Planeta Favela, Mike Davis – Breve nota
Planeta Favela é um livro que evidencia a degradação
humana nos espaços favelizados que operam como lugares de reprodução da
pobreza. A denúncia é contundente e visa abarcar os fatos mais concretos do que
se prender em conceitos, quebra de paradigmas ou até mesmo desenvolver hipóteses,
conceitos ou teorias que possam reverter o quadro desastroso da favelização mundial.
A ênfase, na verdade, se atem nos países do Terceiro Mundo que sofrem toda
carga que se precisa ter para alimentar a ideologia liberal dos países capitalistas
desenvolvidos.
O conteúdo é tão critico que se torna difícil enxergar
luz no fim do túnel para quem vive em favelas, por outro lado, é disso que
provem o êxito e a riqueza para instituições como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e Banco Mundial, que devido a divida externa impõem os
Planos de Ajuste Econômico (PAE) aos países que não conseguem pagar os empréstimos,
pois os juros são altos e assim essas instituições passam a controlar
politicamente esses territórios.
Dentro dos desastres provocados pela globalização
neoliberal para os pobres do Terceiro Mundo, o autor expõe vários tópicos
degradantes que vão desde guerras, desemprego, precarização de trabalho,
segregação, racismo, superurbanizações seguidas de expulsões, enchentes,
deslizamentos de casas, incêndios criminosos em favelas, lixo, poluição
atmosférica, contaminações, caos no transito de transportes, crise sanitária,
escassez de recursos naturais, etc.
Para alocar devidamente no tempo, tudo isso é datado
basicamente desde pelo menos o final do século XX. Interessante que entre as
décadas de 1960 e 1980, os países do terceiro mundo chegaram a crescer e nesse período
ainda não se tinha a orientação das políticas neoliberais do FMI. Vale frisar
que em países de passado colonial a estrutura desigual já existia, seja em
explorações de bens naturais e de mão de obra barata, na segregação espacial ou
na pobreza, mas a globalização e as políticas neoliberais trataram de acelerar
e intensificar a escala da pobreza urbana nos países subdesenvolvidos.
No capitulo um, O Climatério Urbano, Mike Davis traz
diversas analises baseadas em estudos e dados que tratam acerca da urbanização
dos países e cidades do Terceiro Mundo. Chega-se na primeira constatação: a
explosão da urbanização. Outra situação é que a alta da urbanização em diversas
cidades da África, America do Sul e Ásia, ocorreu num cenário de desindustrialização,
então esse crescimento populacional não significava desenvolvimento, mas sim a
manutenção da pobreza. O autor já nos aponta neste primeiro capitulo que o
sistema econômico neoliberal do FMI e do Banco Mundial são os causadores direto
desse cenário.
Se essa urbanização desgovernada faz parte da manutenção
da pobreza, a favelização e todo tipo de ocupação e moradia informal se torna tendência
nesses territórios. Outro fator é a questão do advento do crescimento de cidades
nos campos, em alguns casos já não há o êxodo rural, mas a urbanidade atinge os
modos de vida do campo, fato praticamente inevitável devido o período da
globalização.
A Generalização das Favelas, segundo capitulo, vai
abordar os espaços periféricos já que em algumas cidades a urbanização
significa favelização, pois abrange mais da metade do território, e de
urbanização irregular. Retrata a questão das ocupações (no livro apresenta a
palavra invasão), em quais condições elas ocorrem, e como são organizadas, destruídas
e montadas novamente. Evidencia brevemente que a saída em ocupar terrenos
marginalizados pelos despossuídos, nem sempre é a medida mais barata, levando
em consideração a peleja das lutas que serão necessárias travarem pela
sobrevivência, mas que ao longo do tempo esse “valor” pode ser recuperado a
partir de uma estruturação crescente nesses espaços. Dentro desse subtópico existe a questão
da “privatização das invasões”, onde antes de ocupar é necessário pagar para políticos
poderosos (as vezes através de votos), loteadores (pessoas de poder local),
latifundista ou grande fazendeiro, comuna rural, etc. Culminando no subtópico
seguinte que é a invisibilidade do locatário na favela que alcançou uma modesta
base inferior na estratificação dessa classe pobre, e devido a falta de
organização fica a mercê dos alugueis. O autor aponta que esse é um meio de
exploração de pobre sobre um mais pobre.
O terceiro capitulo desvela A Traição do Estado, que
inicia com a citação de Alan Gilbert e Peter Ward, “Embora o capitalismo irrestrito
tenha uma face em geral inaceitável, o Estado corrupto que age em favor dos
ricos é ainda pior. Em tais circunstâncias, pouco há a ganhar com a simples
tentativa de melhorar o sistema.” Então se mostra nessa parte do livro as
formas que o Estado atuou de maneira excludente, negligente e foi omisso em
buscar reverter as condições de favelização e proliferação da pobreza, que, por
conseguinte aparece As Ilusões de Auto Ajuda, onde agora o próprio Banco
Mundial investe em desenvolvimento urbano e assim coopta algumas ONG’s que
focam em ações de curto prazo com pequenas proporções distanciando a sociedade
civil organizada e os pobres de uma consciência de classes e de uma busca plena
por seus direitos.
Aqui o autor critica a aliança do arquiteto John Turner
com o presidente do Banco Mundial na qual o saldo foi de que os benefícios dos
projetos oriundos desse “casamento” acabaram nas mãos da classe média, os mais
pobres ficaram fora do projeto novamente. E vai criticar também a tomada de medidas
rápidas e simplistas tais como a de Hernando de Soto, o guru global do
populismo neoliberal, ao apenas adotar como estratégia a concessão de titulo de propriedade em invasões.
“Os empréstimos do Banco Mundial para o desenvolvimento
urbano aumentaram de meros 10 milhões de dólares em 1972 para mais de 2 bilhões
de dólares em 1988. E, entre 1972 e 1990, o Banco ajudou a financiar um total
de 116 programas de oferta de lotes urbanizados e/ou de urbanização de favelas
em 55 países. É claro que em termos de necessidade isso não passou de uma gota
num balde d’água, mas deu ao Banco enorme influência nas políticas urbanas
nacionais, além de uma relação de patrocínio direto com as ONGs e comunidades
faveladas locais; também permitiu ao Banco impor as suas próprias teorias como
ortodoxia mundial da política urbana”.
Nos últimos capítulos é versado mais profundamente sobre
as formas como são postas os Planos de Ajuste Econômico (PAE), a precarização
do trabalho ao desvendar o mito da informalidade como saída do desemprego, os
riscos físicos vividos de fato em muitas das favelas em todo o mundo e o trabalho infantil. Ainda, o crescimento do pentecostalismo em alguns países extremamente vulneráveis onde
se tem uma via de humanidade excedente.
“Em vez das cidades de ferro e vidro, sonhadas pelos
arquitetos, o mundo está, na verdade, sendo dominado pelas favelas.”
Fuca cgpp 2019