Fichamento - Livro: O Novo Imperialismo
Harvey, D. O novo imperialismo, 2004
Capitulo
2: Como o poder norte-americano se expandiu – Parte1 (§1-9)
No primeiro momento o
autor aponta no que se define o termo imperialismo capitalista e demonstra a divergência,
a princípio, contida no termo e diz, “com a primeira expressão desejo acentuar
as estratégias políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um
Estado”. E continua, “Com esta última expressão, concentro-me nas maneiras
pelas quais o fluxo do poder econômico atravessa e percorre um espaço contínuo,
na direção de entidades(...) ou em afastamento delas mediante as práticas
cotidianas de produção, da troca, do comércio, dos fluxos de capitais, das
transferências monetárias, da migração do trabalho, da transferência de
tecnologia, da especulação com moedas, dos fluxos de informação, dos impulsos
culturais e assim por diante”.
A seguir utiliza-se de
uma denominação de Arrighi para evidenciar essa diferença e equaciona da
seguinte forma: Imperialismo= Lógica territorial do poder; e Capitalista=
Lógica do capital (fluxo). “O capitalista que dispõe de capital financeiro
deseja aplica-lo onde quer que possa haver lucro, e tipicamente busca acumular
mais capital. Os políticos e homens de Estado buscam tipicamente resultados que
mantenham ou aumentem o poder de seus próprios Estados diante de outros
Estados. O capitalista procura as vantagens individuais e (embora de modo geral
sujeito a restrições legais) só é responsável perante seu círculo social
imediato, ao passo que o homem de Estado procura vantagens coletivas, vendo-se
restringindo pela situação política e militar de seu Estado, sendo em algum
sentido responsável perante uma comunidade de cidadãos ou, o que é mais
frequente, perante um grupo de elite, uma classe, uma estrutura de parentesco
ou algum outro grupo social. O capitalista opera no espaço e no tempo
contínuos, enquanto o político opera num espaço territorializado e, ao menos
nas democracias, no âmbito de uma temporalidade ditada por um ciclo eleitoral.
Por outro lado, as empresas capitalistas vêm e vão, mudam de localização, se
fundem entre si ou encerram as operações, mas os Estados são entidades de vida
longa, não podem migrar e, exceto em circunstâncias excepcionais de conquista geográfica,
estão confinados a fronteiras territoriais fixas” (p.32).
Em continuidade, o
autor enxerga essa relação de expansão e invasão territorial x acumulo de
capital antagônica apesar de grande parcela da literatura afirmar que os
Estados e os impérios agem por motivações capitalistas. Mas numa perspectiva de
longo prazo essa relação pode ser complementar. O fato é que a prática
imperialista na lógica capitalista se dá pela exploração das condições
geográficas através de uma assimetria nas relações espaciais de troca. “Se, por
exemplo, as forças norte-americanas abrem mercados de capitais em todo o mundo
por meio das operações do FMI e da OMC, a causa é que são esperadas vantagens
especificas advindas disso para as instituições financeiras dos Estados Unidos.
” (p.35)
Ainda nesse tópico de
definição do imperialismo, o autor diz ser mais preciso utilizar esse termo
para relações de fluxos de poder entre Estados, focados mais externamente do
que nas relações domesticas, no qual cita “entidades regionais” ou
“imperialismo metropolitano”.
A
lógica do território e a lógica do capital (§9-12)
No imperialismo
capitalista predomina tipicamente a lógica capitalista, embora haja momentos em
que a lógica territorial venha para o primeiro plano. Porém, uma acumulação
interminável de capital implica numa lógica interminável de poder, e é lançada
a questão de Hannah Arendt: “Uma acumulação interminável de propriedade”. Então
o autor cita que “se, contudo, a acumulação do poder tem de acompanhar
necessariamente a acumulação do capital, a história burguesa tem de ser uma
história de hegemonias que exprimem um poder sempre mais amplo e continuamente
mais expansivo. ” (p.37)
Mas toda expansão
exacerbada pode ser o início de uma queda e se torna o calcanhar-de-aquiles dos
Estados e Impérios hegemônicos. Com isso vê-se a possibilidade de formação de
grupos imperialistas (como o g-8). Se caso houver falha em se formar esse
grupo, um imperialismo ainda mais concentrado poderá entrar em colapso, não
pela revolução, mas pela anarquia.
A
hegemonia (§13-19)
No conceito de Gramsci
aparece as vezes numa forma ambígua, pode se referir ao poder político exercido
pela liderança e consentimento dos governados ou por meio de domínio via
coerção. Ao tratar de hegemonia no texto, o autor remete à primeira (liderança
“consentida”). Apesar de existir uma liderança imperialista dos EUA, existe uma
distribuição regional que difere da globalização, a exemplo de outras
hegemonias tais como o Japão perante o restante da Ásia, ou na Europa a liderança
franco-germânica.
O poder hegemónico é
dado por um equilíbrio instável entre coerção e consenso e se exprime por meio
dele. (Os eua têm recorrido com frequência, nos últimos 50 anos, à dominação e
à coerção.) A coerção acontece por meios físicos, mas também por outros meios,
como econômicos. “O poder econômico de dominar (como o embargo comercial ao
Iraque e a Cuba, bem como os programas de austeridade do FMI implementados sob
a égide do Tesouro Norte-Americano) pode ser usado com um efeito tão destrutivo
quanto o da força física. Um exemplo disso é o papel destacado das instituições
financeiras norte-americanas e do Tesouro Norte-Americano, apoiados pelo FMI,
na provocação de uma violenta desvalorização dos ativos por todo o Leste e o
Sudeste da Ásia, na criação do desemprego em massa e na efetiva reversão de
anos de progresso social e econômico obtido por imensas populações da região. ”
(p.40) Os Eua contam ainda com a legitimação de sua população perante as
atrocidades cometidas e nome do “bem”, da liberdade (individual, propriedade
privada) e da democracia. E fato que a diplomacia dos eua age também na direção
de um consentimento, legitimação e propaganda do bem e isso tem igual valor de
liderança tal qual a coerção e a liquidação física.
A busca pelo modo de
vida norte americano (consumismo, formas culturais, instituições políticas e
financeiras) tem contribuído globalmente para o processo de acumulação
interminável de capital. “O dinheiro, a capacidade produtiva e a força militar
são os três pilares em que se apoia a hegemonia no âmbito do capitalismo”
(p.43)
A
ascensão dos imperialismos burgueses: 1870-1945 (§20-25)
Ao cotar Arendt, o
autor demonstra que o imperialismo se situa como o primeiro estágio de domínio
político da burguesia no século XIX, ao contrário do que Lênin havia dito sobre
o imperialismo ser o último estágio. A primeira grande crise de superacumulação
capitalista foi o colapso econômico por toda Europa alimentando movimentos
revolucionários de ordem burguesa. A saída da crise foi o investimento em
infraestrutura a exemplo de Haussman em Paris, e também devido às expansões
geográficas focadas no comércio atlântico com os EUA.
Nos anos 1860, a
capacidade de absorver excedentes de capital e de trabalho por esses meios
estava se esgotando. Recorreu-se, como dito, ao mercado externo, porém existia
uma onda de formação de Estados-nação na Europa: “A nação-Estado portanto não
proporciona por si só uma base coerente para o imperialismo. Como poderia então
o problema da sobreacumulação e de necessidade de uma ordenação espaço-temporal
encontrar uma resposta política adequada com base na nação-Estado? Essa resposta
consistiu em mobilizar nacionalismo, jingoísmo [patriotismo chauvinista],
patriotismo, e, sobretudo, racismo para servir de base a um projeto imperial no
qual os capitalistas nacionais (...) pudessem assumir a liderança. ” (HAVEY,
2004: p.44)
Segundo Arendt, pode
haver então um abismo entre nacionalismo e imperialismo na teoria, mas, na
prática, ele pode e tem sido superado pelo nacionalismo tribal e pelo racismo
puro e simples. “Desenvolveu-se uma variedade de imperialismo burgueses
fundados na nação e, por conseguinte, de caráter racista (britânico, francês,
holandês, alemão, italiano). Afloram também imperialismo de motivação
industrial, mas não burgueses no Japão e na Rússia. ” (p.45) O racismo se
tornou o principal meio político e através do darwinismo social se conseguia
tal credibilidade para se realizar uma acumulação via espoliação visando à
extração de tributos das colônias.
Enquanto as nações
europeias fundaram imperialismo com base no nacionalismo, racismo e fascismo, os
EUA nesse momento crescem após a guerra civil (guerra de secessão), mas sem
esse caráter nacional ainda, pois se tratava de uma sociedade de imigrantes,
então o cerne era a propriedade privada e taxa de lucro, além de se ter muita
terra para expansão interna.
Já a partir do século
XIX, os EUA buscam mascaram o caráter explicito das conquistas e ocupações
territoriais na retórica da globalização, que visa universalizar de forma não
espacial seus valores. “Os Estados Unidos ainda eram tanto um mercado potencial
como um produtor de capital excedente, embora na década de 1930 tenham
fracassado por completo na realização de suas potencialidades nesse âmbito, em
larga medida devido à configuração interna do poder de classe que resistiu até
os modestos esforços feitos por Roosevelt, quando do New Deal, para resgatar a
economia de suas contradições por meio de redistribuição de renda. A
dificuldade de alcançar coesão interna numa sociedade etnicamente variada
marcada por um individualismo e uma divisão de classes intensos produziu aquilo
que Hofstadter chama de ‘o estilo paranoide’ da política norte-americana: o
medo de algum ‘outro’ (como o bolchevismo, o socialismo, o anarquismo ou
simplesmente ‘agitadores externos’) ” (p.48)
Fuca, Insurreição CGPP