sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Intelectuais Quilombolas: Arquitetos da Soberania Africana - Dr. Uhuru Hotep

Intelectuais Quilombolas*: Arquitetos da Soberania Africana 

Por Uhuru Hotep, 

Instituto de Lideranças Kwame Ture e Duquesne University

Dr. Uhuru Hotep - Dukesne University

“The Journal of Pan-African Studies”, vol.2, nº.5, em Julho de 2008.

Tradução: Lil X

Revisão: Fuca

Baixar em PDF: https://drive.google.com/file/d/1uRuUBk32Y5cQDWOUX8J_LT4Sac605sKH/view?usp=sharing

·         Nessa tradução foi adotado o termo Intellectual Maroons como Intelectual Quilombola por ser mais próximo da realidade da diáspora africana no Brasil, e como sinônimo de Maroons e Palenques.

·         Outra nota é sobre a diferenciação entre Negro Scholar e Black Scholar. No caso foi adotado Estudioso Negro x Estudioso Preto. O Estudioso Preto é o que se aproxima do Intelectual Quilombola ao contrário do Estudioso Negro.

Resumo 

Em 1999, Jedi Shemsu Jehewty (Jacob H. Carruthers) cunhou o termo “Intelectual Quilombola” como uma forma de nomear Pensadores Pretos que “declararam sua liberdade” da escravidão intelectual europeia. Organizado em quatro seções e usando a metáfora da jornada em direção à iluminação, este ensaio identifica os seis estados de conhecimento chamados de “Johari Sita” que estão no cerne da visão de mundo do Intelectual Quilombola. Esses seis estados fornecem os rudimentos para um modelo africano-centrado de formação de identidade, construção de missão e autorrealização, que estrutura nossa busca por soberania política e econômica.

Na primeira seção, a ideia de encarceramento conceitual de Wade Nobles, o cativeiro confortável de Kofi Addae e a ilusão de inclusão de Louis Farrakhan são identificadas como as principais armadilhas ao longo do caminho para o intelectual aquilombado. Na segunda seção, a aceitação pelo Estudioso Preto da ideia de desobediência intelectual de Uhuru Hotep, o “nyansa nnsa da” de Addae e a lógica libertadora de Maulana Karenga são vistos como “marcos” ao longo do caminho em direção ao intelectual aquilombado que também são “caminhos” para estados avançados de Consciência Preta. A terceira seção enfoca o treinamento de Intelectuais Quilombolas que é informado por quatro disciplinas seminais: confronto da realidade, sankofa ou re-africanização, análise sistemática do inimigo e teoria da reprodução social. A quarta e última seção deste artigo descreve o trabalho dos Intelectuais Quilombolas que gira em torno do lançamento de um whm msw [renascimento] a fim de restaurar Maat e encerrar o maafa. Em todos os aspectos fundamentais, o Intelectual Quilombola de Jehewty é idêntico ao “lutador autêntico” de Marcia Sutherland, ao “verdadeiro nacionalista” de Amos Wilson e à “Jegna” de Asa Hilliard.

Introdução

 “A propaganda do homem branco fez dele o senhor do mundo, e todos aqueles que entraram em contato com ele e o aceitaram tornaram-se seus escravos.” - Marcus Garvey

 Um presente extraordinariamente valioso que nos foi legado pelo falecido Jedi Shemsu Jehewty (também conhecido como Jacob H. Carruthers) é o termo “Intelectual Quilombola”. Mencionado apenas de passagem em um ensaio intitulado "Thinking about European Thought" publicado em sua última grande obra, Intellectual Warfare (1999), meu ensaio busca dar corpo com símbolos e metáforas ao que é uma ideia primorosa. Além disso, como um documento reconstrucionista de Banksian, meu ensaio fornece aos africanos na Diáspora os rudimentos de um modelo africano-centrado para formação de identidade, construção de missão e autorrealização que estrutura nosso impulso por soberania política e econômica.

“Intelectuais Quilombolas” são “Pensadores Pretos” que, de acordo com o Dr. Jehewty, após analisar o “núcleo da cosmovisão europeia”, “declararam sua liberdade” da escravidão intelectual europeia “por meio de seus pensamentos publicamente declarados” (p. 52). Muito parecido com os Quilombolas de antigamente que se emanciparam escapando da escravidão física induzida pela Europa, os Intelectuais Quilombolas se emanciparam escapando da escravidão psicológica induzida pela Europa [1]. A escravidão física e a escravidão mental (psicológica) são meramente lados opostos da mesma moeda, que é a moeda padrão dos agressores, opressores e exploradores. Este ensaio identifica os conceitos centrais essenciais para uma atualização Africano-centrada que leva ao status de Intelectual Quilombola encontrado nos “pensamentos publicamente declarados” (escritos publicados) de seis importantes estudiosos Africano-centrados, ou seja, “Pensadores Pretos” que se encaixam na descrição do Dr. Jehewty de Intelectuais Quilombolas.

Finalmente, o Intelectual Quilombola é a peça central do Johari Sita, um modelo africano-centrado de treinamento de liderança/seguidores que desenvolvi para o Kwame Ture Leadership Institute [Instituto de Lideranças Kwame Ture] em 2000. Neste modelo, o Intelectual Quilombola é o agente transformador, mas é a Comunidade Africana através da família que é a principal beneficiária. Para alcançar o status de Intelectual Quilombola requer imersão total em cinco estados de conhecimento. Todos os cinco estados são discutidos neste ensaio. E todos os cinco estados são facetas do Johari Sita (“Seis joias” em suaíli). Este termo, no entanto, não será usado, exceto nesta introdução. Mas se lermos com atenção, descobriremos que é o escopo de Johari Sita que orienta esta pesquisa.

Primeiros passos

“Para mudar a consciência africana, temos que mudar a informação que está na mente africana”. Na'im Akbar

A principal virtude do Estudioso Preto é a busca do conhecimento, que, se praticada com diligência, o levará inevitavelmente à proverbial “encruzilhada”, onde ela/ele deve escolher entre dois caminhos mutuamente exclusivos de desenvolvimento intelectual que conduzem a dois destinos radicalmente diferentes. Se ela/ele escolhe o caminho de pedestres, que na verdade é uma grande rodovia de quatro faixas pavimentada em prata e ouro e marcada como “Estudioso Negro”, ela/ele chega rapidamente aos estados de subserviência e dependência, a base do que Anderson Thompson (1997) denomina “historiografia do Sambo”. Por outro lado, se a estrada de faixa única, mal iluminada, cheia de buracos, desvios, declives acentuados e curvas acentuadas marcadas como “Intelectual Quilombola” for escolhida e o Estudioso Preto perseverar, ela/ele finalmente alcançará os estados de liberdade de soberania e independência, a base dos Intelectuais Quilombolas.

A tipologia acima de estudiosos e acadêmicos africanos é consistente com a afirmação do Dr. Jehewty, em 1996, de que temos duas “correntes de Intelectuais Africanos: aqueles que se tornam os agentes do neocolonialismo intelectual [Estudiosos Negros] e aqueles que continuam a lutar pela liberdade intelectual [Intelectuais Quilombolas]” operando na comunidade Africana. Como um produto dessa segunda corrente, este ensaio irá mapear o caminho para ser tornar um Intelectual Quilombola, observando os principais “marcos” e “placas de sinalização” situados ao longo do caminho para esse estado sublime.

 Aqui, no início do século 21, a principal tarefa do “pensador Preto” é escapar do encarceramento conceitual e do cativeiro confortável. Completar essa tarefa significa romper com as cadeias mentais e, então, escapar desses dois captores sempre vigilantes. Como você pode imaginar, isso não é fácil. Na verdade, após uma vida inteira de condicionamento social do caucasiano [2] é o maior desafio intelectual, psicológico e emocional que enfrentamos como afrodescendentes. Mas devemos tentar, se quisermos liberdade, porque até que nossa fuga da escravidão mental seja planejada e executada com sucesso, a vida como um Intelectual Quilombola não é apenas impossível, é inconcebível.

Vamos agora examinar esses dois constritores do pensamento e da ação africanos. O primeiro é o encarceramento conceitual, um termo cunhado pelo sakhu sheti (psicólogo) Kwaku Berko (também conhecido como Wade Nobles) em 1986 para identificar nossa detenção mental e, em seguida, nosso aprisionamento em sistemas de crenças, valores, imagens, conceitos, estilos de vida e visões de mundo restritivos ao caucasiano. Os africanos que internalizam o “conceito” de superioridade branca e inferioridade preta, por exemplo, são “prisioneiros” de um mito (sistema de crenças) que acabará por deformar sua autoimagem, subverter sua autoestima, minar seu valor próprio, sufocar sua automotivação e diminuir suas perspectivas de realizações em alto nível.

O que o Dr. Berko está nos dizendo é que as palavras/conceitos/crenças/valores/imagens que permitimos em nosso espaço mental e então usamos para autodefinição e autorreferência irão nos libertar ou nos escravizar. Ninguém sabe disso melhor do que os Intelectuais Quilombolas, pois depois que se libertaram das masmorras do encarceramento conceitual, agora estão moldando as ferramentas, estratégias e abordagens para libertar os outros. Este ensaio apresenta seus melhores conceitos e práticas psicoterapêuticas africano-centradas.

Na batalha sem fim pelos corações e mentes africanos, o encarceramento conceitual é uma arma extremamente eficaz. Nos últimos 1.000 anos, ele tem sido usado com maestria pelas elites dominantes cristãs europeias e muçulmanas árabes para nos prender - geração após geração - em sistemas de crenças e estruturas de valores que atendem aos seus interesses, não aos nossos. Em nossos dias, por exemplo, ele estreita o discurso político africano-americano dominante em um ciclo interminável de apelos ao partido republicano-democrata e seus apoiadores por uma participação simbólica. Apesar desse sepultamento próprio de nosso pensamento político popular, a pequena, mas próspera comunidade de Intelectuais Quilombolas oferece um testemunho vivo de que ainda é possível quebrar os laços psicológicos da escravidão no século 21 e viver mentalmente livre, mesmo dentro da “barriga da besta”.

A segunda grande armadilha enfrentada pelo estudioso Preto ao viajar pela estrada da peregrinação intelectual é um resultado direto da primeira e é o que Kofi Addae (1996) chama de cativeiro confortável. O cativeiro confortável é o estado psicologicamente restrito, mas economicamente expansivo, da maioria dos africanos dos EUA, e especialmente da classe profissional, que também está profundamente absorta no que o ministro Louis Farrakhan (1990) chama de “ilusão de inclusão”. Durante o inverno escuro de nossa escravidão, o cativeiro confortável era o estado de coisas habilmente mantido por sábios senhores de escravos para repelir a rebelião e era também o estado para o qual escravos experientes normalmente gravitavam.

A construção da ilusão de inclusão foi originalmente fabricada e depois vendida para os mais vulneráveis a isso, ou seja, os escravos africanos mais “confortáveis” - os escravos domésticos. Por causa de sua posição favorecida na economia de plantation americana, eles foram o grupo mais fácil de convencer sobre seu interesse em manter o status quo. E assim é hoje. Nossa comunidade de escravos domésticos dos dias modernos está tão comprometida em manter a relação servo Preto/mestre branco entre africanos e europeus quanto seus predecessores. É sempre bom lembrar que a escravidão dos africanos pelos europeus-americanos, com toda a sua depravação e devassidão, não poderia ter durado cerca de 400 anos sem a participação indiscriminada de grupos selecionados de africanos escravizados e quase “livres” que estavam tão “confortáveis” em seu “cativeiro”, essa traição à resistência africana era a norma. Esses foram os primeiros atos de traição africana cometidos nessas costas.

Durante os anos 1960 e 1970, o encarceramento conceitual, o cativeiro confortável e a ilusão de inclusão afetaram e infectaram tanto a classe de líderes Pretos dos EUA que eles lutaram pelos direitos civis em vez dos direitos soberanos, o que é análogo a prisioneiros de guerra exigindo cortinas na janela para decorar suas celas prisionais em vez de liberdade imediata. O problema então era que nossos líderes estavam muito focados em ganhar a inclusão para a elite profissional preta que ignoraram totalmente a necessidade coletiva de soberania política e econômica. O problema agora é que, apesar de nosso status de grupo em queda, estamos tão confortáveis ​​em nosso cativeiro e tão profundamente absortos nas ilusões de inclusão que estamos totalmente alheios ao nosso encarceramento conceitual.

Bem-vindo ao mundo Orweliano da escravidão Preta do século 21, onde o estado-nação Amerikkkano em parceria silenciosa com conglomerados de multimídia usa os últimos avanços em tecnologia de controle da mente para gerenciar populações Pretas, achando-a muito mais eficaz (e lucrativa) do que um milhão de capatazes com correntes e chicotes. Sob tais condições, apenas um punhado de Africanos-Americanos deixará o conforto psicológico da plantation em busca de liberdade mental e, assim que a obtiverem, se recusarão a trocá-la pela promessa de ganho material. Esses poucos abençoados são os Intelectuais Quilombolas de Jedi Jehewty e, por causa das contradições cada vez mais profundas na sociedade dos EUA, seu número tende a aumentar. [3]

Talvez a maneira mais rápida, segura e eficaz para que estudiosos Pretos escapem da matriz do encarceramento conceitual, do cativeiro confortável e da ilusão de inclusão para se tornarem Intelectuais Quilombolas seja estudar as obras de pensadores Pretos que são Intelectuais Quilombolas. O que torna a erudição Quilombola inovadora e emancipatória é sua visão de nossa herança cultural africana há muito negligenciada, muitas vezes ridicularizada, como um tesouro do qual podemos extrair riquezas além da medida. Pesquisadores, escritores e palestrantes africanos-centrados, como Carter G. Woodson, Marcus Garvey, Cheikh Anta Diop, Yosef bem-Jochannan, Elijah Muhammad, Malcolm X, John Henrik Clarke, Molefi Asante, Maulana Karenga, Amos Wilson, Kwame Agyei Akoto, Marimba Ani, Mwalimu Shujaa, Baffour Amankwatia também conhecido como Asa Hilliard, Na'im Akbar, Ama Mazama, Chancellor Williams, Karimu Welsh Asante, Frances Cress Welsing, Phil Valentine, Llaila Afrika e Chinweizu são os pioneiros modernos e os exemplos contemporâneos do que é agora uma tradição intelectual libertadora de 200 anos. Apenas seus livros, ensaios e discursos contêm as ferramentas para quebrar os laços mentais do encarceramento conceitual e do cativeiro confortável e destruir nossas ilusões de inclusão.

Finalmente, deve-se notar que, quando colocados em um contexto mais amplo, o encarceramento conceitual, o cativeiro confortável e a ilusão de inclusão são resultados do que Carter G. Woodson em 1933 chamou de “deseducação do Negro”, que por sua vez é um componente principal da “deculturalization” de Felix Boateng (1990), seu termo para o projeto de relocação cultural de três estágios da educação ocidental. Eu abordei aspectos desses esforços na engenharia social Preta a serviço da dominação branca em ensaios anteriores, então eles serão mencionados aqui apenas de passagem. [4]

Marcos e caminhos

 “A escravidão da mente é muito mais destrutiva do que a do corpo.” - Edward Wilmot Blyden

Existem três “marcos” principais no caminho para o aquilombamento intelectual. Se forem reconhecidos quando encontrados, eles assegurarão ao Estudioso Africano que ele está fugindo do encarceramento conceitual e do cativeiro confortável e rumando até a liberdade mental. Parece estranhamente paradoxal, mas ao mesmo tempo completamente apropriado usar conceitos para nos libertar de conceitos.

O primeiro e talvez o mais facilmente identificável marco é o que chamo de desobediência intelectual, que é um corolário do século 21 da noção de desobediência civil de Henry David Thoreau (1849). Concebida em 2000, essa visão sustenta que acadêmicos, professores, ativistas e outros Africanos têm um imperativo moral de resistir a todos os esforços do centro europeu para impedir que a hegemonia educacional/informacional possa restringir, deturpar ou até mesmo regular o conteúdo e o escopo de sua vida intelectual.

Na década de 1960, o Dr. King e seus companheiros se envolveram na desobediência civil porque entendiam que tinham a obrigação moral de resistir aos esforços injustos do Estado em negar seus direitos civis. Da mesma forma, os Intelectuais Quilombolas têm uma ordem divina, como todo o povo, de se engajar na desobediência intelectual, resistindo aos esforços do Estado e de seus agentes para negar, condicionar ou restringir seus direitos humanos. Um dos nossos direitos humanos mais básicos é o direito à soberania intelectual; e nesta era de esforços onipresentes e patrocinados pelo Estado no controle da mente e vigilância patrocinada pelo Estado “do útero à tumba” [womb to tomb], a desobediência intelectual é a condição sine qua non da soberania intelectual.

O segundo grande marco encontrado no caminho para a libertação do encarceramento conceitual e do cativeiro confortável é “nyansa nnsa da”, um termo Twi que significa “a sabedoria não tem limites”. Cunhado por Kofi Addae em 1996 (mas aludido já em 1921 por Marcus Garvey), o paradigma “nyansa nnsa da” sustenta que a liberdade intelectual Africana, e por extensão a soberania política e econômica, depende do desenvolvimento da vontade e da habilidade de pensar e atuar fora e independente das categorias e estruturas ocidentais estabelecidas. Em sua expressão mais elevada, “nyansa nnsa da” traz modelos de excelência enraizados em nossos valores culturais Africanos e princípios filosóficos mais elevados.

Mas enquanto os estudiosos Pretos confiarem, como os estudiosos Negros, em sua herança cultural e intelectual caucasiana adquirida pela escravidão ou adquirida colonialmente, excluindo sua origem africana, na melhor das hipóteses eles não podem ser mais do que servos de primeira classe ou imitadores de segunda classe dos caucasianos. Como os africanos que só podem dançar balé ou jogar basra, eles não trazem nada de autêntico ou original para o mundo

Para completar a restauração de nossa tradição de 100.000 anos de construção de nação/civilização soberana, será necessário que os estudiosos Pretos viajem muito além dos europeus e árabes, para espaços ancestrais, culturais e intelectuais pré-cristãos e pré-islâmicos. Entre outras habilidades, dominar a arte de mudar perfeitamente do caucasiano do século 21 para os modos de pensamento e sentimento Africanos antigos ou tradicionais é fundamental para os Africanos na diáspora. Thomas Kuhn (1970) chama essa habilidade de “mudança de paradigmas”; nós a chamamos de “nyansa nnsa da”.

Nosso terceiro marco importante é o conceito de “lógica liberacional” de Maulana Karenga (1997), que ele define como “raciocínio voltado para minar e derrubar as restrições do pensamento e da prática humana” ao “promover a atividade emancipatória consciente no nível intelectual e prático”. O modo de raciocínio centrado na liberdade da lógica liberacional é o catalisador ideal para o modelo de desconstrução-reconstrução-construção (RDC) de W. Curtis Banks (1982) para processar e interpretar dados antes de criar novos conhecimentos. [5] Dois exemplos clássicos do pensamento desconstrucionista banksiano alimentado pela lógica liberacional são a visão de Amílcar Cabral (1974) de que para sermos livres não devemos apenas remover o opressor de nossa terra, devemos também remover seu “espírito” (ou seja, seus conceitos, valores, imagens e sistemas de crenças) de nossas casas, corações e mentes e o apelo de Chinweizu (1987) para “descolonizar a mente africana”.

A lógica liberacional em seu modo reconstrucionista está embutida em todas as atividades que buscam transformar uma condição social opressora, trazendo à tona conceitos, práticas, valores e sistemas de crenças centrados na África como soluções. Quando combinada com a desobediência intelectual e “nyansa nnsa da”, a lógica liberacional em seu modo construcionista capacita os estudiosos Pretos a exorcizar os fantasmas do colonialismo e da escravidão, como o encarceramento conceitual e o cativeiro confortável de suas psiques coletivas, liberando assim espaço para que orientações saudáveis ​​como restaurar Maat e destruir Maafa possam florescer. É a lógica liberacional que fornece a racionalidade para o nosso esforço de restaurar as sociedades africanas ao seu status pré-colonial de poderes soberanos. Nas mentes/mãos dos Intelectuais Quilombolas, é tanto um escudo quanto uma lança abrindo caminho para pensamentos e ações defensivas e ofensivas.

Para encerrar, o estudioso Preto que cruza o caminho para a liberdade descobrirá, após uma inspeção mais próxima, que esses “marcos” são na verdade “caminhos”, portais secretos para os gloriosos estados de soberania e independência, que é a base do Intelectual Quilombola. Para escapar do encarceramento conceitual, do cativeiro confortável e das ilusões de inclusão para se tornarem Intelectuais Quilombolas os estudiosos Pretos podem começar iniciando um processo de duas etapas. Primeiro, eles devem mergulhar profundamente e com amor nos livros, jornais, revistas, CDs, vídeos e arquivos de áudio produzidos por nossa comunidade Intelectual Quilombola. E, em segundo lugar, eles devem estar em comunhão e rede com os Intelectuais Quilombolas e seus apoiadores, participando de suas conferências, workshops e outros espaços. A ampla disponibilidade da Internet torna a primeira etapa possível mesmo nos locais mais centrados na Europa, e o fato de que quase todos os centros urbanos possuem uma comunidade de Intelectuais Quilombolas torna a segunda etapa também possível. Tomar esses dois passos simples, mas corajosos, posicionará os estudiosos Pretos para abraçar a desobediência intelectual, o “nyansa nnsa da” e a lógica liberacional.

“Chegando ao Topo da Montanha”; O Percurso do Intelectual Quilombola.

“A linguagem e a lógica do opressor não podem ser a linguagem e a lógica do oprimido.” - Malcolm X

Os Intelectuais Quilombolas são profundamente enraizados e, portanto, elevados por quatro disciplinas seminais:

1. Confronto com a realidade

2. Sankofa ou Re-africanização

3. Análise Sistemática do Inimigo

4. Teoria da Reprodução Social.

Cada disciplina mencionada (ou “placa de sinalização” de acordo com nossa metáfora de “caminho”) envolve o domínio de habilidades que centralizam o trabalho dos Quilombolas nas necessidades de vida dos Africanos; portanto, cada um será brevemente discutido.

O primeiro é o confronto com a realidade, um termo que cunhei em 2000 para descrever o estado mental produzido por um processo que tece conjuntos de práticas psicoterapêuticas baseadas na África para criar um tapete de cura, de rejuvenescimento mental-espiritual. Por exemplo, ao lado do que é apresentado neste artigo, o processo de três etapas para a renovação mental Preta, de Malcolm (1965); a Análise de Sistemas de Crenças, de Myers (1988), o Sankofa Nyansa Tumi, de Ashanti (1993); o paradigma P.O.W., dos Akotos (2000); a Teoria Kawaida, de Karenga (1997) e Nsaka Sunsum e Sakhu Sheti de Berko (1997/2006), que incluem consulta ancestral, meditação, herbologia, hidroterapia, vegetarianismo, jejum e outras modalidades de cura e transformação que são habilmente manipuladas por Intelectuais Quilombolas para provocar um confronto com a realidade da opressão do nosso grupo e estimula-lo para assimilar as etapas e desenhar novas abordagens visando destruir a opressão.

O Intelectual Quilombola, por definição, está totalmente imerso no ato de confrontação da realidade, ou seja, reconstrução da realidade. Ela/ele tem todos os seus pensamentos e ações moldados pelas necessidades de carne e osso de Africanos, aqui e no estrangeiro. Por exemplo, precisamos desesperadamente de um simples passo a passo estratégico para organizar os recursos humanos da família extensa Africana, ou seja, a construção de riqueza e independência financeira da família. Na mesma linha, mas em uma maior escala, precisamos desesperadamente de uma estratégia para mover rapidamente a comunidade global Africana rumo à autossuficiência em alimentos, água, roupas e produção habitacional. E, junto com todos os itens acima, nós, Africanos nos EUA, precisamos desesperadamente de uma estratégia para desenvolver nossa própria empresa independente, educacional/recreativa controlada pela comunidade, transporte, comunicações, assistência médica e capacidades de autodefesa.

O confronto com a realidade exige que os Intelectuais Quilombolas enfrentem os muitos obstáculos globais e locais que bloqueiam a ascensão social, política, econômica e espiritual do Povo Africano. Por causa de sua liberdade psicológica e emocional obtida por sua imersão na desobediência intelectual, no “nyansa nnsa da” e na lógica liberacional, apenas Intelectuais Quilombolas são conhecidos por possuir as habilidades e atitudes necessárias para produzir pensamentos Africanos globais e fazer planos Africanos globais que atendam primeiro às necessidades de sobrevivência e, em seguida, as necessidades de desenvolvimento do Povo Africano tanto em casa como no exterior.

Em segundo lugar está o Sankofa, uma ideia multifacetada (como o confronto com a realidade) parte do conceito, símbolo, provérbio e prática social, todos reunidos em um só corpo. Entre seus praticantes, o Povo Akan de Gana, Togo e Costa do Marfim, Sankofa é usado para promover a sabedoria de aprender com o passado (Ancestrais) como o melhor método para compreender o presente e criar o futuro. Sankofa ensina que é correto se reconectar com nossa herança ancestral e suas melhores tradições, costumes e práticas. Na década de 1960, Sekou Touré da Guiné e Amilcar Cabral da Guiné-Bissau chamaram Sankofa de re-africanização e a usaram para encorajar seus povos a rejeitar a cultura francesa e portuguesa de seu opressor e retornar ao melhor de seus valores tradicionais Africanos, seus sistemas de crenças e instituições. Na Diáspora, a re-africanização significa não apenas abraçar as expressões culturais Africanas tradicionais, mas também reorientar a família e a comunidade Africana para os valores, crenças e práticas Africanas fundamentais que estruturam o nosso esforço para recuperar a nossa soberania perdida. Sankofa ou re-africanização contínua, possibilitada pela fuga do encarceramento conceitual e do cativeiro confortável, é a marca registrada dos Intelectuais Quilombolas.

O confronto com a realidade e a imersão em Sankofa confirmam que a análise sistemática do inimigo, nossa terceira ciência, é um campo essencial de estudo para os Intelectuais Quilombolas que enfrentam corajosamente, enquanto outros não, o fato brutal de que estamos em guerra. Como guerreiros eruditos, só eles internalizaram e estão respondendo ao fato de que temos inimigos históricos que estão em guerra contra nós há pelo menos 3.000 anos. O historiador Chancellor Williams (1974) documenta as batalhas de nossos ancestrais com os caucasianos em seu clássico The Destruction of Black Civilization.

Em resumo, a fase continental desta guerra começou com a invasão hicsa (ariana) da África (Kemet) em 1780 a.C., a fase global começou em 652 d.C. com o comércio árabe de prisioneiros de guerra africanos e se expandiu em 1482, quando os europeus ocidentais entraram nesse negócio nefasto. Nossa fase vitoriosa ou Sankofa começou com o nascimento do pan-africanismo em 1900, enraizou-se durante a Era Garvey dos anos 1920 e 1930, floresceu durante o Movimento Black Power no final dos anos 1960 e deu seus primeiros frutos com a criação da Afrocentricidade no final da década de 1980 e do Intelectual Quilombola no final da década de 1990.

A análise sistemática do inimigo foi sugerida já em 1829 por David Walker, mas foi Kofi Addae quem realmente cunhou o termo em 1996. Em suma, a análise sistemática do inimigo é um processo de duas partes que envolve: (1) estudo aprofundado da história e cultura árabes e europeias em busca dos meios e métodos que usam para dominar e controlar o Povo Africano e (2) formular “estratégias de resistência” para acabar com a dominação e controle caucasianos sobre o Povo Africano, bem como impedir o futuro dessa agressão cultural e política perpetrada por europeus e árabes. Os Intelectuais Quilombolas se destacam em ambas as tarefas.

Nosso quarto campo de estudo é a teoria da reprodução social, que é o ramo da sociologia que examina os mecanismos que controlam a transmissão intergeracional da desigualdade social. A contribuição africana para esta disciplina é o princípio (e a ciência) de Maat, um conceito que discutiremos em breve com alguns detalhes. Mas, neste ponto, basta dizer que os Intelectuais Quilombolas são habilidosos em usar o gênio Africano para a criação de sistemas sociais Maáticos, ou seja, justos e humanos. Nesse sentido, o modelo deles é o ideal Kemético (antigo Egito) do “geru maa”, o ser humano verdadeiramente autorrealizado e espiritualmente aperfeiçoado. [6]

Assim, como exemplos da igualdade Africana e arquitetos do igualitarismo Africanos, chamados pela história e ancestrais para recriar os esplendores do passado da África, os quilombolas intelectuais são bem versados ​​nesta importante ciência social. Consequentemente, aqueles que alcançam o status de geru maa são encarregados de desenvolver soluções Maáticas para os problemas sociais da África e do mundo. E é assim que cada pensamento e ação do Intelectual Quilombola é informado por essas quatro disciplinas interconectadas e sobrepostas a seus objetivos finais de libertação e perfeição humanas.

“Vendo a Terra Prometida:” O Trabalho dos Intelectuais Quilombolas

“Cada pessoa é enviada a este posto avançado chamado Terra para trabalhar em um projeto que visa manter a ordem cósmica saudável." - Malidoma Somé

A grande missão do Intelectual Quilombola é lançar um whm msw (renascimento mundial africano) do século 21 restaurando Maat (verdade, justiça, ordem, harmonia e equilíbrio) para acabar com a maafa (milênios de agressão, opressão e exploração pelos caucasianos) contra a África. Esses três conceitos exigem discussão começando com o whm msw (weheme mesu), que na verdade é o termo Kemético para o primeiro programa de recuperação social do mundo. Quando iniciado pela classe dirigente do Kemet, um whm msw representava a restauração de Maat como o principal indicador e principal medida da saúde e prosperidade nacional. Significando uma “repetição do nascimento” e semelhante ao que os europeus chamam de “renascimento”, mas muito mais profundo, um whm msw reorientou a cidadania egípcia em Maat, os ensinamentos de seus ancestrais mais sábios e sua longa e gloriosa tradição de construção nacional.

De acordo com Jedi Jehewty (1995), pelo menos quatro vezes em seus 5.000 anos de história, a liderança Kemética colocou o whm msw em movimento o que revigorou completamente a sociedade egípcia, elevando a nação a novas alturas, restaurando níveis excepcionalmente altos de paz, justiça, harmonia e prosperidade em toda a terra. [7]

Assim como o primeiro whm msw, nossa versão do século 21 tem como objetivo principal a restauração de Maat nos assuntos Africanos. Como observado anteriormente, a restauração Maat abasteceu os motores do passado whm msw, portanto sabemos que é um ingrediente essencial, mas estabelecer uma definição exata do termo é desafiador porque não existe um equivalente em inglês com uma única palavra. Na verdade, são necessárias pelo menos nove palavras em inglês para começar a definir Maat. Segundo Maulana Karenga (1986/2006), verdade, justiça, ordem, harmonia, equilíbrio, reciprocidade, propriedade, bondade e retidão são algumas das palavras inglesas incorporadas a esta ideia multidimensional.

Os antigos Africanos do vale do rio Nwy (Nilo) usavam o termo Maat, personificado como uma deusa com uma pena de avestruz no cabelo, para significar não apenas a energia criativa ilimitada de Rá (Deus), mas também o ato de acessar essa energia e usando-a para fortalecer a vida de uma pessoa. Indo mais fundo, eles acreditavam que, uma vez que Rá deseja que os seres humanos conduzam seus negócios estritamente de acordo com Maat, praticar isso em todos os momentos e sob todas as condições certamente ganhará Sua benção/proteção, se não nesta vida, então o mais importante, na outra vida.

Para revelar o nosso melhor, de acordo com os antigos egípcios, Rá dotou os seres humanos de livre arbítrio. Isso significa que podemos escolher praticar Maat e colher as bênçãos de Rá ou podemos escolher praticar o oposto de Maat, “isfet”, e espalhar mentiras, discórdia e desarmonia em nosso rastro e, assim, ganhar Sua ira. A escolha é nossa.

Nossos ancestrais Africanos entenderam corretamente que a instalação de Maat pelo estado como seu valor mais alto é a característica indispensável de uma sociedade boa e justa. No século 21, Maat é a única prática social necessária para construir e manter famílias, comunidades, sociedades e nações africanas soberanas e fortes. Com isso como pano de fundo, é justo que lançar um whm msw seja a missão de vida do Intelectual Quilombola e a razão de sua existência.

O segundo grande objetivo de um whm msw no século 21 é encerrar o “maafa”. Maafa é uma palavra suaíli que significa “desastre”, mas popularizada pela filósofa Marimba Ani (1994) como o “grande desastre”. O “grande desastre” de que fala a Dra. Ani são os holocaustos da invasão, conquista, destruição e roubo árabes e europeus de terras, mentes e recursos africanos, misturados com escravidão e genocídio e infligidos ao povo africano de 652 até o presente. Como Maat e maafa não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, um ou outro deve prevalecer. No momento, o maafa tem a supremacia, o que significa que as guerras arquitetadas pelo Cáucaso, a fome, a pobreza, a falta de moradia, o encarceramento, a doença e a morte prematura são a realidade global para os Africanos. O maafa permanecerá até que reconheçamos que a maneira mais rápida e segura de acabar com ele é restaurar Maat e restaurar Maat requer o lançamento de um whm msw, que agora sabemos ser obra de Intelectuais Quilombolas.

A última característica principal que caracteriza o estado Intelectual Quilombola é a adoção enfática, a prática vigorosa e a promoção do pan-africanismo. Essencialmente uma teoria política africano-americana do século XX e um movimento em seus primeiros anos defendido por Henry Sylvester Williams de Trinidad e W.E.B. DuBois dos EUA, a primeira era de ouro do pan-africanismo foi inaugurada por seus três praticantes mais celebrados, o presidente-geral Marcus Garvey da UNIA-ACL, o presidente Osageyfo Kwame Nkrumah de Gana e seu amigo próximo, o presidente Sékou Touré da Guiné.

Mas o pan-africanismo hoje é uma visão e um movimento que precisa de liderança visionária, ou seja, liderança Intelectual Quilombola, disposta a liderar reunindo seus talentos coletivos e recursos organizacionais e, então, pensando e agindo de forma estratégica, ousada e decisiva. Por exemplo, os africanos continentais seriam bem servidos se seus líderes políticos descartassem o conceito europeu de estado lugardista, dissolvessem as fronteiras da era colonial atual, encorajassem confederações regionais baseadas na etnia, substituíssem as línguas nacionais europeias por africanas, e forjassem laços econômicos e familiares profundos com os africanos em toda a Diáspora global e especialmente nos Estados Unidos, Brasil, Inglaterra, Índia, Indonésia, Austrália e as ilhas do Pacífico.

O pan-africanismo sempre apelou à unificação política, económica e cultural do continente africano, mas podemos agradecer a Kwame Ture (2003) e aos membros do Partido Revolucionário dos Povos Africanos (A-APRP) por manterem a presença africana da Diáspora ativa na mistura pan-africana nos últimos 30 anos. E agora que somos 1 bilhão de pessoas e somos uma força global para a paz e a justiça, nosso pan-africanismo do século 21 deve promover abertamente o término do maafa e restauração de Maat em escala global, não apenas para o povo africano, mas para toda a humanidade. Ao abraçar e praticar um pan-africanismo centrado em Maat, os Intelectuais Quilombolas trazem pensamento global, clareza geopolítica e oportunidades econômicas transnacionais para famílias e comunidades africanas dentro da estrutura de nossa mais antiga tradição moral/ética.

Para encerrar, adquirindo ativamente as “ferramentas” psicológico-intelectuais (como desobediência intelectual, “nyansa nnsa da” e lógica liberacional) para escapar do encarceramento conceitual, do cativeiro confortável e da ilusão de inclusão para lançar um whm msw a fim de restaurar Maat e acabar com o maafa exige visão e coragem sem precedentes. Adquirir uma base sólida nas disciplinas e perspectivas de confronto com a realidade, sankofa/re-africanização, análise sistemática do inimigo, teoria da reprodução social e pan-africanismo exige o mesmo. Consequentemente, estudiosos Pretos que aspiram a se tornarem Intelectuais Quilombolas desfrutarão de muitos anos de estudo e, portanto, devem estar dispostos a percorrer um longo e árduo caminho. Mas o objetivo final da soberania política e intelectual Africana define as dificuldades e os sacrifícios que eles enfrentarão.

Conclusão

 “Uma vez que a mente Africana é libertada, não há algema que possa manter o Africano escravizado." - J.S. Jehewty

No início do que o mundo ocidental chama de século 21, a liberdade Africana nas sociedades dominadas pela Europa é essencialmente uma construção mental. Em outras palavras, a liberdade Preta hoje é principalmente um conjunto de ideias e crenças sobre nós mesmos enquanto Africanos e nosso lugar no mundo. Isso é de vital importância porque os povos Africanos em todo o mundo são controlados e então manipulados por sistemas de pensamento originalmente impostos pela força aos nossos ancestrais por europeus e árabes para melhor explorá-los e oprimi-los.

Hoje, graças aos pensadores Africanos emancipados, que Jedi Jehewty tão apropriadamente chama de Intelectuais Quilombolas, Africanos que buscam se libertar de sistemas de pensamento anti-africanos (que nada mais são do que conjuntos de ideias falsas e crenças inadequadas) pela primeira vez tem ferramentas reais para a emancipação mental-espiritual. Os principais sistemas de crenças e estruturas de valores contra os africanos foram identificados e analisados ​​por estudiosos Quilombolas como Amos Wilson, Na'im Akbar e Kobi Kambon, e foram formulados curativos e prevenções. Este ensaio apresentou várias dessas formulações.

Além disso, este ensaio fornece aos africanos na Diáspora os rudimentos de uma abordagem africano-centrada para a formação e autorrealização de missões, consistente com a necessidade do nosso Povo para a soberania política e independência econômica. [8] Estudiosos Africanos do século 21 serão compelidos a escolher entre duas visões de mundo antitéticas e mutuamente exclusivas e seus respectivos “caminhos” de desenvolvimento. Um caminho leva ao estado intelectualmente subserviente e dependente do estudioso Negro, e o outro leva ao estado soberano do Intelectual Quilombola.

 Por ser repleto de perigos psíquicos decorrentes de profundos desafios psicológicos, emocionais e intelectuais, podemos prever com segurança que apenas os destemidos pensadores Pretos que buscam fervorosamente sua atualização africano-centrada embarcarão na peregrinação rumo ao intelectual quilombola. E para aqueles que o fazem, o Instituto de Liderança Kwame Ture é uma das muitas paradas para descanso ao longo do caminho para este estado exaltado.

Notas

1. Ver Price, R. (Ed.). (1976). Maroon Societies: Rebel Slave Communities in the Americas. Baltimore: Johns Hopkins University Press e Campbell, M. (1990). The Maroons of Jamaica: 1655-1796. Trenton, NJ: Africa World Press para discussões aprofundadas sobre a presença Maroon e o crescimento da liberdade africana nas sociedades coloniais americanas.

2. Os caucasianos (também conhecidos como arianos) são europeus e árabes. Nos últimos 1.000 anos, eles repetidamente invadiram, conquistaram, colonizaram e agora controlam terras e mentes africanas.

3. É importante notar que o conceito do M. Sutherland (1993) de "The Authentic Stuggler", a Noção de Wilson (1999) de "The True Nationalist", e do A. Hilliard (2002) o Jegna com base em amárico são idênticos em todos os aspectos principais ao intelectual quilombola de Jehewety.

4. Veja meus ensaios "Descolonizando a Mente Africana: Análise Adicional" e "Estratégia e Dwt: Uma Ferramenta para Romper as Cadeias da Escravidão Psicológica" em www.nbufront.org para visões gerais concisas desses tópicos.

5. Ver N. Akbar. (1998). Conhece a ti mesmo. Tallahassee, FL: Mind Productions, Capítulo 5 para um resumo conciso da teoria da RDC de Banks.

6. Ver Karenga, M. (2006). Maat, The Moral Ideal in Ancient Egypt: A Study in Classical African, pp. 239-240 para uma discussão sucinta da papel do geru maa no pensamento moral egípcio antigo.

7. Sabe-se que os líderes das 1ª, 12ª, 18ª e 25ª dinastias lançaram com sucesso o whm msw. Ver Carruthers, J. (1995). Mdw Nir: Divine Speech, Londres: Karnak House, pp. 57 58; Hilliard, A. (1997). SBA: O Despertar da Mente Africana. Gainvesville, FL: Makare Publishing, Capítulo 1, e Nobles, W. (2006) Connecting the Sakhu: Foundational Writings for an African Psychology. Chicago: Third World Press.

8. Dr. Chancellor Williams dedica o 25º Capítulo de A Destruição da Civilização Negra aos "detalhes de um Plano Diretor" para unir e capacitar o Mundo Africano. Estas 21 constituem o ponto de partida para todas as discussões sobre a teoria da libertação africana do século 21.

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terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Irã e Burkina Faso assinaram acordo sobre uso de energia nuclear

À margem da 68ª Conferência Geral da Agência Internacional de Energia Atômica, em 19 de setembro em Viena, Áustria, autoridades da República Islâmica do Irã e Burkina Faso assinaram um memorando de entendimento para o uso pacífico da energia nuclear. O MoU foi assinado pelo presidente da Organização de Energia Atômica do Irã, Mohammad Eslami, e pelo Ministro de Educação Superior, Pesquisa Científica e Inovação de Burkina Faso, Lionel Bilgo.

Conforme declarado pelo Turkic World, a cooperação entre os dois países será nas áreas de pesquisa, educação e projetos a serem definidos. O Irã usa seu programa nuclear para agricultura, saúde, eletricidade, etc., e tem expertise em mineração, processamento e enriquecimento de urânio para produzir combustível para reatores de energia nuclear, que são o coração das usinas nucleares.

Burkina Faso já está em negociações com a empresa nuclear russa Rosatom a fim de construir uma usina nuclear até 2030. Para esse fim, técnicos da empresa russa visitaram o Ministro responsável por energia, minas e pedreiras Yacouba Zabré Gouba na capital de Burkina Faso, Ouagadougou, em agosto.

Conforme relatado pela APA, Gouba assegura que a próxima usina nuclear resolverá o déficit energético de Burkina Faso. Em agosto, Burkina Faso concedeu uma licença à empresa de mineração russa Norgold para operar uma nova mina de ouro em Yimiougou, que deve produzir 2,5 toneladas de ouro durante sua vida útil de quatro anos.

A Rússia já opera mais duas minas de ouro em Bissa e Bouly e encerrou as operações em sua mina de ouro em Taparko em abril [2024] devido a preocupações com a segurança.

https://youtu.be/tG0nMrYca50?si=JR88W3E3hIzASkI5

sábado, 25 de janeiro de 2025

Discurso do Capitão Ibrahim Traoré em Gana (Janeiro 2025)

O presidente de transição de Burkina Faso, Capitão Ibrahim Traoré, virou manchete após receber a "maior ovação" entre os presidentes africanos visitantes durante a posse do Presidente John Mahama de Gana no último dia 7, terça-feira, janeiro de 2025.

Discurso do Capitão Ibrahim Traoré em Gana (Janeiro 2025)

Gostaria de desejar a vocês um feliz ano novo. Que Deus lhes conceda uma vida saudável. Que Deus permita que todos os seus negócios sejam bem-sucedidos. Que vocês sejam prósperos. Que haja união e amor em suas respeitadas famílias e entre vocês. Que Deus os proteja durante todo este ano de 2025 e os ajude a realizar sonhos.

Gostaria também de prestar homenagem às nossas valentes forças de combate, que lutam com seus corpos e almas - como vocês podem ver - para que nosso Burkina Faso permaneça de pé. É um trabalho nobre. Os homens são essenciais, toda vez que vão para a batalha, eles sabem que alguns ficarão, mas o dever os chama, esse é o trabalho do exército.

Presidente Ibrahim Traoré 

Muitas vezes somos nostálgicos, mas aqueles que têm a chance hoje de defender Burkina Faso devemos encorajá-los e aplaudi-los, quando eles me deixarem, não chorarei por eles, mas vamos nos compadecer deles em nosso destino. Se chorarmos por eles, devemos vingá-los.

Preste homenagem a eles o máximo que puder, porque isso não permite que ninguém saia de casa e enfrente o perigo, sabendo que pode não retornar à noite. Mas é isso que eles fazem todos os dias, eles juraram defender nossa querida pátria, até o sacrifício final nas forças de combate para manter sua palavra.

Hoje, mais do que nunca, nossas forças armadas vão aonde querem. No momento em que estou falando com vocês, há várias operações por meio de vários grupos. E estamos infligindo perdas colossais ao inimigo e gradualmente os empurrando para fora de Burkina Faso. Venceremos a batalha, esta guerra, e superaremos o imperialismo, que ativou o terrorismo em nossa região para nos colocar de volta aos tempos coloniais, para nos manter sob seu controle e nos explorar até o fim dos tempos.

A África está acordando e ninguém poderá fechar os olhos dos africanos sobre nossas realidades. Ninguém poderá chegar e nos dividir, nem impor o que quiserem sobre nós. Fizemos o máximo para estar aqui hoje para falar com vocês. Mas também para vir e desejar ao presidente John Mahama uma boa transição. Desejamos a ele uma boa transição porque há muitos desafios que o aguardam e espero que vocês possam acompanhar seus irmãos aqui.

O pan-africanismo é uma batalha bastante complexa, mas para vocês, o povo, é muito fácil liderar bem esse pan-africanismo porque os povos devem amar uns aos outros, os povos devem apoiar uns aos outros.

O problema do pan-africanismo está muito frequentemente entre nós, os líderes. Mas colocaremos tudo isso em prática para que os líderes possam seguir na direção de seu povo. Porque o povo já está integrado, ele é pan-africano.

Se hoje Gana decidiu ter o presidente John Mahama à frente do país, é uma mensagem forte. E eu desejo que vocês, burkinabês que vivem em Gana, possam acompanhar o presidente John Mahama.

A tarefa será difícil, certamente haverá desafios no nível de segurança e no nível econômico, desejo que vocês possam acompanhar as forças de defesa e segurança em Gana o máximo que puder. Tanto no nível de inteligência quanto no nível econômico, como se estivessem apoiando as forças armadas burquinenses.

Estou lhe dizendo algo: os desafios podem ser muito numerosos, mas em nenhum caso vocês devem perder a esperança, vocês devem acompanhá-los e ajudá-los em todos os níveis. A nação não sobrevive enquanto não tiver um exército forte. É por isso que eu reitero a vocês novamente para apoiar as forças de defesa e segurança em Gana. Eles são os únicos que podem ajudar o país a subir na escala econômica e a prosperar.

Então peço-lhes que amem as pessoas daqui para que vivam em perfeita simbiose, em perfeita harmonia, como vocês já estão fazendo muito bem. Como eu disse, os povos já estão integrados, o problema está no nível dos líderes. Continuem nessa direção, apoiem seus irmãos em Gana, o máximo que puderem e, acima de tudo, mostrem essa integridade. Um país de homens íntegros, vocês devem ser modelos.

O Burkinense não deve criar um problema, o Burkinense deve ser uma solução. Vocês sempre souberam se comportar bem por meio de todos os seus líderes aqui presentes e eu desejo que essa dinâmica continue e que vocês possam acompanhar o novo presidente em sua enorme tarefa de reavivar a economia do país e, acima de tudo, defender este país.

Trabalharemos juntos para fortalecer a cooperação entre Burkina e Gana e também entre a AES [Aliança dos Estados do Sahel] e Gana porque temos muitos desafios juntos e sempre fomos capazes de superá-los. A chegada do novo presidente deve ser um momento para aquecermos essas relações e levá-las ao mais alto nível. Nos próximos dias, poderemos ver o que pode ser feito em benefício dos burkinenses.

Tanto internamente quanto aqui, as preocupações levantadas pelo representante são preocupações atuais e acho que o Ministério das Relações Exteriores está trabalhando para conseguir reorganizar a diáspora para que possamos resolver esses problemas o mais facilmente possível. É por isso que os conselhos foram estabelecidos. E os documentos administrativos e outros documentos que vocês precisam para expressar sua nacionalidade estão sendo modernizados, se você acompanhou as notícias.

Costumávamos ter documentos, mas não eram seguros o suficiente. Hoje, estamos em uma dinâmica de proteger todos os documentos de identidade no país. Mas também no espaço nos EUA e harmonizá-los. É por isso que demora um pouco, mas em janeiro normalmente deve ocorrer uma reunião com especialistas para esclarecer essa questão dos documentos de identidade. E esperamos que até lá vocês consigam ter sua nacionalidade como deveria ser: Burkina Faso.

Burkina Faso está comprometido com um caminho que vocês conhecem, um caminho difícil talvez, cheio de obstáculos. Mas tenha certeza de que vocês nunca devem perder a esperança. Vocês nunca devem ter medo. Vocês nunca devem duvidar nem por um momento. De onde vocês estão, ouvimos seu apoio, sentimos isso. E toda a população local sente o apoio da diáspora. E estamos felizes em poder continuar nessa direção para motivar seus irmãos internos e que possamos juntos restaurar Burkina Faso.

Temos um sonho e esse sonho será uma realidade em um futuro muito próximo. O terrorismo acabará, desenvolveremos nosso país. Desenvolveremos nossas indústrias e tornaremos mais fácil para vocês, investidores, virem e investirem no país em condições seguras. E nas facilidades econômicas que vocês desejam.

Não esquecemos disso durante a última fase do fórum da diáspora, portanto, estamos tentando ver tudo o que pode ser reunido para permitir que vocês venham e invistam facilmente para o benefício de seus irmãos. Porque somos um país importador e continuamos dizendo isso hoje, a dinâmica é ser capaz de transformar nossa sociedade. Vocês têm a chance de estar em Gana, Gana é um país genial e acho que muita tecnologia pode ser transferida daqui para o país.

Então estamos esperando por vocês, assim como nós, que estamos desenvolvendo para inserir os jovens de volta à produção, especialmente à produção agrícola, e à transformação (processamento), porque não podemos imaginar que neste século XXI continuaremos a importar quase todos os nossos alimentos do exterior, enquanto temos um enorme potencial de terra.

Este ano vivenciamos a parcela que foi garantida. Estamos satisfeitos com os resultados. Isso significa que no ano que vem, se Deus quiser, continuaremos a dar nosso apoio ao mundo camponês, mas especialmente aos jovens empreendedores agrícolas que querem entrar na produção e incentivar essas indústrias de transformação.

Burkina Faso brilhará. Burkina Faso será grande, nosso sonho se tornará realidade se Deus quiser.

E eu os encorajo a permanecerem unidos, unidos entre si e unidos com aqueles que os acolheram aqui. Estejam unidos com seus irmãos africanos. Estamos reativando o instituto dos povos pretos porque a África tem a mesma história, somos tratados da mesma forma pelos imperialistas. Não há razão para não estarmos unidos e bloquearmos o imperialismo. Fiquem unidos, fiquem unidos e mostrem que vocês são Burkina Faso onde quer que estejam.

Muito obrigado!

Fonte:

https://www.youtube.com/watch?v=mNkK2xQRSQU

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

O novo código de mineração do Mali arrecadou US$ 1,1 bilhão para sua economia em 2024

O governo do Mali revelou recentemente que as negociações e renegociações de acordos de mineração no Mali desde que o código de mineração de 2023 foi promulgado renderam ao governo US$ 1,1 bilhão em 2024, US$ 789 milhões dos quais já foram coletados. Conforme mencionado por Mali Actu, ao focar em cláusulas contratuais que eram desvantajosas para o país, o Mali conseguiu renegociar contratos de mineração para trazer mais receita para os cofres do governo.

O Mali planeja usar a receita para infraestrutura, saúde, educação e projetos de desenvolvimento local. As empresas internacionais de mineração que desejam explorar as vastas reservas de ouro, urânio, manganês, bauxita, lítio, minério de ferro, etc. do Mali agora são notificadas de que os acordos de mineração assinados no Mali devem ser feitos em termos mutuamente benéficos.

O governo interino do Mali planeja continuar essas políticas para se beneficiar totalmente dos recursos naturais da nação e preservar o meio ambiente no interesse do povo malinês.

https://youtu.be/V8aaxgu9S3s?si=OtqVcDcGaNj6Defj

Fonte: Mali Actu - Mali: Mining agreements generate $1.1 billion for the State, $789 million already collected

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Níger e a Revolução no Sahel Africano - Entrevista

Níger e a Revolução no Sahel Africano

Por José Ernesto Nováez Guerrero

[06.02.2024 - Entrevista com o jornalista e pesquisador espanhol Alex Anfruns] 

Para entender o que está acontecendo naquela porção do imenso continente africano, conversamos com o jornalista e pesquisador espanhol Alex Anfruns.

O Sahel é uma região da África subsaariana que, como a maior parte do continente africano, raramente ocupa um espaço noticioso na grande mídia cartelizada do Ocidente. É uma região pobre, onde o jihadismo e as consequências das forças coloniais e neocoloniais têm causado estragos.

Recentemente, no entanto, três países ganharam as manchetes por uma série de golpes de estado que levaram aos governos nacionalistas e pan-africanos. O mais recente deles no Níger, ocorrido em julho de 2023, levou até mesmo à Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), uma organização na qual a França tem grande poder para ameaçar uma invasão militar do país.

Para entender o que está acontecendo nessa porção do vasto continente africano, conversamos com o jornalista e pesquisador Alex Anfruns. Alex é espanhol, mas morou na Bélgica, França e atualmente trabalha como professor em Casablanca. Ele dirigiu o Journal de Notre Amérique e foi editor-chefe do meio de comunicação Investi'action (2014-2019). Ele é coautor do livro “Nicarágua: Revolta Popular ou Golpe de Estado?” (2019) e do documentário “Palestina: A Verdade Sitiada” (2008). Seu livro de pesquisa mais recente é intitulado “Níger: Outro Golpe de Estado ou Revolução Pan-Africana?”

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Pergunta: A situação no Níger capturou a atenção da grande mídia ocidental após o golpe de estado ocorrido em 26 de julho de 2023, que foi conectado a processos semelhantes no Mali e em Burkina Faso? Qual era a situação no Níger antes do golpe e quais fatores foram necessários? Explique o que aconteceu.

– Desde as primeiras horas após o golpe de Estado no Níger, ficou claro que este não era "mais um golpe". Houve uma cascata de declarações da mídia em defesa do presidente deposto, Mohamed Bazoum, e contra os militares que proclamaram sua ação como "o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria" (CNSP).

Mas, em outras palavras, ocasionalmente, diante de golpes de Estado e ditaduras de longa duração na África, a França se acostumou a reações mais discretas ou mesmo favoráveis. Por exemplo, no Chade, após a morte do ditador Idriss Déby em abril de 2015. 2021 viu a sucessão de seu filho ao poder. Então, o que Macron fez? Ele se apressou para ir e legitimar seu grande aliado.

Por que houve tanta agitação dessa vez? Desde o advento dos governos militares no Mali e em Burkina Faso, a presença da França no Sahel sofreu um retrocesso histórico, materializado com a expulsão das tropas da "Operação Barkhane" do território malinês. Consequentemente, a estratégia antiterrorista da França na região foi completamente deslegitimada, e o exército nigerino se viu diante de um dilema: defender uma visão nacionalista ou se submeter a uma estratégia fracassada. Por um lado, como aliado da França no Níger, Bazoum acolheu algumas dessas tropas expulsas na base militar francesa em Niamey. Por outro lado, Bazoum tinha uma atitude suspeita em relação a grupos como parte de um programa de "desradicalização", que alguns analistas perceberam como apoio a esses grupos para desestabilizar os países vizinhos.

Era impossível para os militares nigerinos darem as costas aos países vizinhos. É na área da "Tríplice Fronteira" entre esses três países, conhecida como Liptako-Gourma, onde ocorre o maior número de atividades terroristas. E os militares nigerinos tinham a necessidade vital de cooperar com seus países vizinhos. Poucos meses antes do golpe, o Chefe do Estado-Maior do Exército nigerino Salifou Mody visitou o Coronel Assimi Goita do Mali para fortalecer a cooperação mútua. Essa visita levantou preocupações.

Poucos dias depois, Bazoum o demitiu de seus deveres e responsabilidades, nomeando-o para um posto diplomático nos Emirados Árabes Unidos. Essa demissão pode ter sido causada pelo medo de que Mody estivesse por trás dos preparativos para um golpe de estado militar. Os ingredientes foram reunidos para o golpe de estado. Mas restava saber se seria uma "revolução palaciana" ou uma mudança real de curso...

P: A grande mídia interpretou o que aconteceu no Níger no contexto da luta geopolítica entre a Rússia e o Ocidente, basicamente como um movimento nessa luta. Como resultado da pesquisa: Qual é a natureza e as particularidades do seu livro recente? E políticas do governo constituídas no país após o golpe? Qual tem sido sua evolução até o presente?

"De fato, uma linha de interpretação que prevaleceu na mídia hegemônica após o golpe de Estado foi que isso se deveu a disputas internas de poder. Em suma, segundo essa abordagem, o golpe que foi realizado de forma limpa e sem derramamento de sangue, foi protagonizado por atores conhecidos, comandantes de alto escalão do exército que só puderam agir por ânsia e para compartilhar uma parcela mais substancial da corrupção, fenômeno que infelizmente é generalizado no país. No entanto, que os militares entrem em cena com uma clara visão nacionalista, considerando que devem cumprir uma missão histórica na recuperação de sua soberania nacional... isso não se encaixa nos esquemas de propaganda eurocêntrica. É mais econômico sacudir o espectro da russofobia. Mas apresentar a Rússia como se estivesse por trás de toda manifestação popular africana é contrário ao senso comum.

Há uma razão pela qual tal anti-CNSP se apega aos seus.. [treze]: entender as verdadeiras motivações daquele golpe também envolveria explicar as razões das transformações no curso em Mali e Burkina Faso. Para a grande mídia, há apenas um discurso: Seja o que for, esses soldados são "demagogos", "populistas", "soberanistas"... De acordo com esse ponto de vista, eles estariam usando para seus próprios fins pessoais o "sentimento anti-francês" dos povos da região.

Obviamente, a explicação é outra: estes Líderes surgem como a expressão concreta e determinada das reivindicações Populares. Qualquer observador da realidade africana sabe que os povos da África se manifestam há anos contra os mecanismos de dominação neocolonial como o Franco CFA. No caso do Níger, uma das reivindicações tem sido o encerramento das bases militares estrangeiras, em particular a base francesa na capital, Niamey.

Se formos julgar um governo por suas ações, eu o farei: ele se qualificaria como um governo nacionalista com amplo apoio popular. Desde o primeiro poucos dias após o golpe, um governo de transição foi formado, peões no tabuleiro de xadrez sem qualquer hesitação, em meio a sanções e uma ameaça de intervenção militar da CEDEAO, que foi apoiada por ativos da França e dos Estados Unidos.

Manifestações diárias em Niamey mostram que, apesar de todo o sofrimento que os atores regionais estavam prontos para infligir ao povo nigerino, o governo do CNSP havia tomado o poder para atender às suas demandas sem ceder à chantagem. Essa lição de dignidade do CNSP foi o resultado de ouvir o povo. Para as páginas mais infames da história, haverá declarações como a da italiana Emmanuela Del Re, representante da UE no Sahel, que argumentou que sanções que levam à escassez de medicamentos, alimentos ou eletricidade "são úteis e eficazes para enfraquecer a junta [governo interino] no poder".

Nos meses que se seguiram, ficou claro que o CNSP não agiu de forma improvisada, mas suas ações responderam a uma visão política pan-africana cheia de maturidade e clarividência. A ameaça da CEDEAO de formar uma coalizão militar africana para intervir no Níger, foi afundada na lama, deixando claro que era um organismo a serviço de interesses estrangeiros, ou melhor, um mero instrumento neocolonial da França.

Acima de tudo, Mali e Burkina Faso reagiram com uma mensagem de solidariedade dotada de grande força moral para milhões de africanos: "Sim, se eles estão mexendo com o Níger, então eles estão declarando guerra contra nós também." No dia 16 de setembro, apenas um mês e meio após o golpe, a criação da Aliança dos Estados do Sahel. Uma iniciativa formidável que visa não apenas a cooperação militar entre Mali, Burkina Faso e Níger, mas também o compartilhamento de projetos de desenvolvimento econômico no Sahel e até mesmo a perspectiva de união monetária. Em apenas algumas semanas, é como se a história africana tivesse acelerado por várias décadas.

Depois disso, o curso dos acontecimentos fluiu de acordo com a vontade do povo: expulsão do embaixador francês, anúncio da retirada definitiva das tropas progressivamente até 31 de dezembro de 2023... Mas também várias medidas como a anulação do acordo de não tributação da dupla tributação com a França, que havia permitido que suas empresas se beneficiassem de privilégios históricos, o fim do acordo de migração com a União Europeia ou o fim do contrato de distribuição de água do Níger com a multinacional Veolia.

Retorno à pergunta inicial sobre a Rússia: no meu livro, dediquei um capítulo inteiro para responder a essa propaganda antirrussa na África. Encarei os diversos aspectos do projeto com a seriedade que ele merece. Papel histórico e atual das relações russo-africanas, perdão de dívidas, comércio de armas, assistência técnica, cooperação de defesa, transferência de tecnologia... Uma coisa deve ficar clara: após a intervenção na esteira dos militares na Ucrânia, os países africanos se recusaram a aderir às sanções contra a Rússia. Vamos falar sobre a realidade: as relações russo-africanas abrem o horizonte para o desenvolvimento da indústria nuclear em vários países africanos.

P: O jihadismo é um problema complexo, com ramificações extensas na região do Sahel. Quais são as raízes desse problema? e como ele afeta o país e a região?

O primeiro capítulo do meu livro, cujo tema é o Níger, é dedicado à origem da desestabilização no Sahel. Ali analiso as causas do fracasso da intervenção francesa no Mali em 2012, citando diferentes testemunhos que apontam para a continuidade entre a guerra na Líbia e a ameaça de partição territorial do norte do Mali, que chegou a justificar a presença militar francesa no país.

Deve-se saber que até mesmo os comandantes militares franceses seniores admitiram a porosidade entre os chamados grupos "jihadistas" e os setores rebeldes tuaregues. Apesar do fato de que quase uma década após a operação francesa, o problema no Mali tornou-se mais difícil de se entrincheirar. O exército malinês foi até impedido de entrar em Kidal, em uma das tentativas de recuperar a soberania sobre seu território nacional. Isso foi percebido pelos militares nacionalistas, entre os quais o Coronel Assimi Goita, como uma verdadeira afronta.

Voltando ao fenômeno do "jihadismo", o antigo presidente Bazoum tinha um conhecimento preciso dessas engrenagens. Ele explicou o círculo vicioso que engendra esse problema: primeiro, a falta de acesso à educação, que está relacionada às altas taxas de fertilidade e pobreza no país. Ele também explicou que os jovens pastores cuja situação havia sido agravada pelas mudanças climáticas, em vez de ficarem de olho em suas vacas, de repente eles podiam pegar um rifle e sair em uma motocicleta para extorquir dinheiro dos moradores de outra cidade. Bazoum estava certo ao insistir que essa motivação tinha muito do ideal romântico, que o discurso da religião era usado apenas no nível da hierarquia desses grupos, mas não desempenhava o menor papel no recrutamento de jovens para a base, e que esse fenômeno estava mais próximo do banditismo.

De fato, em uma entrevista conduzida um pouco antes do golpe de estado, Bazoum admitiu que estava em contato com os "sublíderes" desses grupos "jihadistas". O que foi capaz de convencer os militares nigerinos de que, em vez de combater o terrorismo, a estratégia no Sahel era baseada em promovê-lo, já que mais e mais pessoas estavam afirmando atores institucionais no Mali e em Burkina Faso. Em todo caso, como líder que foi cegamente encarregado da implementação das políticas do FMI no Níger, Bazoum não tinha a menor vontade de realmente melhorar o destino do povo nigerino.

A união dos esforços de três países que compartilham o mesmo problema em suas áreas de fronteira deveria ser uma boa notícia. Mas uma coisa estranha acontece: a grande mídia silencia as vitórias colhidas pelos exércitos nacionais, como a captura de Kidal em 14 de novembro de 2023 ou a Batalha de Djibo em 26 de novembro de 2023. E ao mesmo tempo amplia os erros das operações militares africanas, mostrando que são invariavelmente apresentadas como massacres contra a população civil. Como acontece frequentemente em operações de guerra, é difícil separar a realidade da propaganda. Admitamos que é uma atitude necessária para que os cidadãos não tomem literalmente tudo o que dizem os comunicados militares. Mas a insistência com que tentam deslegitimar as ações dos exércitos do Mali, Níger e Burkina Faso deve fazer-nos ter cuidado com essa abordagem simplista da grande mídia.

P: O processo no Níger, Mali e Burkina Faso parece ser anticolonial e pan-africano por natureza. Pelo menos isso fica claro nas declarações de seus principais líderes e sua firme rejeição à presença de europeus (principalmente franceses) e americanos na região. Como você faz isso?

– A próxima geração de líderes dos Estados do Sahel inclui várias das demandas históricas do pan-africanismo, incluindo a criação de um exército africano comum ou a valorização de seus recursos nacionais em relação a projetos de desenvolvimento, industrialização e infraestruturas estratégicas. Parafraseando Lenin quando ele disse que o comunismo é "o poder dos sovietes mais a eletricidade"... no caso do Sahel, os pan-africanistas têm seus olhos postos na dominação da tecnologia e no desenvolvimento da energia nuclear. Sua disposição de pôr fim ponto por ponto ao status quo imposto a eles pelo antigo mestre colonial aos pais fundadores dos estados africanos após a independência de 1960.

No meu livro, analiso um dos documentos-chave, os "Acordos de Defesa de 1960-61", que deixaram as mãos e os pés amarrados aos novos países africanos, no que diz respeito à diversificação de parceiros para a venda de suas matérias-primas estratégicas. Agora, essa situação mudou, e tanto Ibrahim Traoré em Burkina Faso quanto Ali Lamine Zeine estão expandindo suas relações com novos parceiros, como Rússia, China, Turquia e Irã, reforçando o peso do mundo multipolar diante dos antigos privilégios de um ator como a França.

Quando você olha para um país como o Níger, que conta com os mais baixos indicadores globais de desenvolvimento humano, com cifras de 44% de pobreza extrema, e ao mesmo tempo com as mais formidáveis ​​riquezas do mundo, no subsolo, um dos maiores produtores mundiais de urânio. Deve-se procurar os fatores que relacionam essa equação. Selecionei as informações para o leitor julgar por si mesmo.

Mas eu afirmo claramente que é uma relação na qual há cúmplices e culpados. É verdade que as relações internacionais são baseadas em interesses, mas o povo nigerino mostrou que tem a dignidade de um gigante. De agora em diante, as relações entre o Níger e o resto do mundo terão que levar em conta o respeito e o benefício mútuo.

P: Níger, Mali e Burkina Faso acabaram de anunciar sua decisão de deixar a CEDEAO. Como podemos avaliar o papel desta organização, considerando que ela até considerou invadir militarmente o Níger por um tempo?

A saída dos três países da CEDEAO em uma declaração conjunta, confirma o senso de dignidade da atual geração pan-africana no Sahel. A CEDEAO apareceu diante dos olhos dos milhões de africanos como uma ferramenta nas mãos do antigo mestre colonial, cujos fins são contrários aos desejos do povo. Mas as sanções que impuseram ao Níger podem ser o último prego no caixão que marca seu enterro final. Apesar de serem três países sem litoral, os mecanismos de solidariedade interafricana funcionaram, resistindo aos efeitos dessa punição que viola os próprios textos da organização.

Deixando de lado a inflação em alguns produtos, o povo nigerino declara que as sanções não são sentidas. O comissionamento da usina fotovoltaica de Gorou Banda (55.000 painéis solares, 30 Megawats), inaugurada em 26 de novembro, permitiu resolver o problema da dependência de eletricidade da vizinha Nigéria. Comboios comerciais de Burkina Faso garantiram a chegada de provisões.

Mesmo os interesses de setores econômicos de países beligerantes dentro da CEDEAO, como aqueles representados pelo Porto de Cotonou, Benin, decidiram levantar a proibição de retomar as relações comerciais com o Níger, em vista das perdas representadas pelo bloqueio de importações para aquele país (80% do volume de trânsito). Mas o Presidente da Câmara do Ministério do Comércio do Níger respondeu em uma declaração em 27 de dezembro, que ao manter as sanções ilegais da CEDEAO, os comerciantes foram convidados a continuar usando o porto de Lomé no Togo e comboios comerciais com Burkina Faso. Não podemos deixar de mencionar a iniciativa do Reino Marroquino, que propõe aos países da Aliança dos Estados do Sahel o acesso ao Sahel com suas mercadorias para o Atlântico. Estes são sinais do fracasso da tentativa neocolonial de isolar estes três países e de que o Pan-Africanismo veio para ficar.

A CEDEAO não era mais uma organização credível. Um dia antes da decisão histórica, uma delegação da CEDEAO, anunciou há mais de um mês, que tinha que se encontrar com o Primeiro-Ministro do Níger em Niamey para negociar o fim das sanções. Lamine Zeine tinha acabado de chegar de uma viagem pela Rússia, Turquia e Irã, e se ele não tivesse a intenção de receber a CEDEAO, poderia ter estendido sua visita ao exterior para conseguir acordos importantes de cooperação econômica.

Pois bem, acontece que o avião da delegação da CEDEAO não decolou de Abuja, sob o pretexto oficial de uma avaria técnica. Uma explicação que foi interpretada como pouco menos que grotesca e, em todo caso, uma falta de respeito imperdoável. Horas depois, Mali, Burkina Faso e Níger desferiram um golpe mortal a esta organização controlada remotamente por Paris. Esta ação abre as portas a outras medidas, como a adoção de uma moeda própria, afastando-se do mecanismo iníquo do franco CFA.

P: Como você avalia o processo que acontece de forma global? Ele está acontecendo no Sahel? Como vê-lo no contexto das transformações e desafios da África hoje?

– A transformação em curso no Sahel está em andamento, dando uma lição para aqueles que se acostumaram a lidar com a África desde uma atitude paternalista. Os povos da Europa devem distinguir entre o discurso de medo inoculado por seus líderes – medo de migrantes, medo do terrorismo, etc. e os eventos e ideais cheios de esperança que são passados ​​para a nova geração pan-africana.

A visão que propõem para o futuro de seus povos é rigorosa e completa. Em poucos meses, eles romperam com as falsas ilusões da democracia abstrata, a ponto de os povos desses três países começarem a ver os frutos da mudança e exigirem um período de transição mais longo do que o anunciado: exigem que os governos militares continuem por até dez ou quinze anos. É obviamente um pesadelo para o imperialismo.

Mas as medidas tomadas por esses governos – como os Voluntários para a Defesa do Povo (VDP) em Burkina Faso – devem ser uma Escola para o povo. Depois que a França não teve outra escolha a não ser sair pela porta dos fundos de uma maneira humilhante, é de se esperar que as provocações aumentem em 2024. Isso foi anunciado sem escrúpulos por um Ex-Agente Francês em um Aparelho de TV: De Agora em diante, o Plano consistirá em operações clandestinas de desestabilização. Para lidar com essas ações criminosas, é um requisito estar informado sobre o que está acontecendo em jogo lá. Para os povos do Norte, cujo bem-estar relativo teve como condição, amnésia e ignorância cultivadas por séculos é um dever identificar corretamente as aspirações da nova geração pan-africana. Para os povos do Sul, é necessário compartilhar experiências e esforços, denunciar a arma de guerra que são as sanções ilegais e construir mais solidariedade entre os povos. O que requer estudar a história e o presente de suas lutas, ou como disse Martí: "Os povos devem se apressar em se conhecer como se fossem lutar juntos uma batalha". Eu acrescentaria que hoje essa batalha, nas circunstâncias de um dos aspectos históricos da Nova Guerra Fria é o do anti-imperialismo.

[José Ernesto Nováez Guerrero. Escritor e jornalista cubano. Membro da Associação Hermanos Saíz (AHS). Coordenador do capítulo cubano da Rede em Defesa da Humanidade. Reitor da Universidade das Artes.]

Fonte: https://espanol.almayadeen.net/entrevistas/1814849/n%c3%adger-y-larevoluci%c3%b3n-en-el-sahel-africano

Rebelion 05.02.2024

retirado de: www.afgazad.com [https://afgazad.com/2024-EU-Langueges/020624-Niger-and-the-revolution.pdf]