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sábado, 6 de agosto de 2016

Trechos sobre Marcus Garvey

Segue trechos que explanam um pouco do legado de Marcus Garvey. Trechos extraídos de três livros: O primeiro 'A Matriz Africana No Mundo', o segundo 'Afrocentricidade: a teoria da mudança social' e o terceiro 'Os Jacobinos Negros'.

Marcus Garvey - Discurso em julho de 1921

O movimento popular de Marcus Garvey

Um dos mais importantes líderes do pan-africanismo foi o jamaicano Marcus Garvey, fundador da Associação Universal para o avanço Negro (UNIA), o maior movimento africano da história interncional. A Unia contou em suas fileiras com milhares de pessoas: só nos Estados Unidos tinha 35 mil membros. Cuba tinha 52 filiais em 1926; a África do Sul e Honduras tinham oito cada uma; Panamá e Costa Rica tinham 47 e 23 organizações filiadas, respectivamente. Havia sucursais da Unia em Barbados, Equador, Nigéria, Porto Rico, Austrália, Nicaragua, México, Serra Leoa, Inglaterra e Venezuela, entre outros países. Quando Marcus Garvey foi preso pelo fbi, 150 mil pessoas de várias nacionalidades desfilaram no Harlem, bairro negro de Nova York, para exigir sua liberdade. Outros atos públicos e desfiles da Unia levaram às ruas multidões de dez mil a 25 mil pessoas durante toda a década de 1920.

O movimento de Garvey exerceu influência inequivoca na África. Na Primeira Convenção dos Povos Africanos no Mundo, realizada em Nova York em 1920, 25 mil delegados de todos os cantos do mundo africano lançaram uma declaração de Direitos, na qual condenavam o colonialismo e afirmavam "o direito inerente do negro de controlar a África". Entre outras medidas, a Unia adotou o verde, o preto e o vermelho como as cores simbólicas da emancipação dos povos afrodescendentes; reivindicou o fim do linchamento e da discriminação racial nos países da diáspora; pleiteou o ensino da história africana nas escolas públicas.

Garvey não advogava a volta pura e simples à África:

...Não pregamos nenhuma doutrina pedindo a todos os negros que saiam daqui para ir à África. A maioria da nossa gente pode ficar aqui, mas devemos mandar nossos ciêntistas, mecânicos e artesãos, para que lá construam estradas de ferro, edifiquem as grandes instituições educacionais e outras instituições necessárias. (Apud Essien-Udom, 1964, p.385)

O objetivo de Garvey se resumia no lema "A África para os africanos, no próprio continente e no exterior", o que significava a construção de uma África unida, livre da hegemonia européia, bem erigida como baluarte de força e apoio para os negros em todo o mundo.

(A Matriz Africana no Mundo p.169)


"Garveyismo"

O Garveyismo, apesar dos ataques e acusações arremessados a ele até recentemente, foi a mais perfeita, consistente e brilhante ideologia de libertação na primeira metade do século 20. Em nenhuma nação no mundo houve um tratamento filosófico mais criativo de um povo oprimido do que o Garveyismo. Ele era usado como veículo para a ascensão de um povo, assim como uma arma contra aqueles brancos e pretos que tinham investido interesses em status quo. O Garveyismo foi uma ideia que preencheu sua Era. Ele pegou o homem comum, de ascendência africana, desenraizado de sua cultura, e o fortificou.

Marcus Mosiah Garvey nasceu em St. Ann, Jamaica, em 17 de agosto de 1887, por Marcus e Sarah Garvey. Desde cedo, ele expressou um intenso desejo de ver o movimento de elevação de nossa raça. Garvey viajou a Costa Rica, Venezuela, Nicarágua, Honduras e Colômbia. Em cada lugar, viu africanos nos piores empregos e nas casas mais pobres. Deixando a América do Sul, retornou à Jamaica por curto tempo, até enquanto conseguiu navegar para Londres em 1912. Nas metrópoles do Império Britânico conheceu o robusto nacionalista pan-africano Duse Mohammed, editor do African Times e Orient Review e, posteriormente, da Comet, fundada em Londres e, mais tarde, em Lagos, respectivamente. Mas foi ao ler "Up from Slavery" de Booker T. Washington que realmente moveu o Garveyismo em direção aos EUA e à criação da Universal Negro Improvement Association (U.N.I.A.). Ele se tornou resoluto de que deveria ajudar a construir a nação do homem preto.

Em 1914, Garvey estava certo de que podia unir todos os povos pretos do mundo em um grande corpo para estabelecer um país e um governo (Garvey, 1969). Seu programa oferecia estas sete etapas:

1. Despertar e unir todos os africanos;
2. Transformar o pensamento dos despertos em potencial;
3. Canalizar energias emocionais em direção a interesses raciais construtivos;
4. Trabalho sacrificial de massa;
5. Através da educação em ciência e indústria e da construção de caráter, enfatizar a educação de massa;
6. Preparar nacionalistas para governar nações;
7. Manter as novas nações unidas depois que elas fossem formadas.

Essas etapas estavam enraizadas no amor imortal de Garvey pelo povo. Ele entendeu que a asseveração e a afirmação da herança cultural africana eram necessárias para a verdadeira libertação dos africanos diaspóricos.

A ideia básica do Garveyismo – Poder Racial – apresenta pouca inovação, porque a ideia de poder racial sempre caracterizou a visão branca do mundo. Poder racial tinha sido a ideia central no pensamento europeu, desde Bartolomeu Las Casas. Ela dominou os principais filósofos da Europa: Darwin, Wagner, Nietzsche e mesmo Marx. Esses europeus podem ter diferido em suas conceitualizações de poder racial, mas nenhum questionou a ideia central em si. Seja ela uma ideia biológica ou mecânica, ela é prevalecente. Consequentemente, o Garveyismo se inspirou nos ensinamentos dinâmicos de Edward Blyden, Martin Delaney e Bispo Henry McNeal Turner. Como tal, Garvey estava em excelente companhia com a ideia de poder racial.

O trabalho de Garvey era multidimensional. Embora a imprensa tenha concentrado no conceito de Volta-à-África, isso nunca foi uma parte central do programa de Garvey. Ele instituiu símbolos culturais que capturaram a essência de uma filosofia nacionalista; sua mente estava afiada e engenhada para os meios de comunicação. Como um manipulador de mídia, crescendo em seus anos de jornalista e publicador, Garvey sabia como comunicar-se com seu público. O Garveyismo foi uma filosofia popular entendida desde os menos aos mais sofisticados de seu público. As imagens panorâmicas de Garvey cativavam os jornalistas que observavam o movimento. Elas pareciam tiradas com a eloquência de seus símbolos e a substância de suas mensagens.

Garvey foi um Pan-africanista. Ele via nitidamente a relação de africanos no continente e na diáspora como variações de um povo, um projeto cultural gigante.

O nome completo de sua organização enfatizou seu comprometimento Pan-africano, a Associação Universal de Melhoria do Negro e a Liga das Comunidades Africanas - U.N.I.A. e A.C.L. Garvey era descaradamente devotado a uma doutrina de “raça primeiro”, não “raça apenas”, mas certamente, “raça primeiro”. Como Tony Martin mostrou em suas brilhantes obras sobre Garvey, o íntegro Garvey foi um nacionalista Pan-africano cuja vida inteira foi dedicada a ver africanos oprimidos e pisados sendo respeitados e respeitando a si mesmos.

As concepções teleológicas do Garveyismo são produtivas. Garvey procurou produzir o novo homem preto, moldá-lo, civilizá-lo e desenvolvê-lo. Um forte comprometimento teleológico direciona a produção de um novo povo, organizado em instituições de construção de caráter e construção de nações para o futuro. Sua visão prefigurou a estrada Afrocêntrica para o auto respeito e a dignidade. Em retrospecto, podemos dizer que o Njia foi a ideia por trás do impacto de Garvey sobre o povo africano.

Como um ponto de vista, o Garveyismo não pode ser negado, uma vez que o povo rendeu suporte ao seu movimento e que Garvey ultrapassou todos os seus contemporâneos. Garvey fez sentido, tocou o senso comum do povo; que foi a favor dessa posição porque soou verdadeira. Não há lutas contra fatos, apenas lutas por fé. Toda a estratégia de Garvey foi para obter um esmagador voto de confiança do mundo africano. Mais de 10 milhões pagaram suas contribuições e prometeram fidelidade à recuperação da África para os africanos. O que Garvey mostrou a eles e o que é demonstrável hoje e amanhã é que o povo africano responde à sua memória coletiva do continente. Tal aceitação o coloca nos altos escalões dos lugares sagrados. Qualquer análise concreta do Garveyismo revelará o apoio decisivo a nossos símbolos, que poderosamente constroem nações e dialogam conosco.

O Garveyismo representa o protótipo de movimentos de massa gerais e movimentos nacionalistas específicos. O espírito de Marcus Mosiah Garvey é encontrado em toda página de desenvolvimento e ideologia nacionalistas. Ele construiu uma moldura para futuros construtores. Gênio de imensas proporções, ele poderia ter sido professor de universidade, poeta, dramaturgo, historiador ou general militar; ele foi, entretanto, o de que nossa história necessitava num momento de crise."

- Molefi Kete Asante, "Afrocentricidade: a teoria da mudança social" pag 21-23


Dois negros das Índias Ocidentais, usando a tinta da negritude escreveram seus nomes para sempre nas primeiras páginas da História de nossa época. Marcus Garvey destacou-se como líder. Garvey, imigrante jamaicano, é o unico negro bem-sucedido a formar um movimento de massa entre os negros americanos. As especulações a respeito do número de seus seguidores já alcançam o número de milhões. Garvey defendeu o retorno da África para os africanos e seus descendentes. Ele organizou, muito precipitadamente e com pouca competência, a Black Star Line, uma companhia de navios a vapor para transportar pessoas de linhagem africana do Novo Mundo para a África. Garvey não foi muito longe. Seu movimento tomou forma realmente eficaz por volta de 1921, e lá por 1926 encontrava-se em uma prisão norte-americana (um processo por uso indébito dos correios); da prisão foi deportado de volta à Jamaica. Mas tudo isso é apenas a fachada. Garvey nunca botou os pés na África. Não falava nenhuma língua africana. Suas concepções da África pareciam ser as de uma ilha das Índias Ocidentais e do seu povo multiplicadas por mil. Mas Garvey conseguiu transmitir aos negros (e ao resto do mundo), em todos os lugares, sua crença passional de que a África era o lar de uma civilização que ja fora grande outrora e que o seria novamente. Quando se imagina a escassez de recursos que tinha, as avassaladoras forças materiais e as penetrantes concepções sociais que inconcientemente visavam a destruí-lo, seus esforços continuam sendo um dos milagres propagandísticos deste século.

A voz de Garvey reverberou dentro da própria África. O rei da Suazilândia disse á esposa de Marcus Garvey que conhecia o nome de somente dois homens do mundo ocidental, Jack Johnson, o boxeador que derrotou o branco Jim Jeffries, e Marcus Garvey. Jomo Kenyatta relatou a este escritor que, em 1921, os nacionalistas do Quênia, como não sabiam ler, reuniam-se em volta de um leitor de jornal de Garvey, o Negro World, e escutavam a leitura de um artigo duas ou três vezes. Depois, debandavam pela floresta, para repetir com cuidado tudo o que tinham na memória para os africanos, ávidos por uma doutrina que os libertasse da consciência servil na qual viviam. O dr Nkrumah, estudante de pós-graduação em História e Filosofia em duas universidades norte-americanas, declarou que, entre todos os escritores que influênciaram sua formação, Marcus Garvey está em primeiro lugar. Garvey acreditava que a causa dos africanos e dos povos em ascendência africana era não somente negligênciada como tratada com pouca consideração. Em pouco mais de cinco anos, ele a tinha tornado parte da conciência política mundial. Não conhecia a palavra "Negritude", mas sabia do que se tratava. Teria escolhido o termo com entusiasmo e reclamado sua parternidade com justiça.

O outro negro das Índias Ocidentais era George Padmore, de Trinidad, nas Índias Ocidentais Britânicas. Padmore tirou a poeira das estagnadas Índias Ocidentais dos pés, no início da decada de vinte, e foi para os Estados Unidos. Quando morreu em 1959, oito países mandaram representantes ao seu funeral, em Londres. Suas cinzas foram sepultadas em Gana. E tudo indica que, nesse país das manifestações políticas, nunca houve uma manifestação política como a provocada pelas exéquias de Padmore. Camponeses de áreas remotas, que poderíamos pensar que nunca tivessem ouvido falar seu nome, dirigiam-se a Acra para prestar o último tributo a esse negro das Índias Ocidentais que havia levado a vida a serviço de seu povo...

Trecho do livro "Os Jacobinos Negros" apêndice 'De Toussaint L'Ouverture a Fidel Castro'(p. 349/ 50) escrito por C.L.R James


Digitado por Fuca



sexta-feira, 29 de julho de 2016

Trechos do livro "Afrocentricidade: A Teoria da Mudança Social"

Trechos do livro "Afrocentricidade: A Teoria da Mudança Social" - Dr MOLEFI KETE ASANTE

Pra Baixar:
https://onedrive.live.com/?authkey=%21AAIBxauqHbTZ_mM&cid=EB48622F585FE35A&id=EB48622F585FE35A%21324&parId=EB48622F585FE35A%21105&o=OneUp

https://pt.scribd.com/doc/317048911/Molefi-Kete-Asante-Afrocentricidade-A-Teoria-Da-Mudanca-Social


Definição

Afrocentricidade é um modo de pensamento e ação no qual a centralidade dos interesses, valores e perspectivas africanos predominam. Em termos teóricos é a colocação do povo africano no centro de qualquer análise de fenômenos africanos. Assim é possível que qualquer um seja mestre na disciplina de encontrar o lugar dis africanos num dado fenômeno. Em termos de ação e comportamento, é a aceitação/ observância da ideia de que tudo o que de melhor serve a consciência africana se encontra no cerne do comportamento ético. Finalmente, a Afrocentricidade procura consagrar a ideia de que a negritude em si é um tropo de éticas. Assim, ser negro é estar contra todas as formas de opressão, racismo, classismo, homofobia, patriarcalismo, abuso infantil, pedofilia e dominação racial branca.
Vemos, dessa forma, coo a Afrocentricidade é a peça central de regeneração humana. Ela desafia e critica a perpetuação de ideias supremacistas raciais brancos no imaginário do mundo africano, e, por extensão, de todo o mundo. Na medida em que tem sido incorporada nas vidas de milhões de africanos no continente e na diáspora, ela tem-se tornado revolucionária, atacando as muitas falsificações de verdade e atitudes de auto ódio que tem oprimido a grande maioria de nós. (p.3)

(...) Agência significa que toda a ação tem de ser fundamentada em experiências africanas. Como tal, a Afrocentricidade oferece tanto ao teórico como ao praticante canais de análises nítidos e precisos. (p.4)

(...) A prática da Afrocentricidade torna-se um agente transformador, através do qual todas as noções velhas se tornam novas, e produz uma transformação de atitudes, crenças, valores e comportamento na vida das pessoas criando, inter alia, uma perspectiva revolucionária sobre todos os fatos. (p.5)



Libertação da linguagem


Nossa libertação do cativeiro da linguagem racista é a prioridade do intelectual. 'Não pode haver liberdade alguma até que haja liberdade da mente'. A primeira regra para a liberdade da mente é a liberdade da linguagem. Como Lorenzo Turner disse, linguagem é essencialmente o controle do pensamento. Não será possível direcionar nosso futuro sem primeiro controlarmos nossa linguagem. O sentido da linguagem está na precisão de vocabulário e na estrutura em um contexto social particular. Se nos deixarmos aprisionar pelos conceitos dos outros, então sempre falaremos e agiremos como eles. (...)p.52

(...) A linguagem é o instrumento essencial de coesão social. Coesão social é o elemento fundamental de libertação.
Toda linguagem é epistêmica. Nossa linguagem provê nosso entendimento de nossa realidade. 'Uma linguagem revolucionária não deve ser hermética; não pode servir para confundir'. Cabe aos críticos a tarefa de clarificar a linguagem pública sempre que acreditarem que ela pode solucionar questões. Nós ganhamos conhecimento através da ciência e da retórica; eles são sistemas paralelos de epistemologia. Retórica é arte e arte é um modo de conhecer tanto quanto ciência. (...)
(...) A linguagem do explorador é vil, corrupta e vulgar. Para ele, o racismo não existe porque o que existe hoje é meramente discriminação ou pragmaticamente falando desigualdade de oportunidades. Não podemos permitir esta deslocação fácil na retórica do explorador. 'Não existe racismo negro contra brancos; este racismo é pura fantasia; a visão negra sobre os brancos é baseada em fatos'. A linguagem racista faz da vítima o criminoso. Devemos repudiar essa forma de pensar. P.53/ 54


Tipos de Inteligência

Três tipos de inteligência existem no mundo: a inteligencia criativa, a inteligência re-criativa e a inteligência consumidora. O tipo de inteligência mais valioso é aquele que comunica com a terra inteira por permanecer aberto a associações, ideias, espaços, eras e possibilidades. Atitudes disciplinadas enraizadas em imagens e símbolos Afrocêntricos podem criar combinações intermináveis; existem inúmeros exemplos em nossa história do potencial construtivo de combinações criativas.
Intelectuais re-criativos são capazes de elevar a visão dos intelectuais criativos a novas alturas. Eles o fazem usando constantemente essas ideias e propagando-as com grande clareza. Assim, durante em certo período, Malcolm X foi a mente reprodutora do trabalho de Elijah Muhammad; (...)

(...) O terceiro tipo de inteligência é a do intelectual prático que nem cria nem recria, mas consome e utiliza ideias. Numa sociedade Afrocêntrica, toda inteligência é aceita como contendo a força de Deus. No entanto, sabemos que nem todos conseguem utilizar este poder em qualquer circunstância. Algumas pessoas são executantes e re-criativas, enquanto outras são ativamente utilizadoras e consumidoras. Não há nada inerentemente errado com o consumo; deve-se é saber o que está sendo consumido. (p.61/ 62)


Níveis de Transformação

A Afrocentricidade é um poder transformador que nos ajuda a captura a verdadeira essência de nossas almas. Há cinco níveis de consciência que levam à transformação. O primeiro nível é chamado ‘reconhecimento de pele’, que ocorre quando uma pessoa reconhece que sua pele e/ou herança, porém não consegue compreender a realidade mais além. O segundo nível é o ‘reconhecimento do meio’. Nesse nível, a pessoa percebe como o meio define sua negritude através da discriminação e do abuso. O terceiro nível é a ‘consciência de personalidade’. Ocorre quando uma pessoa diz “eu gosto de música, ou de dança, ou de chitterlings”*, e sem dúvida está falando com toda honestidade, mas isso não é Afrocentricidade. O quarto nível é a ‘preocupação/ interesse’, onde a pessoa reconhece os três outros níveis e demonstra interesse e preocupação com os problemas negros e tenta lidar de maneira inteligente e preocupação com os problemas negros e tenta lidar de maneira inteligente com os erros do povo africano. No entanto, aqui também falta Afrocentricidade no sentido de que não se tornou um comprometimentos com a base cultural Afrocêntrica. ‘Consciência Afrocêntrica’, o quinto nível, é quando a pessoa se deixa transportar completamente para um nível consciente de envolvimento na libertação de sua própria mente. Apenas quando isso acontece podemos dizer que a pessoa está consciente da determinação da consciência coletiva. Um imperativo de vontade, poderoso, incessante, enérgico e vital, entra em ação para erradicar qualquer traço da falta de poder. A Afrocentricidade é como um ritmo; dita a cadência de sua vida... (p.78/ 79)

Trechos do livro "Textos Para o Movimento Negro" - Henrique Cunha Jr


Trechos do livro "Textos Para o Movimento Negro" - Henrique Cunha Junior





Percepção da Discriminação Racial na Escola pela Criança

(...) Os fatos
A denúncia da discriminação racial na escola, por parte da criança, somente ocorre nos casos de discriminação aberta. Dessa forma, não trataremos, aqui, de um conjunto de práticas discriminatórias sistemáticas que ocorrem no sistema educacional brasileiro, através do livro didático, da representação na história e geografia, da prática ideológica do (as) professores (as), diretores (as) e funcionários (as).
Os fatos denunciados pelas crianças podem ser agrupados em quatro níveis: no relacionamento com os colegas, no relacionamento com os professores e funcionários; quando da exposição de fatos quaisquer; e na proibição de participação em posição de destaque.

(...) Em todas as situações parece haver uma indecisão dos pais, devido, em parte, ao fato deles não acreditarem na existência do racismo brasileiro ou por procurarem sistematicamente negá-lo, pois, admiti-lo, é admitir a condição de ser inferior. Outro motivo de indecisão relaciona-se aos resultados do protesto motivado pela injustiça sofrida. Primeiro, porque a experiência mostra que tal protesto não levado em conta por ninguém. Segundo, porque ficam, por vezes, com medo da criança ficar marcada e ser perseguida.





(...) Bases do Sistema Educacional Brasileiro
Henrique Cunha Jr

(..) podemos notar nas ações desta elite nacional o desejo de branqueamento do país quer pelo esforço miscigenador ou pelo exterminador. Mas esta composição entre credo racial, mão-de-obra e conservação do poder que vai direcionar a elaboração dos sistemas educacionais brasileiros e nossa inserção no mundo do trabalho livre. Pela tradição escravocrata, nossa aptidão é para o trabalho e dele é excluída, na mesma visão, todo seu conteúdo intelectual. O trabalho que nos cabe é o trabalho pesado, tarefeiro. Por outro lado, o processo de industrialização implica um trabalho cada vez mais especializado, evoluindo numa das vertentes para um operariado treinado e um setor de serviços desenvolvido, demandando trabalho cujos níveis educacionais passam por constante aprimoramento. Sendo assim gera-se um processo de criação de moderno e uma sistemática exclusão nossa deste moderno.

(...)Dois Momentos- Dentro e Fora da Escola
(...) a educação numa sociedade racista possui conteúdo racista em todos os níveis e perfaz um processo de socialização excludente e inferiorizante. Neste sentido, a educação informação se completa ou se reforça com a educação formal.

(...) Esta ideia e pratica de conviver com a sociedade racista produz um conjunto de regras que vai desde driblar as dificuldades até comportamentos passivos de não deixar aflorar as dificuldades(...)

(...) A escola, por um lado vai proporcionar mais um aprendizado das relações raciais, sempre desvalorizando o negro e valorizando o branco.
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XIV - Reflexão sobre o 20 de novembro
(...) O primeiro sucesso do racismo no Brasil é o medo que muitos têm de ser negros,é a esclerose que muitos sofrem do significado objetivo de afirmar as nossas raízes comuns. Este medo e esta esclerose afetam a nossa consciência de direitos e de cidadania. Outro sucesso do racismo brasileiro é a farsa onde todos se declararam não racistas. Existe um medo da verdade que não atenua os fatos, que se confunde e não permite o desenvolvimento de uma consciência ativa de combate anti-racista.




Título Textos para o movimento negro
Editora Edicon, 1992
Original de Universidade do Texas
Num. págs. 142 páginas

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Trechos: Origens africanas do Brasil contemporâneo

Trechos: Origens africanas do Brasil contemporâneo - Kabengele Munanga

(...)Em termos gerais, tem-se da África uma imagem muito simples e reducionista, ilustrada por expressões como “na África é tudo a mesma coisa; na África é tudo diferente”. Esqueceu-se que se trata de um continente com 56 países; uma superfície de 30 milhões de quilômetros quadrados e uma população de cerca de 600milhões de habitantes. (...)

(...) Não apenas o significado da palavra “África” tornou-se objeto de especulação científica, mas também o próprio povoamento do continente. Controvérsias sustentadas por motivos ora científicos, ora ideológicos, continuam a confundir as mentes. Com efeito, durante muito tempo, os historiadores ocidentais defenderam a tese asiática da origem dos povos africanos. Fundamentada na descoberta do Homem de Java, na China, em 1891, outrora considerada o berço da humanidade, essa tese também foi fortemente influenciada pelos filósofos da época, em especial por Hegel. Este dividia o mundo em povos históricos e não históricos. Os primeiros seriam responsáveis pelo progresso humano, enquanto a passividade dos outros os teria mantido à margem do desenvolvimento espiritual da humanidade. (...)

(...) A descoberta do Autralopithecus pelo dr Leakey no leste da Tanzânia, em 1924, gerou as primeiras dúvidas quanto à origem asiática do primeiro homem e do homem africano. A partir do momento em que as novas descobertas científicas colocam o berço da humanidade no continente africano, as teorias que explicam o povoamento africano a partir da Ásia deviam ser totalmente abandonadas. É a partir disso que se coloca a origem da humanidade na África, sustentada pela teoria monogenista da humanidade,e não mais na Ásia; ou seja,os primeiros elementos da cultura africana foram elaborados dentro do continente africano e não trazidos de fora.(...) P.20/21

(...)O Australopiteco passou por um longo processo evolutivo, seguido pelos estágios de Homo habilis e Homo erectus antes de atingir o estágio de Homo sapiens, de quem descende o homem moderno. Todos estes estágios evolutivos foram realizados no próprio continente africano, o que gera a dúvida quanto à presença anterior do ser humano em outros continentes. A tese migratória apoiada por evidências cronológicas comprova que os homens de outros continentes (por exemplo, o homem de Neandertal, Cro-Mignon, de Grimald etc.) são descendentes do australopiteco. Há cerca de 1,5 milhões de anos,os ancestrais humanos viviam num Éden que abrangia principalmente as savanas altas entre a Etiópia e o Cabo (África do Sul). A partir desse período, o Homo erectus, que já tinha cultura bastante desenvolvida, elaborada em utensílios acheulenses, espalhou-se sobre grande parte das áreas tropical e subtropical do mundo antigo,desde a África meridional até a Ásia e a Europa. (...)P.41/42

(...) Resumidamente, a espécie humana originou-se nos pés da montanha de Lua, no Vale da Grande Fenda, marcados por grandes lagos onde estão as nascentes do rio Nilo. Foi desse lugar que os homens e as mulheres partiram para povoar o próprio continente e o resto do mundo. Disso resultou a hipótese de que os primeiros seres humanos, por terem origem nos trópicos, em torno dos grandes lagos, apresentavam, certamente, no início, pigmentação escura. Foi pela adaptação em outros climas que a matriz original se dividiu mais tarde em populações diferentes chamadas raças, por causa de suas características distintivas quanto à cor da pele e outros traços morfológicos. P.43


Os africanos que povoaram o Brasil e suas contribuições

(...) Os bantos, os primeiros a chegar, deram o primeiro exemplo de resistência à escravidão na reconstrução do modelo africano do “quilombo”, importado da área geográfico-cultural Congo-Angola. Os escravizados foragidos das fazendas se agruparam em áreas não ocupadas e de difícil acesso, organizando ali novas sociedades que apelidaram de quilombos. De origem da língua umbundu de Angola, “quilombo é um aportuguesamento da palavra kilombo,cujo conteúdo remete a uma instituição sociopolítica e militar que resulta delonga história envolvendo regiões e povos de lunda, ovimbundu, mbundu, luba, kongo e imbangala ou jaja, cujos territórios se situam hoje nas repúblicas de Angola e dos dois Congo. É uma história de conflitos pelo poder, de cisão de grupos, de migrações em busca de novos territórios e de alianças políticas entre grupos alheios.
Em seu conteúdo, o quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo afro-banto reconstruído pelos escravizados para se opor à estrutura escravocrata, pela implantação de outra estrutura política na qual se juntaram todos os oprimidos. (...)

(...) Durante todo o século XVII,Palmares rechaçou mais 35 expedições comandadas pelos holandeses e portugueses. Mas foi a última expedição comandada em 1692,após quase um século de sua existência,por Domingos Jorge velho, que, depois de dois anos de luta, colocou fim à república palmerina, quando seu líder máximo, Zumbi dos Palmares, foi traído e morto por um de seus chefes subalternos. Foi sem dúvida uma estrutura política inspirada nos moldes organizacionais banto, certamente liderada por banto e seus descendentes, como comprovado pelo próprio nome do quilombo e pelos nomes de seus maiores líderes; Ganga Zumba e Zumbi, que significariam feiticeiro,imortal (Ganga de Nganga, em diversas línguas bantu; e Zumba, em kikongo, imortalidade;e Zumbi,de Nzumbi ou Nzambi, significaria espírito ou deus em várias línguas bantu).

Além desse modelo de resistência política apenas superada pela revolta dos escravizados africanos no Haiti,todos os estudiosos unanimemente reconhecem que as contribuições bantu na língua portuguesa do Brasil são mais fortes que a dos sudaneses. Não apenas introduziram uma parte do léxico desconhecido em português original como influíram na fonética e no uso de algumas expressões idiomáticas e até mesmo na fonologia de algumas palavras. (...)p.93

(...)No campo da religiosidade,as contribuições dos povos da área ocidental, particularmente do chamado Golfo de Benin, se destacam. Eles legaram ao Brasil um panteão religioso organizado segundo o modelo cultural jêje-nago, conhecido como candomblé da Bahia. P.94

O objetivo deste livro é resgatar a história e a beleza da África antes da exploração e dominação brutal a que os africanos foram submetidos para justificar e legitimar a colonização estrangeira. Com textos e fotos, o autor busca arrancar a máscara bárbara imposta àquele continente, com o intuito perverso de divulgar ao mundo uma África rude, selvagem e desprovida de humanidade, e nos revelar sua verdadeira, desconhecida e harmoniosa face.
A África é tão complexa e diversa que sua história não poderia se esgotar nessas páginas. Porém, com este livro, espera-se atender às premissas da Lei nº 10.639/03, que propicia aos estudantes brasileiros um conteúdo adequado sobre as origens, as línguas, as culturas e as civilizações do imenso continente que vive em cada um de nós.