A Roda Bantu
Na idade da magia e dos
imortais, os sábios de todo o mundo foram convidados para um grande encontro.
Na África, entre os povos Bantu,
fez-se uma reunião e decidiu-se enviar quatro mulheres sábias do Ndongo como
representantes. O Ndongo era um pequeno reino na região de Angola, de muita
importância pelo seu espírito de independência e liberdade.
Quando as mulheres sábias do
Ndongo chegaram à grande reunião mundial, foram primeiro apreciadas pela beleza
e depois pelo falar sábio, cheio de metáforas e grandes ensinamentos.
Além disso, essas sábias vieram
acompanhadas de uma grande comitiva, com poetas, músicos, instrumentistas e
cantores de grande qualidade artística.
A admiração que causou a
delegação do Ndongo gerou muito ciúme e despeito em diversas delegações.
Essas quatro mulheres tinham um
nome comum: Ginga. Bom, pelo menos foi isso que estrangeiros entenderam. Mas não
era bem assim. Cada nome diferia do outro pelo acento na entonação. As pronúncias
eram: Ginga, Giinga, Gingaa, Giingaa. Nomes completamente diferentes, não havia
o que confundir. Porém, para os estrangeiros, os quatro nomes pareciam iguais,
ficava tudo como se fosse uma coisa só.
Ah, e as sábias africanas do
Ndongo trouxeram uma roda que parecia perfeita e encantada, sobre a qual se
deslocava o veículo que as transportava. Puxado por tigres domesticados, o
carro parecia um veículo da imaginação, leve, rápido e elegante. Fazia parte do
charme delas quando desfilavam pela cidade onde se realizava a reunião.
Os sábios de vários lugares
passaram a examinar com muita admiração os detalhes daquela roda.
- Que coisa magnífica!
- Como será que foi feita?
Alguém disse:
- De ferro, recoberta de ouro, e
depois foram feitos os encaixes de diamantes.
Logo o despeito falou:
- Mas os africanos não precisam
de roda, portanto não deve ter sido feita na África.
E prosseguiu, dizendo que os
africanos eram navegantes e pessoas do deserto que viajavam em camelos. E daí
deduziu, de forma apressada, que a roda magnífica não deveria ser africana.
A Ginga mais velha explicou que
a África é enorme, que tem terras diversas com terrenos e climas diversos e que
existiam várias paisagens e que... Mas
parou de falar, foi interrompida pelo despeito, e viu que com a desinformação é
muito difícil conversar, e muito mais difícil convencer.
E seguindo o despeito, falou a
arrogância. Esta fala sempre grosso, com ar de competência e profundidade e
superioridade. Fala com absoluto conhecimento, e foi logo dizendo:
- A roda é linda, mas não é perfeito,
vejam, tem um defeito de fabricação.
- Ahannnn! – fez um imenso eco
de admiração.
E o coro logo repetiu:
- A roda tem defeito! A roda tem
defeito!
Parecia um detalhe ao qual o
mestre ferreiro não dera muita importância, pois não prejudicava a elegância da
carruagem, muito menos a forma perfeita da circunferência da roda.
- Mas tem defeito! – Assim puristas,
despeitados e invejosos se manifestaram. E só falavam do defeito. Passaram a se
especializar na descrição do defeito da roda do Ndongo. Passaram a generalizar
a suposição de que seriam defeituosas todas as rodas africanas. Faltavam outros
metais nobres nas ligas africanas, era o que se pensava.
Esses foram os fatos, e nada
mais se comentou na reunião dos sábios em relação aos africanos que não fosse o
defeito da sua roda.
Passou o tempo, mas certo dia um
dos sábios resolveu perguntar à mais nova das Gingas se ela sabia por que a
roda africana tinha aquele defeito.
- Defeito não – disse ela. É um
detalhe da arte da metalurgia Bantu que mostra sua maestria.
Em verdade, a roda Bantu era
formada de dezesseis setores, todos diferentes. Só que faltava conhecimento metalúrgico
aos observadores, e eles só viram a diferença em um dos setores, e a isto
chamaram “defeito da roda Bantu”.