemão nos Camarões, na África Oriental, e no sudoeste da África, foi destruído. Mais uma vez, quando as Nações Aliadas venceram a Segunda Guerra Mundial, o continente africano foi usado por estrategistas militares para destruir os objetivos fascistas da Alemanha, Itália e da cidade de Vichy na França.

É muito significativo que, nas duas últimas guerras mundiais, os povos africanos tenham sido persuadidos a participar da destruição de seus companheiros seres humanos, alegando que o Kaiserismo e o Hitlerismo deveriam ser aniquilados para que o mundo fosse protegido pela democracia- uma teoria política que parece ser propriedade exclusiva dos bons povos da Europa e da América, cujos governantes parecem achar a guerra uma missão e um empreendimento lucrativos.

Agora, os povos da África estão sendo informados de que é necessário, no interesse da paz e da preservação do cristianismo, que eles estejam prontos para lutar contra a União Soviética, pois os bandidos de guerra visam a dominação mundial. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Marechal de Campo Lord Montgomery tem visitado vários países da África, inclusive o meu país, a Nigéria, que abriga urânio-233. Estradas militares estão sendo construídas sob o pretexto do desenvolvimento econômico. Técnicos americanos estão inundando a África e os preparativos febris sendo feitos para a Terceira Guerra Mundial. Certos fatores exigiram a posição que minha organização, o Conselho Nacional da Nigéria e dos Camarões, tomou em relação à próxima guerra. Na Nigéria e nos Camarões, enfrentamos a inevitável realidade de que o sangue dos nossos filhos foi derramado em duas guerras mundiais em vão. Lembramos que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi solicitado ao Sr. Winston Churchill que confirmasse que as disposições da Carta do Atlântico se aplicavam à Nigéria, como foi afirmado pelo seu vice, o sr. C. R. Attlee, a resposta do primeiro-ministro da Guerra, redigida em linguagem diplomática e entregue de maneira tranquilizadora, contradiz a interpretação do presidente Roosevelt no sentido de que a Carta do Atlântico se aplicava ao mundo inteiro.

Hoje, na Nigéria, milhares de ex-militares estão desempregados, eles estão desiludidos e frustrados, alguns deles foram até mutilados por toda a vida, porque foram enganados a participar de uma guerra que não era deles. Apesar de seus esforços na guerra, foi negada a liberdade política, segurança econômica e emancipação social ao povo da Nigéria e dos Camarões.  Nossa identidade nacional foi sufocada para servir aos propósitos egoístas do domínio estrangeiro. Enfrentamos a negação de direitos humanos elementares. Somos sentenciados à servidão política e incumbidos a uma servidão econômica. Somente aqueles que aceitam a escravidão como destino continuariam a viver sob condições tão humilhantes sem reivindicar seu direito à vida e à busca da liberdade, e unir forças com os movimentos progressistas pela paz.

Se me permitem ser franco, devo dizer que não é suficiente nos reunirmos aqui e adotar manifestos pela paz. Devemos indagar nossos corações e estar preparados para aceitar algumas verdades. Alguém disse, com razão, que "a paz é indivisível". Metade do mundo não poderá desfrutar da paz, se a outra metade vive no meio da guerra. Você pode evitar a guerra entre os dois grandes blocos, no entanto será uma vitória vazia, desde que qualquer parte do mundo permaneça como um território colonial. É bem evidente que o imperialismo é uma fonte perene de guerra.

A atual política colonial do governo britânico pode ser um indicador confiável das perspectivas para o futuro. Não estou errado quando digo, sem equívocos, que essa política foi formulada de acordo com a lógica do imperialismo, apoiada por uma falsa crença da incapacidade dos povos colonizados em desenvolverem iniciativas próprias. Até certo ponto, essa política foi justificada no passado, por razões históricas, mas dificilmente pode resistir às provas de análises e críticas imparciais de hoje.

A política colonial britânica, que é essencialmente autocrática, concedeu constituições de povos dependentes. Apesar das obrigações do tratado, a Grã-Bretanha governou os protetorados e mandatos britânicos como se fossem colônias da Coroa Britânica. A ideia e as implicações da administração foram mal aplicadas ou desprezadas, de modo que a terminologia não faz sentido para os povos coloniais. A negação de direitos humanos elementares, como a liberdade de expressão e de imprensa, e a liberdade de associação e assembleia, é frequente.

Socialmente, o bicho-papão da segregação e da discriminação racial torna extremamente difícil para o colonizado desenvolver sua personalidade por completo. A educação é limitada aos privilegiados, os hospitais não estão disponíveis para a maioria das pessoas. Os serviços públicos estão faltando em muitos aspectos, não há suprimentos suficientes de água, estradas pavimentadas, serviços postais e sistemas de comunicação na maioria das comunidades da Nigéria. As prisões são medievais, o código penal é opressivo e a liberdade religiosa é raríssima.

Economicamente, os povos coloniais foram levados a apreciar que as possessões coloniais constituem “propriedades não desenvolvidas” especialmente reservadas como legado para exploração do poder colonial que controla, seja por meio de uma política de portas fechadas ou de um sistema de tarifa preferencial, ou como um depósito de lixo para os desempregados do "estado protetor". Essa política afetou negativamente os povos coloniais. Existe, nos territórios coloniais, um regime de monopólio que afeta a economia do país. O sistema de tributação é arbitrário e desigual. O serviço público não é tão eficiente quanto deveria ser, devido principalmente ao favoritismo, nepotismo e racismo. O programa agrícola é arcaico, pois não é feito nenhum esforço para introduzir e popularizar técnicas agrícolas modernas e máquinas que otimizam o trabalho. A política de mineração é definitivamente despótica, pois, embora o controle estatal possa ser desejável em um estado democrático, o governador de um território colonial “pode, a seu critério absoluto”, conceder, cancelar, modificar ou renovar qualquer direito de exploração ou mineração. O trabalho é explorado em abundância.

E apesar do catálogo de deficiências indicado acima, a política colonial do governo britânico parece ser dedicada ao evangelho de acordo com "o homem no local" (ou autoridade real) cuja palavra é lei e cuja má administração muitas vezes o autoriza a ser condecorado como um Cavaleiro da Grande Cruz ou Dama da Grande Cruz (G.C.M.G em inglês), ou um título de nobreza como recompensa.

Estou convencido de que, como potência colonial, as ações da Grã-Bretanha são elevadas, apesar de sua influência moral não ser tão salutar quanto seria possível, devido à sua adesão às ideias antiquadas do imperialismo e da Herrenvolk (suposta raça superior nazista). No entanto, é obrigatório que a Grã-Bretanha se examine mais criticamente e esteja disposta a se ajustar às condições mutáveis do pensamento colonial contemporâneo e da sociedade internacional. É altamente desejável para a Grã-Bretanha que cultive a boa vontade e a lealdade dos povos coloniais e, assim, obtém a aprovação do mundo exterior.

Não podemos ficar satisfeitos com a "discussão" de nossos próprios assuntos, como previsto na Constituição de Richards. Não estamos dispostos a continuar a política reacionária de fazer a nossa câmara legislativa uma sociedade debatendo para a diversão dos administradores coloniais britânicos.  Ressentimo-nos da ideia de nossos funcionários públicos remunerados serem de uma burocracia sem limites, capaz de criar, interpretar e administrar nossas leis, sem nosso conhecimento e consentimento, e sem sermos efetivamente representados nessa câmara por vereadores ou legisladores de nossa própria escolha.

Exigimos o direito de assumir a responsabilidade pelo governo do nosso país. Exigimos o direito de liberdade para cometer erros ou acertos através de nossas próprias experiências.

Em virtude de uma série de cerca de quatrocentos tratados negociados entre Sua Majestade, a Rainha Vitória, e os Reis de vários territórios que hoje são conhecidos como Nigéria, a Grã-Bretanha assumiu um protetorado em todo o nosso país, exceto no município de Lagos. A existência desses tratados é um reconhecimento de que o protetorado assim estabelecido não é território britânico e que seus habitantes não são súditos britânicos. Isso é consistente com o direito constitucional inglês. Após quase cem anos de ligação britânica, certos fatores exigiram o reexame de nossas relações para que o vínculo de comunhão entre os dois países fosse fortalecido ou desintegrado. Pertencemos à escola de pensamento que prefere o curso do fortalecimento, e sentimos que o futuro das relações anglo-nigerianas não precisa ser objeto de conflito. Pelo contrário, deve ser uma questão de ajuste da organização política e administrativa. Atualmente, nós, considerados os elementos articulados em nosso país, temos o sentido de fazer um gesto amigável para fortalecer o vínculo de comunhão com a Grã-Bretanha. O autogoverno é o nosso objetivo na vida. A única maneira de os britânicos na Nigéria provarem sua sinceridade é implementando o oficio de títulos de posse. Admito que algum esforço esteja sendo feito, mas afirmo que pode ser aumentado.

Nunca sugeri, e não sugiro, a saída por atacado dos britânicos na Nigéria, mas sustento que, como as relações anglo-nigerianas se fundamentam em obrigações de tratado baseadas na amizade e no comércio, não há razão para que o condomínio anglo-nigeriano não seja o núcleo de uma grande Federação de Estados no futuro imediato, para nos permitir tomar nosso lugar de direito na Comunidade Britânica. Se os britânicos nos querem bem, devem confiar em nós e nos permitir participar ativamente da administração de nossos negócios.

A cada seis pessoas no continente africano, uma é nigeriana. Adicione as Ilhas Britânicas à Bélgica, Holanda, Portugal e ao Estado Livre Irlandês, e então você terá uma ideia da região da Nigéria. Há ouro na Nigéria. Carvão, linhito, estanho, columbita, tantalita, chumbo, diatomita, tório (urânio 233) e tungstênio são abundantes na Nigéria. Há abundância de óleo de palma. Borracha, cacau, amendoim, gergelim preto, algodão, óleo de palma e sementes de palma têm em grande quantidade. Madeira de diferentes tipos é encontrada em muitas áreas deste país. No entanto, apesar desses recursos naturais que indicam riqueza potencial, a grande maioria dos nigerianos vive na escassez.

Consideramos em nossa opinião que fatores do capitalismo e do imperialismo impediram o crescimento normal da Nigéria na comunidade das nações. Estamos confiantes de que somente pela cristalização da democracia em todos os aspectos de nossa vida e pensamento nacional - políticos, econômicos e sociais - podemos nos desenvolver juntos com as outras nações progressistas do mundo que amam a paz. Estamos determinados que a Nigéria agora evolua para uma comunidade totalmente democrática e socialista, a fim de permitir que nossas várias nacionalidades e comunidades possuam e controlem os meios essenciais de produção e distribuição, e assim promover mais efetivamente a liberdade política, segurança econômica, igualdade social, tolerância religiosa e o bem-estar comunitário.

Por essas razões, definimos o imperialismo como o domínio imposto de uma nação por outra nação. Consideramos isso uma antítese da democracia, cuja realização nossos filhos derramaram seu sangue em duas guerras mundiais. Portanto, somos obrigados a denunciar o imperialismo como um crime contra a humanidade, porque destrói a dignidade humana e é uma causa constante de guerras. Por fim, fazemos as seguintes declarações:

1) Que não teremos mais medo de falsos alarmes emitidos pelos imperialistas e sua imprensa venal em relação a qualquer ideologia que seja basicamente socialista em seu conceito.

2) Que não nos arriscaremos em entrar em guerras contra outras nações para sermos enganados.

3) Que não seremos mais arrastados para agir como bucha de canhão na força militar de hipócritas que oscilam diante de nosso povo com slogans enganosos, a fim de envolver a humanidade em carnificina e destruição.

4) Que consideramos o imperialismo como nosso principal inimigo mortal, contra o qual deve estar todas as várias nacionalidades e comunidades de nosso país.

5) Que afirmamos que temos o direito de ser consultados e de obter nosso consentimento antes de entrarmos em outra guerra mundial.

6) Que, em caso de outra guerra mundial, nos reservamos o direito de adotar uma atitude independente, e uma linha de ação que aceleraria nossa libertação nacional, unindo todas as pessoas cuja atitude em relação à nossa luta nacional pela liberdade justifique tal aliança.

7) Que na próxima guerra mundial, nos posicionaremos de acordo com quem, por palavras e ações, satisfaça nossas aspirações nacionais imediatas.”

Fonte: Wilfred Cartey e Martin Kilson, The African Reader: Independent Africa (Nova York: Vintage Book, 1970).


 


quarta-feira, 24 de junho de 2020

O Pan-Africanismo em "Nacionalismo nigeriano: um estudo de caso no sul da Nigéria, 1885-1939"

Segue um trecho sobre o Pan-Africanismo e a influência do Honorável Marcus Garvey na Nigéria, extraído do documento “Nacionalismo nigeriano: um estudo de caso no sul da Nigéria, 1885-1939”
Por Bassey Edet Ekong, Universidade Estadual de Portland

O Pan-Africanismo

O Congresso Pan-Africano e o Movimento de 'Retorno à África', de Garvey, foram dois movimentos externos que influenciaram o nacionalismo na Nigéria. O movimento pan-africano foi lançado nos EUA em 1919 por um dos proeminentes líderes negros, W.E.B. DuBois. A reunião real do Congresso ocorreu em Paris, de 19 a 20 de fevereiro de 1919, enquanto a Conferência de Paz de Paris ainda estava em sessão. O Sr. Blaise Diagne, um senegalês que foi ao mesmo tempo deputado na Assembleia Nacional Francesa, foi eleito presidente. Os africanos que participaram deste primeiro congresso tiveram apenas doze ou mais dos 150 participantes. Não está registrado que a Nigéria esteve representada nesta primeira reunião, mas na última Conferência realizada em Manchester, Inglaterra, em 1945, o Chefe Awolowo participou. Outros africanos que participaram foram Nkrumah de Gana e Kenyatta do Quênia.

O Congresso Pan-Africano aprovou resoluções pedindo a Conferência de Paz para que os nativos da África pudessem participar do governo tão rápido quanto o desenvolvimento permitisse. Está claro que o Congresso não pediu a concessão imediata de autogoverno aos países africanos. O Congresso Pan-Africano realizou muito pouco em seu tempo de vida. Há muitas razões para isto. Principalmente porque a ideia do pan-africanismo era afro-americana e não africana. Todas as reuniões do Congresso foram realizadas fora da África e foram frequentadas principalmente por pessoas de fora da África. Outra razão mais importante é o fato de que o movimento era o dos intelectuais e, como tal, não atraía as massas. O movimento exerceu restrições e acomodou o colonialismo. O presidente, Diagne, na verdade elogiou o colonialismo e chegou a se identificar com os franceses. Em 1922 ele escreveu em resposta ao chamado "Volta à África" de Garvey, desafiando sua reivindicação de representar o povo africano. Ele escreveu: "Nós nativos franceses desejamos permanecer franceses", e passou a proclamar que "franceses primeiros e negros depois."

O Movimento 'Volta à África' de Garvey foi o mais popular dos dois movimentos externos. Foi um movimento radical que apelou ao nacionalismo radical. O movimento foi iniciado por Marcus Garvey, um negro jamaicano. Garvey tinha a esperança de unir os africanos em ambos os lados do Atlântico e uma vez que isto não poderia ser realizado enquanto as potências europeias ainda estivessem na África, ele chamou esses poderes a deixar a África para os africanos, e ameaçou usar a força se os britânicos e os franceses não deixassem a África voluntariamente. Seu movimento era muito popular na Nigéria e em outros lugares da África. Os governos coloniais estavam nervosos com a influência dos negros na África, particularmente em relação ao Garvey. Em Gana, as leis de imigração foram reforçadas para impedir a imigração de "indesejáveis" do outro lado do Atlântico, que por acaso tivesse se associado ao movimento. No norte da Nigéria, um menino com cavalo (Horse-boy) foi preso por um emir local e enviado a um oficial de distrito sob a acusação de sedição. O garoto disse ao povo que "um rei negro estava vindo, com um grande navio de ferro cheio de soldados negros, para expulsar todos os brancos da África". Na Nigéria, o jornal de Garvey 'O Mundo Negro', não foi autorizado a circular em público. O velho Azikiwe avisou seu filho Nnamdi Azikiwe sobre a consequência de lê-lo em público. Dr. Azikiwe, quando um jovem do Hope Waddell Institute ouviu falar de Garvey como um redentor da África e queria ler mais sobre ele. Ele teve a sorte de conseguir uma cópia antiga do jornal 'O Mundo Negro' de seu colega de classe. Ele ficou particularmente impressionado com o lema de Garvey: "Um Deus, Um Objetivo, Um Destino", que ele imediatamente aceitou como sua filosofia e prometeu delegar seu serviço à África. Mas depois, em 1935, após ter completado seu estudo nos EUA. e estava pronto para voltar para a Nigéria, escreveu ele a Herbert Macaulay, "••• Estou voltando para casa semi-gandista, semi-Garveyista, não chauvinista, semi-etnocêntrica, com amor a todos, a todos os climas na terra de Deus."

Em 1920, uma filial da Associação Universal de Melhoria do Negro (UNIA) foi fundada em Lagos por proeminentes líderes da igreja que incluíam o Rev. J.G. Campbell, Rev. W.B. Euba e o Rev. S.M. Abiodun, e apoiado por John Payne Jackson, o editor do Lagos Weekly Record e Ernest Ikoli, então um jovem que mais tarde se tornou o co-fundador do Movimento da Juventude da Nigéria (NYM). Garvey havia estabelecido a UNIA e a Liga do Comitê Africano, através das quais ele esperava realizar a Unificação da África, e a Black Star Line (Linha da Estrela Negra), que ele fundou foi para abrir o comércio entre os negros americanos e negros africanos. A má administração dos fundos levou à sua prisão e encarceramento em 1928, sob a acusação de usar o correio para realizar a fraude. Garvey foi eleito presidente temporário da República da África; uma bandeira nacional e um hino nacional foram projetados para a África. Não há dúvida de que o Garveyismo teve grande impacto em alguns líderes africanos eminentes, como Azikiwe, da Nigéria, e Nkrumah, de Gana. Professor Coleman diz: "Muitos temas no recente dia do nacionalismo nigeriano foram lançados no espírito, se não nas palavras exatas de Garvey."


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Um pouco mais da tese de Bassey Edet Ekong em 1972
"Nacionalismo nigeriano: um estudo de caso no sul da Nigéria, 1885-1939"


Ekong, Bassey Edet, "Nigerian nationalism: a case study in southern Nigeria, 1885-1939" (1972). Dissertations and Theses. Paper 956.

https://pdxscholar.library.pdx.edu/open_access_etds/956


Um resumo da tese de Bassey Edet Skong 
A Nigéria moderna é uma criação dos britânicos que, por causa do interesse econômico, ignoraram as diferenças políticas, raciais, históricas, religiosas e linguísticas existentes. A tarefa de desenvolver um conceito de nacionalismo entre os diversos elementos que habitam a Nigéria e falam sobre 280 línguas tribais era imensa, se não impossível. Os tradicionalistas fizeram o melhor que puderam para se opor aos britânicos que tiraram os seus privilégios e direitos tradicionais, mas a sua política não aprovava o nacionalismo. A ascensão e crescimento do nacionalismo só foi possível através de africanos instruídos. O colonialismo trouxe a Nigéria em contato com o Ocidente e a cultura ocidental, mas o impacto disso foi sentido de forma diferente em diferentes partes da Nigéria. Ao desacreditar a Missão Cristã, advogados e comerciantes do Norte, os britânicos deliberadamente permitiram que o Norte da Nigéria mantivesse seus costumes e estrutura social. Isso aumentou e complicou ainda mais os problemas de modernização, nacionalismo e unidade, já que os nigerianos foram influenciados por duas culturas externas opostas, uma ocidental e outra oriental. Os problemas básicos: sociais, raciais e políticos foram resultado da criação da superestrutura da Nigéria e afetam inequivocamente o nacionalismo, já que alguns dos grupos étnicos que compõem a Nigéria eram grandes o suficiente para constituir nações em si mesmos. Devido ao forte etnocentrismo existente na Nigéria, algumas vezes argumentou-se que a Nigéria não tem um nacionalismo, mas muitos nacionalismos. A elite educada conseguiu conquistar a condição de Estado para a Nigéria, mas ainda precisa conseguir o nacionalismo cultural e político na Nigéria.

Capitulo 1: Introdução

O objetivo deste estudo é examinar o impacto dos estrangeiros no nacionalismo na Nigéria. O sul da Nigéria é escolhido para este estudo porque é o berço do nacionalismo nigeriano e, como tal, tem muito a contribuir para a unidade e o progresso da Nigéria e da África como um todo.

A segunda razão para o estudo é o fato de que a influência desses estrangeiros ainda é sentida na Nigéria hoje. Atualmente, falam-se muito sobre a unidade africana, o pan-africanismo, a personalidade africana e a modernização da Nigéria. Essas ideias são rastreáveis para os estrangeiros do período colonial. A terceira razão é que a Nigéria continua o processo de modernização e o mundo a observa como a guardiã da democracia.

Ao longo deste artigo, a ênfase tem sido, portanto, sobre o impacto de estrangeiros no sul da Nigéria, porque o nacionalismo no sul da Nigéria não foi um esforço consciente por parte do povo do sul da Nigéria. De fato, não havia conceito de "nigerianos" ou "nigerianos" antes de meados do século XIX. Havia grupos tribais muito diferentes uns dos outros em cultura, religião, costumes e história e muito vagamente urbanizados. A ideia de uma nação foi primeiro trazida para eles de fora, mas por pessoas de sua própria descendência.

O termo "estrangeiros", conforme usado neste documento, significa os africanos libertados de Serra Leoa, das Índias Ocidentais ou da Libéria e dos afro-americanos. Para o propósito ou este estudo, os africanos liberados que voltaram e residiram na Nigéria são considerados nigerianos e, como tal, o termo tem sido usado de forma intercambiável. Eram, de fato, cidadãos da Nigéria ou, dito de outra forma, eram nigerianos naturalizados. Eles se consideravam nigerianos antes mesmo de o território ser batizado de "Nigéria" em 1899. Apenas muito poucos deles voltaram ao local de seu nascimento; a maioria viveu e morreu na Nigéria.


Este artigo é uma história social de pessoas heterogêneas e a tese está, portanto, em sua tentativa de desenvolver uma consciência nacional. A discussão é, portanto, restrita aos aspectos culturais, econômicos e políticos ou àquela consciência. O nacionalismo que eventualmente conquistou a Independência dos britânicos está fora do escopo deste artigo. Finalmente, há muitas pessoas e amigos que merecem gratidão por suas sugestões e cooperação maravilhosa que tornaram possível este artigo nesta forma final. Mas lamento que não seja possível nomear todos eles aqui. Entretanto, menção especial deve ser feita ao meu conselheiro, Dr. F. Cox. a ele ofereço meu agradecimento especial por sua maravilhosa cooperação e orientação. Agradeço também ao Dr. J. I. Olivier, da Universidade de Portland, que passou cerca de treze anos na Nigéria, por suas gentis sugestões e correções. Gostaria também de agradecer ao Dr. G. Carbone, que me deu valiosa ajuda nos primeiros estágios deste trabalho; Para o sr. L. Davis, chefe do Programa de Estudos Negros, estendo minha gratidão por suas sugestões. E aos meus compatriotas africanos e nigerianos nas Américas, agradeço-lhes por sua maravilhosa cooperação.


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Conclusão
O nacionalismo começou na Europa e depois se mudou para o Novo Mundo e depois voltou para a Europa, mas atingiu seu clímax na África e na Ásia no pós-guerra. O nacionalismo nigeriano durante o período em discussão não exigiu autodeterminação imediata. Apenas estimulou a consciência nacional entre os diferentes povos da Nigéria. No sul da Nigéria, a primeira geração de nigerianos instruídos tentou afirmar sua 'Nigerianidade' e liderança na política, economia e especialmente na cultura. Seu objetivo não era destruir ou rejeitar a cultura europeia como tal, mas sim tornar a cultura africana co-igual. Eles foram incentivados e estimulados por homens como Edward Blyden, que pregavam a consciência de raça e a singularidade da cultura africana. Os nacionalistas culturais foram bem-sucedidos em restaurar parte do passado africano, enquanto seus contemporâneos, os etíopes em sua reação radical, mostraram sua própria marca de nacionalismo pela secessão e pela fundação de igrejas nativas e independentes.

No século XX, o nacionalismo nigeriano assumiu uma nova forma, a ideia de nação, dada à segunda geração de nigerianos instruídos pelos afro-americanos que exigiam poderes políticos e econômicos dos britânicos. Du Bois e Marcus Garvey pregaram aos ouvidos dos nigerianos a necessidade de uma nação, a dignidade da raça africana e o pan-africanismo. O nacionalismo militante de Garvey teve grande impacto sobre nigerianos eminentes como o Dr. Nnamdi Azikiwe, que, depois de se tornar semi-garveyista, decidiu dedicar seu serviço à luta contra o colonialismo e pela liberdade dos africanos.

O estímulo dado pelos afro-americanos resultou na formação de associações políticas nos anos 20 pela elite nigeriana, que eram principalmente advogados, médicos e comerciantes. Eram pessoas de recursos e que eram péssimas no domínio da língua inglesa, que se tornou o meio de comunicação. Eles eram as pessoas que tinham o controle da vida nacional do país, pois tinham o privilégio de serem treinados para resolver problemas práticos, a oportunidade que a primeira geração não teve. No entanto, eles não eram nem radicais nem militantes como a terceira geração. Suas organizações eram 'clubes de cavalheiros' e suas atividades eram restritas a algumas cidades costeiras - Lagos e Calabar. Eles estavam preocupados principalmente com a promoção e melhores condições de serviço no serviço público e algum tipo de mudança constitucional. Foi principalmente por meio de suas atividades que os britânicos finalmente fizeram algumas concessões, concedendo uma concessão limitada aos africanos pela primeira vez na história da África Ocidental Britânica. Nos anos 30, o nacionalismo se espalhou dos dois centros urbanos do sul para outros centros, incluindo o norte islâmico, por meio das atividades do Movimento Juvenil. Mesmo assim, o norte da Nigéria ainda estava isolado e não gostava de participar das atividades nacionais do momento. O retorno de nigerianos do exterior, principalmente da América, após a conclusão de seus estudos, trouxe nova vida ao Movimento Juvenil. O movimento também atraiu força e encorajamento da imprensa nigeriana, que às vésperas da Segunda Guerra Mundial havia começado a atacar o colonialismo em todas as suas ramificações.

A reação das massas, como foi expressa no motim das mulheres Aba em uma linguagem tão forte que até os britânicos foram forçados a prestar atenção. Pela primeira vez, eles foram instruídos a deixar a Nigéria.


No geral, o nacionalismo nigeriano, diferentemente do árabe e do nacionalismo pan-eslavo, não era radical ou militante. O nacionalismo radical só foi expresso na forma de fanatismo religioso quando Gabriel Braid e os Mahdis atacaram os britânicos. Outros exigiram emancipação espiritual antes da emancipação política; o movimento separatista não era um fim em si, mas um meio para atingir um fim, pois se tornou um dos fatores que aguçaram a consciência política e nacional.

por Fuca, Insurreição CGPP

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Ventos do Apocalipse, Paulina Chiziane – Breve Nota

Quando assisto a alguma entrevista da escritora moçambicana Paulina Chiziane, com sua tranquilidade na expressão, uma doçura na voz e sempre se portando com muita evidência, fica difícil de imaginar como ela pôde escrever um livro tão repleto de sofrimentos e situações extremamente subumanas. Pois é, Ventos do Apocalipse traz essa bagagem da vida do seu povo no sul de Moçambique pós-independência e assim travando uma guerra civil.
Este livro é o seu segundo romance, publicado em 1975, apesar de a autora não se considerar uma romancista, é fato que me parece não querer atribuir a rótulos europeus para sua obra, nem para seu ser e suas crenças. A sua escrita está mais ligada à tradição oral, a contação de histórias e em particular, as histórias que as mulheres carregam consigo.
São cíclicos os ventos que sopram o apocalipse, e assim a autora inicia o livro com contos do passado, meio que para ambientar a leitura do romance que virá.  O romance é dividido em duas partes: A primeira parte se passa na vila de Mananga, e a narrativa se ambienta na vida de Sianga e Minosse, um casal, Sianga que já fora um régulo não é mais nada da vida, a única mulher que o aturou foi Minosse. 
O cenário é de seca, numa região que depende do clima para se estabelecer numa espécie de agricultura de subsistência. Para agravar, a guerra está sempre a soprar sua brisa, desse modo começa-se a aparição de refugiados de outras aldeias e vilas. A constante busca por sobrevivência vai gerar atritos.  
A segunda parte já se dá pela busca de refúgio dos que sobreviveram dos conflitos em Mananga. E é então que o vento sobra bem forte, a devastação retratada é algo bem estarrecedor. Minosse continua nessa jornada, sendo então a principal voz no romance, uma voz feminina que guardou e viveu toda a desgraça daquele cenário.
A minha sensação é a de que a história não teve fim, justamente pra supor a ideia inicial de que tudo é cíclico, ou seja, os europeus que na colonização devastaram a tradição local, em outro momento vieram para “ajudar” numa guerra civil, seria mesmo só ajuda, assim sem nenhuma pretensão? As mulheres ancestrais que sofreram no passado (vide um conto inicial do livro), a mesma dor se fez presente na vida infeliz de Minosse, existia ali alguma projeção de mudança pro futuro? E se a história pode girar em ciclos será que devemos aprender com as experiências do passado? Foram alguns questionamentos que fiquei a imaginar pós-leitura. E assim encerro essa breve nota, vou deixar o link de uma das entrevistas de Paulina Chiziane, e também a nota de outro livro da mesma autora, As Andorinhas.
Fuca, Insurreição CGPP, 2020. Livro de contos: AS ANDORINHAS



"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países. Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."