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quarta-feira, 6 de maio de 2020

A Paz Dura Pouco – Chinua Achebe – Breve Nota

Evidenciando uma dualidade cultural, Chinua Achebe escreveu esse livro A Paz Dura Pouco contando a trajetória de Obi Okonkwo, que saiu de sua aldeia para estudar o ensino superior na Inglaterra, daí se dá essa dualidade, mas não só por isso, vem também a questão da colonização na Nigéria em contraste com a tradição cultural étnica Ibo.
Com isso, Chinua Achebe criou uma belíssima obra literária, onde não só escreveu pelo prazer de escrever, mas para apresentar a vida nigeriana e em particular do povo Ibo, os mostrando como seres humanos detentores de sua própria trajetória e de suas próprias organizações. Além disso, retratou o comportamento dos colonizadores e a visão que eles tinham da Nigéria, no entanto, o autor não poupou as instituições nigerianas e sua elite corrupta.
É interessante que a história não foi contada de forma linear, e assim o livro se inicia com o Obi sendo julgado num tribunal e então a partir da apresentação do réu feita pelo juiz é que se começa o relato de sua vida pregressa. Contudo, Obi sempre teve a intenção de combater tal corrupção através de uma renovação das instituições.  
Obi foi estudar fora a partir de um esforço coletivo de uma espécie de associação de sua aldeia, e ele tinha então não só a responsabilidade de ser o pioneiro em sua aldeia como também de retornar o investimento assim que regressasse para Nigéria. Mas ao se relacionar com Clara, Obi cometeu um erro grave na visão de sua família e da associação de sua aldeia. Clara era Osu, uma etnia condenada à maldição por todas as gerações, na visão tradicional tribalista da aldeia.  
Desse modo, o livro vai permear essas questões com uma escrita muito envolvente, não pra menos que Chinua Achebe é considerado o pai da literatura nigeriana.

Páginas: 128
“Chinua Achebe nasceu em Ogidi, Nigéria, em 1930. È um dos mais respeitados escritores africanos da atualidade. Atuou na diplomacia no final da década de 1960 e foi agraciado com o Prêmio da Paz oferecido pela Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, em 2002. Em 2007, recebeu o Man Booker Internacional. De sua autoria a Companhia das Letras publicou também A educação de uma Criança sob o Protetorado Britânico, A flecha de Deus e O mundo se despedaça.”


Mais infos:
Entrevista- Chinua Achebe, a voz incómoda da não vitimização africana
https://www.buala.org/pt/cara-a-cara/chinua-achebe-a-voz-incomoda-da-nao-vitimizacao-africana

Sobre literatura africana - BOLEKAJA - VAMOS LUTAR...
Bolekaja na Construção da África no Discurso Intelectualhttps://insurreicaocgpp.blogspot.com/2018/05/bolekaja-na-construcao-da-africa-no.html

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Sobrevivi para contar – Immaculée Ilibagiza – Breve Nota

Uma pessoa iluminada. Eis a forma de eu começar a escrever brevemente sobre Immaculée Ilibagiza, ou mais precisamente de seu livro, Sobrevivi Para Contar: O Poder da Fé me Salvou de Massacre. Acredito que a mensagem que ela deixou ao escrever esse livro é de um valor imensurável. Mesmo com todo tipo de pergunta que eu possa me fazer e independente das respostas que eu venha supor, o sentimento de admiração que tenho por ela não será reduzido. Não é pra menos, essa obra se trata do relato pessoal de Immaculée diante do genocídio em Ruanda (1994), desencadeado através dos conflitos de duas etnias, Tútsis e Hutus. Apesar de a autora ter perdido grande parte de sua família nesse massacre, ela conseguiu sobreviver podendo contar sua árdua jornada pela vida, e o mais impressionante, ancorada de uma fé inabalável e que de tão verdadeira transborda para quem tenha tido contato com sua história, independente de religião, ao meu ver. 

Quantos e quantos questionamentos me vêm à mente nesse momento. São diversas reflexões e sensações acerca da vida, do mundo, das relações humanas. Por vezes me questiono o que seria honrar? O que significa perdoar? Até que ponto perdoar? A paz é possível?...Assim, me deparo com um turbilhão de suposições e respostas.

O livro se divide em três partes: I- A tempestade em formação, II- No esconderijo e III- Um novo caminho, com 24 capítulos distribuídos nessas partes, mais o epílogo. Num total de 196 páginas.
O livro se Inicia com um relato delicado e carinhoso acerca de sua família. Com muita leveza e doçura nas palavras ela retrata sua história e seu cotidiano. Toda família de Immaculée é católica e de boa instrução, seus país eram professores e com isso ela pôde ter um acesso melhor ao ensino.

Mencionou que apesar de ser bem educada não foi ensinada sobre a diferença de etnia em Ruanda. Com isso ela ficou perplexa diante da atitude de um professor no ensino fundamental, que fazia as chamadas separando por etnia. Ela não soube responder de qual etnia pertencia. Depois soube que fazia parte da minoria tútsi. Ela tinha uns 12 anos. Com isso, Immaculée indicou que seus pais visaram não reforçar essa diferença de etnia na educação de todos. Apesar de indicar que não iria se ater aos motivos do genocídio, em algumas passagens ela mencionou alguns pontos.

“(...)Não sabíamos que Ruanda era povoada por três tribos: uma maioria hutu, uma minoria tútsi e um número insignificante de twas, povo semelhante a pigmeus, que vivia nas florestas. Não nos ensinaram que os colonizadores alemães, e depois os belgas que os substituíram, tinham convertido a estrutura social então reinante em Ruanda – uma monarquia, sob reis tútsis, que, por séculos, manteve Ruanda em paz e harmonia – em um sistema discriminatório de classes, tendo por base a raça de indivíduos. Os belgas apoiavam a aristocrática minoria tútsi e os colocaram à testa do governo; assim sendo, os tútsis recebiam uma educação superior para melhor dirigir o país e gerar maiores lucros para seus senhores belgas. Estes instituíram uma carteira de identidade étnica para mais facilmente distinguir quem pertencia a qual tribo, aprofundando o fosso que cavaram entre tútsis e hutus. Esses erros imprudentes criaram um duradouro ressentimento da parte dos hutus, base para o futuro genocídio.”

Adiante, nesta primeira parte do livro, ela passa pelo estudo secundário e por fim a universidade, momento ao qual ela se orgulha pela emancipação enquanto mulher de poder fazer um curso desafiador na área da engenharia. Ao voltar pra Mataba, foi então que eclodiu a guerra e ela conseguiu abrigo na casa de um pastor.  

Intitulada “No esconderijo”, a segunda parte retrata seu martírio num confinamento na casa do pastor, ficou num banheiro pequeno acompanhada de mais 6 mulheres durante 90 dias. Impressionante como no banheiro ela procura uma elevação espiritual, mesmo naquela situação de prisão, ela se culpava por te ódio dos malfeitores e buscava se concentrar para perdoá-los. Então, aí se evidenciou sua fé, e seus modos de meditação e conversação com Deus.

Todas as sobreviventes confinadas só puderam sair devido a uma intervenção dos soldados franceses, e pairava ainda a dúvida da real intenção deles, pois foram eles quem havia municiado os grupos rebeldes, foram eles que mantinham contato com o governo ruandês. Vale lembrar que os aparatos do Estado estiveram também envolvidos nesse genocídio, e em tal circunstância o país presenciou total omissão das nações unidas ou de qualquer potencia que seja. Ora, não são eles os salvadores das pátrias, os que visam a democracia, ou só quando é de seus interesses?

Na terceira parte do livro é a vez de um “Novo Caminho” de Immaculée. Onde ela buscou juntar o que restava de uma vida e resignificá-la, estava disposta a perdoar, estava disposta a ajudar seu país, estava disposta a seguir a vida apesar dos pesares e essa foi a maneira de honrar a vida dos entes que foram brutalmente.  Sempre acompanhada do Poder da Fé.

Na minha reflexão eu enxergo os diversos pontos que abarcam esse genocídio, a questão das etnias, a divisão das classes sociais, disputas religiosas, com as mazelas da colonização no pano de fundo, o neocolonialismo, mas o que ficou também evidente é que temos nossas responsabilidades sobre nossas atitudes enquanto povo, e isso transcende a questão de Ruanda, não é raro ainda a gente se matar e se autodestruir, temos que assumir as rédeas dos nossos atos. Eu vejo que a mensagem de perdão e paz que Immaculée deixou, foi justamente visando um futuro melhor para Ruanda e pro mundo, já que as farpas não se dissipam assim facilmente.

Fuca, Insurreição CGPP - 2020


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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Diário de Bitita – Carolina de Jesus – Breve Nota

Diário de Bitita – Carolina de Jesus – Breve Nota

Tá aí um livro que me surpreendeu, pois com o relato de Carolina de Jesus, deu pra imaginar o cenário racializado do Brasil na primeira metade do século passado. Neste livro, Carolina retrata sua trajetória desde a sua infância até a sua chegada em São Paulo. A meu ver, é uma escrita bem direta, de fato como anotações de um diário com uma pitada de arte literária. Assim o livro vai oscilando entre relatos e literatura; realidade e, o que eu imagino, de ficção.

De uma forma simples, a autora expressa sua visão de mundo e com diversas sacadas que parecem ingênuas no que tange à ciência (sociais, economia, história), mas são bem didáticas, talvez por serem ancoradas no senso comum. Mas, para mim, revelou-se que Carolina de Jesus procurava pensar nos problemas do mundo e pensar numa vida melhor para o país. A diferença é que ela vivia todo aquele turbilhão de mazelas, que se agravava com o estilo seminômade na busca por trabalho e terra.

São situações pesadas, diversas discriminações raciais, condição de miséria e a todo tempo uma vida instável, fazendo-a estar sempre em desajuste social, sobretudo quando se fala de aspecto físico e vestimenta.  Por vezes, ela se encontrou sozinha em sua caminhada e ainda sendo desassistida pelos seus próprios parentes.

Um fato interessante é que muito lhe agradava a figura do presidente Rui Barbosa, do inicio ao fim do livro a autora fez menção a ele, o colocando como um possível salvador da pátria. Getúlio Vargas também foi muito citado.

Vale lembrar que o livro Quarto de Despejo já havia explodido de sucesso, e que o Diário de Bitita foi publicado postumamente, em 1986. Eu, particularmente, curti mais esse último diário. Achei incrível a forma que ela relatou sua infância, e como ela juntou memória, vivência e opinião numa história.

Fuca, Insurreição CGPP, 2020

Infos:
Carolina de Jesus, nasceu dia 14/03/1914 em Sacramento- MG e faleceu em 13/02/1977 São Paulo-SP.

(Nova Fronteira) “Poucos antes de morrer, Maria Carolina de Jesus – a autora de Quarto de Despejo, que na década de 60 teve repercussão internacional de público e crítica – entregou a jornalistas franceses que vieram entrevista-la os cadernos manuscritos que compõem este Diário de Bitita. Neles a autora escreveu sobre sua infância e sua luta contra a miséria e o preconceito racial. Dirigindo um olhar atento à realidade à sua volta e narrando com sensibilidade suas vivências pessoais, Carolina de Jesus criou um texto de força impressionante, que expressa a visão de mundo e também o papel histórico de uma imensa parcela oprimida da população brasileira. Escrito com inteligência e numa linguagem original, Diário de Bitita significa bem mais que um testemunho pessoal: é um exemplo espontâneo de contestação, onde a experiência vivida se torna mensagem literária.”

  



quarta-feira, 15 de abril de 2020

Capão Pecado, Ferréz – Breve Nota


Capão Pecado, Ferréz – Breve Nota

Por vezes, menciono que a literatura pode fazer denuncias de uma forma mais branda se comparada com o RAP. No entanto, essa afirmação pode ser facilmente contradita se eu me refiro ao livro Capão Pecado, do escritor Ferréz. Neste livro se encontra a linguagem da periferia tal como ela se dá, lógico que com seu tom de arte e literatura. Quem viveu a periferia dos anos 90 com certeza vai se identificar com a narrativa e vai verificar traços de uma realidade bem próxima, a qual nem sempre era uma realidade feliz.

E longe de estigmatizar a quebrada, o autor trata grande parte dos personagens oriundos dos mosaicos de tijolo vermelho, onde a busca pela sobrevivência é permeada por diversos obstáculos. O principal personagem, o Rael, é um exemplo de menino que visa o caminho do trabalho e procura se esquivar do que considera as más influências. Porém, na sua vivência, não deixa de ver diversos conhecidos e amigos perdendo a vida, muitas vezes de forma violenta. Através de Rael pode-se perceber como era a dinâmica do mercado de trabalho da época, como era acesso aos estudos, lazer e cultura. Um garoto que adorava ler e tinha que visitar os sebos para tal. Mas longe de ser um humano sem erros!

Creio que o autor não desejava realmente se manter distanciado da linguagem do Rap, até porque no livro contem partes com textos de rappers, que entendi como outra ferramenta de voz e denuncia para esses manos.

A história é envolvente, mas se prepare, pois ira confortar com a realidade das mazelas, tais como violência e miséria. Talvez não seja de interesse pra quem já viveu muito disso, ou talvez possa ser um livro importante para a juventude da periferia do hoje, e ai será que muito mudou? O que melhorou ou piorou? É importante ler? E escrever umas paradas?
Veja só, são vários questionamentos que se pode suscitar dentre a juventude que não está inserida na literatura, e que a partir de então pode se inserir no mundo das leituras e quem sabe das escritas.

Capão Redondo se situa na periferia da cidade de São Paulo e lá é o ambiente do livro. Eu, que nasci e cresci no Grajaú, também na zona sul de sp, consegui visualizar muito do que foi escrito. Contudo, mesmo quem não tenha vivenciado essas situações também irão aguçar o imaginário de uma periferia precária.

Bora ler!

Fuca, Insurreição CGPP
2020



quarta-feira, 8 de abril de 2020

1. Fichamento: O Novo Imperialismo, David Harvey, capitulo 2


Fichamento - Livro: O Novo Imperialismo

Harvey, D. O novo imperialismo, 2004


Capitulo 2: Como o poder norte-americano se expandiu – Parte1 (§1-9)
No primeiro momento o autor aponta no que se define o termo imperialismo capitalista e demonstra a divergência, a princípio, contida no termo e diz, “com a primeira expressão desejo acentuar as estratégias políticas, diplomáticas e militares invocadas e usadas por um Estado”. E continua, “Com esta última expressão, concentro-me nas maneiras pelas quais o fluxo do poder econômico atravessa e percorre um espaço contínuo, na direção de entidades(...) ou em afastamento delas mediante as práticas cotidianas de produção, da troca, do comércio, dos fluxos de capitais, das transferências monetárias, da migração do trabalho, da transferência de tecnologia, da especulação com moedas, dos fluxos de informação, dos impulsos culturais e assim por diante”.
A seguir utiliza-se de uma denominação de Arrighi para evidenciar essa diferença e equaciona da seguinte forma: Imperialismo= Lógica territorial do poder; e Capitalista= Lógica do capital (fluxo). “O capitalista que dispõe de capital financeiro deseja aplica-lo onde quer que possa haver lucro, e tipicamente busca acumular mais capital. Os políticos e homens de Estado buscam tipicamente resultados que mantenham ou aumentem o poder de seus próprios Estados diante de outros Estados. O capitalista procura as vantagens individuais e (embora de modo geral sujeito a restrições legais) só é responsável perante seu círculo social imediato, ao passo que o homem de Estado procura vantagens coletivas, vendo-se restringindo pela situação política e militar de seu Estado, sendo em algum sentido responsável perante uma comunidade de cidadãos ou, o que é mais frequente, perante um grupo de elite, uma classe, uma estrutura de parentesco ou algum outro grupo social. O capitalista opera no espaço e no tempo contínuos, enquanto o político opera num espaço territorializado e, ao menos nas democracias, no âmbito de uma temporalidade ditada por um ciclo eleitoral. Por outro lado, as empresas capitalistas vêm e vão, mudam de localização, se fundem entre si ou encerram as operações, mas os Estados são entidades de vida longa, não podem migrar e, exceto em circunstâncias excepcionais de conquista geográfica, estão confinados a fronteiras territoriais fixas” (p.32).
Em continuidade, o autor enxerga essa relação de expansão e invasão territorial x acumulo de capital antagônica apesar de grande parcela da literatura afirmar que os Estados e os impérios agem por motivações capitalistas. Mas numa perspectiva de longo prazo essa relação pode ser complementar. O fato é que a prática imperialista na lógica capitalista se dá pela exploração das condições geográficas através de uma assimetria nas relações espaciais de troca. “Se, por exemplo, as forças norte-americanas abrem mercados de capitais em todo o mundo por meio das operações do FMI e da OMC, a causa é que são esperadas vantagens especificas advindas disso para as instituições financeiras dos Estados Unidos. ” (p.35)
Ainda nesse tópico de definição do imperialismo, o autor diz ser mais preciso utilizar esse termo para relações de fluxos de poder entre Estados, focados mais externamente do que nas relações domesticas, no qual cita “entidades regionais” ou “imperialismo metropolitano”.

A lógica do território e a lógica do capital (§9-12)
No imperialismo capitalista predomina tipicamente a lógica capitalista, embora haja momentos em que a lógica territorial venha para o primeiro plano. Porém, uma acumulação interminável de capital implica numa lógica interminável de poder, e é lançada a questão de Hannah Arendt: “Uma acumulação interminável de propriedade”. Então o autor cita que “se, contudo, a acumulação do poder tem de acompanhar necessariamente a acumulação do capital, a história burguesa tem de ser uma história de hegemonias que exprimem um poder sempre mais amplo e continuamente mais expansivo. ” (p.37)
Mas toda expansão exacerbada pode ser o início de uma queda e se torna o calcanhar-de-aquiles dos Estados e Impérios hegemônicos. Com isso vê-se a possibilidade de formação de grupos imperialistas (como o g-8). Se caso houver falha em se formar esse grupo, um imperialismo ainda mais concentrado poderá entrar em colapso, não pela revolução, mas pela anarquia.

A hegemonia (§13-19)
No conceito de Gramsci aparece as vezes numa forma ambígua, pode se referir ao poder político exercido pela liderança e consentimento dos governados ou por meio de domínio via coerção. Ao tratar de hegemonia no texto, o autor remete à primeira (liderança “consentida”). Apesar de existir uma liderança imperialista dos EUA, existe uma distribuição regional que difere da globalização, a exemplo de outras hegemonias tais como o Japão perante o restante da Ásia, ou na Europa a liderança franco-germânica.
O poder hegemónico é dado por um equilíbrio instável entre coerção e consenso e se exprime por meio dele. (Os eua têm recorrido com frequência, nos últimos 50 anos, à dominação e à coerção.) A coerção acontece por meios físicos, mas também por outros meios, como econômicos. “O poder econômico de dominar (como o embargo comercial ao Iraque e a Cuba, bem como os programas de austeridade do FMI implementados sob a égide do Tesouro Norte-Americano) pode ser usado com um efeito tão destrutivo quanto o da força física. Um exemplo disso é o papel destacado das instituições financeiras norte-americanas e do Tesouro Norte-Americano, apoiados pelo FMI, na provocação de uma violenta desvalorização dos ativos por todo o Leste e o Sudeste da Ásia, na criação do desemprego em massa e na efetiva reversão de anos de progresso social e econômico obtido por imensas populações da região. ” (p.40) Os Eua contam ainda com a legitimação de sua população perante as atrocidades cometidas e nome do “bem”, da liberdade (individual, propriedade privada) e da democracia. E fato que a diplomacia dos eua age também na direção de um consentimento, legitimação e propaganda do bem e isso tem igual valor de liderança tal qual a coerção e a liquidação física.
A busca pelo modo de vida norte americano (consumismo, formas culturais, instituições políticas e financeiras) tem contribuído globalmente para o processo de acumulação interminável de capital. “O dinheiro, a capacidade produtiva e a força militar são os três pilares em que se apoia a hegemonia no âmbito do capitalismo” (p.43)

A ascensão dos imperialismos burgueses: 1870-1945 (§20-25)
Ao cotar Arendt, o autor demonstra que o imperialismo se situa como o primeiro estágio de domínio político da burguesia no século XIX, ao contrário do que Lênin havia dito sobre o imperialismo ser o último estágio. A primeira grande crise de superacumulação capitalista foi o colapso econômico por toda Europa alimentando movimentos revolucionários de ordem burguesa. A saída da crise foi o investimento em infraestrutura a exemplo de Haussman em Paris, e também devido às expansões geográficas focadas no comércio atlântico com os EUA.
Nos anos 1860, a capacidade de absorver excedentes de capital e de trabalho por esses meios estava se esgotando. Recorreu-se, como dito, ao mercado externo, porém existia uma onda de formação de Estados-nação na Europa: “A nação-Estado portanto não proporciona por si só uma base coerente para o imperialismo. Como poderia então o problema da sobreacumulação e de necessidade de uma ordenação espaço-temporal encontrar uma resposta política adequada com base na nação-Estado? Essa resposta consistiu em mobilizar nacionalismo, jingoísmo [patriotismo chauvinista], patriotismo, e, sobretudo, racismo para servir de base a um projeto imperial no qual os capitalistas nacionais (...) pudessem assumir a liderança. ” (HAVEY, 2004: p.44)
Segundo Arendt, pode haver então um abismo entre nacionalismo e imperialismo na teoria, mas, na prática, ele pode e tem sido superado pelo nacionalismo tribal e pelo racismo puro e simples. “Desenvolveu-se uma variedade de imperialismo burgueses fundados na nação e, por conseguinte, de caráter racista (britânico, francês, holandês, alemão, italiano). Afloram também imperialismo de motivação industrial, mas não burgueses no Japão e na Rússia. ” (p.45) O racismo se tornou o principal meio político e através do darwinismo social se conseguia tal credibilidade para se realizar uma acumulação via espoliação visando à extração de tributos das colônias.
Enquanto as nações europeias fundaram imperialismo com base no nacionalismo, racismo e fascismo, os EUA nesse momento crescem após a guerra civil (guerra de secessão), mas sem esse caráter nacional ainda, pois se tratava de uma sociedade de imigrantes, então o cerne era a propriedade privada e taxa de lucro, além de se ter muita terra para expansão interna.
Já a partir do século XIX, os EUA buscam mascaram o caráter explicito das conquistas e ocupações territoriais na retórica da globalização, que visa universalizar de forma não espacial seus valores. “Os Estados Unidos ainda eram tanto um mercado potencial como um produtor de capital excedente, embora na década de 1930 tenham fracassado por completo na realização de suas potencialidades nesse âmbito, em larga medida devido à configuração interna do poder de classe que resistiu até os modestos esforços feitos por Roosevelt, quando do New Deal, para resgatar a economia de suas contradições por meio de redistribuição de renda. A dificuldade de alcançar coesão interna numa sociedade etnicamente variada marcada por um individualismo e uma divisão de classes intensos produziu aquilo que Hofstadter chama de ‘o estilo paranoide’ da política norte-americana: o medo de algum ‘outro’ (como o bolchevismo, o socialismo, o anarquismo ou simplesmente ‘agitadores externos’) ” (p.48)

Fuca, Insurreição CGPP

quinta-feira, 26 de março de 2020

Breve Nota: Cemitério do Vivos/O Estrangeiro/ Crônica de uma Morte Anunciada


Na mera opinião de quem vos escreve, existe ainda um grande paradoxo em nossos dias. Estamos cuidando cada vez mais de nós mesmo e das pessoas ao nosso redor, ou em tempos modernos e com toda essa correria e turbilhão de informações, estamos mais egocêntricos e não nos prestamos a compreender quem está ao nosso lado?

Assim, com esse breve paragrafo, procuro indicar três livros que tratam muito da subjetividade humana, mas que podemos fazer, tranquilamente, uma leitura para a realidade coletiva da atualidade. E, além do mais, é quarentena devido à Pandemia Corona vírus (embora negada por alguns abutres), então, por vezes, buscamos indicações e aí vão três pesos da literatura mundial! E fáceis e mais rápidos de ler, no entanto imensos em conteúdos!

E como o Insurreição CGPP já pautou - de uma maneira nua e crua - as mortes, o encarceramento, e essa certa apatia perante as injustiças cometidas aos que já são ‘excluídos’, eis uma outra forma mais branda e mais literária de refletir acerca dessas questões. Segue a indicação!


1 O Cemitério do Vivos – LIMA BARRETO
2 O Estrangeiro – ALBERT CAMUS
3 Crônica de uma Morte Anunciada – GABRIEL GARCIA MARQUEZ


 


quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Fichamento: MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo


Fichamento: MANIN, B. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Outubro de 1995, 29.

Parte 1: Panorama das modificações da democracia representativa (§1-8)
A democracia representativa está passando por uma crise nos países ocidentais, pois tal modelo criou, ao longo dos tempos, um abismo entre representantes e representados, algo que por anos a representação política esteve bem ancorada na confiança exercida pelos governados perante seus governantes. O autor vai tratar das modificações conhecidas da democracia representativa, duas mais evidentes, tidas a partir do século XIX, tem relação ao direito ao voto através de um sufrágio ampliado, e o crescimento dos partidos de massa, onde os programas políticos se tornaram os principais conteúdos para competição eleitoral, dois elementos que não existiam na fundação do governo representativo das revoluções inglesa, americana e francesa, na qual se tinha uma lógica que a divisão entre facções poderia ser uma ameaça ao sistema emergente.
Enquanto para uns esse modelo de partidos significava uma crise de representação, para outros passa a existir uma reaproximação dos representantes aos representados, pois os representados se formavam através de uma militância de base. Mas, de modo geral, o surgimento desse novo modelo, que pôs em crise o parlamentarismo, foi tido como um progresso da democracia representativa, até porque se assemelhava mais à democracia do autogoverno da antiguidade.
Adiante, com base na crise atual, o autor propõe que esteja surgindo outro modelo, que põe em crise os outros dois tratados até então, que coloca em questão o caráter das modificações do parlamentarismo ao partidarismo.

Parte 2: Os 4 princípios do governo representativo (§9-39)
Nesta parte, o autor destaca a existência de quatro princípios práticos do governo representativo examinado desde sua origem até seus desdobramentos.
A: Os representantes são eleitos pelos governados (§10-13)
Primeiramente, o autor nota que há uma certa incompatibilidade entre democracia e representação periódica, apesar da democracia representativa romper com a conquista do poder pelo direito divino, de nascimento, de riqueza ou de saber, e reforçar o poder de escolha dos governados. Mesmo assim esse sistema não exime a diferença de status e função entre o povo e o governo, ou seja, o povo não governa a si mesmo e delega a função aos representantes. Com isso, os fundadores do governo representativo não viam problema se o poder fosse continuamente exercido pelas elites por meio da representação, por isso adotou-se as eleições ao invés de cogitar sorteios. De certa maneira, o povo fica relegado a escolher a que tipo de elite votar tendo como controle o não voto na próxima eleição.

B: Os representantes conservam uma independência parcial diante das preferências dos eleitores (§14-22)
Esse princípio se dá primeiro pela não existência dos mandatos imperativos, onde os governantes devem fazer estritamente a vontade dos representados, ao contrário disso eles devem governar para a nação e não apenas para o grupo que os elegeram. Em segundo, pela não existência de um sistema permanente para revogação dos governantes, assim o único mecanismo para avaliar os representantes é a não reeleição, mas cabe então o julgamento através dos desejos e perspectivas do povo, que mesmo não cumpridos consegue-se avaliar e confiar no patriotismo do governante e que ele pôde tomar decisões mais aptas sem a influência de “paixões desordenadas”.
Com isso a representação se torna um sistema superior tanto pela consolidação de um processo decisório mais racional e menos passional como pela questão de uma maior divisão do trabalho do povo e todos os entraves de disponibilidade de tempo na sociedade moderna.

C: Independência da opinião pública sobre os assuntos políticos sem o controle do governo (§23-30)
O autor demonstra que com base em dois elementos pode se estabelecer o que significa liberdade de opinião pública
C1.1- Se faz necessário que os governados tenham acesso à informação política para exercerem o direito de formar opinião sobre assuntos políticos.
C1.2- O segundo elemento da liberdade de opinião pública é a liberdade para expressar opiniões políticas. Está associado à liberdade de expressão política a liberdade de religião. Em sua dimensão política, isso representa a contrapartida da ausência de direito de instrução aos representantes, que mesmo não sendo obrigados a seguir estritamente a vontade dos governados, não se pode negar as reivindicações organizadas coletivamente.

 D: As decisões políticas são tomadas após debate (§31-39)
Os representantes são dotados de ampla liberdade de expressão dentro da assembleia, sendo que, a liberdade deve se dá conforme a lei, e o debate é o caminho mais adequado para determinar a verdade. Apesar do debate não estar de tal forma presente no pensamento dos fundadores do governo representativo em comparação com as análises posteriores, é evidente que a representação sempre esteve ligada à discussão. Assim, o governo representativo foi interpretado e justificado, desde sempre, como um sistema político em que a assembleia desempenha um papel decisivo, garantindo, a priori, a diversidade social e a validade de uma decisão consentida pela maioria ao final dos debates.

Parte 3: Os três tipos de representação (§40-97)
A: O governo representativo do tipo parlamentar (§40-47)
A1: Eleição dos representantes pelos governados - O governo é eleito com base na confiança dos eleitores, essa confiança tem caráter pessoal e decorre de uma identidade dos cidadãos junto aos representantes. O governo do tipo parlamentar tem como característica a contínua seleção de uma elite, chamada de “os notáveis”, pois eram os que tinham maiores recursos para disputar o poder.
A2: Independência parcial dos representantes – O governo é livre para votar e agir de acordo com suas convicções pessoais, não precisa se ater aos compromissos externos ao parlamento.
A3: Liberdade de opinião pública – Por parte dos representados, exercer a liberdade somente através do voto pode restringir a amplitude de uma opinião pública, sendo que algumas manifestações devem ser feitas fora do momento das eleições. Então, pode acontecer a não coincidência das expressões eleitorais e não eleitorais da opinião. E, por vezes, o povo chega “as portas do Parlamento”, o que pode gerar conflitos.
A4: Decisões políticas tomadas após debates – A princípio a discussão pode ter um caráter mais relevante nesse modelo, pois os representantes não devem ter opiniões pré-estabelecidas anteriormente aos debates, a opinião nesse modelo pode ser consentida após os debates.

B: A democracia de partido (§48-67)
B1: Os representantes são eleitos pelos governados – Em decorrência da ampliação do sufrágio, passa a se distanciar a relação de representantes e representados a partir da criação do partido de massa. Isso implica no enfraquecimento político dos notáveis, e na ascensão de uma outra elite, talvez a que tivesse pertencido a classe operária outrora. O sentimento de pertencimento e identidade social determina muito mais as atitudes eleitorais do que a análise do programa do partido, então existe ainda uma relação de confiança, só que não mais numa pessoa e sim num partido.
B2: Independência parcial dos representantes – Neste caso os representantes não administram seus mandatos conforme suas convicções pessoais, eles estão submetidos às determinações de um partido político. Os programas dos partidos são definidos pelos líderes do partido.
B3: A liberdade de opinião pública – Grande parcela da opinião pública é influenciada pelas ações do partido político, que desencadeia numa orientação pública em prol do governo, no caso em favor dos representantes que detém maioria no governo.
B4: Decisões políticas tomadas após debates – As orientações já são pré-estabelecidas pelo próprio partido, não havendo a possibilidade de alterações pós debate. Com isso, a relação de consenso se dá entre partidos.

C: A democracia do público (§68-97)
C1: Os representantes são eleitos pelos governados – Neste modelo percebe-se a quebra de vínculos originados pelas características sociais, econômicas e culturais para determinação do voto dos eleitores. Nisso, os votos podem variar de eleição para eleição sem que as condições sociais tenham mudado de fato.
C1.1: A personalização da escolha eleitoral – As pessoas votam de modo diferente dependendo da personalidade dos candidatos. Os partidos ainda têm papel fundamental, mas são submetidos ao carisma e decisão do representante. Esse representante deve ter por característica a comunicação e uma boa imagem. Deve enfatizar as propostas simples e claras para que o público possa compreender e obter maior confiança em suas propostas.
C1.2: Os termos gerais da escolha eleitoral – Neste quesito cria-se, propositalmente, por parte dos candidatos, um antagonismo evidente entre um programa e outro, no intuito de definir bem os adversários, e por vezes, focar mais em combate-los do que apresentar ou esclarecer suas próprias propostas. O autor compara fazendo uma metáfora ao teatro, pois na democracia do público os representantes políticos são atores que incitam um princípio de divisão no interior do eleitorado. Aqui um eleitorado que não participa da política sendo apenas um espectador.
C2: A independência parcial dos representantes – Nesse momento, em que a imagem do representante muito significa para sua eleição, fica assegurada, então, a independência parcial do representante, até porque não se teve um compromisso claro com o programa do partido.
C3: A liberdade da opinião pública – Devido o avanço dos meios de comunicação e da tecnologia, a opinião pública percebeu um declínio de influência dos partidos na imprensa de opinião, agora as pessoas escolhem sua fonte de informação conforme a sua inclinação partidária. Com isso ocorre a não coincidência entre expressões eleitorais e não eleitorais da opinião. Nesse modelo ocorre também as pesquisas de opinião enviesadas de acordo com o interesse de cada partido.
C4: As decisões políticas são tomadas após debates – No que tange às discussões em assembleia, a democracia de público se assemelha à democracia de partido, as decisões são tomadas nos grupos de cada partido. A novidade nesse tipo de representação está na identificação de eleitores flutuantes, que possuem maior acesso a informação e podem se instruir razoavelmente para trocar de candidato e de partido se julgarem necessário.
Vale frisar, portanto, que a crise da representatividade do governo se configura pelo afastamento das questões políticas do povo, e de tal forma tal representação não está caminhando nos trilhos da democracia.

Fuca, Insurreição CGPP

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Um Grão de Trigo - Ngugi wa Thiong'o - breve nota

"Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. - João 12,24
(versículo sublinhado em preto na Bíblia de Kihika)"

Kihika, um grande combatente nas lutas pela Independência do Quênia nos fins dos anos 50. Nome proeminente no caminho da conquista da Uhuhu sofreu uma emboscada e foi assassinado. Mas quem teria sido o traidor? O autor perpassa de forma literária o difícil processo de libertação anticolonial, são vários personagens alocados a maioria em aldeias ou em posição de guerra na floresta, e os brancos comandando em suas grandes casas. Eis que chega então o dia tão esperado da comemoração e consolidação da Uhuru com todas as suas expectativas, medos, traições, surpresas e honrarias. Vale a pena mergulhar nesse cenário queniano através desses escritos de Ngugo wa Thiong'o publicado originalmente em 1967.

"Ngugi wa Thiong'o nasceu em Limuru, Quênia, em 1938. É romancista, ensaista, dramaturgo e um dos principais escritores e estudiosos africanos em atividade. Seu primeiro romance, Weep Not, Child, foi publicado em 1964, enquanto estudava na Inglaterra. Em 1977, ele escreveu uma peça teatral que contrariou o governo do Quênia e acabou preso por mais de um ano pelo regime ditatorial.
Um grão de trigo (1967) é o seu terceiro romance. As obras posteriores incluem Petals of Blood (1977), Wizard of the Crow (2006) e uma trilogia de memórias. Vive atualmente nos Estados Unidos, onde é membro da American Academy of Arts and Letters e professor da Unidade da Califórnia, em Irvine."



Fuca CGPP

sábado, 19 de janeiro de 2019

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota

As Andorinhas, Paulina Chiziane – breve nota 


Com uma narrativa literária de luta, ler o livro “As Andorinhas” vem como se estivesse ouvindo as histórias e ensinamentos de uma mais velha numa conversa frente a frente. Contendo três contos que abordam cada qual a sua maneira a caça ou a liberdade das andorinhas. No primeiro conto, ”Quem Manda Aqui?”, um imperador gordo, arrogante e ditador resolve querer silenciar as andorinhas e acaba desguarnecido e sofre a invasão dos brancos. No segundo, “Maundlane, O Criador”, trata de uma grande história e vários ensinamentos ao relatar a trajetória de um exímio guerrilheiro. E por fim, conta-se a história de “Mutola” utilizando o causo da águia e da galinha. Assim essa excelente escritora nos aproxima das vivências de libertação Moçambicana, e é evidente a valorização da importância feminina em suas narrativas, por vezes, a mulher é a grande sábia, é a que detém o controle familiar, e útero é sempre bom adjetivo. Um livro fino, de 125 páginas, então não há desculpas para não lê-lo, e fica a indicação! Pra se mergulhar cada vez mais na literatura africana!



Fuca - 2019


Infos no livro: 

“A escritora Chope, filha de um alfaiate e de uma camponesa dona de casa, usa o seu poder de contadora de histórias para partilhar o percurso de três personalidades, desafiando o leitor com um debate sobre o passado e o presente de Moçambique.”

"Pauline Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É reconhecida como a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Internacionalmente, revela-se como uma das mais renomadas escritoras africanas e a maior romancista negra dos países de lingua portuguesa. É constantemente convidada para conferências de arte, direitos humanos e literatura em diferentes países.
Em reconhecimento ao seu trabalho militante pela justiça e igualdade, foi nomeada, pelo One Thousand Peace Women (Movimento Internacional de Paz), uma das mil mulheres pacificas do mundo, além de indicada ao Prêmio Nobel da Paz (2005)."


sábado, 5 de janeiro de 2019

Planeta Favela, Mike Davis – Breve nota


Planeta Favela, Mike Davis – Breve nota

  Planeta Favela é um livro que evidencia a degradação humana nos espaços favelizados que operam como lugares de reprodução da pobreza. A denúncia é contundente e visa abarcar os fatos mais concretos do que se prender em conceitos, quebra de paradigmas ou até mesmo desenvolver hipóteses, conceitos ou teorias que possam reverter o quadro desastroso da favelização mundial. A ênfase, na verdade, se atem nos países do Terceiro Mundo que sofrem toda carga que se precisa ter para alimentar a ideologia liberal dos países capitalistas desenvolvidos.

  O conteúdo é tão critico que se torna difícil enxergar luz no fim do túnel para quem vive em favelas, por outro lado, é disso que provem o êxito e a riqueza para instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, que devido a divida externa impõem os Planos de Ajuste Econômico (PAE) aos países que não conseguem pagar os empréstimos, pois os juros são altos e assim essas instituições passam a controlar politicamente esses territórios.

  Dentro dos desastres provocados pela globalização neoliberal para os pobres do Terceiro Mundo, o autor expõe vários tópicos degradantes que vão desde guerras, desemprego, precarização de trabalho, segregação, racismo, superurbanizações seguidas de expulsões, enchentes, deslizamentos de casas, incêndios criminosos em favelas, lixo, poluição atmosférica, contaminações, caos no transito de transportes, crise sanitária, escassez de recursos naturais, etc.

  Para alocar devidamente no tempo, tudo isso é datado basicamente desde pelo menos o final do século XX. Interessante que entre as décadas de 1960 e 1980, os países do terceiro mundo chegaram a crescer e nesse período ainda não se tinha a orientação das políticas neoliberais do FMI. Vale frisar que em países de passado colonial a estrutura desigual já existia, seja em explorações de bens naturais e de mão de obra barata, na segregação espacial ou na pobreza, mas a globalização e as políticas neoliberais trataram de acelerar e intensificar a escala da pobreza urbana nos países subdesenvolvidos.

  No capitulo um, O Climatério Urbano, Mike Davis traz diversas analises baseadas em estudos e dados que tratam acerca da urbanização dos países e cidades do Terceiro Mundo. Chega-se na primeira constatação: a explosão da urbanização. Outra situação é que a alta da urbanização em diversas cidades da África, America do Sul e Ásia, ocorreu num cenário de desindustrialização, então esse crescimento populacional não significava desenvolvimento, mas sim a manutenção da pobreza. O autor já nos aponta neste primeiro capitulo que o sistema econômico neoliberal do FMI e do Banco Mundial são os causadores direto desse cenário.

  Se essa urbanização desgovernada faz parte da manutenção da pobreza, a favelização e todo tipo de ocupação e moradia informal se torna tendência nesses territórios. Outro fator é a questão do advento do crescimento de cidades nos campos, em alguns casos já não há o êxodo rural, mas a urbanidade atinge os modos de vida do campo, fato praticamente inevitável devido o período da globalização.

  A Generalização das Favelas, segundo capitulo, vai abordar os espaços periféricos já que em algumas cidades a urbanização significa favelização, pois abrange mais da metade do território, e de urbanização irregular. Retrata a questão das ocupações (no livro apresenta a palavra invasão), em quais condições elas ocorrem, e como são organizadas, destruídas e montadas novamente. Evidencia brevemente que a saída em ocupar terrenos marginalizados pelos despossuídos, nem sempre é a medida mais barata, levando em consideração a peleja das lutas que serão necessárias travarem pela sobrevivência, mas que ao longo do tempo esse “valor” pode ser recuperado a partir de uma estruturação crescente nesses espaços. Dentro desse subtópico existe a questão da “privatização das invasões”, onde antes de ocupar é necessário pagar para políticos poderosos (as vezes através de votos), loteadores (pessoas de poder local), latifundista ou grande fazendeiro, comuna rural, etc. Culminando no subtópico seguinte que é a invisibilidade do locatário na favela que alcançou uma modesta base inferior na estratificação dessa classe pobre, e devido a falta de organização fica a mercê dos alugueis. O autor aponta que esse é um meio de exploração de pobre sobre um mais pobre.

  O terceiro capitulo desvela A Traição do Estado, que inicia com a citação de Alan Gilbert e Peter Ward, “Embora o capitalismo irrestrito tenha uma face em geral inaceitável, o Estado corrupto que age em favor dos ricos é ainda pior. Em tais circunstâncias, pouco há a ganhar com a simples tentativa de melhorar o sistema.” Então se mostra nessa parte do livro as formas que o Estado atuou de maneira excludente, negligente e foi omisso em buscar reverter as condições de favelização e proliferação da pobreza, que, por conseguinte aparece As Ilusões de Auto Ajuda, onde agora o próprio Banco Mundial investe em desenvolvimento urbano e assim coopta algumas ONG’s que focam em ações de curto prazo com pequenas proporções distanciando a sociedade civil organizada e os pobres de uma consciência de classes e de uma busca plena por seus direitos.

  Aqui o autor critica a aliança do arquiteto John Turner com o presidente do Banco Mundial na qual o saldo foi de que os benefícios dos projetos oriundos desse “casamento” acabaram nas mãos da classe média, os mais pobres ficaram fora do projeto novamente. E vai criticar também a tomada de medidas rápidas e simplistas tais como a de Hernando de Soto, o guru global do populismo neoliberal, ao apenas adotar como estratégia a concessão de titulo de propriedade em invasões.  

“Os empréstimos do Banco Mundial para o desenvolvimento urbano aumentaram de meros 10 milhões de dólares em 1972 para mais de 2 bilhões de dólares em 1988. E, entre 1972 e 1990, o Banco ajudou a financiar um total de 116 programas de oferta de lotes urbanizados e/ou de urbanização de favelas em 55 países. É claro que em termos de necessidade isso não passou de uma gota num balde d’água, mas deu ao Banco enorme influência nas políticas urbanas nacionais, além de uma relação de patrocínio direto com as ONGs e comunidades faveladas locais; também permitiu ao Banco impor as suas próprias teorias como ortodoxia mundial da política urbana”.

  Nos últimos capítulos é versado mais profundamente sobre as formas como são postas os Planos de Ajuste Econômico (PAE), a precarização do trabalho ao desvendar o mito da informalidade como saída do desemprego, os riscos físicos vividos de fato em muitas das favelas em todo o mundo e o trabalho infantil. Ainda, o crescimento do pentecostalismo em alguns países extremamente vulneráveis onde se tem uma via de humanidade excedente.

“Em vez das cidades de ferro e vidro, sonhadas pelos arquitetos, o mundo está, na verdade, sendo dominado pelas favelas.”


Fuca cgpp 2019

sábado, 1 de dezembro de 2018

Insubmissas Lágrimas de Mulheres – Conceição Evaristo - breve nota


Breve nota: Insubmissas Lágrimas de Mulheres – Conceição Evaristo

Contendo 13 contos que são retratados a partir de depoimentos de diversas mulheres, digo a partir, pois foi o ponto de partida para uma criação literária belíssima. Essa conexão de realidade e invenção, e adicionado a condição de mulher negra da narradora, que a principio é a própria Conceição Evaristo, se denomina o conceito de escrevivência.

A edição que li foi a comemorativa aos 70 anos da autora, pela editora Malê. Os contos são regados de representatividade e por vezes de sororidade, evidenciando a intenção da autora em focar nas realidades das mulheres, que ao debater gênero, cada qual na sua maneira e experiência, assume por fim uma postura Insubmissa. A maioria vem com relatos bem pesados que, por vezes, podem causar incomodo a quem lê, ora vem o sentimento de revolta ora uma lágrima se derrama de forma explicita.

Todos os contos partem do encontro da autora com as mulheres protagonistas das histórias, e em todo o livro é presenciada a opressão masculina, são raras as exceções que isso não ocorre, a exemplo de Regina Anastácia que se realizou num relacionamento inter-racional, mas muitas tiveram que resistir as mais variadas brutalidades que nenhum ser humano gostaria de passar, ainda mais somente pela condição de ser quem você é.

Conceição Evaristo (Maria conceição Evaristo de Brito) nasceu em Belo Horizonte, em 29 de novembro de 1946. Em 1990 publicou pela primeira vez nos Cadernos Negros e, desde então, conciliando maternidade, vida docente, estudos teóricos e produção literária, titulou-se Mestre em Literatura Brasileira (PUC-Rio) e Doutora em Literatura Comparada (Universidade Federal Fluminense), além de lançar quatro obras individuais, uma delas, Olhos d’água.




Fuca, Insurreição CGPP

sábado, 3 de novembro de 2018

Parte de Minha Alma, Winnie Mandela - Breve nota

Parte de Minha Alma, Winnie Mandela - Breve nota

Nonzamo Winifred Madikizela, ou Winnie Mandela, nascida em setembro de 1936 na África do Sul. Formou-se em Serviço Social sendo a primeira assistente social preta de seu país. O livro contem relatos duros de sua vida, história que perpassa banimentos, isolamentos, prisões, repressão policial e perseguição política sob o regime do apartheid (1948-1994). Para os brancos (Bôeres), Winnie era a encarnação do perigo negro, armada de um pensamento sólido, de uma resistência densa no campo dos ideais, de uma militância ativa que basicamente consistia em conquistar e exigir os direitos em prol do povo preto na África do Sul. Pensamento que se expandiu sobre o território sul africano, e atravessando fronteiras, se tornou mais uma grande referência de luta para todo o mundo africano, seja no continente ou na diáspora. Winnie fez sua passagem neste ano de 2018, no dia 02 de abril com 81 anos de idade.

“Parte de Minha Alma” foi publicado enquanto o Apartheid (segregação) ainda estava vigente, no ano de 1984. O livro é separado por nove capítulos e entre a narrativa de cada capítulo têm-se diversos anexos posicionados de acordo com cada assunto, pessoa, momento ou cronologia. São cartas, textos, noticias, homenagens, etc. Ela foi companheira de Nelson Mandela, se casaram no ano 1958, ele já era envolvido politicamente e tido como liderança pela libertação do povo preto. Winnie, por sua vez, também já tinha seu ativismo iniciado e um pensamento político em construção por ela mesma, tanto que ela consolidou um posicionamento intransigente na causa negra, em linha gerais, ela não admitia concessões e a integração como saída na tal forma que a sociedade estava posta estruturalmente. Então, além de ser um relato pessoal e, muitas vezes, íntimo, ela revelou sua ideologia e como consistia seu posicionamento político ante esse regime cruel perpetrado pelos brancos.

Se tratando dos capítulos, da convivência em Brandfort sob banimento ela foi até a juventude no campo. Em Brandfort falou dos causos da segregação sentida no dia a dia, quando voltou no tempo para falar de sua juventude, retratou já a sua identificação do preconceito racial, conjuntura que indicava uma suposta inferioridade dos negros em relação aos brancos. Já com os ensinamentos de seu pai, que era professor, embora não tão valorizado quanto um professor branco, soube de histórias sobre a tradição africana, ele utilizava de uma dupla versão da história, primeiro discorria sobre a história oficial para depois contar a real! Ainda, ela recordou de um professor de história que por várias vezes repetia que uma revolução exigia sangue e ferro, sendo então uma influência para tratar da guerra racial no seu país. Nesse capitulo ela fala também da origem estrangeira do nome Winifred, e que isso servia para lembrá-la a todo instante da opressão!

Adiante, no livro, vem a questão da vida na clandestinidade, e o momento ao qual se desenrola o amor entre Winnie e Nelson Mandela, ela detalha desde quando se conheceram até o casamento e como a separação veio rápida, devido a prisão de Nelson Mandela. ”A VIDA COM ELE FOI SEMPRE UMA VIDA SEM ELE”.

“Não houve literalmente vida, que eu pudesse chamar de vida de família, nada que pelo menos se pudesse chamar de romântico, como uma jovem noiva talvez desejasse uma vida em que com o seu marido você pudesse se sentar e tecer sonhos de como a vida em comum poderia ser.”

A partir de então, vieram mais e mais relatos de perseguições políticas, prisões injustificadas, e mobilização na clandestinidade no intuito de burlar o banimento. Winnie Mandela, por muitas vezes, é tida como a pessoa que fez Nelson Mandela, pois ela não cessou de lutar e se tornando uma voz importante anti-apartheid, teve então sua reputação colocada em cheque. Surgiram campanhas que visavam rebaixar sua imagem. “numa organização clandestina tem sempre um traidor querendo prejudicar a reputação”. Tática que os opressores sempre usaram para descreditar nossos revolucionários.

Em outro capitulo, é falado do levante dos estudantes em Soweto e do crescimento do Movimento de Consciência Negra na década de 1970, assim se teve um verdadeiro massacre. “Os acontecimentos de junho de 1976 que se tornaram conhecidos como o 'levante de Soweto' foram uma inflamação espontânea do país. Ninguém organizou nada. Foi a raiva direta e imediata que ali explodiu. Eu estava presente quando os adolescentes em 1976 arrancaram as pedras da rua. Estava no meio deles e vi o que aconteceu. Tinham apanhado pedras e tampas de latas de lixo, que usavam como escudos, e assim marchavam contra as metralhadoras. Não é verdade que não soubessem que os brancos estavam fortemente armados. Eles marchavam contra o fogo cerrado das metralhadoras. Soweto ficou literalmente mergulhado na fumaça das metralhadoras. Os jovens caíam morrendo na rua e para cada um que morria marchavam outros adiante.”(p.148) Foram estimadas mais de mil mortes entre junho e dezembro de 1976, mais um momento revoltante da história.

Na Prisão: “Existe um grau de humilhação, que provoca nos humilhados a pior violência”. E ainda nas palavras de Winnie... “Fui presa em outubro de 1969. Prisão significa no meio da noite batidas na porta; prisão significa faróis ofuscando todas as janelas até que a porta seja arrombada. Prisão significa o direito da Policia de Segurança de ler todas as cartas, folhear todos os livros, enrolar tapetes, rasgar lençóis em que dormem crianças, arrancar roupas dos armários e das malas; revirar os bolsos e finalmente na madrugada ser arrancada de crianças pequenas que se agarram chorando à saia da mãe e suplicam aos homens brancos que deixem mamãe em paz."

Agora, acredito eu, é o próximo capítulo que consegue reunir os pontos mais politizados de Winnie Mandela no livro, "A Situação Politica". É nesse momento que a visão é passada sobre seu posicionamento politico de forma mais concreta e continuada, e é por este tipo de pensamento que os meios ditos oficiais da opinião pública colocam o melhor que tem de nosso povo como lideres ou pensadores contraditórios. Isso na verdade que dizer, em outras palavras, que: são essas pessoas que devemos estudar, escutar, compreender e nos inspirar.

Para quem acredita que as condições históricas são peças-chave para entender como se deu ao longo de períodos e em diversos tipos de espaços a dominação branca, assim como traçar os principais aspectos do comportamento branco, deve-se passar e revisitar o pensamento de Winnie Mandela, que muito contribui para que formemos e/ou fortalecemos nossas organizações e nossa luta. 




Fuca CGPP