quarta-feira, 22 de julho de 2020

Modibo Keita: Discurso do 1º de maio (1967) como presidente do Mali

 Um discurso de Modibo Keita, Presidente do Mali, contido na rubrica geral de um artigo intitulado "Trabalhadores malianos comemoram com entusiasmo o primeiro de maio de 1967" no órgão de língua francesa da União Sudanesa-RDA. L'Sssor Hebdomadaire (The Weekly Progress), Bamako, Vol 9, No 405, 2 May 1967, pp 4, 5.

 Discurso parte da seleção trazida por Fuca, Insurreição CGPP: 

Palavras de Independência da África II: Nkrumah, Olympio, Keita e Kaunda. (Pdf aqui) ou no link: https://drive.google.com/file/d/1It8Mjb-riPZAuG7gDUOzu15QJ23GJ_Oz/view?usp=sharing

Como em todos os anos, a liderança nacional do partido e do governo se junta através de mim nas festividades do primeiro de maio, que é um grande dia para os trabalhadores.

Este dia se comemora uma importante vitória na luta, muitas vezes mortal, da classe trabalhadora internacional em alcançar maior bem-estar em um sistema de produção do qual essa classe é o fator determinante. É tanto uma luta econômica quanto política, porque a classe trabalhadora compreendeu muito cedo que para se libertar da exploração depende de certas pré-condições políticas, cuja realização envolve todo o sistema social.

Em setembro de 1960, através de nossa escolha de soberania total e completa, que por si só foi um ato de verdadeira revolução, também escolhemos livremente o caminho socialista para o desenvolvimento após uma análise objetiva das condições reais de nosso país.

Já dissemos que nosso país, em razão de sua posição no continente, longe dos portos e isolado dos mercados mundiais, não ofereceu incentivo ao investimento privado sob o regime colonial.

Em condições como essa, deve ficar claro para qualquer pessoa que a maior despesa e o maior esforço no desenvolvimento de nosso país devam obrigatoriamente deixar ao Estado.

Além disso, era impensável, devido às condições sob as quais nossa batalha pela independência nacional foi travada, uma batalha cujo sucesso dependia em grande parte do espírito indomável de luta das massas, sob a liderança dos trabalhadores informados das cidades, que nosso Partido deveria seguir um caminho diferente para o desenvolvimento, cujo único objetivo seria colocar a riqueza principal da nação à disposição de toda a comunidade nacional.

Encaramos qualquer outra escolha simplesmente como traição, que teria enganado as massas de nosso povo em uma vitória que nunca poderia ter sido conquistada sem sua participação decisiva.

E assim, hoje, como sempre, a liderança nacional do Partido continua acreditando que apenas o socialismo, que significa a nacionalização dos principais meios de produção e planejamento, é a maneira razoável e justa capaz de tirar nosso país de seu estado de subdesenvolvimento.

Mas não é fácil construir o socialismo, como já descobrimos.

Ontem, na fase inicial da batalha que tivemos que lutar, e na qual a grande maioria dos trabalhadores desempenhou um papel vital, o problema era ganhar nossa liberdade, destruir um sistema. Hoje, porém, o problema é construir um Estado, uma nova nação, recusando-se a aceitar os padrões simples de submissão, ou seja, procurar encontrar o caminho próprio e original, o caminho certo para nós, o caminho que melhor se adapte às condições objetivas de nosso país.

O jogo é extremamente difícil e extremamente delicado.

Gostaria de lembrar aqui a todos os trabalhadores que, assim como antes, quando estávamos lutando contra a opressão colonial, é seu trabalho dar o exemplo de devoção e altruísmo nesta nova fase da nossa luta, que podemos e devemos vencer, desde que não esqueçamos as condições para o sucesso em uma batalha política.

Antes de tudo, e aqui estou falando para todos os quadros do Partido, nunca devemos esquecer que a primeira condição para vencer uma batalha política é o apoio total das massas ou lealdade da maioria, se não de todo o nosso povo, por nossa política, por nossos objetivos e pelos meios que escolhemos para alcançá-los.

Agora, temos vinte anos de experiência para mostrar que o povo do Mali nunca nos negou seu apoio e confiança.

Nosso trabalho, então, e o que nunca devemos esquecer ou negligenciar, é procurar e encontrar novamente o caminho das massas, permanecer solidamente juntos e explicar-lhes repetidamente nossos problemas e as soluções escolhidas pelo Partido como um todo. Esse deve ser o ponto principal de nossa atividade na situação atual. Se não arcamos com isso, outros que não têm as mesmas razões que a nossa, de se aproximar às políticas do nosso Partido, assumirão o nosso lugar - e, obviamente, eles farão isso à maneira deles.

Devemos estar cientes de outro fato fundamental: desde 1960, os problemas de construção econômica que o país enfrenta se tornam cada vez mais difíceis, cada vez mais complicados. Como consequência disso, nosso Partido precisa crescer e seus quadros devem ampliar seus conhecimentos para assumir novas responsabilidades. É óbvio que, para explicar, convencer e mobilizar o povo, precisamos primeiro nos conhecer e entender os modos de liderança de um Estado. E isso, por sua vez, é um trabalho que está rapidamente se tornando cada vez mais difícil e complexo.

Já sabemos que, à medida que avançamos na aplicação de nossa política de desenvolvimento socialista, todo tipo de dificuldade é encontrada, o que deixa as massas mais desconcertadas com os problemas econômicos. Sob tais condições, devemos estar prontos para os questionamentos que irão nos fazer, porque não importa para onde se vai, o povo precisa entender, se quisermos avançar.

Os quadros políticos e sindicais devem fornecer as respostas a essas perguntas, que nunca devem ser consideradas como suspeitas a priori.

A única maneira de os quadros serem capazes de assumir essa tarefa delicada é continuar com seus estudos intelectuais e ideológicos, para compreender cada vez mais claramente os problemas complexos de nossa construção nacional em um mundo dividido, cada vez mais conturbado e inquieto.

Devemos estimular e incentivar o diálogo no Partido e em todas as nossas organizações democráticas e populares. No entanto, é óbvio que nós, líderes políticos e administrativos que formam os quadros, não ficaremos tentados a encorajar o diálogo, mesmo que ele seja o sopro de vida para partidos únicos, se não temos respostas a oferecer e se estamos confusos diante dos problemas políticos e econômicos que nos pressionam por todos os lados.

Isso nos dá uma compreensão da perigosa tentação de substituir o método de persuasão e explicação, o único adequado às nossas políticas, por restrições, matando assim o espírito da livre discussão, ficaria claro que isso não teria proveito em um governo como o nosso.

Portanto, é dever dos trabalhadores mobilizar dentro de suas organizações trabalhistas para torná-las movimentos ativos, cientes do fato de que são os principais seguimentos interessados, pois são as pessoas que mais se beneficiam com o advento triunfante de uma economia socialista.

Eles também devem entender que cabe a eles o ônus da vigilância, para garantir que os princípios democráticos estabelecidos por nosso Partido sejam aplicados adequadamente.

Os trabalhadores também devem redobrar seus esforços no trabalho cotidiano e despertar para o fato de que nunca construiremos nosso país com preguiça, desordem e irresponsabilidade.

Em suma, é essencial que, ao fazermos nossas declarações públicas, elas devem corresponder às nossas ações cotidianas, os quadros trabalhistas e políticos em todos os lugares fornecem um exemplo de altruísmo, honestidade e devoção aos ideais daquele socialismo que prometemos construir.

Desde aquele dia, sete anos atrás, quando aderimos à soberania, que significa responsabilidade, a liderança nacional nunca traiu sua confiança nos trabalhadores e em seus líderes.

Em nossos serviços públicos, em todas as empresas e empresas estatais, grupos políticos e comitês sindicais foram criados.

A liderança nacional do Partido e do Governo apontou repetidamente o papel adequado dos órgãos desses trabalhadores em nossos serviços públicos, nossas corporações e empresas estatais, que são a base material da economia socialista que estamos construindo.

O estatuto geral que rege as empresas nacionais atribui às organizações de trabalhadores certas responsabilidades reais na administração: enquanto os órgãos do Partido e da União recebem o trabalho de motivação e controle em todos os órgãos do Estado.

Além disso, o Partido e o Governo nunca hesitaram em confiar as mais altas responsabilidades aos quadros treinados na luta sindical.

Mas devemos admitir que algumas fraquezas notáveis vieram à tona. Frequentemente, as Associações de Trabalhadores da Administração, que representam uma conquista social da maior importância, se tornaram estrelas, por assim dizer, e alguns líderes se separam dos outros trabalhadores que eles representam.

Os comitês do Partido e do sindicato, que deveriam promover uma concorrência saudável entre os trabalhadores, que deveriam criar novas relações de cooperação em nossas corporações e empresas estatais, nem sempre tiveram êxito em suas tarefas.

Além do mais, devemos repetir que a luta contra a fraude e a especulação não chegou a um fim vitorioso, porque os trabalhadores, apesar de sua maioria, não conseguiram assumir esta tarefa vital na construção de nossa economia.

Os trabalhadores ainda precisam entender que aqueles que pilharam a riqueza nacional, aqueles que, por suas práticas fraudulentas, põem em risco nosso governo socialista e suas realizações altamente importantes, devem ser rastreados impiedosamente e entregues aos órgãos policiais do Estado.

Em muitos casos, os trabalhadores simplesmente não tinham consciência política e ainda não conseguiram se livrar de certos complexos que os fazem sentir que isso seria como caguetar, e não uma demonstração de coragem cívica.

No entanto, devemos compreender que o inimigo mais danoso em nosso governo é a fraude e a especulação em nossa produção essencial.

Todo membro ativo da União Sudanesa das Repúblicas Democráticas Africanas, e principalmente os trabalhadores, devem entender que a luta contra práticas especulativas, uma fonte de inflação e de altos custos de vida, não é simplesmente o trabalho dos serviços especializados do Estado. A extensão do crime contra a nação é tão grande que exige a ajuda de todos os membros ativos para que ele chegue ao fim, com todo o rigor necessário.

Camaradas trabalhadores, Mali tem seus detratores juramentados que veem apenas nossos problemas, as falhas inerentes a qualquer empreendimento humano, que fecham os olhos para nossas realizações e nossos sucessos, embora estes estejam lá para todos verem.

E, portanto, nunca podemos voltar com muita frequência para observar as realizações do nosso Partido durante os breves sete anos desde que conquistamos nossa independência de volta.

Todos os membros ativos de nosso Partido e de nossas organizações democráticas e populares devem estar profundamente cientes do alcance e do significado dessas realizações, para estarmos mais bem armados contra os inimigos do nosso governo, cuja propaganda insidiosa deve ser combatida com os fatos que existem, palpáveis e inegáveis. Devo poupar uma enumeração dessas realizações aqui.

Obviamente, tudo isso não poderia ter sido feito sem alguns erros, alguns graves, ou sem falhas, algumas amargas.

Mas somos um partido com um longo histórico de lutas feitas de reveses e sucessos, e por isso nunca tivemos medo de encarar nossos erros de frente, e realizar nossa própria autocrítica, condição indispensável para nossos futuros saltos de progresso, e lembrar em todas as circunstâncias que nosso país não pôde ser construído com calma.

Essa política sempre exigiu um grande esforço de austeridade de todas as pessoas; ainda exige sacrifícios que o Estado deve distribuir de maneira justa entre o povo, de acordo com a capacidade de cada um de contribuir.

Aqui, novamente, os trabalhadores, a maioria dos quais são pessoas privilegiadas em comparação com os camponeses, devem dar o exemplo de altruísmo, e devem se livrar de uma vez por todas da ideia ultrapassada de direitos finalmente conquistados.

Em nossa situação atual, não pode haver interesse adquirido, direito adquirido na perpetuidade, desde que nossa principal preocupação seja economizar para que possamos investir e lançar as bases para o avanço econômico de nosso país.

Em suma, deve ficar claro a todos os trabalhadores que os salários em qualquer Estado moderno só pode ser uma função do volume total de produção, que se resume finalmente às possibilidades econômicas da nação.

Todos nós, em nossos escritórios, nossas lojas e nossos campos, devemos perceber que é sendo diligente em nosso trabalho, e aumentando nossa produtividade, que aumentaremos nossa renda nacional, e, assim, permitir ao Estado pagar mais aos trabalhadores e elevar seus padrões de vida, que é a aspiração natural de qualquer estado socialista.

Desde 1966, alguns grandes investimentos foram feitos, com a ajuda de auxilio externo e os enormes sacrifícios que fizemos. Atualmente, o Estado do Mali possui uma quantidade muito considerável de capital, cuja administração adequada deve permitir que nossa economia gere o impulso e a expansão necessários para resolver nossos problemas financeiros.

A consecução desses objetivos pressupõe uma redução no custo de produção e uma alta taxa de retorno em todos os setores da economia, graças à competência e consciência que os trabalhadores demonstram ao motivar as unidades em que atuam. O principal motor do desenvolvimento econômico é o homem tecnicamente qualificado e politicamente consciente, que deve sempre procurar ampliar seu conhecimento técnico e sua formação cultural geral.

O grau de consciência política pode ser medido por certas atitudes que podem ser vistas todos os dias no comportamento do trabalhador em serviço: o respeito pelo bem geral e pelo bem público, a lealdade à empresa, demonstrada não apenas pela pontualidade, mas também por seu trabalho duro e constante durante o horário de trabalho.

Neste momento, a República do Mali precisa de motoristas que mantenham seus veículos adequadamente e tenham sempre o cuidado de poupar as despesas do Estado que devem sair de nossas reservas de moeda. Precisamos de trabalhadores que evitem todo desperdício de material e toda deterioração de material em nossas fábricas. Precisamos almoxarifes que vigiem atentamente os estoques confiados a eles.

Se não conseguirmos mais homens como esses em nossas fábricas e nossos serviços, nossa experiência será irrevogavelmente comprometida pela mediocridade e descuido dos homens que devem conduzi-la. Todo trabalhador deve entender que seu destino está ligado organicamente ao de todos os setores da economia.

Falando novamente sobre uma concorrência saudável, um bom método acaba de ser colocado em prática no estabelecimento do título de "trabalhador de vanguarda", como recompensa para os trabalhadores que desinteressadamente fazem seus trabalhos, tornando-os um exemplo para seus companheiros. Por outro lado, devemos erradicar o efeito nocivo dos trabalhadores incompetentes e descuidados. Repito que os responsáveis por nossos serviços públicos e empresas não devem hesitar em tomar as mais severas sanções contra esses homens.

Camaradas, sempre dissemos que a independência, para nós, não é um fim em si, mas apenas um meio de libertar nosso país da penúria econômica.

Aqueles que tiveram a coragem política de dizer não à escravidão e assumir sua independência diante de ameaças e intimidações não podem vacilar em coragem quando chega a hora de enfrentar todas as consequências do ato. Ao lutar por nossa soberania, nossa ambição era e é sair da armadilha do subdesenvolvimento – e poder explorar adequadamente a grande riqueza de nosso vasto e belo país.

Essa ainda é a mesma batalha. Eu já disse muitas vezes que estamos destinados a ter sucesso, destinados a vencer a batalha pelo futuro do nosso país, e também porque não há dúvida de que o resto da África achará impossível permanecer indiferente à experiência do Mali.

Mais uma vez, a ação dos trabalhadores em seus sindicatos, nos órgãos do Partido e de outras organizações populares, desempenhará um papel preponderante, se não determinante, no sucesso desse poderoso trabalho de renovação nacional.

Irrevogavelmente, votamos em favor do socialismo, porque acreditamos que esse é o caminho do desenvolvimento que responde às verdadeiras necessidades e interesses de nossa nação.

O capitalismo, apesar dos prodigiosos avanços que fez para a humanidade nas áreas da ciência e das técnicas, não conseguiu resolver o problema social. Falhou em abolir a pobreza entre as grandes massas populares e ainda mantém a grande maioria das pessoas rigidamente excluídas das riquezas e do prazer de aprender.

Foi dito que "as civilizações morrem por causa de sua estreiteza". Quanto a nós, finalmente escolhemos um regime econômico baseado na propriedade coletiva das grandes riquezas de nosso país, para que nenhuma minoria monopolize os frutos do trabalho da sociedade, e para que uma divisão justa do produto do trabalho possa estar subjacente à nossa organização social.

É assim que nos apresentamos diante de todos os nossos parceiros, que devem nos aceitar como somos.

A contabilidade da ação do nosso Partido está lá e é positiva, e claramente visível para todos aqueles que não são impedidos pelo ódio e pela má fé de vê-la.

Foi antes de tudo nossa soberania inquestionável que nos deu liberdade, a joia mais brilhante de um povo.

São nossas conquistas nos domínios econômico e social que são a admiração de todos que vêm visitar nosso país sem ideias pré-concebidas.

Mas o trabalho ainda não está concluído, e o caminho a seguir é longo e difícil.

A liderança nacional do Partido está convencida de que a tarefa de renovação nacional à qual nos comprometemos não está além dos poderes de nosso povo, que escolheram irrevogavelmente a liberdade e um caminho de desenvolvimento que levará a uma sociedade mais justa e equitativa.

Depende do grau de conscientização dos trabalhadores, sua mobilização contínua para proteger as realizações de nossa revolução, e a pureza da orientação de nosso Partido, se nossas ambições e aspirações em direção a um maior bem-estar na justiça social serão realizadas em breve.

O empreendimento, camaradas trabalhadores, é difícil, mas é também inspirador. Contudo, a evidência não é suficiente para mostrar que a dificuldade nunca afastou o povo maliano que se apresenta com alternativas heroicas quando se depara com questões que envolvem sua liberdade?

Agora digo: tenham coragem e com a garantia de que o sucesso está no fim do caminho, desde que todos ajudem a preservar a unidade política que nós trouxemos em nosso país, eu terminarei com o grito, viva o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Mali. Viva a solidariedade internacional dos trabalhadores em todos os continentes. Viva a União Sudanesa das Repúblicas Democráticas Africanas!




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