Segue trechos que explanam um pouco do legado de Marcus Garvey. Trechos extraídos de três livros: O primeiro 'A Matriz Africana No Mundo', o segundo 'Afrocentricidade: a teoria da mudança social' e o terceiro 'Os Jacobinos Negros'.
Marcus Garvey - Discurso em julho de 1921
O movimento popular de Marcus Garvey
Um dos mais importantes líderes do pan-africanismo foi o jamaicano Marcus Garvey, fundador da Associação Universal para o avanço Negro (UNIA), o maior movimento africano da história interncional. A Unia contou em suas fileiras com milhares de pessoas: só nos Estados Unidos tinha 35 mil membros. Cuba tinha 52 filiais em 1926; a África do Sul e Honduras tinham oito cada uma; Panamá e Costa Rica tinham 47 e 23 organizações filiadas, respectivamente. Havia sucursais da Unia em Barbados, Equador, Nigéria, Porto Rico, Austrália, Nicaragua, México, Serra Leoa, Inglaterra e Venezuela, entre outros países. Quando Marcus Garvey foi preso pelo fbi, 150 mil pessoas de várias nacionalidades desfilaram no Harlem, bairro negro de Nova York, para exigir sua liberdade. Outros atos públicos e desfiles da Unia levaram às ruas multidões de dez mil a 25 mil pessoas durante toda a década de 1920.
O movimento de Garvey exerceu influência inequivoca na África. Na Primeira Convenção dos Povos Africanos no Mundo, realizada em Nova York em 1920, 25 mil delegados de todos os cantos do mundo africano lançaram uma declaração de Direitos, na qual condenavam o colonialismo e afirmavam "o direito inerente do negro de controlar a África". Entre outras medidas, a Unia adotou o verde, o preto e o vermelho como as cores simbólicas da emancipação dos povos afrodescendentes; reivindicou o fim do linchamento e da discriminação racial nos países da diáspora; pleiteou o ensino da história africana nas escolas públicas.
Garvey não advogava a volta pura e simples à África:
...Não pregamos nenhuma doutrina pedindo a todos os negros que saiam daqui para ir à África. A maioria da nossa gente pode ficar aqui, mas devemos mandar nossos ciêntistas, mecânicos e artesãos, para que lá construam estradas de ferro, edifiquem as grandes instituições educacionais e outras instituições necessárias. (Apud Essien-Udom, 1964, p.385)
O objetivo de Garvey se resumia no lema "A África para os africanos, no próprio continente e no exterior", o que significava a construção de uma África unida, livre da hegemonia européia, bem erigida como baluarte de força e apoio para os negros em todo o mundo.
(A Matriz Africana no Mundo p.169)
"Garveyismo"
O Garveyismo, apesar dos ataques e acusações arremessados a ele até recentemente, foi a mais perfeita, consistente e brilhante ideologia de libertação na primeira metade do século 20. Em nenhuma nação no mundo houve um tratamento filosófico mais criativo de um povo oprimido do que o Garveyismo. Ele era usado como veículo para a ascensão de um povo, assim como uma arma contra aqueles brancos e pretos que tinham investido interesses em status quo. O Garveyismo foi uma ideia que preencheu sua Era. Ele pegou o homem comum, de ascendência africana, desenraizado de sua cultura, e o fortificou.
Marcus Mosiah Garvey nasceu em St. Ann, Jamaica, em 17 de agosto de 1887, por Marcus e Sarah Garvey. Desde cedo, ele expressou um intenso desejo de ver o movimento de elevação de nossa raça. Garvey viajou a Costa Rica, Venezuela, Nicarágua, Honduras e Colômbia. Em cada lugar, viu africanos nos piores empregos e nas casas mais pobres. Deixando a América do Sul, retornou à Jamaica por curto tempo, até enquanto conseguiu navegar para Londres em 1912. Nas metrópoles do Império Britânico conheceu o robusto nacionalista pan-africano Duse Mohammed, editor do African Times e Orient Review e, posteriormente, da Comet, fundada em Londres e, mais tarde, em Lagos, respectivamente. Mas foi ao ler "Up from Slavery" de Booker T. Washington que realmente moveu o Garveyismo em direção aos EUA e à criação da Universal Negro Improvement Association (U.N.I.A.). Ele se tornou resoluto de que deveria ajudar a construir a nação do homem preto.
Em 1914, Garvey estava certo de que podia unir todos os povos pretos do mundo em um grande corpo para estabelecer um país e um governo (Garvey, 1969). Seu programa oferecia estas sete etapas:
1. Despertar e unir todos os africanos;
2. Transformar o pensamento dos despertos em potencial;
3. Canalizar energias emocionais em direção a interesses raciais construtivos;
4. Trabalho sacrificial de massa;
5. Através da educação em ciência e indústria e da construção de caráter, enfatizar a educação de massa;
6. Preparar nacionalistas para governar nações;
7. Manter as novas nações unidas depois que elas fossem formadas.
Essas etapas estavam enraizadas no amor imortal de Garvey pelo povo. Ele entendeu que a asseveração e a afirmação da herança cultural africana eram necessárias para a verdadeira libertação dos africanos diaspóricos.
A ideia básica do Garveyismo – Poder Racial – apresenta pouca inovação, porque a ideia de poder racial sempre caracterizou a visão branca do mundo. Poder racial tinha sido a ideia central no pensamento europeu, desde Bartolomeu Las Casas. Ela dominou os principais filósofos da Europa: Darwin, Wagner, Nietzsche e mesmo Marx. Esses europeus podem ter diferido em suas conceitualizações de poder racial, mas nenhum questionou a ideia central em si. Seja ela uma ideia biológica ou mecânica, ela é prevalecente. Consequentemente, o Garveyismo se inspirou nos ensinamentos dinâmicos de Edward Blyden, Martin Delaney e Bispo Henry McNeal Turner. Como tal, Garvey estava em excelente companhia com a ideia de poder racial.
O trabalho de Garvey era multidimensional. Embora a imprensa tenha concentrado no conceito de Volta-à-África, isso nunca foi uma parte central do programa de Garvey. Ele instituiu símbolos culturais que capturaram a essência de uma filosofia nacionalista; sua mente estava afiada e engenhada para os meios de comunicação. Como um manipulador de mídia, crescendo em seus anos de jornalista e publicador, Garvey sabia como comunicar-se com seu público. O Garveyismo foi uma filosofia popular entendida desde os menos aos mais sofisticados de seu público. As imagens panorâmicas de Garvey cativavam os jornalistas que observavam o movimento. Elas pareciam tiradas com a eloquência de seus símbolos e a substância de suas mensagens.
Garvey foi um Pan-africanista. Ele via nitidamente a relação de africanos no continente e na diáspora como variações de um povo, um projeto cultural gigante.
O nome completo de sua organização enfatizou seu comprometimento Pan-africano, a Associação Universal de Melhoria do Negro e a Liga das Comunidades Africanas - U.N.I.A. e A.C.L. Garvey era descaradamente devotado a uma doutrina de “raça primeiro”, não “raça apenas”, mas certamente, “raça primeiro”. Como Tony Martin mostrou em suas brilhantes obras sobre Garvey, o íntegro Garvey foi um nacionalista Pan-africano cuja vida inteira foi dedicada a ver africanos oprimidos e pisados sendo respeitados e respeitando a si mesmos.
As concepções teleológicas do Garveyismo são produtivas. Garvey procurou produzir o novo homem preto, moldá-lo, civilizá-lo e desenvolvê-lo. Um forte comprometimento teleológico direciona a produção de um novo povo, organizado em instituições de construção de caráter e construção de nações para o futuro. Sua visão prefigurou a estrada Afrocêntrica para o auto respeito e a dignidade. Em retrospecto, podemos dizer que o Njia foi a ideia por trás do impacto de Garvey sobre o povo africano.
Como um ponto de vista, o Garveyismo não pode ser negado, uma vez que o povo rendeu suporte ao seu movimento e que Garvey ultrapassou todos os seus contemporâneos. Garvey fez sentido, tocou o senso comum do povo; que foi a favor dessa posição porque soou verdadeira. Não há lutas contra fatos, apenas lutas por fé. Toda a estratégia de Garvey foi para obter um esmagador voto de confiança do mundo africano. Mais de 10 milhões pagaram suas contribuições e prometeram fidelidade à recuperação da África para os africanos. O que Garvey mostrou a eles e o que é demonstrável hoje e amanhã é que o povo africano responde à sua memória coletiva do continente. Tal aceitação o coloca nos altos escalões dos lugares sagrados. Qualquer análise concreta do Garveyismo revelará o apoio decisivo a nossos símbolos, que poderosamente constroem nações e dialogam conosco.
O Garveyismo representa o protótipo de movimentos de massa gerais e movimentos nacionalistas específicos. O espírito de Marcus Mosiah Garvey é encontrado em toda página de desenvolvimento e ideologia nacionalistas. Ele construiu uma moldura para futuros construtores. Gênio de imensas proporções, ele poderia ter sido professor de universidade, poeta, dramaturgo, historiador ou general militar; ele foi, entretanto, o de que nossa história necessitava num momento de crise."
- Molefi Kete Asante, "Afrocentricidade: a teoria da mudança social" pag 21-23
Dois negros das Índias Ocidentais, usando a tinta da negritude escreveram seus nomes para sempre nas primeiras páginas da História de nossa época. Marcus Garvey destacou-se como líder. Garvey, imigrante jamaicano, é o unico negro bem-sucedido a formar um movimento de massa entre os negros americanos. As especulações a respeito do número de seus seguidores já alcançam o número de milhões. Garvey defendeu o retorno da África para os africanos e seus descendentes. Ele organizou, muito precipitadamente e com pouca competência, a Black Star Line, uma companhia de navios a vapor para transportar pessoas de linhagem africana do Novo Mundo para a África. Garvey não foi muito longe. Seu movimento tomou forma realmente eficaz por volta de 1921, e lá por 1926 encontrava-se em uma prisão norte-americana (um processo por uso indébito dos correios); da prisão foi deportado de volta à Jamaica. Mas tudo isso é apenas a fachada. Garvey nunca botou os pés na África. Não falava nenhuma língua africana. Suas concepções da África pareciam ser as de uma ilha das Índias Ocidentais e do seu povo multiplicadas por mil. Mas Garvey conseguiu transmitir aos negros (e ao resto do mundo), em todos os lugares, sua crença passional de que a África era o lar de uma civilização que ja fora grande outrora e que o seria novamente. Quando se imagina a escassez de recursos que tinha, as avassaladoras forças materiais e as penetrantes concepções sociais que inconcientemente visavam a destruí-lo, seus esforços continuam sendo um dos milagres propagandísticos deste século.
A voz de Garvey reverberou dentro da própria África. O rei da Suazilândia disse á esposa de Marcus Garvey que conhecia o nome de somente dois homens do mundo ocidental, Jack Johnson, o boxeador que derrotou o branco Jim Jeffries, e Marcus Garvey. Jomo Kenyatta relatou a este escritor que, em 1921, os nacionalistas do Quênia, como não sabiam ler, reuniam-se em volta de um leitor de jornal de Garvey, o Negro World, e escutavam a leitura de um artigo duas ou três vezes. Depois, debandavam pela floresta, para repetir com cuidado tudo o que tinham na memória para os africanos, ávidos por uma doutrina que os libertasse da consciência servil na qual viviam. O dr Nkrumah, estudante de pós-graduação em História e Filosofia em duas universidades norte-americanas, declarou que, entre todos os escritores que influênciaram sua formação, Marcus Garvey está em primeiro lugar. Garvey acreditava que a causa dos africanos e dos povos em ascendência africana era não somente negligênciada como tratada com pouca consideração. Em pouco mais de cinco anos, ele a tinha tornado parte da conciência política mundial. Não conhecia a palavra "Negritude", mas sabia do que se tratava. Teria escolhido o termo com entusiasmo e reclamado sua parternidade com justiça.
O outro negro das Índias Ocidentais era George Padmore, de Trinidad, nas Índias Ocidentais Britânicas. Padmore tirou a poeira das estagnadas Índias Ocidentais dos pés, no início da decada de vinte, e foi para os Estados Unidos. Quando morreu em 1959, oito países mandaram representantes ao seu funeral, em Londres. Suas cinzas foram sepultadas em Gana. E tudo indica que, nesse país das manifestações políticas, nunca houve uma manifestação política como a provocada pelas exéquias de Padmore. Camponeses de áreas remotas, que poderíamos pensar que nunca tivessem ouvido falar seu nome, dirigiam-se a Acra para prestar o último tributo a esse negro das Índias Ocidentais que havia levado a vida a serviço de seu povo...
Trecho do livro "Os Jacobinos Negros" apêndice 'De Toussaint L'Ouverture a Fidel Castro'(p. 349/ 50) escrito por C.L.R James
Digitado por Fuca