O
discurso icônico de Kwame Nkrumah, presidente da independência de Gana, na
cerimônia inaugural da Conferência da OUA em Addis Abeba, Etiópia, em 1963.
Excelências, colegas,
irmãos e amigos.
No primeiro encontro
de Chefes de Estado africanos, ao qual tive a honra de ser anfitrião, havia
apenas representantes de oito Estados independentes. Hoje, cinco anos depois,
nos encontramos com representantes de nada menos do que trinta e dois Estados,
os convidados de Sua Majestade Imperial, Haile Selassie, o primeiro, e o
Governo e o povo da Etiópia. À Sua Majestade Imperial, desejo expressar, em
nome do Governo e do povo de Gana, meu profundo agradecimento pela recepção
cordial e hospitalidade generosa.
O aumento de nosso
número neste curto espaço de tempo é um testemunho aberto da onda indomável e
irresistível de nossos povos pela independência. É também um sinal da
velocidade revolucionária dos eventos mundiais na segunda metade deste século.
Na tarefa que temos diante de unificar nosso continente, devemos entrar nesse
ritmo ou ficaremos para trás. Essa tarefa não pode ser deixada para outra época
além da nossa. Ficar para trás neste momento sem precedentes de ações e eventos
em nosso tempo será cair no fracasso e na nossa própria ruína.
Um continente inteiro
nos impôs um mandato para estabelecer os alicerces de nossa União nesta Conferência.
É nossa responsabilidade executar este mandato, criando aqui e agora a fórmula
sobre a qual a superestrutura necessária pode ser erguida.
Neste continente, não
se demorou muito para descobrir que a luta contra o colonialismo não termina
com a conquista da independência nacional. A independência é apenas o prelúdio
de uma luta nova e mais envolvida pelo direito de conduzir nossos próprios
assuntos econômicos e sociais; construir nossa sociedade de acordo com nossas
aspirações, sem impedimentos dos controles humilhantes e esmagadores das
interferências neocolonialistas.
Desde o início, somos
ameaçados pela frustração, onde a mudança rápida é imperativa; e pela
instabilidade, onde o esforço continuado e a ordem são indispensáveis.
Nenhuma ação
esporádica ou resolução piedosa pode resolver nossos problemas atuais. Nada
será útil, exceto a ação conjunta de uma África unida. Já alcançamos o estágio
em que devemos nos unir para não cairmos na mesma condição que fez da América
Latina a presa relutante e aflita do imperialismo, após um século e meio de
independência política.
Como continente,
emergimos para a independência em uma era diferente, com o imperialismo cada
vez mais forte, mais cruel e experiente, e mais perigoso em suas associações
internacionais. Nosso avanço econômico exige o fim da dominação colonialista e
neocolonialista na África.
Assim como entendemos
que a formação de nossos destinos nacionais exigia de cada um de nós nossa
independência política e direcionando toda a nossa força a essa conquista, no
entanto, devemos reconhecer que nossa independência econômica reside em nossa
união africana e requer a mesma concentração da conquista política.
A unidade do nosso
continente, não menos que a independência de cada país, será adiada, ou até
perdida, se nos associarmos com o colonialismo. A unidade africana é, acima de
tudo, um reino político que só pode ser conquistado por meios políticos. O
desenvolvimento social e econômico da África virá apenas dentro do reino
político, e não o contrário. Os Estados Unidos da América, a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, foram as decisões políticas dos povos
revolucionários antes de se tornarem realidades potentes de poder social e
riqueza material.
Como, exceto por
nossos esforços conjuntos, as partes mais ricas e ainda escravizadas de nosso
continente serão libertadas da ocupação colonial e ficarão disponíveis para nós
no desenvolvimento total de nosso continente? Cada passo na descolonização do
nosso continente trouxe maior resistência nas áreas em que tropas coloniais
estão disponíveis a favor do colonialismo.
Esse é o grande
desígnio dos interesses imperialistas que sustentam o colonialismo e o
neocolonialismo, e estaríamos nos enganando da maneira mais cruel se
considerássemos suas ações individuais separadas e não relacionadas. Quando
Portugal viola a fronteira do Senegal, quando Verwoed alocou um sétimo do
orçamento da África do Sul para forças armadas e policiais, quando a França
constrói como parte de sua política de defesa uma força intervencionista que
pode intervir, mais especialmente na África francófona, quando Welensky fala da
Rodésia do Sul se juntando à África do Sul, tudo faz parte de um padrão
cuidadosamente calculado, trabalhando para um único fim: a escravização
contínua de nossos irmãos ainda dependentes e um ataque à independência de
nossos Estados soberanos da África.
Temos alguma outra
arma contra esse projeto além da nossa unidade? Nossa unidade não é essencial
para proteger nossa própria liberdade, assim como conquistar a liberdade para
nossos irmãos oprimidos, os combatentes pela liberdade?
Não é somente a
unidade que pode nos fundir em uma força efetiva capaz de criar nosso próprio
progresso e fazer nossa valiosa contribuição para a paz mundial? Que Estado
africano independente reivindicará que sua estrutura financeira e instituições
bancárias serão totalmente aproveitadas para o seu desenvolvimento nacional?
Quem afirmará que seus recursos materiais e energias humanas estão disponíveis
para suas próprias aspirações nacionais? Quem negará uma medida substancial de
decepção e desilusão em seu desenvolvimento agrícola e urbano?
Na África
independente, já estamos reexperimentando a instabilidade e frustração que
existiam sob o domínio colonial. Estamos aprendendo rapidamente que a independência
política não é suficiente para nos livrar das consequências do domínio
colonial. O movimento das massas do povo da África pela liberdade desse tipo de
domínio não foi apenas uma revolta contra as condições que ele impôs.
Nosso povo nos apoiou
em nossa luta pela independência porque acreditava que os governos africanos
poderiam curar os males do passado de uma maneira que nunca poderia ser
realizada sob o domínio colonial. Se, portanto, agora que somos independentes,
permitimos que existam as mesmas condições que existiam nos dias coloniais,
todo o ressentimento que derrubou o colonialismo será mobilizado contra nós.
Os recursos estão lá.
Cabe a nós reuni-los no serviço ativo de nosso povo. A menos que façamos isso
com nossos esforços combinados, dentro da estrutura de nosso planejamento
combinado, não progrediremos no ritmo exigido pelos acontecimentos de hoje e na
disposição de nosso povo. Os sintomas de nossos problemas crescerão e os
próprios problemas se tornarão crônicos. Será tarde demais para a Unidade
Pan-Africana nos garantir estabilidade e tranquilidade em nossos trabalhos para
um continente de justiça social e bem-estar material. A menos que estabeleçamos
a Unidade Africana agora, nós, que estamos sentados aqui hoje, seremos as
vítimas e mártires do neocolonialismo.
Temos diversas
evidências de que os imperialistas não se afastaram de nossos assuntos. Há
momentos, como no Congo, em que sua interferência se manifesta. Mas geralmente
é encoberta por muitas agências, que se intrometem em nossos assuntos
domésticos, e fomentam dissensões dentro de nossas fronteiras criando uma
atmosfera de tensão e instabilidade política. Enquanto não acabarmos com as
causas profundas do descontentamento, prestamos ajuda a essas forças
neocolonialistas e nos tornaremos nossos próprios executores. Não podemos
ignorar os ensinamentos da história.
Nosso continente é
provavelmente o mais rico do mundo em minerais e materiais primários
industriais e agrícolas. Somente no Congo, as firmas ocidentais exportaram
cobre, borracha, algodão e outros bens no valor de 2, 773 bilhões de dólares em
dez anos, entre 1945 e 1955, e da África do Sul, as empresas de mineração de
ouro ocidentais obtiveram lucro, nos quatro anos, entre 1947 e 1951, de 814
bilhões de dólares.
Nosso continente
certamente excede todos os outros em potencial de energia hidrelétrica, que alguns
especialistas avaliam sendo 42% do total do mundo. Que necessidade existe para
continuarmos abastecendo (hewers) as
áreas industrializadas do mundo?
Dizem, é claro, que
não temos capital, habilidade industrial, comunicação ou mercado interno, e que
nem sequer podemos concordar entre nós sobre a melhor forma de utilizar nossos
recursos.
No entanto, todas as
bolsas de valores do mundo estão preocupadas com os minérios de ouro,
diamantes, urânio, platina, cobre e ferro da África. Nosso capital flui em
correntes para irrigar todo o sistema da economia ocidental. Acredita-se que 52%
do ouro em Fort Knox neste momento, onde os EUA armazenam seu ouro, tenham se
originado em nossas Costas. A África fornece mais de 60% do ouro do mundo. Grande
parte do urânio para energia nuclear, de cobre para eletrônica, de titânio para
projéteis supersônicos, de ferro e aço para indústrias pesadas, de outros
minerais e matérias-primas para indústrias leves - o poder econômico básico das
potências estrangeiras - vem do nosso continente.
Especialistas
estimaram que somente a bacia do Congo pode produzir alimentos suficientes para
satisfazer as necessidades de quase metade da população de todo o mundo.
Durante séculos, a
África tem sido a vaca leiteira do mundo ocidental. Foi o nosso continente que
ajudou o mundo ocidental a construir sua riqueza acumulada.
É verdade que agora
estamos rejeitando o jugo do colonialismo o mais rápido possível, mas nosso
sucesso nessa direção é igualado por um intenso esforço por parte do
imperialismo de continuar a exploração de nossos recursos, criando divisões
entre nós.
Quando as colônias do
continente americano procuraram se libertar do imperialismo no século XVIII,
não havia ameaça de neocolonialismo no sentido em que o conhecemos hoje. Os
Estados americanos estavam, portanto, livres para formar e moldar a unidade
mais adequada às suas necessidades e estruturar uma constituição para manter
sua unidade sem qualquer forma de interferência de fontes externas. Contudo,
estamos lidando com intervenções externas, então precisamos nos juntar na
unidade africana que, por si só, pode nos salvar das garras do neocolonialismo.
Nós temos os
recursos. Foi o colonialismo em primeiro lugar que nos impediu de acumular o
capital efetivo; mas nós mesmos falhamos em fazer pleno uso de nosso poder na
independência e mobilizar nossos recursos para decolar num desenvolvimento
econômico e social completo e mais eficaz. Estamos muito ocupados cuidando de
nossos Estados separados para entender completamente a necessidade básica de
nossa união, enraizada em um objetivo comum, em um planejamento comum e em um
esforço comum. Uma união que ignora essas necessidades fundamentais não passa
de uma vergonha. É apenas unindo nossa capacidade produtiva e a produção
resultante que podemos acumular capital. E assim que começarmos, o impulso
aumentará. Com o capital controlado por nossos próprios bancos, atrelado ao
nosso verdadeiro desenvolvimento industrial e agrícola, faremos o nosso avanço.
Acumularemos máquinas e estabeleceremos siderúrgicas, fundições e fábricas de
ferro; vincularemos os vários Estados do nosso continente com comunicações; surpreenderemos
o mundo com nossa energia hidrelétrica; drenaremos brejos e pântanos,
limparemos áreas infestadas, alimentaremos os subnutridos e livraremos nosso
povo de parasitas e doenças. Está dentro da possibilidade da ciência e da tecnologia
fazer até o Saara florescer em um vasto campo com vegetação verdejante para
desenvolvimentos agrícolas e industriais. Utilizaremos o rádio, a televisão e os
grandes jornais impressos para elevar nosso povo dos retrocessos sombrios do
analfabetismo.
Uma década atrás,
essas seriam palavras visionárias, as fantasias de um sonhador ocioso. Mas esta
é a era em que a ciência transcendeu os limites do mundo material e a
tecnologia invadiu os silêncios da natureza. Tempo e espaço foram reduzidos a
abstrações sem importância. Máquinas gigantes fazem estradas, limpam florestas,
escavam barragens; caminhões e aviões gigantes distribuem mercadorias; enormes
laboratórios fabricam remédios; pesquisas geológicas complexas são feitas; poderosas
centrais elétricas são construídas; colossais fábricas erguidas - tudo a uma
velocidade incrível. O mundo não está mais se movendo pelos caminhos do mato ou
pelos camelos e burros.
Não podemos nos dar
ao luxo de acompanhar nossas necessidades, nosso desenvolvimento, nossa
segurança ao andar de camelos e burros. Não podemos nos dar ao luxo de não
derrubar os arbustos de atitudes obsoletas que obstruem nossa estrada para o
caminho moderno da conquista recente e mais ampla da independência econômica e
para elevar a vida de nosso povo ao mais alto nível.
Mesmo para outros
continentes sem recursos da África, esta é a era que vê o fim das necessidades
humanas. Para nós, é uma simples questão de apreender com certeza nossa herança
usando o poder político da unidade. Tudo o que precisamos fazer é desenvolver
com a nossa força unida os enormes recursos do nosso continente. Uma África
unida fornecerá um campo estável de investimento estrangeiro, o que ajudará
enquanto não se comportar de maneira adversa aos nossos interesses africanos. Pois
esse investimento agregaria suas empresas ao desenvolvimento da economia
nacional, ao emprego e ao treinamento de nosso povo e será bem-vindo à África. Ao
lidar com uma África unida, os investidores não precisarão mais pesar com
preocupação os riscos de negociar com os governos de um período que pode não
existir no período seguinte. Em vez de negociar com tantos Estados separados ao
mesmo tempo, eles estarão lidando com um governo unido que segue uma política
continental harmonizada.
Qual é a alternativa
para isso? Se vacilarmos nesta fase, e deixarmos o tempo passar para o
neocolonialismo consolidar sua posição neste continente, qual será o destino de
nosso povo que depositou sua confiança em nós? Qual será o destino dos nossos combatentes
pela liberdade? Qual será o destino de outros territórios africanos que ainda
não estão livres?
A menos que possamos
estabelecer grandes complexos industriais na África - o que só podemos fazer
com a África unida - devemos ter nosso campesinato à mercê dos mercados estrangeiros
e enfrentar a mesma inquietação que derrubou os colonialistas? Que utilidade
para o agricultor tem educação e mecanização, que utilidade tem mesmo o capital
para o desenvolvimento; a menos que possamos garantir para ele um preço justo e
um mercado pronto? O que os camponeses, trabalhadores e agricultores ganharam
com a independência política, a não ser que possamos garantir a eles um retorno
justo pelo seu trabalho e um padrão de vida mais alto?
A menos que possamos
estabelecer grandes complexos industriais na África, o que o trabalhador
urbano, e todos aqueles camponeses em terras superlotadas, têm ganhado com a
independência política? Se eles permanecerem desempregados ou em ocupação não
qualificada, o que lhes valerá as melhores instalações para educação,
treinamento técnico, energia e ambição que a independência nos permite
proporcionar?
Quase não existe
Estado Africano sem problemas de fronteira com seus vizinhos adjacentes. Seria
inútil enumerá-los aqui, porque eles já são familiares a todos nós. Mas
deixe-me sugerir a Vossa Excelência que este resquício fatal do colonialismo
nos levará à guerra um contra o outro à medida que nosso desenvolvimento
industrial não planejado e descoordenado se expande, assim como aconteceu na
Europa. A menos que consigamos deter o perigo através da compreensão mútua
sobre questões fundamentais e através da Unidade Africana, que tornarão
obsoletas e supérfluas as fronteiras existentes, teremos lutado em vão pela
independência. Somente a Unidade Africana pode curar essa ferida inflamada de
disputas de fronteiras entre nossos vários Estados. Excelências, o remédio para
esses males está pronto em nossas mãos. Encara-nos de frente em todas as
barreiras alfandegárias, grita para nós cada coração africano. Ao criar uma
verdadeira união política de todos os Estados independentes da África, podemos
enfrentar, esperançosamente, todas as emergências, todos os inimigos e todas as
complexidades. Isso não é porque somos uma raça de super-homem, mas porque
emergimos na era da ciência e tecnologia em que pobreza, ignorância e doença
não são mais os mestres, mas os inimigos da humanidade. Surgimos na era do
planejamento socializado, quando a produção e a distribuição não são governadas
pelo caos, pela ganância e pelo interesse próprio, mas pelas necessidades
sociais. Juntamente com o resto da humanidade, despertamos dos sonhos utópicos
para buscar projetos práticos de progresso e justiça social.
Acima de tudo,
emergimos em um momento em que uma massa de terra continental como a África,
com sua população próxima de trezentos milhões, é necessária para a
capitalização econômica e rentabilidade dos métodos e técnicas produtivas
modernas. Nenhum de nós, trabalhando isoladamente ou individualmente, pode
alcançar com êxito o desenvolvimento pleno. Certamente, nessas circunstâncias,
não será possível prestar assistência adequada aos Estados irmãos que tentam,
nas condições mais difíceis, melhorar suas estruturas econômicas e sociais. Somente
uma África unida que funcione sob um governo da União pode mobilizar vigorosamente
os recursos materiais e morais de nossos países separados e aplicá-los de
maneira eficiente e energética para trazer uma rápida mudança nas condições de
nosso povo.
Se não abordarmos os
problemas na África com uma frente comum e um propósito comum, ficaremos
discutindo entre nós até sermos colonizados novamente e nos tornarmos portagens
de um colonialismo muito maior do que sofremos até então.
Devemos nos unir. Sem
necessariamente sacrificar nossas soberanias, grandes ou pequenas, podemos,
aqui e agora, forjar uma união política baseada na Defesa, Negócios
Estrangeiros e Diplomacia, uma Cidadania comum, uma moeda africana, uma Zona
Monetária Africana e um Banco Central Africano. Devemos nos unir para alcançar
a libertação total do nosso continente. Precisamos de um sistema de Defesa
comum com um Alto Comando Africano para garantir a estabilidade e a segurança
da África.
Fomos encarregados
dessa tarefa sagrada por nosso próprio povo, e não podemos trair sua confiança
ao falhar com eles. Iremos zombar das esperanças de nosso povo se mostrarmos a
menor hesitação ou atraso ao abordar realisticamente esta questão da Unidade
Africana.
O fornecimento de
armas ou outra ajuda militar aos opressores coloniais na África deve ser
considerado não apenas como auxílio à derrota dos combatentes da liberdade que
lutam pela independência africana, mas como um ato de agressão contra toda a
África. Como podemos enfrentar essa agressão, exceto pelo peso total de nossa
força unida?
Muitos de nós
transformamos o não-alinhamento em um artigo de fé neste continente. Não temos
desejo nem intenção de sermos atraídos pela Guerra Fria. Mas com a atual
fraqueza e insegurança de nossos Estados no contexto da política mundial, a
busca por bases de influência traz a Guerra Fria para a África com seu perigo
de guerra nuclear. A África deve ser declarada uma zona livre de armas nucleares
e das exigências da Guerra Fria. Mas não podemos tornar essa demanda obrigatória,
a menos que a sustentemos com uma posição de força que pode ser encontrada
apenas em nossa unidade.
Em vez disso, muitos
Estados africanos independentes estão envolvidos em pactos militares com as
antigas potências coloniais. A estabilidade e a segurança que esses
dispositivos procuram estabelecer são ilusórias, pois as potências
metropolitanas aproveitam a oportunidade para apoiar seus controles
neocolonialistas por envolvimento militar direto. Vimos como os
neocolonialistas usam suas bases para entrincheirar-se e atacar Estados
independentes vizinhos. Tais bases são centros de tensão e potenciais pontos
dos perigos de conflitos militares. Eles ameaçam a segurança não apenas do país
em que estão localizados, mas também dos países vizinhos. Como podemos esperar
tornar a África uma zona livre de armas nucleares e independente da pressão da
Guerra Fria com esse envolvimento militar em nosso continente? Apenas
contrabalanceando uma força de defesa comum com uma política de defesa comum
baseada no nosso desejo de uma África livre da ordem estrangeira ou da presença
militar e nuclear. Isso exigirá um Alto Comando Africano abrangente,
especialmente se os pactos militares com os imperialistas forem renunciados. É
a única maneira de romper esses vínculos diretos entre o colonialismo do
passado e o neocolonialismo que nos interrompe hoje.
Não queremos nem
visualizamos um Alto Comando Africano nos termos da política de poder que agora
governa grande parte do mundo, mas como um instrumento essencial e
indispensável para garantir a estabilidade e a segurança em África.
Precisamos de um
planejamento econômico unificado para a África. Até que o poder econômico da
África esteja em nossas mãos, as massas não podem ter nenhuma preocupação real e
nenhum interesse real em salvaguardar nossa segurança, em garantir a
estabilidade de nossos regimes e em dobrar suas forças para o cumprimento de
nossos fins. Com nossos recursos, energias e talentos juntos, temos os meios,
assim que demonstrarmos vontade, de transformar as estruturas econômicas de
nossos Estados individuais da pobreza para a riqueza, da desigualdade para a
satisfação das necessidades populares. Somente de forma continental poderemos
planejar a utilização adequada de todos os nossos recursos para o pleno
desenvolvimento de nosso continente.
De que outra forma manteremos
nosso próprio capital para o nosso desenvolvimento? De que outra forma vamos
estabelecer um mercado interno para nossas próprias indústrias? Pertencendo a
diferentes zonas econômicas, como quebraremos as barreiras cambiais e
comerciais entre os Estados africanos, e como os economicamente mais fortes
entre nós poderão ajudar os Estados mais fracos e menos desenvolvidos?
É importante lembrar
que o financiamento independente e o desenvolvimento independente não podem
ocorrer sem uma moeda independente. Um sistema monetário apoiado pelos recursos
de um Estado estrangeiro está ipso facto
sujeito aos acordos comerciais e financeiros desse país estrangeiro.
De modo que temos
tantas barreiras alfandegárias e cambiais como resultado de estarmos sujeitos
aos diferentes sistemas monetários de potências estrangeiras, isso serviu para
aumentar a diferença entre nós na África. Como, por exemplo, comunidades e
famílias relacionadas podem negociar e apoiar-se mutuamente, se se encontram
divididas por fronteiras nacionais e restrições de moeda? A única alternativa
aberta a eles nessas circunstâncias é usar moeda contrabandeada e enriquecer
criminosos e trapaceiros nacionais e internacionais que atacam nossas
dificuldades financeiras e econômicas.
Atualmente, nenhum
Estado africano independente tem a chance de seguir um curso independente de
desenvolvimento econômico, e muitos de nós que tentamos fazer isso estamos
quase arruinados ou tivemos que voltar ao rebanho dos antigos governantes
coloniais. Esta posição não será alterada, a menos que tenhamos uma política
unificada trabalhando no nível continental. O primeiro passo para nossa
economia coesa seria uma zona monetária unificada, com, inicialmente, uma
paridade comum acordada para nossas moedas. Para facilitar esse arranjo, Gana
mudaria para um sistema decimal. Quando descobrimos que o arranjo de uma
paridade comum fixa está funcionando com êxito, parece não haver razão para não
instituir uma moeda comum e um único banco de emissão. Com uma moeda comum de
um banco de emissão comum, poderemos caminhar com nossos próprios pés porque
esse arranjo seria totalmente respaldado pelos produtos nacionais combinados
dos Estados que compõem a união. Afinal, o poder de compra do dinheiro depende
da produtividade e da exploração produtiva dos recursos naturais, humanos e
físicos da nação.
Enquanto asseguramos
nossa estabilidade por um sistema de defesa comum, e nossa economia está sendo
orientada além do controle estrangeiro por uma moeda comum, Zona Monetária e
Banco Central de Emissão, podemos apurar os recursos de nosso continente. Podemos
começar a verificar se, na realidade, somos os mais ricos, ou não, como fomos
ensinados a acreditar, os mais pobres entre os continentes. Podemos determinar
se possuímos o maior potencial em energia hidrelétrica e se podemos
aproveitá-lo e outras fontes de energia para nossas próprias indústrias. Podemos
continuar planejando nossa industrialização em escala continental e construindo
um mercado comum para quase trezentos milhões de pessoas.
O planejamento
continental comum para o desenvolvimento industrial e agrícola da África é uma
necessidade vital.
Tantas bênçãos devem
fluir de nossa unidade; tantos desastres devem seguir nossa contínua desunião,
que nosso fracasso em nos unir hoje não será atribuído no futuro apenas ao discurso
falho e à falta de coragem, mas por nossa capitulação diante das forças do
imperialismo.
A hora da história
que nos trouxe a esta assembleia é uma hora revolucionária. É a hora da
decisão. Pela primeira vez, o imperialismo econômico que nos ameaça é desafiado
pela vontade irresistível de nosso povo.
As massas do povo da
África estão clamando por união. O povo da África pede uma quebra das
fronteiras que os mantem separados. Eles exigem o fim das disputas fronteiriças
entre os Estados africanos irmãos - disputas que surgem das barreiras artificiais
que nos dividiram. Foi o propósito do colonialismo que nos deixou com o
irredentismo fronteiriço que rejeitou nossa fusão étnica e cultural.
Nosso povo clama por
unidade para que não percam seu patrimônio no serviço perpétuo do
neocolonialismo. Em seu fervoroso esforço pela unidade, eles entendem que
apenas essa realização dará pleno significado à sua liberdade e à nossa
independência africana.
É essa determinação
popular que deve nos levar a uma União de Estados Africanos Independentes. Em
atraso, há perigo para o nosso bem-estar, para a nossa própria existência como
Estados livres. Sugeriu-se que nossa abordagem de unidade fosse gradual, que
fosse feita por partes. Este ponto de vista concebe a África como uma entidade
estática com problemas "congelados" que podem ser eliminados um a um
e quando tudo tiver sido resolvido, podemos nos reunir e dizer: “Agora está
tudo bem. Vamos nos unir”. Essa visão não leva em consideração o impacto das
pressões externas. Também não toma conhecimento do perigo de que o atraso possa
aprofundar nossos isolamentos e exclusividade; que pode ampliar nossas
diferenças e nos separar cada vez mais na rede do neocolonialismo, para que
nossa união se torne apenas uma esperança enfraquecida, e o grande projeto da
redenção completa da África se perca, talvez, para sempre.
Expressa-se também
que nossas dificuldades poderiam ser resolvidas simplesmente por uma maior
colaboração por meio de associação cooperativa em nossas relações
interterritoriais. Essa maneira de encarar nossos problemas nega uma concepção
adequada de suas inter-relações e mutualidades. Nega a confiança num futuro
para o progresso africano, na independência africana. Trai um senso de solução
apenas na dependência contínua de fontes externas por meio de acordos bilaterais
para formas econômicas e outras formas de ajuda.
O fato é que, embora
estivéssemos cooperando e nos associando uns aos outros em vários campos de
empreendimentos comuns, mesmo antes dos tempos coloniais, isso não nos deu a
identidade continental e a força política e econômica que nos ajudariam a lidar
efetivamente com os problemas complicados que hoje enfrentamos na África. No
que diz respeito à ajuda externa, a África Unida estaria em uma posição mais
favorável para atrair assistência de fontes estrangeiras. Há a vantagem muito
mais convincente que esse acordo oferece, pois a ajuda virá de qualquer lugar
para a África, porque nosso poder de barganha se tornaria infinitamente maior. Não
dependeremos mais da ajuda de fontes restritas. Teremos o mundo para escolher.
O que estamos
procurando na África? Estamos procurando acordos, concebidas à luz do exemplo
das Nações Unidas (ONU)? Um tipo de organismo como a ONU cujas decisões são
formuladas com base em resoluções que, em nossa experiência, às vezes foram
ignoradas pelos Estados membros? Onde os agrupamentos são formados e as
pressões se desenvolvem de acordo com o interesse do grupo em questão? Ou
pretende-se que a África se transforme em uma organização perdida dos Estados,
segundo o modelo da organização dos Estados americanos, em que os Estados mais
fracos dentro dele podem estar à mercê dos mais fortes ou mais poderosos,
política ou economicamente, ou à mercê de algumas nações ou grupos externos de
nações poderosas? É este o tipo de associação que queremos para nós mesmos na
África Unida da qual todos falamos com tanto sentimento e emoção?
Excelências,
permita-me perguntar: este é o tipo de estrutura que desejamos para a nossa
África Unida? E arranjos que no futuro poderiam permitir Gana ou Nigéria ou
Sudão, Libéria, Egito ou Etiópia, por exemplo, usar a pressão que a influência
política ou econômica superior dá, para ditar o fluxo e a direção do comércio
de, digamos, Burundi ou Togo ou Niassalândia (Malawi) ou Moçambique?
Todos nós queremos
uma África unida, unida não apenas em nosso conceito que a unidade pode denotar,
mas unidos em nosso desejo comum de avançar juntos e lidar com todos os
problemas que podem ser mais bem resolvidos apenas em uma base continental.
Quando o primeiro
Congresso dos Estados Unidos se reuniu há muitos anos na Filadélfia, um dos
delegados fez a primeira tarefa de unidade, declarando que eles haviam se
encontrado em um "estado de natureza", em outras palavras, eles não
estavam na Filadélfia como sendo da Virginia ou da Pensilvânia, mas
simplesmente como americanos. Essa referência a si mesmos como americanos era
naqueles dias uma experiência nova e estranha.
Posso me atrever a
afirmar igualmente nesta ocasião, Excelências, que nos encontramos aqui hoje
não como ganenses, guineenses, egípcios, argelinos, marroquinos, malianos,
liberianos, congoleses ou nigerianos, mas como africanos. Os africanos
uniram-se em nossa decisão de permanecer aqui até chegarmos a um acordo sobre
os princípios básicos de um novo pacto de unidade entre nós, o que garante para
nós e para o futuro um novo arranjo do governo continental.
Se conseguirmos
estabelecer um novo conjunto de princípios como base de uma nova Carta ou
Estatuto para o estabelecimento de uma Unidade Continental da África e a criação
de progresso social e político para nosso povo, então, a meu ver, esta
Conferência deve marcar o fim de nossos vários agrupamentos e blocos regionais.
Mas se fracassarmos e deixarmos escapar essa grande e histórica oportunidade,
devemos dar lugar a uma maior dissensão e divisão entre nós, pela qual o povo
da África nunca nos perdoará. As forças e movimentos populares e progressistas
na África nos condenarão. Estou certo, portanto, de que não devemos falhar com
eles.
Já falei longamente,
Excelências, porque é necessário que todos nós expliquemos não apenas um ao
outro presente aqui, mas também ao nosso povo que nos confiou o destino da
África. Portanto, não devemos deixar este local até que tenhamos criado ferramentas
eficazes para alcançar a Unidade Africana. Para esse fim, proponho agora para
sua consideração o seguinte:
Como primeiro passo,
Excelências, uma Declaração de Princípios que nos una e à qual todos devemos
ser fiéis e leais, e a definição dos fundamentos da unidade deve ser estabelecida.
E também deve haver uma declaração formal de que todos os Estados Africanos
Independentes aqui e agora concordam com o estabelecimento de uma União de
Estados Africanos.
Como um segundo e
urgente passo para a realização da unificação da África, um Comitê de Ministros
das Relações Exteriores de toda a África será criado agora, e que antes de
sairmos desta conferência, um dia deve ser fixado para que eles se encontrem.
Este Comitê deve
estabelecer, em nome dos Chefes de nossos Governos, um corpo permanente de funcionários
e especialistas para elaborar um mecanismo para o Governo da União da África. Este
corpo de funcionários e especialistas deve ser composto por dois cérebros de
cada Estado Africano Independente. As várias cartas dos agrupamentos existentes
e outros documentos relevantes também podem ser apresentados aos funcionários e
especialistas. Um praesidium (comitê)
constituído pelo Chefe dos Governos dos Estados Africanos Independentes deve
ser chamado a cumprir e adotar uma Constituição e outras recomendações que lancem
o Governo da União da África.
Também devemos
decidir sobre a alocação em que esse corpo de funcionários e especialistas
funcionará como a nova sede ou capital do governo da União. Algum lugar central
na África pode ser a sugestão mais justa em Bangui, na República Centro Africana,
ou em Leopoldville, no Congo. Meus colegas podem ter outras propostas. O Comitê
de Ministros das Relações Exteriores, funcionários e especialistas devem ter
poderes para estabelecer:
1. Uma Comissão para
formular uma Constituição para um Governo da União dos Estados Africanos;
2. Uma Comissão para
elaborar um plano em todo o continente para um programa econômico e industrial
unificado ou comum para a África; este plano deve incluir propostas para a
criação de:
• Um mercado comum
para a África
• uma moeda africana
• Zona Monetária
Africana
• Banco Central
Africano, e
• Sistema de
Comunicação Continental;
3. Uma comissão para
elaborar detalhes de uma política externa e diplomacia comuns;
4. Uma Comissão para
elaborar planos para um Sistema Comum de Defesa;
5. Uma Comissão para
fazer propostas para a Cidadania Africana Comum.
Essas comissões
reportarão ao Comitê de Ministros das Relações Exteriores que, por sua vez,
deverá submeter ao Praesidium, dentro
de seis meses após esta Conferência, suas recomendações. A reunião do Praesidium em conferência na sede da
União considerará e aprovará as recomendações do Comitê de Ministros das
Relações Exteriores.
A fim de fornecer
fundos imediatamente para o trabalho dos funcionários permanentes e
especialistas da sede da União, sugiro que um Conselho especial seja criado
agora para trabalhar um orçamento para isso.
Excelências, com
estas etapas, eu afirmo, estaremos irrevogavelmente comprometidos com o caminho
que nos levará a um governo da União da África. Somente uma África unida com
direção política central pode fornecer material eficaz e apoio moral aos nossos
combatentes da liberdade no sul da Rodésia, Angola, Moçambique, sudoeste da
África, Bechuanalândia (Botsuana), Suazilândia, Basutolândia (Lesoto), Guiné
Portuguesa, etc. e, é claro, na África do Sul.”
Fonte: https://face2faceafrica.com/article/read-kwame-nkrumahs-iconic-1963-speech-on-african-unity