Texto publicado em 1918, por Manuel Querino (1851-1923), nos documentos do 6º Congresso Brasileiro de Geografia.
O autor buscou evidenciar a contribuição dos africanos como
os principais propulsores de desenvolvimento do Brasil em todos os aspectos,
pois com os africanos vieram a mão de obra qualificada e de fato produtiva,
apesar de ser trabalho forçado, escravidão. Os portugueses fizeram o papel
improdutivo, de destruição e de parasitismo, apenas se beneficiando do trabalho
duro dos africanos. Ou seja, foi a contribuição preta que realmente erigiu a
civilização brasileira.
Contudo, acredito ser melhor apropriado o uso de expressões
tais quais: principal construtor da civilização, principal força de trabalho,
pois no caso de colono ou colonização se refere justamente à destruição. Ou
seja, um papel de co-colonizador no
Brasil não seria apropriado porque a colonização foi uma obra de genocídio
físico e cultural realizado pela cultura ocidental (no caso pelos portugueses).
Manuel Querino buscou, também, confrontar as teorias
racistas de Nina Rodrigues, por exemplo, da eugenia. E acabou colocando a
miscigenação como algo de bom no Brasil.
Vamos aos capítulos.
Portugal
no Meado do Séc. XVI
Nesse capítulo, o autor demonstra, em suma, que a violência ancorada pela ganância portuguesa não seria produtiva para uma colonização, a exemplo dos saques prejudiciais ocorridos na Índia culminando em ruinas. No território brasileiro aconteceria o mesmo. O indígena se afastando do litoral para o interior agravou, em síntese, a situação de improdutividade. Restando, então, a busca pela mão de obra africana como saída de evitar o total colapso. Com a presença forçada dos africanos pode-se intensificar a produção de cereais e da cana de-açúcar, além de explorar da terra o diamante e metais preciosos.
Chegada
dos Africanos no Brasil, Suas Habilitações
O autor faz referência à colonização mulçumana na África,
que introduziu, na visão dele, os modos civilizados aos sertões do Continente
Negro. Isso antes da chegada dos europeus (portugueses). E que, assim sendo,
através do tráfico de escravos, esses africanos chegavam aqui já com qualificações,
sobretudo aplicações para força de trabalho.
Isso reforça o papel crucial dos africanos, já que os
portugueses já haviam iniciado uma enorme destruição dos povos indígenas e sem
os indígenas os portugueses eram incapazes de dar prosseguimento ao seu empreendimento
aventureiro de colonização devido também às limitações e dificuldades de
adaptações geográficas para o trabalho. (e o seu parasitismo, diga-se de
passagem).
Interessante notar que conforme a economia colonial muda o ramo focal, a especialidade africana é mais reivindicada intensificando, assim, o tráfico de africanos. No caso o autor se refere à mudança do século 17 para a mineração no sudeste ao invés dos engenhos de açúcar no nordeste.
Primeiras
Ideias de Liberdade, o Suicídio e a Eliminação Física dos Senhorios
“O castigo nos engenhos e fazendas, se não requintava, em geral, em malvadez e perversidade, era não raro severo, e por vezes cruel.” Com isso, suscitava o desejo de liberdade constante (indo contra a docilidade do trabalhador escravo, apesar de às vezes o autor ter descrito assim.) A primeira ideia de liberdade veio através do suicídio para negar a condição de escravizado.
“Depois, entenderam os escravizados que o senhorio era quem deveria padecer morte violenta, a que se entregavam os infortunados cativos. Não vacilaram um instante e puseram em prática os envenenamentos, as trucidações bárbaras do senhorio, dos feitores e suas famílias. Era a vingança a rugir-lhes na alma; era a repulsa provocada pelos desesperos que lhes inspirava o horror da escravidão.”
Passando, então, do suicídio ao extermínio do senhorio. Já que o problema não se estava resolvido com as duas ideias anteriores, começaram as fugas e a resistência coletiva, organizando verdadeiros núcleos de trabalho.
Resistência
Coletiva, Palmares, Levantes Parciais
Escapando das fazendas e dos engenhos, os escravizados
pretos construíram a Confederação de Palmares. “...em Palmares os elementos aí
congregados não tiveram por alvo a vingança: bem ao contrário, o seu objetivo
foi escapar à tirania e viver em liberdade, nas mais legítimas aspirações do
homem.”
“Os fundadores de Palmares ... procuraram refúgio no seio da natureza virgem e aí assentaram as bases de uma sociedade, a imitação das que dominavam na África, sua terra de origem, sociedade, aliás, mais adiantada do que as organizações indígenas. Não era uma conquista movida pelo ódio, mas uma afirmação legítima do desejo de viver livre, e, assim, possuíam os refugiados dos Palmares as suas leis severas contra o roubo, o homicídio, o adultério, as quais na sua vida interna observavam com rigor.”
O autor relata, ainda, outros levantes parciais e batalhas contra as incursões das forças coloniais.
As
Juntas Para As Alforrias
O autor enfatiza o trabalho comprometido como meio de saída
da opressão e para liberdade. No caso as juntas foi outro meio, ou seja, era o dinheiro
guardado pra comprar a liberdade. E de fato o trabalho duro o africano fez
mesmo, como exemplificado pela história de Chico Rei (MG). Citando o escritor
Afonso Arinos, no artigo Atalaia
Bandeirante, tem:
“A custa de um trabalho insano, feito nas curtas horas reservadas ao descanso, o escravo rei pagou a sua alforria. Forro, reservou o fruto do seu trabalho para comprar a liberdade de um dos da tribo; os dois trabalharam juntos para o terceiro; outros para o quarto, e assim, sucessivamente, libertou-se a tribo inteira. Então, erigiram a capela de Santa Ifigênia, princesa da Núbia. Ali, ao lado do culto à padroeira, continuou o culto ao rei negro, que, pelos seus, foi honrado como soberano e legou às gerações de agora a lenda suave do Chico Rei.”
Fenômeno que aconteceu também na Bahia, de acordo com o autor.
O
Africano Na Família, Seus Descendentes Notáveis
Esse capítulo foi iniciado com a seguinte citação de
Alexandre Melo Morais Filho.
“Percorrendo a história, deixando iluminar-nos a fronte a luz amarelenta das crônicas, não sabemos ao certo quem maior influência exerceu na formação nacional desta terra, se o português ou o negro. Chamado para juiz nesta causa, necessariamente o nosso voto não pertence ao primeiro.”
Finalizando, o autor acaba exaltando o caráter de
miscigenação do Brasil, talvez pelo negro ser propulsor – na visão dele - de
tal miscigenação, consciente que esse fator eliminaria as raças originais...
(um debate muito forte sobre miscigenação ocorria nessa época, importante
colocar no contexto do início do século XX, e ao combate de teorias racistas,
da eugenia, de Nina Rodrigues entre outros.)
Em outro ponto, Querino não deixa de enfatizar ainda que
toda riqueza na mãos dos brancos foi fruto do trabalho árduo dos pretos. No
mais, vale deixar mais essa descrição do autor...
“Trabalhador, econômico e previdente, como era o africano escravo, qualidade que o descendente nem sempre conservou, não admitia a prole sem ocupação lícita e, sempre que lhe foi permitido, não deixou jamais de dar a filhos e netos uma profissão qualquer. Foi o trabalho do negro que aqui sustentou por séculos e sem desfalecimento a nobreza e a prosperidade do Brasil: foi com o produto do seu trabalho que tivemos as instituições científicas, letras, artes, comércio, indústria etc., competindo-lhe, portanto, um lugar de destaque, como fator da civilização brasileira. Quem quer que compulse a nossa história certificar-se-á do valor e da contribuição do negro na defesa do território nacional, na agricultura, na mineração, como bandeirante, no movimento da independência, com as armas na mão, como elemento apreciável na família, e como o herói do trabalho em todas as aplicações úteis e proveitosas. Fora o braço propulsor do desenvolvimento manifestado no estado social do país, na cultura intelectual e nas grandes obras materiais, pois que, sem o dinheiro que tudo move, não haveria educadores nem educandos: feneceriam as aspirações mais brilhantes, dissipar-se-iam as tentativas mais valiosas.”
"Manuel Raimundo Querino (1851-1923) foi um dos mais
interessantes intelectuais do Brasil, homem de pensamento e de ação, e um
precursor em termos de cultura. Escritor, abolicionista engajado, e professor
do que era à época o ensino técnico, Querino notabilizou-se como ensaísta de
uma nascente antropologia brasileira, disposto à controvérsia sobre o que
deveria ser uma visão satisfatória com respeito à relação entre raça e
nacionalidade, e autor de livros didáticos, para formar desenhistas profissionais
como ele próprio...."
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