segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Fala do Miguel Angelo no 14° Congresso Paulista de Saúde Pública

O Congresso foi realizado na UFSCAR em São Carlos entre 26 e 30 de setembro de 2015 e teve como lema: "Saúde e Poder: Reconectando Cidadãos e Trabalhadores ao SUS".
Teve três eixos de debate:
28.9 - "Desmercantilizar o SUS";
29.9 - "Produzir Coletivos e Co-Gestão";
30.9 - "Reinventar o Trabalho em Saúde”.
O 14º Congresso Paulista de Saúde Pública foi organizado pela Associação Paulista de Saúde Pública e a UFSCAR, veja link:
http://www.14congressoapsp.com.br/



Trecho da Fala do Miguel Angelo no 14° Congresso Paulista de Saúde Pública

São Carlos, 29/09/2014, 14° Congresso Paulista de Saúde Pública.
 Saúde e Poder. Reconectando Cidadãos e Trabalhadores ao SUS

Por Miguel Angelo


Boa tarde, libertário(a)'s, ativistas, militantes, lutador(a)'s, camaradas, companheiro(a)'s , irmã's e irmão's que lutam por um projeto de sociedade chamado Sistema Único de Saúde!

Minha comunicação será dividida da seguinte forma; Primeiro vou-lhes dizer o que minha vivência de luta com o povo africano (africanos diaspóricos) me levou a entender o que vem a ser esse projeto de genocídio. Em seguida irei pontuar algumas das possibilidades de nós defensores do Sistema Único de Saúde temos para fazer resistência a esse projeto, basicamente o que nós, africanos diaspóricos vislumbramos como possibilidade de intervenção, o que esperamos do Sistema Único de Saúde.

O povo africano (africanos continentais e dispóricos) está sendo destruído progressivamente em todo o mundo para garantir a égide da supremacia brakkka. Escrevo brakkka com três "k" fazendo referencia a Kan Klux Klan haja vista que essa raça histórica e cultural (para usar a acepção dada por Abdias do Nascimento em Quilombismo e não correr o risco que ouvir de intrigantes, maliciosos, ignorantes e racistas de que estou trabalhando com um categoria biológica) brankkka opera, ao menos na dimensão da ideologia, da mesma forma que essa organização abertamente racista nascida no sul dos EUA; cinicamente sabem o que fazem e ainda assim o fazem. Respeitam seus padrões de civilidade perante a comunidade e a noite saem a caça para nos matar, seja com suas armas brancas ou de fogo, com sua inação frente a necessidade de lutar abertamente contra seus privilégios, seja pelo seu silêncio de consentimento. O povo africano não inventou o racismo, o racismo não é um mero produto intelectivo do povo africano, aqueles aqui que são identificados como pessoas brancas são racistas em decorrência de serem privilegiados e socializados com base na raça por um sistema de supremacia brankkka (racista). Todas as pessoas brancas (ou seja, as pessoas de ascendência europeia) que vivem no Brasil, independentemente de classe, gênero, religião, cultura ou sexualidade são racistas. Os que aqui se identificam enquanto brancos e se consideram não racistas eu lhes afirmo que essa definição nada mais é do que uma maneira de negar a responsabilidade pelo racismo como fenômeno sistêmico, para forjar uma falsa inocência diante da opressão racial transferindo essa responsabilidade não apenas ao povo africano, mas também para todos os povos não-brancos. Ao invés disso, aqueles aqui que fizeram uma escolha consciente de agir para contestar alguns de seus privilégios brancos assim como o próprio sistema de supremacia brankkka que se considerem anti-racistas. 
Sigamos...

A supremacia brankkka operou e opera de diversas formas que certamente não são exclusivas entre si. A forma mais explícita da supremacia brankkka se expressa como um processo físico de pura violência, muitas vezes extremamente brutal. Aqui falamos de um processo de escravização, realizada pelos europeus, contra milhões de africanos durante centenas de anos, falamos também do extermínio dos povos indígenas na América, falamos da matança e do aprisionamento de milhões de africanos durante a colonização, falamos de uma lista aparentemente interminável de atos de terror perpetrados por supremacistas brankkkos em todo o planeta afinal. 

A supermacia brankkka é também um processo social e econômico onde milhões perdem sua soberania, sua própria terra, os supremacistas apropriam os mais básicos recursos que garantiriam a existência de milhões para interesses particulares. Fundamentalmente a supremacia brankkka é necessariamente um processo mental, é o encarceramento mental do africano. Quando apropriado o espaço mental do africano a visão de mundo do europeu de torna naturalizada, o disfarce da barbárie através de ideias conceitos e teorias que se põe como universais. A Europa forjou muito de sua identidade moderna à nossa custa justamente construindo a ideia de que nós somos o espelho negativo do mundo, que somos primitivos, supersticiosos, incivilizados, aistóricos e que eles são o exato contrário. 

Se você der uma olhadinha no Iluminismo irá se deparar com isso. Um Hume e um Liceu, que dizem que nossa vida mental é distinta da do Europeu. Um Buffon e um Blumenbach, dizendo que concentração de melanina é sinônimo de doença. Um Edward Long, dizendo que os povos não-brancos estão no meio da cadeia evolutiva entre o homem europeu, que assume o topo, e os símios, sua base. Não dá para esquecer Popkin, dizendo por lá que a criação mais plena da humanidade foi a caucasiana.

Os supremacistas brakkkos produzem um jogo onde eles sempre ganham e isso é dado como natural, como verdade. Nós africanos sempre estamos "em progresso", "em desenvolvimento" por que o que está valendo é os critérios deles que lhes permitem sempre estarem em primeiro lugar. Lembrem-se sempre que os africanos tanto de conexão interna (continente africano) como nós, os da conexão externa (espalhados pela diáspora) sempre ouvimos o discurso supremacista brakkko de que estamos em condições negativas em ternos sociais, econômicos e políticos por que não seguimos a lógica européia, mas é justamente por seguir essa lógica que estamos vivendo uma crise social, econômica e política, ou seja, é um ciclo fechado. Nesse momento o supermacista brankkko nos olha e diz; "A cultura do outro, a cultura deles é a marca de sua inferioridade", e dai temos o genocídio cultural como marca do "desenvolvimento", como marca do "progresso".

Nós africanos quando em condição de encarceramento mental internalizamos o discurso supremacista brakkko (A isso podemos chamar de racismo internalizado onde; (1) O veneno do racismo se infiltra na psique dos pretos, até que nós acreditemos que somos aquilo que os brankkkos dizem que somos - que somos inferiores aos brancos; (2) O comportamento de um(a) preto(a) para com outro(a) preto(a) decorrente desta intoxicação psíquica. Muitas vezes chamado de "hostilidade inter-racial"; e (3) A aceitação por pret@s dos valores eurocêntricos, como observado supra). A libertação física que operamos destruindo com nossas próprias mãos o regime escravocrata não significou a supressão da ideologia do supremacismo brankkko. Não se esqueça de como isso funciona no Brasil. Em lugares que vendem a ideia de que existe um "paraíso racial", Frances Winddance diz que os argumentos são assim;

1. Aceitação implícita da brancura como norma ideal.
2. Negação da raça como categoria socialmente relevante.
3. Negação da raça como realidade física e louvação da mistura racial.
4. Negação da existência de uma especificidade cultural africana e louvação da mistura cultural.
5. Corte espacial ("não aqui").
6. Corte temporal ("não mais").

Já dizia Diop; "[...] os brancos costumam negar a realidade das raças ao mesmo tempo que tentam destruir uma raça. Geneticamente, não pode haver raças; a noção fenotípica e sociocultural de raça ainda define a maioria das relações humanas até hoje."

Brankkkos se utilizam das afirmações das mais obtusas contra nós, criminalizam nossa práticas sociais sob seus critérios particulares, de forma implícita quando africanos se utilizam do mimetismo para se tornarem aturáveis à branquitude e explícita quando nos utilizamos da negritude. Sobre o ângulo da psicanálise, é possível afirmar, olhando a estratégia do mimetismo, que eles tentam fazer com que imaginemos gozar todas as orgias brankkkas secretas, qualquer coisa, por que no racismo o outro não é simplesmente o inimigo, ele está também envolvido em algum gozo perverso, ou, de um modo distorcido o outro (nós) pode ser alguém que tenta roubar do brankkko seu gozo, seu estilo de vida perverso. É uma maneira de operar a ideologia que se encaixa naquilo que Aimé Cesaire identificou como a única barbárie que a supremacia brankkka identificou como barbárie de fato, o momento em que a Europa assistiu Adolf Hitler brotar de seu projeto básico para operar dentro de seu continente civilizado, racional e histórico um massacre. Lá os nazistas tinham um discurso para judeus do gueto e outro para os judeus "adaptados" de Berlim, esses últimos eram aqueles que queriam roubar o gozo ariano.

Em poucas palavras; A supremacia brankkka é, sob uma base histórica, o sistema que institucionalmente perpetuou a exploração e opressão de continentes, nações e povos não- brancos por pessoas brankkkas e suas nações do continente europeu com a finalidade de manter e defender um sistema de riqueza, poder e privilégio. Essa é a base sobre a qual se sustenta o genocídio. Enquanto ela vigora, vigora também o genocídio.

Como efeito, por não ser a verdade descrita acima um pressuposto do SUS, ou seja, por ele, enquanto para uns como projeto de Estado e para outros projeto de sociedade, em si não reconhecer esse projeto genocida como negativo contribuindo para o seu avanço, inclusive, que eu fiz questão da descrição acima.

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