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sexta-feira, 8 de junho de 2018

Dra. Clenora Hudson-Weems, Nommo: Autonomeação e Autodefinição

Dra. Clenora Hudson-Weems 
Capítulo I
Nommo: Autonomeação e Autodefinição (Uma Revisão de "Autonomeação e Autodefinição: Uma Agenda para a Sobrevivência" em Irmandade, Feminismos e Poder (African World Press, 1998))
As mulheres que se dizem feministas pretas precisam de outra palavra que descreva quais são suas preocupações. O feminismo preto não é uma palavra que descreve a situação das mulheres pretas. A raça branca tem um problema de mulher porque as mulheres eram oprimidas. O povo preto tem um problema de homem e mulher porque os homens pretos são tão oprimidos quanto suas mulheres. (Julia Hare, 15)
A citação acima feita pela notável psicóloga preta, Julia Hare, que infelizmente desconhece a existência do Mulherismo Africana, uma terminologia e paradigma que responde ao seu chamado, faz um profundo comentário sobre a realidade da diferença na política da vida preta e da vida branca, particularmente em termos de como certos ideais têm diferentes significados em relação aos dois grupos. Em outras palavras, a declaração de Hare reflete as nuances da relatividade de uma determinada terminologia e conceito - feminismo - como emitidos por brancos e sua inaplicabilidade para homens e mulheres pretos que estão presos em primeiro lugar pelo fator racista e não pelo fator de gênero tão prevalentemente abordado hoje. Por causa do fator racial crítico para os pretos, outra acadêmica, Audrey Thomas McCluskey, conclui que "as mulheres pretas devem adotar um termo culturalmente específico para descrever sua experiência racializada" como ela é astutamente cônscia disso para as mulheres pretas, quer elas busquem ou não essa questão a ponto de se nomearem independentemente, "o debate sobre nomes reflete questões mais profundas do direito à auto validação e reivindicar suas próprias tradições intelectuais" (McCluskey 2). Assim, a necessidade crucial de autonomeação e autodefinição, um fenômeno de interconexão, torna-se definitiva, pois precisamos entender que, quando você dá nome a uma coisa particular, você simultaneamente lhe dá significado. Nommo, então, um termo africano que o teórico cultural Molefi Asante chama de "o poder gerador e produtivo da palavra falada", significa a denominação apropriada de algo que por sua vez lhe dá essência (Asante 17). Particularizando o conceito, Nommo, no poder da palavra. . . ativa todas as forças de seu estado congelado de uma maneira que estabelece a concretude da experiência. . . sejam alegres ou tristes, trabalho ou diversão, prazer ou dor, de uma maneira que preserve a humanidade [de alguém] "(Harrison xx).
Certamente, Nommo, um conceito poderoso e empoderador na cosmologia africana, evoca a existência material. Como o povo africano há muito tem sido negado a autoridade de não apenas nomear a si mesmo, mas, além disso, de se autodefinir, como inferido pela narradora de Amada da ganhadora do prêmio Nobel, Toni Morrison - "As definições pertenciam aos definidores, não aos definidos". Agora, é da maior importância que tomemos controle sobre esses fatores determinantes de nossas vidas, se esperamos evitar a degradação, o isolamento e a aniquilação em um mundo de ganância, violência e pandemônio.
Desde meados dos anos oitenta, tenho me envolvido seriamente no processo de nomear e definir adequadamente as mulheres africanas. Este processo tem sido efetuado identificando e refinando um paradigma centrado em África para todas as mulheres de ascendência africana. Ao observar o papel tradicional, o caráter e a atividade desse grupo, cuja afinidade reside em sua ancestralidade africana comum, cheguei à conclusão de que o Mulherismo Africana como construção teórica era mais um refinamento de ideais do que uma criação de ideais. Meu papel como teórica era observar as mulheres africanas histórica e culturalmente, documentar nossa realidade e depois refinar um paradigma relativo a quem somos, o que fazemos e o que acreditamos como povo. Embora esse processo pareça ser um curso natural de ação, a sociedade, ao contrário, não seguiu esse caminho. E mais, ignorou a verdadeira existência operacional desse longo fenômeno existente e optou por nomear e definir mulheres africanas fora de seu contexto cultural e histórico por meio da sobreposição de um construto estrangeiro - eurocentrismo/feminismo. Em essência, a cultura dominante manteve a posição de identificar quem somos e como nos encaixamos no esquema das coisas, sem nenhuma consideração por nossa autêntica realidade. Em vez de respeitar nossas vidas como representantes da auto autenticação, a cultura dominante se impõe sobre o povo africano. Para acabar com este legado de dominação europeia, os africanos terão de reivindicar ativamente a sua identidade, começando pela autonomeação e autodefinição. Como afirma Bob Bender, professor de inglês e estudos sobre mulheres (University of Missouri-Columbia), a nomeação é importante, e um dos problemas em ser chamado por algum outro grupo é que você não é quem você quer ser. Até que você tenha o direito de dar um nome a si mesmo e ao que você está fazendo, você não tem poder algum. O Mulherismo Africana é uma excelente ideia (Bender 7).
Uma agenda autêntica para as mulheres africanas, portanto, deve ser projetada com uma perspectiva endêmica, moldada pela nossa própria realidade cultural passada e presente, moldada por nosso próprio conjunto de prioridades estabelecidas. Em outras palavras, as mulheres africanas devem criar nossos "próprios critérios para avaliar [nossas] realidades, tanto no pensamento quanto na ação" (Hudson-Weems, Africana Womanism, 50).
Para começar, o conceito de Mulherismo Africana ao contrário do feminismo/feminismo preto, é um conceito centrado na família, mais do que centrado na mulher, que se preocupa primeiramente com o empoderamento racial em vez do empoderamento feminino. Certamente, o empoderamento feminino centrado como uma prioridade para as mulheres pretas não poderia fazer sentido em uma comunidade onde as próprias vidas não apenas do setor feminino, mas de todo o seu povo - homens, mulheres e crianças - estão em risco e ameaçadas diariamente pela dominação racista branca. Livrar a sociedade primeiro do racismo, que permeia a existência total da vida preta, torna-se então o primeiro passo para a sobrevivência humana. Um artigo de jornal em acompanhamento, encabeçando "Beyond Bra-Burning" (Além da queima de sutiã), da Primeira Conferência Internacional sobre Mulheres Africanas e da Diáspora Africana, realizada na Universidade da Nigéria, Nsukka (julho de 1992) destacou o impacto do Mulherismo Africana na conferência. Foi afirmado que as Mulheristas [Africana] não acreditam em queima de sutiãs. Elas acreditam na feminilidade, na família e na sociedade. Sua luta é elevar esses atributos, não repudiá-los. . . O homem e a mulher africana sempre foram parceiros complementares e, para que haja um empoderamento econômico e uma sobrevivência africana, os dois precisam trabalhar juntos, como sempre fizeram"(Agoawike, 1).
Evidentemente, a noção de priorizar raça, classe e gênero dentro da estrutura da situação tríplice das mulheres africanas é o fator diferenciador definidor entre mulheres de ascendência africana e aquelas da cultura dominante, cuja principal questão para elas é o empoderamento feminino. Mesmo antes da conferência nigeriana, eu estava na missão de insistir na crucialidade da nomeação e definição apropriada das mulheres africanas e sua luta como uma atividade coletiva em curso no mundo preto, em um esforço para combater os problemas que ameaçam a vida para a existência de um coletivo Africana. E a chave para essa questão seminal é que, quando se compra uma terminologia específica, também se compra sua agenda, o que no caso das mulheres africanas desconsidera a conexão inextricável de sua identidade com o destino de seu povo. Como Hudson-Weems proclama em uma entrevista para um jornal caribenho, "Nós (da Diáspora Africana) não estamos menosprezando as questões de gênero - estamos lidando com questões da vida real que não excluem gênero mas lidam [primeiro] com a fortificação e empoderamento do nosso povo "(Fuentez, 3).
Pode ser apropriado comentar aqui os primórdios venenosos do feminismo. A verdadeira história do feminismo, suas origens e suas participantes, revela um pano de fundo racista bastante descarado. O Feminismo e o Movimento de Sufrágio da Mulher tiveram seu início com um grupo de mulheres brancas liberais, que estavam preocupadas em abolir a escravidão e conceder direitos iguais para todas as pessoas, independentemente de raça, classe e sexo. No entanto, quando a Décima Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos foi ratificada em 1870, concedendo direitos de voto aos homens africanos, embora negando privilégio para as mulheres, as mulheres brancas em particular, as atitudes daquelas mulheres brancas em relação aos pretos mudaram. Desapontadas, tendo assumido que a sua benevolência para assegurar a plena cidadania do povo africano acabaria por beneficiá-los, a sua resposta foi uma reação racista tanto à Emenda quanto aos Africanos. Assim, um movimento organizado entre as mulheres brancas da década de 1880 mudou o pêndulo de uma postura liberal para uma radicalmente conservadora.
A Associação Americana Nacional para o Sufrágio das Mulheres (NAWSA em inglês) foi fundada em 1890 por mulheres brancas do norte; no entanto, "as mulheres do sul também foram vigorosamente cortejadas por esse grupo" (Giddings, 81), que demonstrou o crescente chauvinismo racial do final do século XIX. Partindo da posição original do sufrágio feminino de Susan B. Anthony, a organização reuniu a Associação Nacional para o Sufrágio da Mulher e a Associação Americana de Sufrágio da Mulher, protestando que o voto das mulheres brancas de classe média deve ajudar seus pares masculinos a preservar as virtudes da República da ameaça dos homens pretos, não qualificados e biologicamente inferiores que, com o poder de voto, poderiam adquirir poder político dentro do sistema americano. Carrie Chapman Catt, uma líder conservadora e sufragista conservadora e outras mulheres em seu campo insistiram em fortes valores anglo-saxões e na supremacia branca. Elas queriam se unir com homens brancos para garantir o voto para brancos puros, excluindo os pretos e imigrantes brancos. Em Peter Carrol e David Noble, The Free and The Unfree, Catt é citada:
Há apenas uma maneira de evitar o perigo. Cortar o voto das favelas e dar para as mulheres [brancas]. . .[Os homens brancos devem perceber] a utilidade do sufrágio feminino como um contrapeso ao voto estrangeiro, e como um meio de preservar legalmente a supremacia branca no sul "(citado em The Free and the Unfree, 296).
Adotando uma firme crença na inerente inferioridade preta, essas mulheres acreditavam que os pretos não deveriam ter o direito de votar antes delas, o que não aconteceu até a Décima Nona Emenda de 1920. Assim, embora seja compreensível como as mulheres brancas se sentiam em relação à sua exclusão da agenda dos direitos de voto, a sua hostilidade racista em relação aos africanos era injustificável e, portanto, não pode ser negligenciada.
Em maio de 1995, tive a oportunidade de observar a consequência da inclusão de nossas prioridades como mulheres africanas sob as da cultura dominante. A Suprema Corte estava decidindo sobre a questão dos planos de Ação Afirmativa e a questão levantada era como as feministas (brancas) responderiam aos crescentes ataques à Ação Afirmativa, já que elas, como mulheres, haviam sido o maior grupo beneficiado deste programa, incluindo os pretos, que eram os beneficiários originalmente pretendidos. Colocando essa questão em uma perspectiva histórica, eu supus que, como elas eram, de fato, membros da cultura dominante, sua segurança seria protegida. Previsivelmente, em junho de 1995, a Suprema Corte retornou a sentença de que os pedidos de Ação Afirmativa que eram racialmente determinados eram inconstitucionais; aqueles determinados pela igualdade de gênero eram constitucionais. Portanto, para as mulheres de ascendência africana, que é uma categoria racialmente definida, a prioridade de gênero, ao invés de raça, é inaplicável neste caso, uma vez que as mulheres africanas ainda seriam sobrecarregadas com o jugo do fator racial: "Mesmo que ela supere a batalha do sexismo através de uma luta coletiva de todas as mulheres, ela ainda ficará com a batalha do racismo enfrentando tanto na família quanto a si mesma" (Africana Womanism, 59). Em outras palavras, quando a feminista branca tiver realizado todas as suas necessidades e demandas, tornando-a um lugar apropriado no ambiente de trabalho, a mulher preta ainda será preta e na parte inferior. Assim, a mulher preta, que entregou sua questão número um de igualdade racial a uma prioridade específica de gênero, se encontrará de volta à experiência vulnerável da degradação negra.
Dito tudo, a revelação gritante é que o povo Africana, particularmente as mulheres Africana neste discurso, deve decidir por nós mesmos quem somos e qual é a nossa agenda autêntica. Devemos necessariamente nos engajar na identificação de nossas necessidades individuais como um povo Africana, começando com autonomeação e autodefinição, a fim de que possamos entender melhor o que será necessário para nós trazermos a total paridade humana para nossa realização. Com certeza, este é o primeiro passo para trazer a verdadeira harmonia e a sobrevivência real para todos os pretos, brancos, vermelhos e amarelos; homens, mulheres e crianças.

Referências

Agoawike, Angela. "Beyon 'Bra-Burning': [Africana] Womanism as Alternative for the Africana Women." Nigeria Daily Times, July27, 1992.

Asante, Molefi Kete. The Afrocentric Idea. Philadelphia: Temple University Press.

Bender, Bob. "Reassessing Roles." Mizzou Weekly (Columbia, MO). October 27, 1993.

Carroll, Peter N. and David W. Nobel. The Free and the Unfree: A New History of the United
States. New York: Penguin Books, 1977.

Fuentez, Tania. "Africana Womanism: Ties to the Destiny of a People." Daily News (St. Thomas, Virgin Islands), June 2, 1994.

Hare, Julia. "Feminism in Black and White." Quoted in Mary-Christine Phillip. Black Issues in Higher Education, March 11, 1993, pp. 12-17.

Harrison, Paul Carter. The Drama of Nommo. New York: Grove Press, 1972.

Hudson-Weems, Clenora. Africana Womanism: Reclaiming Ourselves. Third revised edition, second printing. Michigan: Bedford Publishers, 1995.

McCluskey, Audrey Thomas. "Am I Not a Woman and a Sister?: Reflections on the Role of Black Women's Studies in the Academy." Feminist Teacher, Vol. 8, n. 3, 1994, 105-111.

Morrison, Toni. Beloved. New York: Alfred A. Knopf, 1987.

Disponível em <http://web.missouri.edu/~hudsonweemsc/ > acesso 08/06/2018


No livro Africana womanist literary theory tem um capitulo com esse titulo do texto. 




sexta-feira, 4 de maio de 2018

Ifi Amadiume: A teoria dos valores Matriarcais como base para a Unidade Cultural Africana

Ifi Amadiume: A teoria dos valores Matriarcais como base para a Unidade Cultural Africana

Introdução do livro A Unidade Cultural da África Negra, de Cheikh Anta Diop, edição da Karnak House, 1989. 

Ifi Amadiume

Foi em 1983 que quase me encontrei com Cheikh Anta Diop em uma comunidade sufi em Madina-Kaolack, no Senegal. Sabendo dos meus interesses políticos e intelectuais, o Iman e Sheik dessa comunidade me disse, logo que cheguei, que por pouco eu teria me encontrado com Cheikh Anta Diop. Adiante, em 1985, me vi bem próxima do grande sábio Africano novamente. O organizador da conferência de 1985, logo quando Cheikh Anta Diop havia feito uma publicação em Londres, sabendo de como a notícia me afetaria, pediu-me para ir encontrá-lo. Mesmo que grávida na época, eu rapidamente fui até ele. Direcionei-me para falar com ele. Ele estendeu a mão retornando a saudação. Foi quando alguém apareceu entre nós para conversar com ele, então deixei conversarem e voltei ao meu assento.

Mais tarde, em 1985, escrevi Afrikan Matriarchal Foundations: The Igbo Case [Base/Origem do Matriarcado Africano: O caso Ibo] em que eu tentei comprovar algumas das ideias levantadas por Diop em A Unidade Cultural da África Negra: As Esferas do Patriarcado e do Matriarcado na Antiguidade Clássica. Eu dediquei o livro em tributo a Diop em Ibo, Ebunu ji isi eje ogu, "Carneiro corajoso que luta com sua mente". Claro que me referi lutar sem medo, com coragem e inteligência; o que Diop chamava “racionalização”. Depois, em 1986, eu li um aviso em um jornal nigeriano que o nosso grande filósofo tinha morrido de um ataque cardíaco e eu chorei. Ele tinha apenas 62 anos de idade. Ao ser convidada para escrever essa introdução do livro A Unidade Cultural da África Negra, edição da Karnak House, eu me encontrei novamente no caminho de Cheikh Anta Diop. Espero não me perder em adulação cega, mas avaliar objetivamente os méritos deste livro, não só como munição para lutar contra os racismos antiÁfrica, mas por sua relevância no pensamento político contemporâneo Africano e para o desenvolvimento de um programa de estudos africanos, de classe mais progressiva e de consciência de gênero.

Diop escreveu este livro durante as lutas nacionalistas dos anos 50 que foi um período de debate pela independência Africana. Como um pan-africanista acima de tudo, atacou aqueles que não poderiam conceber a ideia de uma Federação Africana independente ou de um Estado Africano multinacional. Ele, dessa forma, se comprometeu a demonstrar “nossa unidade cultural orgânica”, apesar de uma “aparência enganadora da heterogeneidade cultural”. Por que Diop adotou essa abordagem orgânica? Uma razão pode ser o fato de que aquele era o período da abordagem orgânica (o conceito de homogeneidade de uma sociedade específica que exclui as contradições sociais) seguido pelos formalistas nas ciências sociais. Esta abordagem foi mais tarde negada pelos funcionalistas e estruturalistas. No entanto, o trabalho de Diop faz mais sentido na escola estruturalista, pois ele está basicamente tratando de ideias. A outra razão pode ser que neste assunto em particular, Diop não estava simplesmente preocupado com os acadêmicos puramente abstratos, mas tinha um compromisso político de tentar reconstruir a história e a cultura do seu povo, que havia sido submetido por cerca de 900 anos de pilhagem pelos árabes e os europeus, isso nem mesmo inclui a destruição da antiga civilização egípcia africana. Diop, não obstante, defendeu que aquilo que nos une é muito mais fundamental que as nossas diferenças superficiais, e que estas diferenças foram impostas externamente. Elas derivam da herança colonial.

O que Diop teve firme controle e usou para discutir a “profunda unidade cultural” da África foi a história do matriarcado Africano. Ele assim procedeu desde a análise da condição material à superestrutura ideológica. Ao fazê-lo, Diop recuperou nossa história Afrocêntrica, aplicando uma visão holística e uma análise estrutural do mito a fim de expor as ideias por trás dos acontecimentos. O resultado foi um modelo compreensível para uma história social Africana.

As forças racistas, colonialistas e imperialistas que Diop estava confrontando naquele momento o obrigou a não argumentar exclusivamente na análise do matriarcado na África. Ele teve de enfrentar o mundo dos chamados “especialistas” sobre o assunto. Diop, assim, passou a fazer uma crítica extensa e devastadora da teoria de Bachofen sobre o matriarcado, e da teoria da família de Morgan.

A teoria evolutiva do matriarcado de Bachofen baseou-se na análise da literatura grega clássica. A partir desta fonte grega limitada, ele passou a generalizar toda a organização social humana da evolução de um período em que não houve casamento, mas “barbárie” e “promiscuidade sexual”, baseado em um sistema de descendência matrilinear até um período de casamento e matriarcado baseados na supremacia da mulher. A fase final foi o período do imperialismo masculino, isto é, o patriarcado. Como aponta Diop, Bachofen não só criou esses períodos evolutivos, mas também impôs um julgamento preconceituoso, concluindo que o patriarcado é superior ao matriarcado.

Mesmo assim, o que é interessante na análise da Oresteia, de Ésquilo, feita por Bachofen não é tanto a derrota do matriarcado pelo patriarcado, mas o fato de que para fazer essas alegações falsas de derrota ou de superioridade, ele teve que inventar um tipo de pseudoprocriação em rituais abstratos ou religiões e adequar o papel pro-criativo factual básico de maternidade biológica natural e esse “laço mais íntimo de amor” [‘closest bond of love’]. Isto é basicamente o que os papéis de sacerdócio ou de iman têm feito. Desse modo, os homens assumem a tarefa de criação que era da mãe; eles chegam até ao ponto de imitar a vestimenta das mulheres. No ritual patriarcal em que esta construção é mais evidente vemos homens vestidos como mulheres. É por isso que as verdadeiras mulheres são banidas desses papéis. Esse foi o papel de Apollo e Athena. Além disso, para que essa pseudoconstrução tivesse sucesso, dever-se-ia reclassificar mulheres como traidoras a exemplo de Athena. Uma vez que podemos compreender esta análise, então não precisamos ir à antiguidade para ver esta luta ou disputa entre sistemas de pensamento matriarcais e patriarcais. Muitas teorias feministas atuais também são incapazes de lidar com a questão do matriarcado, pois elas estão ainda ancoradas na periodização de Bachofen. Ou talvez, porque elas não têm nem memória histórica, nem cultural do matriarcado, e entendem o matriarcado não tanto no sentido de instituições sociais, organizações de parentesco, instituições culturais de mulheres, mas como uma sociedade totalmente governada por mulheres. Quando elas não conseguem encontrar essa tal sociedade, descartam a questão do matriarcado e o coloca como mito.

Diop ilustra como a compreensão de Morgan acerca dos sistemas de casamento e parentesco permaneceu caótica. A partir do estudo dos indigenas iroqueses da América do Norte, Morgan tinha, com base em seus conceitos etnocêntricos da estrutura da família nuclear da civilização europeia, postulado quatro estágios na evolução, desde o matrimônio, família e o matriarcado dos povos “bárbaros”, até o patriarcado e a monogamia de “civilizados” da Grécia e Roma. Como mostra Diop, a classificação de Morgan era basicamente esta equação: arianos (Indo-Europeus) = brancos = civilizados; e não-arianos = outros = selvagens. Morgan era um racista. Esta teoria era racista.

Em suas teorias de um matriarcado orgânico universal, tanto Bachofen como Morgan estabeleceram uma hierarquia falsa e racista dos valores e sistemas sociais. O sujeito colonial da antropologia reforçou essa divisão e o racismo como resultado de seu zoneamento da humanidade em suas sociedades ditas primitivas = outros, e modernas - a deles = sociedades civilizadas. Essas noções racistas e ignorantes de civilizações culturais altas e baixas equiparou feudal, piramidal, sistemas políticos burocráticos e imperialistas como cultura “alta” e os sistemas políticos descentralizados e difusos como cultura “baixa” e primitiva. Como a consciência política de hoje busca reverter essa falácia, é marcada pelos movimentos de participação horizontal e descentralizada.

A posição de Diop revela que o matriarcado é específico, e não geral, dado a influência da ecologia em sistemas sociais. Ele, portanto, apresentou sua hipótese de berço duplo e seguiu para discutir duas zonas geográficas, do Norte e do Sul. Sua tese é que o matriarcado se originou no Sul agrícola, usando a África para ilustrar seu argumento, enquanto que o patriarcado originou-se no Norte, sendo nômade. O cinturão do meio era a bacia do Mediterrâneo, onde o matriarcado precedeu o patriarcado. Considerando que na Ásia Ocidental, ambos os sistemas foram sobrepostos um sobre o outro.

Comparando estas culturas Norte e Sul com base na condição da mulher, no sistema de herança, pelo dote e filiação de parentesco, Diop mostra como a cultura do Norte indo-europeu negou os direitos das mulheres e subjugou-as sob a instituição privada da família patriarcal, como foi argumentado por Engels. Os patriarcas do Norte queriam as mulheres sob seus controles confinando-as em casa e negando um papel público e de poder. Neste sistema, um marido ou um pai tinha o direito de vida e morte sobre uma mulher. A viagem de mulheres para o casamento agravou este controle patriarcal. Este sistema do Norte foi caracterizado por dote, adoração ao fogo e cremação.

Em contraste, na cultura matriarcal do Sul, tipificada pelo sistema agrícola e sistema de sepultamento, os maridos vinham para as esposas. As esposas eram as donas das casas e guardiãs da alimentação. A mulher era a agricultora. O homem era o caçador. O poder da mulher foi baseado em seu importante papel econômico. Este sistema também foi caracterizado por bridewealth (riqueza da noiva) e o forte laço entre irmão e irmã. Mesmo no casamento onde uma mulher viajava esse vínculo não era completamente rompido. A maioria das regras de funeral prescrevia o retorno do cadáver da esposa para sua casa natal. Trocas funerais também indicavam uma compensação pela perda de uma mulher, como as minhas próprias pesquisas confirmaram.

Esse sistema matriarcal do Sul também foi marcado pela sacralidade da mãe e sua autoridade ilimitada. Havia juramentos invocando o poder da mãe, isto é, a ritualização daquela matricêntrica, mãe e filho, “o laço mais íntimo de amor” citado até mesmo em Eumenides. Este é o “espírito da maternidade comum”, geralmente simbolizado nas religiões africanas. Em Ibo, é OmaUmunne, Ibenne. Neste conceito religioso africano, é a mãe que dá aos seus filhos e à sociedade em geral o dom do “pote da prosperidade”, que em Ibo é chamado de ite uba.

A mãe também concede o pote de segredos/ mistério/ magia/ conhecimento sagrado/ poder espiritual. Em Ibo, isso é chamado de ite ogwu. Em wolof, é demm. Todos os mitos, lendas e histórias de heroísmos africanos não adulterados atestam isso. Como diz Diop, essas ideias “remontam aos primórdios da mentalidade africana. São, portanto, arcaicas e constituem, no presente, uma espécie de fossilização no campo das ideias atuais. Elas formam um todo que não pode ser considerado como a continuação lógica de um estado anterior e mais primitivo, onde uma herança matrilinear teria governado exclusivamente.” (p.34) A construção social ou cultural da paternidade nesses sistemas matriarcais levou os antropólogos sociais preconceituosos e ignorantes a assumir que nossas sociedades não conheciam os fatos da concepção!

Na teoria de Diop esses dois sistemas são rígidos, “foi demonstrado que essas coisas ainda ocorrem sob nossos próprios olhos, nos dois berços e com pleno conhecimento dos fatos. Não é, portanto, lógico imaginar um salto qualitativo que explicaria a transição de um para o outro”. (p.41) Diop, no entanto, insistiu em atribuir a mudança social principalmente a fatores externos, como resultado de sua visão orgânica da sociedade. Essa compreensão orgânica da sociedade e da cultura contribuiu para que ele atribuísse os sistemas mistos das sociedades oceânicas ao papel de migração e dispersão.

Essa atribuição de mudança social apenas a fatores externos apresenta não apenas uma visão orgânica, mas também estática da sociedade. Diop viu a África tradicional como um continente onde as civilizações antigas permaneceram preservadas, já que a África parecia mais substancialmente resistente a fatores externos. Assim, Diop foi capaz de apresentar dois sistemas polares de valores para seus Berços Norte e Sul. A África, como representante do Berço do Sul do matriarcado, valoriza a família matriarcal, o estado territorial, a emancipação da mulher na vida doméstica, o ideal de paz e justiça, bondade e otimismo. Suas literaturas favoritas eram romances, contos, fábulas e comédias. Sua ética moral foi baseada no coletivismo social.

O contrastante Berço do Norte, como exemplificado pela cultura ariana da Grécia e Roma, valorizava a família patriarcal, a cidade-estado, a solidão moral e material. Sua literatura foi caracterizada pela tragédia, ideais de guerra, violência, crime e conquistas. A culpa, o pecado original e o pessimismo, impregnaram toda a sua ética moral baseada no individualismo.

Diop, tendo assim contrastado um sistema com o outro, passou a fornecer uma história geral de ambos os berços e suas áreas de influência. Para provar seu ponto de vista de que as mulheres africanas já eram rainhas e guerreiras, participando da vida pública e política, enquanto suas contemporâneas indo-europeias ainda estavam subordinadas e subjugadas sob a família patriarcal, Diop nos apresenta uma série de poderosas antigas rainhas africanas e suas conquistas. Na Etiópia, houve a rainha de Sabá, a rainha Candace, que lutou contra o exército invasor de Augusto César. No Egito, havia a rainha Hatshepsout, descrita como “a primeira rainha da história da humanidade”. Cleópatra foi intitulada “Rainha dos Reis”. Mesmo nos imensos e poderosos impérios de Gana, no século III d.c., os valores matriarcais eram a norma. O mesmo acontecia no Império do Mali.

Consistente com sua teoria do fator externo na mudança social, Diop atribui a introdução da patrilinearidade na África à vinda do Islã no século X. Mesmo assim, ele argumenta que a patrilinearidade ficou na superfície e não penetrou profundamente nos sistemas matriarcais de base. Ele atribui as mudanças mais recentes em direção ao patriarcado a mais outros fatores externos como o islamismo, o cristianismo e a presença secular da Europa na África, simbolizada pela legislação colonial, direitos a terra, nomeação do pai, monogamia e a classe das elites educadas no Ocidente e contato moral com o Ocidente.

A teoria de dois sistemas rígidos de Diop me parece difícil de aceitar academicamente, dadas as limitações impostas à abordagem orgânica das sociedades, que leva à representação da sociedade como estática e não dinâmica em si mesma. No entanto, aceito a irredutibilidade da unidade matriarcal como um fato social. O patriarcado só pode se basear em uma negação desse fato, daí surge suas falsificações. O patriarcado é tanto uma construção social quanto cultural, consequentemente a equação do patriarcado com o controle e a opressão das mulheres. O fato 'natural' e social da unidade matriarcal é base para todas as sociedades, como simbolizado pela mulher grávida. 

Consequentemente, a questão é se essa estrutura básica da mãe e do filho é reconhecida na organização social, cultural e política. Onde é reconhecido, as mulheres seriam obviamente organizadas para garantir esse reconhecimento. Pelo que sabemos, as mulheres foram organizadas em sociedades indígenas africanas. As mulheres Ibo, por exemplo, ainda cantam: "a mulher é a principal, é a principal, é a principal”, repetindo e repetindo a declaração e a mensagem. Assim também é a sagacidade e infalibilidade de mães sendo clamada repetidamente - por mulheres. As mulheres africanas eram aquelas socioeconomicamente organizadas que estavam no controle de certas áreas e envolvidas nos processos de criação de ideologias. 

Todavia, é necessário aplicar uma multiplicidade de abordagens teóricas para obter uma visão das dimensões internas das relações sociais e de gênero. Seria necessário aplicar teorias de processo social, conflito e dissensão, a fim de obter um quadro muito mais completo de sociedades e culturas, não apenas um conceito orgânico dado e imutável dos chamados sistemas formais. Homens e mulheres são animais racionais, capazes de formar grupos de interesses políticos e conflitantes com base no sexo, idade, classe, etc., diferenças ou semelhanças. Mesmo o indivíduo pode estar em conflito com a instituição com o argumento de diferenças desconstrucionistas.

É por isso que tomei uma posição diferente em Afrikan Matriarchal Foundations e argumentei que, em todos os tempos da história humana, os princípios matriarcais e patriarcais de organização social ou de ideologias apresentaram dois sistemas justapostos e contestadores. Por exemplo, se essas rainhas listadas por Diop estivessem atuando apenas em sistemas matriarcais, ficamos imaginando por que precisavam usar símbolos masculinos de autoridade, como Nzinga, de Angola, vestida com roupas masculinas, ou Hatshepsout, no Egito, que usava barba? O masculinismo da maioria dessas rainhas guerreiras rendeu-lhes descrições como ironmaidens (donzelas de ferro) e Boadiceias.

Pode-se argumentar que, como resultado das diferenças matriarcais básicas nos valores sociais, a centralização e o feudalismo na África expulsariam as Rainhas que estavam confortavelmente assentadas em sua feminilidade, enquanto os valores patriarcais e centralizados indo-europeus produziriam as Boadiceias e donzelas de ferro, geralmente alienadas de sua feminilidade. Nos tradicionais sistemas políticos descentralizados africanos, a representação simbólica das deusas era simplesmente em mulheres tituladas, que não eram nem Rainhas nem donzelas de ferro, como por exemplo, Igo Ekwe titulava mulheres.*

Esse debate também foi assumido por Diop, quando ele desconstruiu o mito clássico da Amazona, mostrando como esse mito era derivado de um berço eurasiano, onde “reinava um feroz patriarcado”. Foi a opressão patriarcal contra as mulheres, fabricada no mito clássico da Amazona, que levou Diop a fazer essa afirmação: “Matriarcado não é um triunfo absoluto da mulher sobre o homem; é um dualismo harmonioso, uma associação aceita por ambos os sexos, para construir uma sociedade sedentária, onde cada um pode desenvolver-se plenamente seguindo a atividade mais adequada à sua natureza fisiológica. Um regime matriarcal, longe de ser imposto ao homem por circunstâncias independentes de sua vontade, é aceito e defendido por ele”. (p.108)

Como Diop diz corretamente sobre contingentes femininos militantes ou militares na África, “o ódio aos homens é estranho para elas e assim possuem a consciência de 'soldados' lutando apenas pela libertação de seu país”. 

O que é importante para nós hoje não é o legado de rainhas guerreiras, mas uma análise minuciosa do sistema primário de organização social em torno de uma unidade cultural matrilinear economicamente autossuficiente e um sistema linguístico livre de gênero, que é o legado do matriarcado africano. Precisamos entender suas religiões e culturas associadas à deusa, que ajudaram as mulheres a se organizarem efetivamente para lutar contra as forças controladoras do patriarcado, alcançando assim uma espécie de sistema de freios e contrapesos. Isso é basicamente o que as chamadas religiões monoteístas e abstratas do islã e do cristianismo que governam a África hoje subvertem e continuam a atacar. A questão fundamental para aqueles que propõem essas religiões como um possível meio de alcançar uma unidade pan-africana de federação é: estas religiões são capazes de aceitar e acomodar nossas deusas e nossos matriarcados, isto é, as verdadeiras culturas primordiais das mulheres africanas na atual política de primordialismo, manipulado por nacionalistas e fundamentalistas?

A África do interior propriamente dita, que possuía estruturas tais que favoreciam o domínio das deusas, matriarcas, rainhas, etc., ainda hoje estão presentes conosco. Mas esses sistemas estão enfrentando erosão, enquanto homens africanos da elite manipulam os patriarcados novos e emprestados para forjar o mais espantoso “imperialismo masculino”, ainda desconhecido em nossa história. Como vamos subverter a isso, já que a primeira baixa tem sido a autonomia e o poder da organização das mulheres tradicionais?

Em contraste com o aparente conluio das filhas africanas atuais com o establishment, a questão do papel e do status da mulher na sociedade, longe de ser um debate do século XIX, desde os anos 60 reuniu uma nova força na literatura feminista e na erudição ocidental. Na Alemanha, por exemplo, o inquérito sobre o matriarcado é levado muito a sério. Nos EUA e na América Latina, a busca das mulheres pela espiritualidade predomina. Na Grã-Bretanha, é uma busca por deusas antigas. Há também um renascimento dos cultos de bruxaria. Todo o movimento Verde e Ecológico deriva seu conceito e ideologia do chamado animismo africano, que agora está sendo reconhecido como uma adoração da natureza. Em tudo isso, a etnografia africana serve como um banco de dados, mas com pouco reconhecimento por parte dos usuários. A história da apropriação grega da filosofia e da ciência africanas no século XIX se repetiu nesta véspera do século XXI?

Ironicamente, em todos esses movimentos, é nesse continente de matriarcados, a África, onde não há tal preocupação por parte dos eruditos/intelectuais africanos. Seria devido ao fato do controle de homens e mulheres da elite, cristãos e islamitas? Seria também porque somos agora governados diretamente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial e por agências de ajuda estrangeiras e os neomissionários que nos 'arremessam' dinheiro, comida, roupas e seus livros/conhecimentos, incluindo seus resíduos tóxicos? Numa espécie de negação abstrata da realidade social e material da experiência de cada criança africana e sua mãe, como é característico de novas invenções patriarcais masculinistas de homens africanos especialmente da elite, esta contínua prática de cópia estrangeira e sua esquizofrenia sintomática continua a ser o destino da mente de uma África colonizada.

Como Diop assumiu a questão fundamental do matriarcado a partir de uma perspectiva africana, em oposição a uma luta comprometida pelos direitos das mulheres nos sistemas patriarcais, qual estudioso vai aderir ao matriarcado de Cheikh Anta Diop? Para ele, o matriarcado é um “conjunto de instituições favoráveis à feminilidade e à humanidade em geral”. Como ele disse, a ciência social controlada pelos homens só viu “liberdade perigosa e quase diabólica”. Alguém pode se perguntar, por que os teóricos matriarcais ocidentais não citam o trabalho de Cheikh Anta Diop?

A raiva contra Diop tida pelos intelectuais brancos e pelo próprio interesse ocidental não diminuiu. Na verdade, é muito comum hoje em dia ser papagaiado por uma classe particular de africanos, que ainda estão sob a tutela, a supervisão e o controle dos brancos. Quanto aos homens africanos, eles se sentem contentes em citar apenas os aspectos do trabalho do grande pensador que servem ao seu propósito, especialmente a recuperação da antiga civilização egípcia. Contudo, a tese fundamental do trabalho de Diop, que se dá no matriarcado africano, é encarada com uma menor relevância.

Nas descobertas mais recentes na busca ocidental por origens raciais humanas, uma invenção racista de preocupação apenas do Ocidente, Diop é reivindicado repetidas vezes acerca do papel principal da mãe africana, seja na herança do gene ou da linguagem para a raça humana, que continua a ser “muito cientificamente provado”. Mas a apropriação racista se consolida mesmo nesta época de desconstrução - se esses mais jovens de nossos filhos não chamam a mãe africana da humanidade de Lucy, eles a chamam de Eva! Então, vemos novamente a apropriação do século XIX. Para os cientistas, é impensável que o fóssil da nossa mãe africana, encontrada no continente africano, conserve um nome africano! Isso cristaliza e simboliza a natureza da relação da civilização europeia com a da África. Essa estrutura de apropriação pode ser encontrada em todos os outros campos de relações.

Diop enfatizou: “Que esse trabalho pode contribuir para o fortalecimento dos sentimentos de boa vontade que sempre uniram os africanos de um extremo ao outro e, assim, mostrar nossa unidade cultural orgânica”. Ele tornou imperativo que um conhecimento completo de nossos desafios devesse ser aprendido com o passado, a fim de “manter a consciência de que o sentimento de continuidade histórica é essencial para a consolidação de um Estado multinacional”. Como Cheikh Anta Diop, por causa de nossa história do colonialismo, os intelectuais africanos, se quiserem estar livres da autonegação, devem desconstruir, invalidar e reconstruir. A imposição de uma moeda comum e uma linguagem comum acima dos nossos idiomas locais é um imperativo. Não importa qual língua, desde que sua morfologia e sintaxe tenham origem africana, especialmente sobre a formação de gênero. Não adianta nos impor um crioulo que incorporou todas as estruturas patriarcais e racistas na sua origem. Todos podem, de fato, começar pelo mesmo ponto de partida, se escolher a língua africana mais remota de dentro dos arbustos e a levar a crescer conosco. Nesse caso, não haverá dúvida acerca de imperialismo e ou qualquer desconfiança.

Neste projeto de reconstrução, uma história social com consciência de gênero e de classe é uma prioridade. O termo racista antropologia, que realmente deveria ter sido chamado de a História Social, deve ser totalmente banido. Devemos adotar e elaborar a historiografia de Cheikh Anta Diop, usando sua abordagem multidisciplinar para escrever uma história social africana e reforçar o ensino da história social em nosso currículo. A erudição africana atual só conhece a história cronológica de reis, rainhas e conquistas. Como em nossas escolas e faculdades, não há história social, nem história de base e a partir da base, nem a história de nossas instituições sociais indígenas, como então podemos começar a construir uma história e unidade africana sem esse conhecimento? Como nosso grande filósofo e ativista político africano disse, que o compromisso geral do ativismo intelectual leve à liquidação de todos os sistemas coloniais do imperialismo. Sua visão do universo de amanhã é aquela imbuída do otimismo africano. Diop previu assim o movimento ecológico?

Este livro permanecerá um clássico enquanto houver homens e mulheres neste mundo e enquanto o Ocidente persistir em sua história do patriarcado, do racismo e do imperialismo.

 




Introdução do livro "A Unidade Cultural da África Negra", de Cheikh Anta Diop, edição da Karnak House, 1989. 

Traduzido por Carlos R. Rocha (Fuca) - Insurreição CGPP

(atualizado 2020)